Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
16
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 11:33link do post | comentar | ver comentários (1)
Este é um texto que eu gostaria que todo mundo copiasse e compartilhasse, com ou sem atribuição de autoria.

O copiador de conteúdo trabalha contra o objetivo maior do novato, que é o de tornar-se conhe­cido. Aquilo que ele semeia, o copiador vem e arranca. Se você é um escritor novo e des­co­nhe­cido, o seu maior inimigo não é o editor vampiro, porque ele não pode invadir o seu bolso a menos que você o convide a entrar. Com alguma dose de bom senso e bons conselhos, você pode até conseguir utilizar em seu proveito os serviços de uma editora ruim. Mas você não pode fugir do copiador de conteúdo, a menos que evite blogar.

Esta é uma solução inaceitável, porém. Como não blogar se justamente o blogue é o meio pelo qual o escritor anônimo pode esperar chegar a um público e ser reconhecido? As gavetas não avaliarão o seu texto e as quatro paredes de seu quarto nunca lhe oferecerão um contrato. Eis, então, a monstruosidade do copiador de conteúdo, e eis porque os estou convidando a entrarem comigo nessa luta.

É legítimo que o jovem autor, ou o autor amador, jovem ou não, crie blogues para compartir os seus textos com o mundo. A internet oferece essa via para aqueles que não têm mídia. Muitos autores começaram blogando, lá fora até mais do que aqui. Quando cria um blogue para compartilhar os seus textos, o que espera é que pessoas venham ler e retornem caso gostem. Você quer que memorizem o seu nome para que adquiram seu livro, se futu­ramente aparecer numa prateleira de livraria, material ou virtual. Acessoriamente você pode esperar ganhar algum dinheiro com anúncios. Cada um desses objetivos é frustrado pelo copiador.

O copiador de conteúdo cria um blogue ou saite, mas o utiliza para republicar textos escritos por outras pessoas, retirados de outros blogues ou saites, em vez de populá-lo com os seus pró­prios textos, ou de autores exclusivos. Isto pode ser feito com o consentimento do autor e con­forme con­di­ções negociadas (podendo ou não envolver valores). Neste caso, não há sacanagem envolvida. Se, por acaso, houver erro nos procedimentos, é caso para se corrigir. No máximo, pedir desculpas. A sacanagem começa quando a transferência ocorre à revelia do autor e/ou desrespeitando as condi­ções propostas.

Idealmente, não deveria haver nenhuma cópia de conteúdo porque, como disse acima, o autor coloca seu texto na internet para se promover. O autor “gosta de aparecer”. Se não gostasse, não criava blogue, não fazia Facebook, não participava de antologia, nada disso. Então, quando tira o texto do blogue e o leva para outro lugar, você está desaparecendo um pouco com a promoção que o autor queria fazer para si. No entanto, se você faz um bom tra­balho de divulgação do seu grande meta-blogue ou saite, o autor não vai se importar com isso porque a visibilidade que ele terá com o seu texto, mesmo entre dezenas, em um saite muito visitado pode ser maior do que a de seu obscuro blogue original. Por isso, esse “idealmente” é muito relativo. E ninguém deve ter vergonha de copiar texto de blogue para pôr no seu saite, pelos motivos acima expostos.

É justamente essa visibilidade que traz a "remuneração" metafórica que o autor busca. Você deve permitir que o autor usufrua do benefício de ter um texto no seu grande meta-blogue ou saite, através do aumento da exposição de seu blogue original e de seu nome. Caso você crie obstáculos para essa visibilidade do autor você está sendo canalha com ele. E esse texto é contra você. Você é parte do que está errado no mundo. Você é um vampiro de conteúdo.

O primeiro passo da vampiragem é não notificar o autor. Esse simples aviso já é uma remu­ne­ração para um autor amador. Dependendo do renome de seu saite, o autor mandará e-mail a muita gente para gabar-se que foi selecionado (o que não deixa de ser publicidade gratuita para você). É um estímulo, também, para que ele continue produzindo.

Em seguida está a não atribuição de um link recíproco (backlink). Esse link direcionará os leitores do texto para o endereço de onde foi retirado. Quem gostar daquele texto procurará ler outros do mesmo autor. Esse aumento de tráfego poderá gerar receita de publicidade para o autor (através de AdSense ou outro serviço) ou pode servir como outro estímulo.

O último nível em que ainda dá para supor a boa fé está na remoção do crédito da autoria. Ainda é possível pensar que foi apenas erro (caso tenha sido um caso isolado) ou um mero desconhecimento da etiqueta (especialmente no caso de traduções). Mas a remoção da autoria já é uma ação perniciosa, que trabalha contra o reconhecimento do trabalho do autor, cer­ta­mente já lhe causando grande frustração. Muitos textos acabam se tornando apócrifos por causa disso, negando crédito a quem realmente os escreveu.

Saindo do terreno dos incautos e caindo firmemente na área da picaretagem amadora, existe gente que se atribui (ou a outrem) a autoria dos textos copiados. Isso nem sempre é aparente, basta uma simples notícia de copyright no rodapé da página (frequentemente adicionada por padrão a todas as páginas do blogue ou saite) para configurar uma reivindicação de autoria. Picare­tas um pouco mais mal-intencionados vão mascarar a autoria original introduzindo pequenas altera­ções no texto (adição ou subtração de palavras, mudança da configuração de parágrafos). Alterações que não resistem segundos a uma análise em um programa de diff. Se o picareta for ainda mais sofisticado, tentará forjar uma prova de anterioridade da autoria, blogando com data retroativa (algo fácil de se fazer na maioria das plataformas de blogue).

Picaretas realmente profissionais tentarão impedir que o autor identifique o roubo de seu texto e suprimirão suas tentativas de protesto caso ele apareça reclamando em grupos do Facebook, comunidades do Orkut/Plus, clãs do Netlog, blogues coletivos, fóruns, etc. Esses são mais perigosos, porque não agem sozinhos: conseguem parceiros para ajudá-los a mode­rar comentários ou até mesmo para hackear o blogue do autor, ou fazer-lhe um ataque DdoS. Com a ajuda desses parceiros, e também de sockpuppets (perfis falsos em redes sociais e fóruns), produzirão uma campanha
de ofuscamento do feito, difamação do autor e obstaculi­za­ção de toda tentativa de esclarecer o que aconteceu.

Caso o ataque continue por bastante tempo e seja efetivo para apagar a vida online do autor (dele­ção de blogue, expulsão de comu­ni­dades/grupos), o copiador poderá impedir defi­ni­ti­va­mente que se reivindique sua pro­priedade original do texto. Porém, como são poucos os auto­res que identi­fi­cam tais abusos e "correm atrás" de seus direi­tos, o esforço dispendido pelos copi­a­dores é pequeno. O objetivo desta campanha é torná-lo maior, para que seja menos lucra­tivo (em termos de remuneração monetária ou subjetiva).

Nem todo copiador de conteúdo tem a intenção de prejudicar o autor do texto original. Todos, porém, pensam em ganhar alguma coisa (dinheiro ou reconhecimento) com o seu projeto. Quando esse ganho não impede que o autor também ganhe alguma coisa por si, temos uma relação justa e até desejável. A coisa só se torna imoral quando o copiador, além de ganhar, impede (intencionalmente ou não) que o autor também ganhe.

Algumas destas práticas descritas são “benignas” (na mesma acepção de “tumor benigno”) porque é pos­sível supor que não houve intenção. Outras são malignas justa­mente por­que a suposição é improvável. Mas algumas são muito malig­nas pois, além da intenção ser evi­dente, ainda fica evidenciado um trabalho persistente de manutenção ou extensão do dano.

Acredito que uma boa prática para saites ou blogues que publicam conteúdo alheio deveria envol­ver os seguintes passos:
  1. Contactar ao autor, informando-lhe que um texto seu foi selecionado para publicação. Mesmo que o contato não seja possível, se o autor tiver publicado sob uma licença que pres­supõe auto­riza­ção de cópia, como a Creative­Commons usada no meu blogue, ainda se poderá fazer a publi­cação, desde que respeitados os passos seguintes, mas sem autorização não se deverá nunca republicar texto algum.
  2. O contato deve sempre perguntar ao autor se ele autoriza a publicação do texto tal como está no blogue ou se deseja fazer alguma revisão.
  3. A publicação sempre deverá incluir atribuição de autoria visível (no cabeçalho, nunca no rodapé) e deverá ser oferecido um link para o endereço de onde o texto foi retirado (preferencialmente vinculado ao nome do autor ou, menos elegantemente, no rodapé).
  4. Para valorizar os autores, especialmente os que tiverem mais de um texto republicado, é boa ideia criar uma página de perfil, com foto, minibiografia e lista de seus textos constantes no local.
Agindo desta forma, os meta-blogues ou saites que reproduzem conteúdo estarão oferecendo aos autores uma compensação justa pelo trabalho que realizam e manterão esses autores moti­vados a continuar escrevendo e compartilhando textos na internet. Agindo de outra forma, será cada vez mais frequentes que os escritores tenham receio de colocar o seu texto na rede (como eu já deixei de fazer), o que reduzirá a longo prazo a quantidade e a qualidade dos textos livremente dispo­níveis para leitura on-line. A menos que esse seja o seu objetivo, acre­dito que você será sensi­bilizado por este manifesto e adequará suas práticas.

15
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 23:48link do post | comentar
Ó, meu Deus! Deixo-vos um conselho. Nunca tentem cremar seu animalzinho de estimação falecido usando um forno doméstico. Não apenas se produzirá o pior cheiro imaginável, mas ele não virará cinzas e apenas queimará. Tentei isso hoje. Este não tem sido um dia bom para mim.

Cristina.
 

Querida amiga, você não estava totalmente enganada a respeito do uso de fornos domésticos para a cremação de animais. É claramente uma boa ideia fazer isso, mas apenas com animais um pouco maiores do que um porquinho da índia, um camundongo ou um gatinho. Quanto menor o bicho, menos gordura ele tem para a ignição do processo, daí a baixa intensidade das chamas obtidas, insuficientes para uma cremação efetiva. Tente com animais um pouco maiores, como leitões, cães, pôneis, javalis, ursos. Focas e leões marinhos têm o tamanho ideal e a melhor relação gordura/peso. Animais muito grandes são, porém, desaconselháveis, pelo risco à vizinhança. Uma baleia, por exemplo, pode obliterar o quarteirão se você tentar.

Fonte: madrugadas do Facebook.

14
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 08:30link do post | comentar | ver comentários (3)
Em razão dos constantes dissabores que tenho sofrido com plágio ou cópia não atribuída de conteúdo, estou neste momento fechando este blogue para textos literários. Não vou mais blogar a minha ficção aqui. Se não achar editora que a publique, deixo na gaveta para os cupins lerem, ou jogo fora. Não vou gastar meu tempo escrevendo para espertinhos copiarem e ficarem com o crédito. Se é para não ganhar nada, então não faço nada também.

O tempo liberado com a não publicação será investido na tentativa de localizar as cópias não autorizadas ou plágios. Inicio hoje uma campanha, para a qual convido outros blogueiros publicadores de ficção, a que vou intitular “Respeite o Conteúdo Livre”. Esta campanha será através de emails bem educados, enviados a sites e blogues nos quais eu encontre obras minhas não atribuídas ou incorretamente atribuídas. Ainda estou bolando o texto, mas acredito que o cerne da mensagem será algo parecido com:
Convido-o a retribuir respeitosamente o trabalho daqueles que compartilham gratuitamente obras literárias originais ou traduções, com permissão de livre cópia e sem importunação com direitos autorais. Estas pessoas fazem isso pensando principalmente no retorno que terão através do compartilhamento e publicação de seus textos. Quando você nega o link de volta ou atribui incorretamente o texto, você está negando a este autor a única remuneração que ele espera. A longo prazo, esta atitude fará com que menos bons autores se disponham a publicar na internet. Eu mesmo não o farei mais, por causa da grande frequencia de atitudes como esta que identifiquei no seu site.
Se não foi por má intenção que você compartilhou este conteúdo sem dar crédito, ou com um crédito incorreto, por favor não despublique nem apague esta página e nem este comentário. Ao fazê-lo, você me fará pensar que você é um ladrão de textos escondendo as suas impressões digitais. Se você errou por descuido, ou foi induzido ao erro por outros, então aproveite a oportunidade e corrija a atribuição do texto, satisfazendo os termos da licença segundo a qual eu o publiquei, que pode ser lida no rodapé do meu blogue: http://letras-eletrics.blogspot.com
Outra opção, um pouco mais poeticamente justa, seria criar uma página listando todas as atribuições incorretas ou cópias não autorizadas, uma espécie de “mural da vergonha”. Já que os responsáveis nunca me contataram sobre minhas obras, acho justo que eu os exponha sem os contratar também. Só que, como a justiça poética não se aplica ao mundo, vou deixar isto apenas como uma sugestão.

13
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 11:00link do post | comentar
Um dos problemas de se ter um blogue na internet é que as pessoas ainda não se deram conta de que o direito autoral existe e, pior, não distinguem entre o abuso de direito autoral cometido por uma multinacional que chega a pagar propina a congressistas para estender os prazos de seus direitos, e os de um pobre autor amador e desconhecido que só os quer usar para obter reconhecimento pelo seu trabalho.

Tive dois casos desagradáveis esse ano, de utilização não creditada de trabalhos meus. O primeiro eu ainda estou correndo atrás, para ver se compenso o estrago (que é enorme para as proporções de meu blogue) e o segundo acabou de ocorrer, mas foi tudo deletado já, sem ter causado estrago maior, porque percebi rápido.

No primeiro caso fizeram um e-book com a minha tradução do romance “A Casa no Fim do Mundo” (de William Hope Hodgson) sem incluir link nos créditos (condição exigida pela licença Creative Commons que aplico a tudo no meu blogue) e colocaram na blogosfera e na comunidade brasileira de e-books sem nenhuma menção a não ser uma, minúscula, dentro do arquivo epub. Ou seja, trabalhei mais de 180 horas nesta tradução e não estava tendo nem mesmo o retorno em visitas (e consequentemente AdSense) ao meu blogue. Que tipo de estímulo você pode ter para fazer uma tradução e compartilhá-la com a comunidade blogueira se esta comunidade, em vez de cumprir a condição que você estabelece visando ao seu reconhecimento, prefere “fuzilar” o seu direito como se você não devesse esperar nenhuma remuneração e nenhuma retribuição (sequer moral) pleo seu trabalho?

Quando reclamei, os responsáveis se fizeram de ofendidos, me chamaram de estrelinha, ficaram de mal etc. e só um se comprometeu a modificar os arquivospara incluir  os links. Os demais simplesmente removeram (ao menos temporariamente) os arquivos eletrônicos e se calaram sobre a minha existência. Existem centenas ou até milhares de cópias dessa tradução em e-book que não contém informação correta do responsável pelo trabalho. E o crédito vai para os criadores desses sites de distribuição de conteúdo, que nada pagam e nada se esforçam para traduzir. Vampirizam o trabalho dos amadores para seu ganho pessoal (que, de qualquer forma não deve ser grande). Algumas dessas pessoas certamente devem até estar falando mal de mim por aí, dizendo que sou difícil, irascível.

A causa de tudo isso: o responsável pela criação do e-book jamais teve a ideia de me contactar para sequer me dar um “oi”, nunca me disse que estava distribuindo o meu trabalho e nem me pediu qualquer opinião sobre, talvez, a necessidade de mais uma revisão. Certamente, ao visitar meu blogue, ele se sentiu como quem faz compras. Quem compra um queijo não liga para o supermercado para avisar que o está comendo. Só que o comprador do queijo pagou por ele, e adquiriu o direito de comê-lo sem dar satisfações. No meu blogue é diferente: há um claro aviso, repetido três vezes na página, de que você pode levar o meu queijo de graça, desde que todos saibam que você pegou ele de mim.

Isso é parte de uma mentalidade comum na internet. As pessoas acham revolucionário fuzilar o direito autoral. Adquirimos uma naturalidade no pensar que existe uma classe de pessoas que trabalha de graça. Não peça a um jardineiro que pode sua grama em troca de um sorriso. Mas há quem imagine que se deve traduzir um livro de 160 páginas em troca de nada, nem mesmo o sorriso. E quando você reclama, errado está você com seu “mimimi”, com seu estrelismo. O carinha simplesmente copiou o meu texto e formatou um epub. Teve certo trabalho para isso, porque estava tudo distribuído em 28 páginas do blogue, o que lhe deu bastante tempo para ver alguma das três notícias de licenciamento que há em cada página. Agora existem centenas de pessoas que leram esta tradução e gostaram mas não sabem que fui eu que fiz. Algumas destas pessoas podem ter gostado do livro e gostariam de ler mais coisas do autor, ou poderiam ficar curiosas em saber que outros textos o meu blogue tem, já que gostaram desse. Isso foi negado a esses leitores. Quem reproduziu sem autorização a minha tradução não lesou somente a mim: lesou aos leitores igualmente.

Além de lesados no seu direito de satisfazer uma possível curiosidade por mais conteúdo da mesma fonte, esses leitores foram lesados na possibilidade de conhecer mais sobre a obra de William Hope Hodgson, porque eu não me sinto nem um pouco estimulado a continuar enfrentando a dura tarefa de trazer para o português “The Night Land” sendo que minha primeira grande investida não me trouxe nenhum benefício. Como não parece haver nenhuma editora interessada no autor (que é menos que uma nota de rodapé na história da literatura anglo-americana que se ensina no Brasil), esses leitores não lerão nunca a obra prima de Hodgson porque eu não vou traduzi-la. E os responsáveis pelos sites plagiadores também não vão.


O segundo caso foi ainda pior: um site "de autores" de literatura fantástica publicou sem dar crédito nenhum a minha tradução de "Uma Noite em Malnéant", conto de Clark Ashton Smith. Nem mesmo mencionaram que o tradutor fora eu. Os que violaram a licença de meu trabalho, no primeiro caso, pelo menos tiveram a decência de deixar o meu nome em algum lugar, ainda que sem destaque. Para adicionar insulto à ofensa, o site plagiador é um desses que inclui notícia de copyright nas suas páginas, provavelmente sem ter a mínima ideia do que isto significa.

Ainda estou tentando criar coragem para começar a averiguar que outros textos meus (originais ou traduções) podem ter sido apropriados sem autorização e à revelia da licença. E não sei se fico alegre, pelo interesse que meu trabalho está despertando, ou triste por ver que não tem sido dado valor ao meu esforço, e que a qualidade de meu trabalho, que o leva a ser compartilhado, não importa nada diante da “ofensa” do dono do site, que passa a me boicotar como se eu tivesse exigido a lua em troca de um beijo.

Sim, reitero. Estas pessoas, quando lêem a minha reclamação, em vez de simplesmente admitirem o erro, acham que errado estou eu, que sou o mal educado, o estrelinha, o complicado. Vários sites de e-books preferiram remover o ebook "A Casa no Fim do Mundo" a republicá-lo com as modificações que sugeri. Algo semelhante foi feito no caso da "Noite em Malnéant", o responsável pelo site preferiu despublicar a me dar a atribuição. Se ofendem por eu reclamar meus direitos, mas acham que eu não devo me ofender por se apropriarem do meu trabalho. Comportam-se como se escritores e tradutores fossem uma classe pessoas que não merece ser paga pelo que faz. E não importa que você cobre pouco, numa perversidade de parábola, aquele que tem pouco, mesmo isso lhe será tirado. Uma amiga, de vida nada fácil, certa vez me disse que é melhor cobrar, e caro, porque é muito mais fácil negar os pequenos pagamentos do que os grandes. Muitas vezes ninguém cobra vinte centavos, mas a cidade inteira fica sabendo quando você deve cem mil. Pois eu estou cobrando apenas um link e um nome no pé da página. Mesmo isso me é negado.

Coisas assim me fazem perguntar se ainda vale a pena blogar ficção fantástica. O retorno financeiro é nulo e o meu único objetivo concreto, que é o de obter visibilidade através do meu trabalho, é inviabilizado por esses compartilhamentos sem respeito ao meu ÚNICO PEDIDO que é o de incluir atribuição com link.

"Acabei cometendo um erro de não dar os devidos créditos ao tradutor, mas acho que isso poderia ser resolvido sem carnaval, teria dado os crédito sem problema se me falasse ou despublicar se assim desejasse, mas... Algumas pessoas gostam de aparecer."

É difícil explicar para as pessoas que eu não tenho que lhes pedir crédito. Elas vieram ao meu site e, se se interessaram pelo meu conteúdo, caberia a elas saber como usá-lo de uma forma legal (não somente no sentido jurídico, mas no popular). Quando você faz algo desrespeitando a vontade de alguém, é natural que ela reclame. Não na cabeça dos donos desses sites. Eles acham errado o escritor querer aparecer. 

Mania essa que escritor tem, né? Mania de querer aparecer.

12
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 17:55link do post | comentar
Provando que eu já era meio ardoroso na defesa de minhas opiniões em 1999, vai uma correspondência por mim enviada à Prefeitura de um município do interior mineiro — com cópia para conhecido jornal de ampla circulação na região — após ter conhecimento do gabarito final de um concurso para provimento de vagas no magistério municipal, no meu caso para lecionar História. O concurso acabou anulado e eu, que havia sido reprovado por uma questão, tive a chance de fazer a prova de novo, mas da segunda vez o concurso estava em um nível no qual provavelmente nem o Eduardo Bueno, nem o Jacques Soustelle e nem o próprio Hobsbawn passariam — mas um número suficiente de candidatos obteve a pontuação necessária, claro.

Esta versão não é idêntica à que foi enviada à Prefeitura pois, além de remover todo dado que pudesse servir para identificar o município (e assim me precavenho contra um processo por calúnia e difamação), também removi alguns parágrafos que não tinham informação suficiente para que alguém sem acesso ao texto da prova pudesse entender do que eu estava falando. Removi também o endereçamento e o fecho.

Tendo me inscrito no último Concurso Público realizado pela Prefeitura para preenchimento de vagas de Professor de História, venho por meio desta pedir a V. Sª. providências referentes ao mesmo, cujas provas tiveram lugar no último domingo dia 16/06 do corrente ano. Faço-o nesta data pois, tendo sido o gabarito definitivo divulgado no dia 19/06, ainda me está facultado o direito de recurso.< Faço uso desta prerrogativa por julgar que o referido concurso sofreu de imperfeições de variada espécie, as quais prejudicaram-me (e acredito que também a inúmeras outras pessoas, embora eu me restrinja a abordar os aspectos referentes ao meu caso particular). Entre essas destacam-se o descuido na elaboração das provas e a existência de diversas incorreções tanto no enunciado quanto nas alternativas em várias questões.

Prova de Conhecimentos Específicos (História)


Em relação à esta parte, a primeira, e talvez a mais grave, das imperfeições foi ter exigido matéria diversa da originalmente definida no programa. O Manual do Concurso Público «Área de Educação, Nível Superior», cita em sua página 9 os «Conteúdos Programáticos» (sic) da Área de História:
  • Construindo o pensamento histórico: reflexões sobre os papéis do professor de História e do Historiador e sobre as suas relações com as grandes correntes da produção do conhecimento histórico;
  • Brasil contemporâneo: República Brasileira: aspectos da vida política; desenvolvimento de políticas públicas; momento atual;
  • Economia e sociedade no Brasil: O Brasil no contexto da globalização mundial; as políticas neoliberais e seus reflexos na economia e no desenvolvimento social (...); meios de comunicação e cultura de massa;
  • A questão agrária e o meio ambiente: uma visão histórica do processo: ocupação da terra e a questão indígena; concentração da propriedade rural, política agrária, (...) agricultura e degradação ambiental;
  • O ambiente urbano e a industrialização do Brasil: industrialização e crescimento urbano; (...) atividades econômicas e meio ambiente, educação e saúde.
A partir desta lista se pode supor que a prova seria centrada na realidade brasileira de hoje. O fato de ser justamente este o conteúdo do currículo do Ensino Fundamental dá sólidas bases a esta suposição. É importante ressaltar isto porque, ao delimitar desta maneira o conteúdo programático, não se está meramente dispensando o candidato do estudo de outras áreas, mas também condicionando-o a desenvolver todo um raciocínio histórico invertido a partir do presente e baseado na demanda do aluno. Não é apenas uma delimitação de conteúdo; é a afirmação de uma maneira de pensar e de ensinar a História. Não se está apenas pedindo do candidato que conheça os temas propostos, mas também que estruture seu raciocínio e o seu método em torno de um paradigma.

Analisemos agora os temas das questões da prova de conhecimentos específicos.
  • Questão 31: Feudalismo (no imaginário popular e na cultura de massas).
  • Questão 32: Absolutismo (características).
  • Questão 33: Significado da vinda da família real portuguesa ao Brasil.
  • Questão 34: O Século XIX na história dos Estados Unidos da América.
  • Questão 35: Contexto histórico do Brasil no pós-guerra.
  • Questão 36: Questão Palestina.
  • Questão 37: Transição do Mito à Razão na Grécia Antiga.
  • Questão 38: Características do Período Regencial.
  • Questão 39: Causas da Segunda Guerra Mundial.
  • Questão 40: Contexto histórico do Brasil nos anos 60.
Como se vê, nenhuma das questões está compreendida nos «conteúdos programáticos» enunciados no manual e poucas, de acordo com o currículo do Ensino Fundamental. Vale ressaltar que no Ensino Fundamental a História Universal é ensinada apenas como complemento à do Brasil.

Ainda que se possa argumentar que ao professor de História cabe conhecer todo o espectro da História Universal (uma afirmação discutível sob certos aspectos*), ao divulgar que o concurso exigiria certos setores da História e não outros, os organizadores do concurso inculcaram nos candidatos a percepção de que deveriam dirigir seus estudos exclusivamene às áreas que seriam tema da avaliação. Os que confiaram nas orientações oferecidas pela organização do concurso ficaram, portanto, em desvantagem em relação aos que, por quaisquer motivos, tenham desconfiado delas. É moralmente aceitável que seja prejudicado quem confia no poder público e recompensado quem dele desconfia?

Faço questão de ressaltar que não me furto a ser avaliado em qualquer área da História. Não tenho medo de submeter a prova os meus conhecimentos. Mas, por uma questão de honestidade, acredito que os candidatos a um concurso têm o direito de saber em que quesitos serão avaliados para que possam todos preparar-se em igualdade de condições. Um concurso deve avaliar os conhecimentos do candidato, não sua capacidade de prever o futuro.

No entanto, ainda que protestando veementemente contra o fato lamentável ocorrido, não deixo de analisar friamente as questões da prova de História, pois iludir as expectativas dos candidatos não foi o maior dos erros cometidos pela organização: na maioria das questões houve problemas em relação ao enunciado ou às alternativas.

Na questão 31, por exemplo, temos um texto que, segundo o enunciado, devemos tomar por base ao analisar as quatro afirmativas propostas. Ocorre que nenhuma das opções oferecidas alude ao texto. A título de ilustração, cito o enunciado da questão:
«Para o homem comum, não especialista, a expressão feudalismo possui um peso fortemente negativo, provocando associações imediatas com imagens colhidas em velhos manuais ou em romances mais ou menos ambientados numa vaga região do passado denominada 'Idade Média' ou 'Tempos Medievais'. Para as gerações mais novas, do cinema de massa e da TV, feudalismo remete para filmes 'de capa e espada', onde a violência, o fanatismo religioso, a fome e 'a peste' encontram-se lado a lado, com figuras melancólicas e românticas de 'cavaleiros e miladies'».*
Dentre as afirmativas que devemos analisar e assinalar a «correta» temos (os grifos são meus):
  1. a abordagem da época medieval pelo cinema e pela televisão, destaca a mobilidade e a flexibilização dos papéis sociais, característicos do feudalismo;
  2. O (sic) clero consolidou o prestígio da Igreja Medieval (sic), apoiando os movimentos heréticos religiosos;
  3. A (sic) intensificação da exploração sobre os camponeses, as crises de fome e a chamada 'peste' estavam associadas às rápidas transformações socioeconômicas (sic) em curso na sociedade européia medieval;
  4. A escravização (sic) dos camponeses nos temos medievais determinou a visão negativa sobre este período da História»
Ocorre que nenhuma das quatro afirmativas é verdadeira em razão de conterem, todas, palavras inadequadas que invalidam qualquer veracidade que ostentem.

A alternativa A menciona uma suposta «mobilidade» e uma «flexibilização dos papéis sociais», quando a Idade Média foi justamente um período caracterizado pela rigidez da estrutura social. A alternativa B incorre em falsidade ao declarar que a Igreja apoiava as heresias, quando ela as combatia a ferro e fogo. A alternativa C, tida como correta, alude a supostas «rápidas transformações socioeconômicas (sic) em curso na sociedade européia medieval», quando a época foi justamente caracterizada pela lentidão das transformações. Embora ao longo do período medieval a sociedade se tenha transformado profundamente, este processo foi tudo, menos rápido, já que levou mil anos! A alternativa D utiliza inadequadamente o termo escravização para referir-se à situação dos camponeses medievais e afirma que foi isso que determinou a visão negativa sobre este período da História, quando a visão negativa sobre a Idade Média foi determinada pela concepção Renascentista de que o período teria sido uma longa «noite» em que a cultura antiga esteve esquecida. Diante do fato de que todas as alternativas estão incorretas, reconheço que assinalei aleatoriamente uma delas na prova, já sabendo que haveria de polemizar depois.

A questão 36 mostra que o seu formulador tem uma concepção bastante superficial dos eventos internacionais contemporâneos. Depois de ter citado fragmentos de uma reportagem de jornal sobre a questão palestina, o enunciado indaga qual alternativa é correta, «sobre o tema» (não sobre o texto, portanto, o enunciado nos instrui a não considerar o texto ao analisar as alternativas. Ao afirmar que «A chamada Questão Palestina refere-se atualmente à situação dos cerca de quatro milhões de refugiados em áreas vizinhas ao estado de Israel;» o formulador mostra não compreender a magnitude do problema. Qualquer pessoa bem informada sabe que a Questão Palestina não é um problema de refugiados, mas uma questão nacional não resolvida. Talvez o erro se deva ao fato de a questão ter sido formulada com base em um artigo de jornal do ano passado mas, há quanto tempo foi formulada esta prova? Ainda que eu tenha assinalado esta alternativa como correta, eu o fiz pela mesma razão que na questão 31: as quatro contêm falsidades evidentes.

A questão 37 incorre num erro digno de um Erich von Däniken, pseudo-historiador célebre por misturar os fatos históricos e freqüentemente se perder no emaranhado de sua própria confusão ao tentar defender suas mirabolantes teorias. O enunciado da questão remete à passagem do Mito à Razão na Grécia Antiga, evento que teria ocorrido, segundo o formulador da questão, entre os séculos VII e VI a.C.* e que teria sido possibilitado, segundo a alternativa dada como correta, pelo surgimento da Filosofia e pelas invasões dos dórios. Em termos lógicos a afirmativa é um absurdo! Ora, é concebível que exista Filosofia sem que exista pensamento racional? Como pode a Filosofia preceder a razão, sendo ela o mais nobre fruto da mais nobre das faculdades humanas? Em termos cronológicos o desastre é ainda maior: como pode a invasão dos dórios haver sido um fato decisivo em um processo ocorrido entre os séculos VII e VI a.C. se ela ocorreu por volta do século XII a.C., 600 anos antes? A invasão dos dórios foi responsável, isto sim, pela destruição da civilização egeano-micênica (os «Tempos Homéricos») e lançou a Grécia em um período de confusão política que é conhecido como a «Época Arcaica» (séculos XI a VI a.C.) ao longo do qual surgiram e se consolidaram os elementos da posterior «Época Clássica». O surgimento da razão não foi fruto de outra coisa senão da urbanização grega, com o surgimento da pólis; motivo pelo qual eu assinalei a alternativa B, a única que menciona o fato mais notável ocorrido entre os séculos VII e VI, único evento capaz de produzir uma transformação radical, evento este que é semente de inúmeros outros. A colonização grega e a expansão da cultura helenística (mencionadas na alternativa C) também têm pontos de contato com a passagem do Mito à Razão. A primeira por ser contemporânea à última fase da «Época Arcaica» e a segunda por representar a «exportação» da cultura grega para o resto da área do mediterrâneo (mas em uma fase posterior ao período citado). Desta análise se conclui que a única alternativa correta é B, não C.

A questão 38 induz o aluno ao erro pois a alternativa tida como «correta» (D) afirma que os partidos surgidos no Período Regencial eram «democráticos». Ou o formulador tem um muito peculiar conceito de democracia, flexível a ponto de considerar democrático um sistema que excluía 99% da população brasileira da época, ou houve erro na correção desta questão. De resto, nenhuma menciona aquela que é, realmente, a principal característica do período regencial: o fato de o governo ter sido exercido por líderes eleitos. Esse é o motivo pelo qual a época foi conhecida como «experiência republicana», como aliás está mencionado no enunciado da questão!

A questão 39, em sua alternativa «correta» identifica como causa da Segunda Guerra Mundial a «ameaça expansionista da União Soviética, pretendendo a difusão da revolução socialista». Aceito que o formulador acredite que comunistas comem criancinhas, mas não aceito que agrida o fato histórico. No período anterior à Segunda Guerra a antiga União Soviética estava passando por um processo de reestruturação social e econômica. Ocorriam crises periódicas de fome, perseguições políticas e escassez de gêneros. O país ainda estava construindo uma infra-estrutura básica e a expansão da revolução era a última de suas preocupações. Não foi por outro motivo a célebre disputa entre Trotsky e Stalin pela primazia no PCUS. Enquanto este defendia a necessidade de uma pausa no ímpeto revolucionário para «consolidar as conquistas da revolução», aquele defendia uma «revolução permanente».

A vitória de Stalin representa o triunfo do pragmatismo e do isolacionismo sobre o idealismo revolucionário. A maior prova de que não havia uma política expansionista russa está no pacto Ribbentrop-Molotov (1939), em que a URSS cedeu territórios e áreas de influência à Alemanha nazista para evitar confrontar-se militarmente com ela: Stalin sabia que, em 1939, a União Soviética ainda não tinha condições de lutar. Pretender que um país que cede ao limite da covardia para evitar um confronto militar está em uma «política expansionista» é mais do que minha pouca inteligência consegue alcançar.

Duas alternativas aludem a fatos históricos coerentes com a origem da Segunda Guerra Mundial: B e D. A letra B, ao mencionar «as rígidas cláusulas dos tratados de paz da Primeira Guerra e a geração espontânea de novos países europeus surgidos com a fragmentação do Império Austro-Húngaro» (ainda que o termo geração espontânea seja inapropriado e o fato em si, de discutível importância na esteira de eventos que conduzem à Guerra). A alternativa B reúne as mais sólidas afirmações, ao aludir à «Política expansionista de regimes fascistas na Ásia e na Europa e à diplomacia do apaziguamento». Atribui, portanto, a culpa aos verdadeiros culpados: Alemanha, Itália e Japão (os tais regimes expansionistas) e Inglaterra, URSS e Estados Unidos (os que assinavam tratados com Hitler achando que ele um dia ficaria satisfeito e a guerra não aconteceria).

Mas é a questão 40 que mais suscita revolta contra os organizadores. O enunciado afirma que:
«No início da década de 1960, a grande novidade no mundo do cinema era a revelação da produção cinematográfica do Terceiro Mundo (do Oriente, da África e da América Latina), que expressava as condições internas dos países destas regiões e o contexto da conjuntura (sic) internacional. No Brasil, o Cinema Novo começava a ganhar expressão e voltar-se para as bases populares de nossa cultura. Como características no plano interno e externo do período, podem ser apresentadas, respectivamente:»
A alternativa correta, segundo os organizadores é a B, em que se lê: «o nacional desenvolvimentismo (sic) e o surgimento do realismo socialista no cinema». Ou seja, a questão afirma que, no Brasil, vivíamos um período «nacional desenvolvimentista» e que, no plano, externo, assistia-se ao surgimento do «realismo socialista». Claro, não?

Bem claro que quem acha que isto está certo deve ter tomado pau em História da Arte na faculdade e deveria voltar para ela para aprender de novo. Protesto contra a afirmação de que o realismo socialista no cinema surgiu nos anos 60. Querem que eu rasgue todos os livros de História da Arte e confie no que algum incompetente desconhecido acha que está certo? «Realismo Socialista» foi o estilo artístico característico da União Soviética -- e de alguns de seus satélites -- entre a década de 1930 e o final da década de 1970. O «Realismo Socialista», na literatura foi criado por escritores como Vladmir Maiakóvski (morto em 1925) e no cinema, por Sergei Eisenstein (cujas produções vão de 1923 a 1941).

Transcrevo a seguir o verbete «Realismo Socialista» da Enciclopédia Larousse:
«O princípio fundamental do Realismo Socialista é a captação da realidade com a visão partidarista, objetivando uma tomada de posição explícita a favor da construção do socialismo. (...) Salientou-se o «herói positivo» (do qual o próprio Stalin seria um arquétipo); adotaram-se as formas simplificadas, a exuberãncia decorativa e a comunicação fácil com o público leitor ou espectador. Foi justificado ideologicamente nos informes de Andrei Jdanov sobre a arte e a literatura e (...) foi a doutrina artística oficial na antiga URSS e em outros países socialistas.»
Note bem a menção a Stalin. Ainda que se discuta a época exata em que surgiu o «Realismo Socialista», é evidente que ele já existia enquanto Stalin e Jdanov ainda eram vivos. Como Stalin morreu em 1953 e Jdanov em 1948, ele não poderia estar surgindo nos anos 60, caramba! Para informar ao ignorante formulador desta questão, o movimento inspirador de nosso Cinema Novo foi o «Neo-Realismo» italiano e o seu protótipo foi «Roma, Cidade Aberta», de Roberto Rosselini (1948).

Prova de Português

Tendo expressada minha posição a respeito da Prova de História, passo a analisar a Prova de Português, a qual, ainda que em grau menor, também apresenta sérios problemas.

Logo na segunda questão temos uma grave razão para controvérsia. Tudo porque o enunciado da questão, citando parcialmente uma frase do texto, indaga o significado da oposição entre sermos «seres no mundo» e sermos «seres do mundo», segundo a ótica do autor. Vejamos o que diz a frase inteira no texto (os grifos são meus):
«A modernidade, com a influência cartesiana e também da física de Newton, nos legou a falsa ideia de que somos seres destacados da natureza, que somos seres no mundo. Quando somos, de fato, seres do mundo.»
A primeira parte da citação é evidente: o pensamento materialista nos apresenta como dominadores da natureza, dissociados dela. Ao afirmar que, na verdade, somos seres do mundo, Frei Betto está apenas querendo afirmar o contrário: nós também pertencemos ao mundo, somos parte de um sistema.

O gabarito apresenta como correta a afirmativa C, onde se lê: «Fomos feitos para habitar este mundo/somos apenas parte deste mundo». É uma afirmativa bastante semelhante à letra A, que afirma: «fomos feitos para reger o mundo/somos parte da natureza». Na verdade nenhuma das duas afirmativas está de acordo com o texto citado: a afirmativa C perde ênfase e coerência ao usar a palavra «apenas» pois o objetivo da exposição de Frei Betto é ressaltar o fato de que somos mais que simplesmente «habitantes» deste mundo. Concordo que trata-se de uma questão de estilo mas, o estilo deve estar a favor da clareza. A afirmativa A também está errada porque Frei Betto não afirma que devemos reger o mundo.

Prova de Conhecimentos Didático-Pedagógicos


Em relação à questão 23 fico perplexo pela possibilidade de a afirmativa D estar correta, uma vez que as três últimas afirmativas tangenciam pelo mesmo ângulo o trecho citado. Se uma delas está correta, todas as três obrigatoriamente estarão. Consequentemente a única afirmativa que as contradiz deve estar correta. Isso, é claro, numa análise simplista e a priori, sem ler com atenção o enunciado.

Quando Veiga afirma que «As novas formas têm que ser pensadas em um contexto de luta, de correlação de forças — às vezes favoráveis, às vezes desfavoráveis. Terão que nascer do próprio chão da escola, com apoio de professores e pesquisadores. Não poderão ser inventadas por alguém longe da escola e da luta de classes» estará ele pregando que deve haver «divisão entre ensinar e aprender»? Estará querendo dizer que deve haver «desvinculação entre sentir e agir»? Estará angariando adeptos para a necessidade de separar o pensar do fazer quando justamente afirma que aqueles que fazem (professores e pesquisadores) devem ser os responsáveis pela elaboração das teorias que os guiarão?! A única afirmativa que concorda com Veiga é A: «unidade entre teoria e prática», por eliminação através da lógica abstrata, mas também por evidente semelhança de idéias.

Na questão 26, creio haver um problema de natureza lógica na formulação da questão. O enunciado nos pede para considerar os «critérios para a verificação do rendimento escolar apresentados a seguir:» Acontece que as frases mencionadas não se referem todas a «critérios para a verificação do rendimento escolar», como se verá.

Ocorre que a afirmativa II declara: «obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar» enquanto a afirmativa III alude a «possibilidade de avanço nos cursos e nas séries, mediante verificação do aprendizado».

Ora, salta aos olhos do observador que as afirmativas II e III se referem, ambas, a eventos posteriores à verificação do rendimento: II define a possibilidade de recuperação em caso de sub-aproveitamento e III fala do avanço nos cursos e nas séries, «mediante verificação do aprendizado». O próprio enunciado de III já admite que a verificação do rendimento escolar é outra coisa, e uma coisa anterior.

Portanto a única alternativa que define critérios para avaliação do rendimento escolar é I: «avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.» Estes são critérios, os outros são atitudes a tomar diante dos resultados da aplicação destes critérios.

Ainda que a LDB mencione conjuntamente as três afirmativas, é evidente que a redação do enunciado está capenga e o torna obscuro e inverossímil. Parece ter faltado à mão do redator desta questão um pouco de amor à clareza.

Sumário

Do anteriormente exposto conclui-se que, entre as alternativas que «errei» no concurso, em várias o meu erro foi induzido pela existência de múltiplas alternativas corretas; pela má construção do enunciado, resultando em afirmações absurdas em seus próprios termos; ou pura e simplesmente porque se considerou certo o que está errado.

Causa-me profundo espanto que um concurso organizado por um órgão público incorra em tantas imperfeições. Que exames que levam o nome de «provas objetivas» contenham subjetividades. Que uma tarefa de grande responsabilidade, como a elaboração de um concurso público, seja levada a efeito de forma tão descuidada, temerária até. Que diante do alto valor da taxa de inscrição não se tenha providenciado um sistema de alta qualidade e à prova de falhas.

Não espero que meus protestos resultem em providências, pois estas deveriam incluir a anulação de muitas questões ou, preferencialmente, o próprio cancelamento deste fiasco em que se transformou o concurso; mas faço uso de minha liberdade de expressão para declarar meu repúdio a este. Diante da qualidade dos exames infere-se a qualidade dos que foram responsáveis pela sua elaboração e duvida-se da qualidade das pessoas que serão por tais critérios selecionadas para o serviço público.

Eu não aceito a nota que obtive neste concurso como a medida justa de meu valor, quer sob o aspecto meramente acadêmico, quer sob o aspecto profissional. Justa medida ele é da seriedade e da competência daqueles que o conduziram.

Há que se ter mais respeito pelo dinheiro alheio. Não se pode cobrar R$59,00 de taxa de inscrição e brindar os candidatos com folhas de respostas fotocopiadas. Não se pode ter duas versões do gabarito em uma mesma semana e não depõe a favor da lisura do processo seletivo a limitação do prazo para recursos a 48 horas, especialmente se levamos em conta o restrito horário em que atende o serviço público municipal. Tudo parece conspirar para dificultar uma análise minuciosa das questões e a elaboração de uma contestação efetiva em tempo hábil, para que os candidatos acabem sendo forçados a aceitar o resultado.

Uma administração comprometida com o bem comum não pode tolerar este tipo de falhas, especialmente quando o processo foi alvo de suspeita desde o início, com maldosos comentários à boca pequena aludindo ao seu caráter de mero «arrecadador de fundos para as eleições». Diante de tão graves suspeitas que o populacho levantou, rigorosas providencias de seriedade deveriam ter sido tomadas. Sua ausência decepciona os que, como eu, hipotecaram suas esperanças votando na atual administração e permitem suspeitar da veracidade dos comentários que o zé-povinho fez circular.

Espero que minha indignação motive correções futuras, que instigue os canais competentes a agirem em defesa da cidadania, uma vez mais ferida. Sinto-me ferido em minha dignidade, insultado em meu profissionalismo ao ser ele medido por critérios amadores.

11
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 22:45link do post | comentar
Marina leva a xícara aos lábios e, ao vê-los refletidos no café negro, se despe da dureza que vestiu nos últimos meses. “Que falta me faz a Luísa” — confessa em voz alta, sabendo que não há ninguém perto para ouvir.

O último diário de Luísa jaz sobre a mesa do café, ainda lacrado. Justamente neste momento Marina está refletindo sobre o que ainda não leu, enquanto lembra o que viveram.

Um mês da morte de Luísa. A gente não se acostuma com isso, acho que nunca nos acostumamos. Para Marina foi um mês de desinteresse da vida, um mês de purgatório em que mecanicamente foi de casa ao trabalho e vice-versa.

No verso da capa está anotado um telefone, em letras grandes, gordas, escuras, difíceis de não ver.

“Ela queria que eu ligasse” — pensa Marina. “Mas eu não vou fazer isso de jeito nenhum.”

E sorve um gole de café.

O dia tinha sido intenso. Trabalhara como poucas vezes. Apenas a amiga cafeteira a entendia, e lhe fazia um café negríssimo em poucos instantes, para acordá-la para a noite. Hora de terminar o café, começar o banho, continuar a vida.

Ouviu o interfone justamente quando depositou a xícara na mesa. Uma sincronicidade dessas que a vida tem. Tentou ignorar, ele insistiu. Adiou o ritual diário de purificação e foi atender o aparelho ainda com a alma sofrida.

Ricardo.

— Luísa me pediu que a procurasse. Aqui é o Ricardo, lembra de mim?

Marina já tinha pensado que sim,  mas também que gostaria de esquecer. Estava preparada, só que não.

— Sobe, Ricardo.

Abriu a porta quando escutou os passos no corredor. O impacto denunciava que ele ainda continuava com a moda estranha daquelas botas de salto, estilo vaqueiro de cinema. Era ridículo, mas às vezes não era.

— Boa noite, a Luísa me pediu que te procurasse.

Marina franziu o cenho.

— Quando? Tantas semanas…

— Antes, claro.

— Para que?

— Bem. Fomos as pessoas de quem ela mais gostou. Seu namorado, a melhor amiga.

“Ele não sabe de nada”.

— Acho que você está enganado. Estávamos rompidas desde meses. Discussão muito séria. Eu disse coisas feias, ela saiu daqui muito magoada comigo. Não creio que eu fosse mais sua “melhor amiga”.

— Não foi o que ela me disse. Na carta que mandou, disse que lhe amava muito e que entendia o modo como você se sentiu.

Os olhos dela brilharam.

— Uma carta? Ela escreveu?

— Sim.

— Posso ver?

— Não. Ela pediu que eu queimasse.

Marina engole em seco. Mas não deixa transparecer. Uma carta somente para os olhos dele, coisa de filme de espionagem. Somente a mentalidade infantil de Luísa pensaria nalgo assim.

— Acredito que nós temos coisas muito importantes a dizer um ao outrohellip; um dia. Ainda é cedo. Vamos deixar que o tempo pense, que Luísa ache descanso e que nós nos ponhamos as cabeças no lugar. Depois vamos ver o que há para dizer.

— Eu vim em busca de respostas. A carta só tinha perguntas.

— Isso, infelizmente, não posso dar. Todas as que tenho provavelmente são as que você já teve, ou as que você não quer.

Marina viu os olhos de Ricardo se aquecerem por um momento e se lembrou do esforço que devia custar ao pobre estar ali, falando-lhe  naquele tom. Principalmente se suspeitava de algo. Ele não era um cara passivo e honesto, desses que sabem esperar a vez. Somente o choque da morte de Luísa o amansava o suficiente para esperar no umbral da porta, sem meter o pé e entrar à força. Mas, de algum jeito, Marina tinha dó dele não entrar.

— Olha, meu bem, vamos fazer o seguinte. Você volta para sua casa e nós deixamos alguns meses se passarem. Eu ainda não me sinto pronta para conversar a respeito da Luísa e posso ver perfeitamente que você também não está. De acordo?

Ele fez que sim em um gesto breve. Aliviado.

— Tudo bem. Mas quando?

— Te convido a vir tomar um chá aqui em casa dentro de três meses, ou nunca. Pode ser?

— Três meses ou nunca?

— Se dentro de três meses você não quiser mais conversar comigo sobre a Luísa, então terá sido melhor assim.

— Talvez tenha razão. Combinados.

“Ele topou” — Marina sorriu — “e ganhei tempo.”

Ricardo despediu-se educadamente, apesar de não ter sido sequer convidado a entrar, e desceu a rua sem olhar para trás.

Quando ele terminou de descer as escadas, ficou olhando brevemente para o branco da porta recém pintada. Para cobrir a tinta cor de rosa que Luísa sugerira. Estendeu o braço e arrancou com a unha um naco da pintura, revelando a cor antiga, dolorida ainda.

Tinha sido somente naquele dia, pela manhã, que tivera alguma aventura alheia à rotina. Antes do serviço passara no correio para abrir a caixa postal. Dentro do escaninho estava um envelope grande, contendo a pequena preciosidade. Do lado de fora havia a recomendação: entregar somente em 09 de março. Alguém servira de portador à última vontade dela.

“Que surpresas você reservou para o fim, minha amiguinha?”

Dentro do envelope havia uma caixa lacrada, contendo somente aquele caderno de capa dura, monocromática e escura. Um caderno grosso e grande e sério. Bem diferente dos antigos cadernos de escola, tão coloridos e cheios de fantasia. Uma capa verde-escura. Verde-morta.

Na capa, uma etiqueta adesiva onde se lia “de: 01/01/85 — a: ++/++/++”. As cruzes acrescentadas firmemente com outra caneta, meses depois.

Estava embrulhado em celofane e preso por um barbante. Tivera de romper o lacre cuidadosamente para preservar o papel. Tinha essa mania de tentar abrir embrulhos sem estragar o envoltório. Luísa sabia disso, usara um barbante porque fitas adesivas teriam estragado o frágil celofane.

Na primeira página nenhum título, só um desenho feito com esferográfica. A paisagem parece invernal, espectral, por causa da tinta azul clara de uma caneta velha. Um papel solto cai ao chão. Nele se lê:

“Frutos, dão-nos as árvores que vivem,
“Não a iludida mente, que só se orna
“Das flores lívidas
“Do íntimo abismo.”

Sem assinatura, mas é Fernando Pessoa. Marina sabe de onde o tiraram. Só não desconfia do motivo de estar ali. Nas costas do papel, um telefone.

“Ela queria que eu ligasse, e eu não liguei.”

Leopoldina, 30 de abril de 2005
revisado em 10 de março de 2013
com a harmonização temporal
e inversão da primeira cena para o fim.

26
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 20:51link do post | comentar | ver comentários (2)
We don't need no education,We don't need no thought control,No dark sarcasm there in the classroom.Teachers, leave them, kids, alone.Hey, teacher! Leave the kids alone.All in all it's just another brick in the wall.
A leitura de Preconceito Linguístico: o que é e como se faz — obra seminal de Marcos Bagno — me abriu os olhos para algo que eu intuía, mas nunca articulava: o viés de luta de classes que está presente na concepção da língua como algo que precisa ser ensinado ao povo ignorante, ao povo que não sabe falar. Na visão da gramatiquice tradicional, já devidamente desancada por Monteiro Lobato em sua Emília no País da Gramática, o povo é uma espécie de primata pelado que não se humaniza, pela linguagem, se não for à escola, esse laboratório do saber onde o tosco bípede é amestrado naquilo que serve aos objetivos da sociedade capitalista.

Eu já havia sentido na pele esta situação nas vezes em que fora discriminado por falar como um «roceiro», já percebera esta tensão na diferença de prestígio entre o falar de uma região em relação ao de outra. Mas Bagno me abriu os olhos também para uma outra coisa que eu não tinha ainda percebido: que a língua, tal como a falamos, não é uma versão bastarda e manca da Última Flor do Lácio Inculta e Bela. Em vez disso, é um fenômeno novo, coerente, gramaticalizável e perfeitamente útil na boca de quem o usa. A língua que a gente fala é um dialeto do português padrão, que os gramáticos tradicionais querem descongelar da forma em que foi posto ainda no século XIX.

Estas ideias ficaram voejando em torno de minha cabeça durante anos, sem que eu as levasse mais adiante, até o dia em que se acendeu em mim uma centelha de novidade: o dia em que meu interesse por línguas artificiais — eu estudara esperanto ainda na adolescência, embora nunca tivesse aprendido a realmente falar — se uniu às ideias de Marcos Bagno e ao meu orgulho mineiro. Isso aconteceu enquanto começava a escrever um romance — ainda não terminado — intitulado provisoriamente Serra da Estrela.1 Meus amigos +Eduardo Jauch e +Sergio Ferrari são alguns que estão acompanhando o processo.

Enquanto pesquisava para formatar a língua «estropiada» que os personagens de meu romance falariam, comecei a perceber que não era necessária tanta pesquisa, bastava mapear os metaplasmos, arcaísmos, «corruptelas» e outros fenômenos, fonéticos, morfológicos e sintáticos, que ocorrem em meu próprio falar quando não me policio para tentar parecer «educado». Esta constatação foi ainda mais aprofundada quando, ao dialogar com estrangeiros, percebi a facilidade com que eu saía do português castiço e recaía em meu dialeto, ininteligível para eles.

O processo de mapeamento destas características me levou, no fim, a perceber que a gramática do português que tem sido ensinada na escola não é realmente a da língua que falamos. É uma gramática estrangeira para a maioria de nós. Nada é tão alijado do falar do povo quanto uma gramática normativa que ainda emprega segunda pessoa e recomenda a mesóclise. Se esta língua formal está tão longe do falar do povo, por que o nosso sistema de ensino não reconhece isso e adota em seu ensino técnicas pedagógicas adequadas para o ensino de línguas estrangeiras? Seria certamente mais efetivo do que cobrar de pobres crianças que assimilem como «errada» a língua que aprenderam naturalmente e como «certa» uma língua que lhes é imposta pelo sistema de ensino. Crianças mais inteligentes e de auto estima mais alta, como eu modestamente me declaro (e vocês logo entenderão porque), aprendem eficazmente o português padrão sem abandonar o uso de sua língua natural. Crianças menos inteligentes, ou menos talentosas para o aprendizado de línguas, padecerão a vida inteira com a impressão de que falharam em aprender a própria língua. Para elas o português está errado, e é uma língua difícil. Mas elas se enganam: errado está o método, errada está a escola que finge que o povo fala exatamente como nos livros.

Basta que eu passe a escrever empregando convenções ortográficas mais próximas do coloquial e tolerando os fenômenos morfológicos e gramaticais característicos de meu dialeto para que se perceba que não podemos aceitar como dada esta correspondência entre a língua que se ensina e a que se fala. Afinao, a gente nõ fala iguao screve. Cada lugar do Brasio tem um jeito seu de falar. Nõ tá nem errado e nem certo, é só dois jeito diferente de ser e de falar. Na gramática formao tem «concordança» do sustantivo com toda as palavra que ligõ co ele, maes em quaes todo os dialeto do país o plurao fica só no artigo. A diferença entre o L e o U no finao das sílaba é uma coisa que só eziste na gramática e no dicionari, e o povo se entende co isso. As palavra «proparoxítona» é otro pobrema: pelo menos aqui in Minas Geraes isso quaes nõ eziste e o povo assimila as duas última sílaba. «Fósforo» vira fosfo, «música» vira musca. E quano nõ dá para fazer essa mudança, mudam a palavra: nada fica «próximo», maes umas coisa fica perto.

Mudanças léxicas, semânticas, sintáticas, fonéticas, morfológicas. À parte as semelhanças restantes, as diferenças já acumuladas são suficientes para se afirmar, sem muito medo de errar, que entre os dialetos brasileiros e o português padrão já existe mais diferença do que entre as formas padrão do português e do galego, tidos como línguas diferentes.

Não quero aqui argumentar que devamos sucumbir a estas forças (elas vencerão de qualquer forma, com o tempo), mas que está mais do que na hora de entendermos que o povo não fala «errado», apenas fala uma variante linguística não padronizada e não gramaticalizada (posto que não há gramáticas e nem dicionários desses falares coloquiais). Precisamos respeitar o povo, deixar de vermos nele um primata pelado que precisa «aprender a falar» e enxergar nele o que é, um cidadão pleno de direitos, como qualquer outro, que apenas calha de falar diferente.

Não é necessário, claro, abolir o ensino do português padrão, como algum boçal leitor dirá que eu estou defendendo porque não foi letrado o suficiente para ler até aqui, apenas modificar o modo como é ensinado, para que deixe de se basear na humilhação inútil dos alunos com a imposição de um padrão artificial como natural. Ensinar o português padrão com a noção de que ele é diferente daquela língua que o menino fala e que esta língua que a escola ensina, apesar de não ser «melhor» do que a outra, é a língua adotada pela nação, como traço de união de todos os brasileiros.

Quando se popularizar esta consciência de que o português padrão é um fenômeno alheio à realidade imediata do aluno, será mais fácil ensinar-lhe a gramática pátria. Não será preciso, intolerantemente, dizer-lhe que «assim é que é certo», apenas que na língua padrão é diferente. No dia em que não for mais necessário usar a língua padrão como ferramenta de subjugação das identidades regionais ela será até mais efetiva para unir os diversos povos que formam o povo brasileiro.

1 Nome que vai aos poucos se tornando definitivo pelo costume.

25
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 23:10link do post | comentar

O amigo leitor que se pergunta o porquê dessa postagem saiba que se trata de uma descoberta notável, que me salvou do ostracismo um dos melhores contos (quase uma noveleta) que eu jamais escrevi. Terminada a história, maravilhosamente ambientada nos «sertões do leste» de Minas Gerais, em um momento indefinido do Segundo Império (vários elementos na história indicam que se trata de um contexto pós-regencial), eis que me dei conta de um imperdoável e imenso anacronismo: o desfecho da história só fazia sentido mediante a atuação de uma força policial reconhecível como tal, do uniforme ao cavalo branco. Só que várias fontes consultadas me disseram que não havia tal força de segurança disponível naquela época e lugar. Fiquei muito chateado com essa descoberta, pus de lado a versão inicial da história, sem sequer fazer a revisão gramatical, e fui seguir com a vida. Hoje, porém, durante uma lida casual na Wikipédia, seguida de uma consulta ao Pai Google da Califórnia (que traz a informação desejada em 0,03 segundos), descobri que de fato havia.

A sensação que tive foi a melhor possível. Foi como descobrir que um velho amigo morto está de fato vivo. Agora posso concluir a história tendo a certeza de que o conto não ficará anacrônico. Ainda bem que não segui as dicas de um famoso blogueiro, que me sugeriu transformar a ação policial em algum tipo de evento sobrenatural (sei lá, com anjos ou demônios solucionando o conflito) ou realocar a história para o século XX. No primeiro caso eu teria criado um brutal deus ex machina (um dos cinco maiores defeitos que, em minha opinião, podem vitimar uma boa história) e no segundo caso teria que reescrever praticamente tudo — e muita coisa não faria sentido em outro momento de nossa história.

Conforme minhas fontes, citadas abaixo, havia uma polícia permanente na província de Minas Gerais, à parte as guardas municipais (subservientes aos políticos locais e, portanto, inúteis para os fins da história) e a Guarda Nacional (basicamente desmobilizada e inepta), apenas era uma força pouco numerosa e de ação limitada à capital e seus arredores (Batitucci, 2010). Tal força, porém, cujo efetivo sempre ficou em torno de 400 a 600 homens (entre praças e oficiais), serve perfeitamente para os fins da história que eu contei. Principalmente porque, em casos de necessidade, poderia incorporar oficiais do exército (Uruguai, 1865) e alistar voluntários temporários, os chamados «pedestres».

Embora tal força nunca tenha estado estacionada em qualquer parte de Minas Gerais a mais de vinte ou trinta quilômetros do Palácio Provincial, então localizado em Ouro Preto, não é descabido imaginar que ela pudesse ser destacada para missões excepcionais, sob o comando de um pequeno grupo de oficiais do exército de linha e aumentada, se necessário, por alguns voluntários — mas nunca por membros das guardas municipais de outros municípios, que por lei nunca podiam ser mandados em missão fora da localidade em que residiam (Vellasco, 2005). Apenas não houve, durante o Segundo Império, nenhum fato que justificasse tal medida excepcional. Ora, como a minha história é uma obra de ficção, eu tenho toda permissão para imaginar um tal evento.

Ademais, existe uma outra possibilidade: a do deslocamento de um corpo de Voluntários da Pátria, rumo ao porto do Rio de Janeiro e à Guerra do Paraguai. Tal corpo de voluntários, sob o comando de um oficial do exército, poderia ser tentado a interferir em um caso tão extraordinário quanto o que ocorre em minha história.

No primeiro caso a força policial seria enviada para resolver uma grave violação da paz civil. No segundo, policiais militares de passagem seriam envolvidos nos eventos. A segunda hipótese é historicamente muito mais verossímil do que a primeira, mas eu ainda estou considerando a possibilidade de mitificar um pouco a história mineira e imaginar uma força policial provincial combatendo o mal nos rincões do estado.

Nos próximos dias estarei revisando o conto, para publicação aqui no blogue. Se você tiver alguma sugestão a fazer sobre qual opção seria melhor, ou se tiver mais dados sobre a história da segurança pública em Minas Gerais, por favor deixe um comentário.

Para terminar brindo meus leitores com um parágrafo da obra do Visconde do Uruguai, exibindo a ortographia etymologica e também uma série de características coloquiais do português brasileiro, hoje proibidas pela gramática (e tem gente que nega que os nossos gramáticos sejam reacionários).

Posto que o acto addicional não se referisse a um typo determinado, nem declarasse o que se devia entender por força policial, comtudo pela significação da palavra, e idéa do tempo, parece que os seus autores tinhão em mente, uma força cidadôa e paisana do que militar propriamente e por isso mais propria para a policia, como é a força policial Ingleza e Franceza que não é militar, e formada e estabelecida em cada Municipio, para auxiliar suas autoridades policiaes.

Em lugar dessa força civil, quasi paisana, tem muitas Assembléas provinciaes criado exercitozinhos, e Corpos policiaes nas Capitaes das provincias, apparatosos, com Estados maiores, musicas, reformas, e muito dispendiosos apezar de serem os Soldados mesquinhamente pagos.

Grande parte da força desses Corpos é conservada nas Capitaes, ás vezes para apparato e falta em muitos Municipios a indispensavel para a guarda das cadêas, prisão de criminosos, serviço que vem a recahir sobre a Guarda Nacional.

A força publica destinada a defender o Imperio de seus inimigos, a manter a segurança e ordem publica, a fazer executar as leis e as ordens das autoridades compõe-se entre nós:

  • Do Exercito ou tropa de linha
  • Dos Corpos policiaes da Côrte e provincias
  • Da Guarda nacional
  • De Corpos de Pedestres em alguns lugares

A tropa de linha é evidentemente impropria para a policia das localidades, e para a execução das ordens das autoridades civis no descobrimento, perseguição e prisão de criminosos. Demais todas as vezes que é muito fraccionada, perde a instrução, a disciplina e desmoralisa-se.

Pela sua composição, principalmente quando são recrutados, dá-se o mesmo inconveniente nos Corpos policiaes, que são hoje uma especie de tropa de linha.

Salvo raras excepções, por motivos cuja exposição seria mui longa, pouco serve a força de linha entre nós para manter a policia nas localidades e executar ordens das autoridades. A força policial pelo modo por que está composta e organisada é insufficiente.

Em muitos lugares a maior parte do serviço policial vem a recahir sobre a Guarda nacional, isto é, sobre aquella parte da Guarda nacional que pela sua pobreza e posição não encontra meios de esquivar-se a um serviço desigual, irregular e frequentemente arbitrario, muitas vezes extremamente vexatorio, e por isso feito de má vontade e mal.

É demais o serviço policial um terrivel instrumento eleitoral para constranger a população desvalida a votar no sentido que convém aos prepotentes do lugar, que ordinariamente são os chefes da Guarda nacional.

Não tive tempo para fazer o cálculo exacto, mas creio que se juntarmos á despeza annual  que se faz com o Exercito, aquella que exigem o Corpo policial da Côrte e o das provincias, a Guarda nacional, etc. veremos subir a somma a a mais de 46 ou 47 mil contos. Veremos mais apparato que serviços reaes. É enorme a despeza e o vexame, e não temos nem Exercito, nem Guarda nacional e nem Policia que mereção esse nome. Temos apparato. Quanto á mim a organisação da força policial nas provincias é viciosa. Em lugar de centralisal-a toda nas Capitaes, conviria localisal-a.

Como se depreende dos parágrafos acima, muita coisa pode ter mudado nesse país, porém não a atração de nossos governantes pelo «apparato» em vez dos «serviços reaes». Tampouco mudou a estrutura das polícias estaduais, esses «exercitozinhos», como as chamou o Visconde do Uruguai. Moldadas a partir do Exército nacional, essas forças tinham mais papel cerimonial, para satisfazer o ego dos presidentes de províncias, do que efetivo. Podem ter ganhado mais poder com o tempo, mas continuam esse ser híbrido entre o exército e o serviço público de segurança. Militares a soldo do estado, mas teoricamente sob o comando do Exército nacional. Um verdadeiro monstro de Frankenstein.

O que o Visconde do Uruguai não diz, possivelmente porque não conseguiu ter esse discernimento, é que o estacionamento da forças policiais nas capitais, e a sua própria falta de efetivos, refletem os resultados da concentração de poder em torno dos «prepotentes dos lugares». Os coronéis da Guarda Nacional, chefes políticos e militares de seus municípios, não desejam uma força policial que não esteja sob seu comando e, por isso, repelem as iniciativas de policiamento mesmo quando necessárias. Em 1847 a província de Minas Gerais tentou estacionar trinta praças no vale do Rio Mucuri, para garantir a segurança das embarcações que utilizavam esta importante hidrovia, por causa da ocorrência de roubos numerosos na região. Os coronéis locais, incomodados com a ingerência provincial, denunciaram a iniciativa ao Conselho de Estado do Império, que eventualmente a julgou inconstitucional (Uruguai, 1865:175).

Nesse ponto o leitor deve estar a se perguntar: como tal força poderia ser decisiva nos graves eventos que meu conto narra se ela não era tolerada pelos coronéis nem para prender piratas fluviais no vale do Rio Mucuri? A resposta é simples: ela seria tolerada se os próprios coronéis a pedissem. Esse é o contexto de minha história: um grupo de coronéis, incomodado com os eventos que formam o pano de fundo do conto, solicita ao presidente da província um destacamento de praças profissionais, para auxiliar seus próprios voluntários civis na tarefa de exterminar o mal. E pronto, eis que temos um belo oficial em seu cavalo branco, portando um uniforme com quepe e dragonas.

A única coisa que me falta é descobrir como seria o uniforme de tais soldados. O conto sai quando eu deslindar isso. Por enquanto, por tudo que li, imagino esses homens vestindo dólmãs azuis com golas pretas e punhos da mesma cor, dragonas douradas nos ombros, calças azuis de brim com risca preta acompanhando o lado externo, botas de cano alto, cintura envolvida por uma faixa verde e amarela e vermelha (cores do brasão imperial). Os soldados usam quepes simples, de bico reto. Os oficiais usam quepes altos com penachos. Quepes sempre azuis, com detalhes em preto ou dourado. O comandante, e talvez algum capitão ou tenente, usa uma faixa diagonal sobre o peito, portanto insígnias de comando. O armamento seriam espingardas para os praças, fuzis para os oficiais. Todos teriam garruchas (pistolas antiquadas). Os praças teriam punhais de lâmina comprida (dois palmos ou mais) e os oficiais teriam espadas cerimoniais. Os voluntários da Guarda nacional seriam sem uniforme e seus oficiais também usariam azul, só que seus uniformes seriam mais elaborados: casacos azuis (não dólmãs) e calças brancas. Polainas em vez de botas. Quepes e dragonas mais elaborados. Imagino interessantíssimas interações entre essas duas forças tão antagônicas e de forças políticas tão díspares. Quem comandaria. Obviamente teria de ser um oficial do Exército, ou os oficiais da Guarda nacional não obedeceriam. Mas este oficial estaria a soldo da província (ganhando menos) e usando um uniforme menos vistoso e de menor prestígio. Acho que isso não vai acabar bem…

Referências

BATITUCCI, Eduardo Cerqueira. “A evolução institucional da Polícia no século XIX: Inglaterra, Estados Unidos e Brasil em perspectiva comparada”. Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 4, número 7, Ago/Set 2010.

LINO, Cássia Renata Scherer. “O Império das Polícias: Federalismo e Estado Unitário no Império do Brasil – 1831-1850. S.l., S.d.

SOUZA, Paulino José Soares de (Visconde do Uruguai). Estudos Práticos Sobre a Administração das Províncias no Brasil, Primeira Parte, Tomo II. Rio de Janeiro: Garnier, 1865.

VELLASCO, Ivan de Andrade. “A Polícia Imperial: Notas Sobre a Construção e a Ação da Força Policial (1831 –1850)”. In: XXIII Simpósio Nacional de História. Londrina:2005.


23
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 11:13link do post | comentar
Onde algo é sacralizado, é natural que surjam os contestadores. O iconoclasmo é uma espécie de rito de passagem  para os jovens e uma marca de «independência» dos mais maduros. Provocar essa irreverência é uma maneira eficaz de manipular as pessoas: tendo um judas para chutar o indivíduo acredita que é um contestador, e obedece aos comandos, subreptícios ou explícitos, e segue mais ou menos na direção que interessa ao provocador. Identificado um alvo tido por muitos como sagrado, é muito fácil reunir uma turba de pessoas para cuspir nele, com a desculpa de que estão fazendo a revolução.

Não, eu não estou falando da religião. Estou falando do conceito de nacionalidade. Durante muito tempo nos foi vendida a ideia de que o nacionalismo era uma espécie de «doença infantil» dos estados,  e que a adesão a uma irresistível «globalização» marcaria nossa transição desta metafórica infância para uma posição em pé de igualdade diante das nações «adultas». O grande exemplo era o da Comunidade Europeia, onde nações separadas por séculos de ódios estavam se juntando para cooperarem rumo a um futuro comum. Ser um nacionalista era algo como ser fascista ou, pior, um equivalente moderno ao homem das cavernas hirsuto e renitente diante das propagandas da Gillette.

Pois bem, o tempo passou, a Comunidade Europeia entrou em crise, países mais afoitos em sua crença acabaram liquefeitos e entregues às harpias. Democracias jovens e instáveis, como as da Grécia e da Espanha, se revelaram jogos de cartas marcadas e a suposta irmandade dos povos acabou abrindo as portas para o saqueio em favor de nações mais estáveis, especialmente a Alemanha e a Grã Bretanha. Tendo renunciado às suas moedas e fronteiras nacionais, países como Itália, Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda acabaram incapazes de controlar a mobilidade de pessoas e de capitais, expondo-os, sempre instantaneamente, aos humores de um mercado financeiro que trabalha a prazos cada vez mais curtos, chegando a consumar compras e vendas a intervalos de minutos para obter ganhos de milésimos de centavos por lote de papeis.

Os estragos desse corte impensado da cerca que dividia espaços desiguais não foi restrito à economia, porém, a cultura sofreu e sofre com esse impacto, através da intensificação do impacto da cultura de massas. Se até os anos 1980 um best-seller americano ou britânico demorava meses ou anos para chegar às livrarias brasileiras, hoje ele está aqui em poucas semanas. As traduções, que eram feitas, muitas vezes, por escritores de renome (como Clarice Lispector, Nélson Rodrigues, Autran Dourado, Orígenes Lessa, Monteiro Lobato, Adonias Filho e outros), passaram a ser feitas, muitas vezes, por gente que não sabe nem conjugar o pretérito mais que perfeito. Como resultado, uma obra dispensável (como essa em que você está pensando, mas que não vou nomear para não atrair a ira dos fãs) chega ao nosso mercado antes que saia de moda, revelando sua irrelevância. Antes tínhamos acesso aos livros que mostravam ser sucessos duradouros, mesmo que literariamente sofríveis. Hoje qualquer peidinho que venda alguma coisa na Barnes and Noble recebe uma tradução nacional. E não são escritores que estão sendo convocados para fazer essas traduções, mas gente que ganha centavos por lauda e cujo trabalho é revisado por outros que não sabem nem para que serve uma vírgula. A qualidade péssima das traduções é um fato. A pressa é inimiga de qualquer parâmetro de qualidade.

E ninguém acha que isto está errado porque há um desrespeito generalizado pela língua portuguesa. Desrespeito que se aproveita desse iconoclasmo seletivo e fácil e que alimenta uma cultura de submissão. A tradução não é mais vista como uma recriação literária de um texto, mas como um trabalho reles de interpretação destinado aos boçais que ainda não sabem falar inglês. O ideal seria que todos lêssemos os originais, isso até facilitaria para as editoras multinacionais, que poderiam simplesmente importar os livros impressos nos EUA ou na Grã Bretanha, sem terem o incômodo de traduzi-los para nossa língua primitiva. Ler no original é um distintivo de alguma forma de superioridade. A língua estrangeira, por ser excludente, torna-se uma ferramenta política de valor.

O desrespeito ajuda a colonização cultural, mas porque ele ajuda a manter relações de classe, distinguindo entre os recém chegados ao consumo cultural e os que obtiveram uma educação bilíngue, ele acaba sendo alimentado. O iconoclasmo parece promissor porque o ensino de português no Brasil é uma coisa odiosa, praticada por ignorantes pseudocientíficos que brandem a gramática de uma forma que parece que as regras foram feitas para humilhar os outros. «Professores» preconceituosos, reacionários, idealizando um idioma mumificado em livros, desatentos aos fenômenos linguísticos em curso e obcecados em negar algo que a ciência já sabe há mais de oitenta anos: a dicotomia entre a língua escrita e a falada. É muito fácil odiar o Professor Pasquale e seu DOPS linguístico, o Professor Napoleão e o seu nazismo gramático, vários outros com seus preconceitos, limitações e desprezo pelo povo.

Desprezar o povo e desprezar a língua são atos contínuos. Não é possível respeitar o primeiro desprezando o segundo, e nem vice versa. O suposto respeito que os gramáticos normativos têm pela língua idealizada em que crêem traz embutido o desprezo pelo povo que a «corrompe». Mas o desprezo pelo povo significa o desprezo pela verdadeira língua, em nome do amor a uma entidade abstrata, calcificado em dicionários e antologias. O amor ao que não existe é um comovente testemunho do conservadorismo ignorante.

Então, sabendo que o ensino formal da gramática normativa é uma violência, fica fácil usá-lo para desqualificar não o reacionarismo linguístico de gente que considera a língua coloquial uma «corruptela», mas a própria língua. Isso nos conduz a um caldo de cultura no qual muitos jovens crescem desprezando o português pelos mais variados pseudomotivos, simultaneamente a uma valorização exacerbada do inglês e até mesmo de idiomas estrangeiros que parecem tão alheios a nossa realidade, como o japonês ou o alemão.

Dada a importância atribuída à língua estrangeira, chega-se ao absurdo de confinar o português a um papel estritamente doméstico, o que foi exatamente o processo através do qual línguas antes pujantes, como o galês, o basco, o dálmata e o gaélico entraram em extinção. Dizem que precisam do português para comunicarem-se com o vizinho, mas do inglês para falar com o mundo. No fundo sonham com o dia em que poderão falar em inglês com o vizinho. Sente-se que para muita gente ainda ter que falar português é só um incômodo necessário.

Os argumentos políticos são os mais absurdos. Há pessoas que acreditam que não devemos resistir à imposição da cultura de massas anglo americana e seu idioma somente porque, em algum momento do passado, o português nos foi também imposto. O encontro desse «pecado original» de nossa identidade nega o seu valor diante de um processo que pode suprimi-la?

Para diminuir ainda mais a importância do português como veículo de identidade nacional, há pessoas que procuram negar a realidade do predomínio da colonização portuguesa, dizendo que «a maioria» dos colonos brancos do Brasil é de italianos, alemães e outros povos europeus. Claro que este argumento só existe onde existe muita ignorância ou então em cidadezinhas do interior onde predominam tais comunidades de colonos. Uma pessoa com conhecimento amplo do país sabe muito bem que o elemento luso é o único que está presente em todas as regiões, predominando na maioria das cidades, exceto naquelas onde houve um influxo excepcional de colonos europeus. Nossos sobrenomes são evidência disso.

O tal iconoclasmo a que me refiro se expressa quando se procura justificar a aceitação da imposição cultural estrangeira com uma negação de uma suposta «obrigação moral de ter alguma espécie de amor pela língua portuguesa». Obviamente não podemos esperar que todos tenham as mesmas fidelidades e cumpram igualmente suas obrigações morais, mas uma pessoa que rejeite tais sentimentos em relação à sua própria língua os rejeita também em relação a si mesmo, pois nega o valor de algo que lhe é próprio enquanto empresta tal valor a algo que é alheio. Não é indício de maturidade aceitar a submissão a outrem.

A evidência de que os mesmos que negam esses laços afetivos com o português os transferem para o idioma estrangeiro se revelam quando essas pessoas dizem que o inglês tem «palavras mais legais» que o português, o que é uma forma de dizer que se sentem mais tocadas em suas sensibilidades pela fonética e pela morfologia de outro idioma. Para essas pessoas, o português é uma língua «desengonçada» e «difícil». E por temerem soar desengonçadas e difíceis elas procuram usar o inglês o máximo possível, em seus nomes (muitas vezes escrevendo errado), em suas gírias, no que puderem.

Outros justificam seu desprezo enxergando no inglês qualidades que o português supostamente não teria: «uma rica literatura» (argumento muito usado por pessoas que não têm muito hábito de ler literatura, claro), uma tradição mais antiga (argumento muito usado por quem não pesquisou a história de ambos os idiomas, e portanto não sabe que o inglês moderno remonta ao fim do século XVI enquanto português moderno data do início do século XV) ou uma maior adaptabilidade.

Entre essas qualidades do inglês estaria a sua «facilidade», enquanto o português seria muito difícil. Certamente facilidade é um conceito plástico, que se moldará à mão de quem o manipule. Dependendo de quais características resolvamos comparar, é possível provar que quase qualquer idioma é mais fácil que outro. Mas é fato que a percepção do português como uma língua extremamente difícil é algo que existe mais na cabeça do brasileiro do que na realidade prática. Estudos internacionais sempre classificam o português como uma das doze línguas mais fáceis de se aprender para falantes de qualquer língua indo-europeia. As razões para isso são várias: vocabulário predominantemente derivado do latim, resultando em grande número de cognatos com vocábulos internacionalmente conhecidos, sistema ortográfico simplificado, gramática sem declinação nominal e sem distinções honoríficas, alfabeto latino, abundância de material de estudo etc. As pessoas que acham português difícil certamente nunca nem tentaram aprender línguas como alemão, russo, estoniano, húngaro, grego, polonês, árabe, coreano, mandarim, hindi, finlandês, irlandês, tcheco ou romeno.

Sabendo que o português é internacionalmente reconhecido como uma língua fácil de aprender, conclui-se que vê-lo como difícil é pura má vontade, desinformação ou manifestação de uma dificuldade para o aprendizado de línguas que se manifestaria em relação a qualquer outra língua. Mas não podemos nos esquecer, como já disse em artigo recente, que o nosso sistema educacional possui um status de verdadeira praga do Egito e que, como começamos dizendo acima, a praga do gramaticismo normativo grassa sem freios por suas campanhas.

O certo é que, no frigir dos ovos, não interessa ao Brasil e nem aos brasileiros que a nossa língua seja relegada a um plano secundário, que nossa literatura não seja defendida e que nossa cultura seja descartada. Precisamos trazer o português para mais perto de nosso dia a dia, dar mais peso à nossa literatura e defender nossa cultura. Isso, claro, não se fará com leis, nem cotas e nem exigências. Precisamos é consertar nosso sistema educacional, para que futuras gerações de jovens frustrados por não conseguirem aprender corretamente sua língua não cresçam com desprezo por ela e sua tradição.

22
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 20:59link do post | comentar
Quem come ostra e camarão
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