Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
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Ago 10
publicado por José Geraldo, às 23:17link do post | comentar

Hoje desapareceu um cara. Seu nome era Patrício Pinto, ou pelo menos era assim que o conheci. Bem, de fato eu não o conheci, apenas acompanhei sua carreira meteórica. Talvez mesmo “acompanhar” não seja o melhor termo: eu assisti, de longe apenas, a uma parte de suas estripulias. Tornei-me seu fã sem nunca tê-lo visto pessoalmente, admirei-o em cada palavra, mesmo sem saber quais palavras eram realmente suas e quais eram apenas repetições de palavras que outras pessoas haviam dito em outras ocasiões. Mas hoje Patrício Pinto desapareceu sem deixar rastros.

A primeira vez que ouvi falar dele foi há exatos dois anos e três meses. Marquei o dia porque passei a salvar os seus textos. Ele era um debatedor quase inconsequente em um desses fóruns da rede mundial. Aos poucos, no entanto, ele foi adquirindo uma habilidade rara para expressar opiniões polêmicas, sempre de forma bem-humorada, embora às vezes ligeiramente ofensiva. Essa combinação de leveza e brutalidade no uso da língua não surgiu da noite para o dia, mas eu a percebi a partir de certo ponto, e logo notei que tornava os seus textos muito atraentes. Foi assim que Patrício começou a atrair a atenção de muita gente que, como eu, frequentava aquele fórum específico.

No começo foi um fenômeno localizado. Afinal, há tantos fóruns perdidos pela rede, são tão poucas as pessoas que entram em cada um deles! Mas logo começaram a surgir outros fóruns que congregavam mais pessoas, mesmo oferecendo recursos mais limitados. Ter diante de si um grande palco fez de Patrício um fenômeno, uma espécie de tenor na ópera bufa da internet. Assim Patrício teve a sorte de já entrar nas salas mais amplas dos grandes fóruns levando consigo a experiência e a destreza acumulada nos pequenos valhacoutos virtuais isolados onde tantos debates inúteis chafurdam sem nunca revelar seus patrícios.

Tornei-me seu “amigo” em um desses lugares irreais onde cada um é apenas aquilo que uma minúscula imagem de baixa resolução consegue comunicar. Ser amigo nestas circunstâncias é algo meio estranho porque, de fato, jamais soube coisa alguma dele: apenas tinha uma ligação facilitada com as coisas que ele fazia e escrevia. E como ele escrevia! Logo descobri que tinha um diário virtual, onde estavam guardadas centenas de pequenas e geniais histórias, poemas, relatos da vida quotidiana. Participava dos fóruns ocasionalmente postando aqueles textos, mas normalmente preferia comentar o que os outros escreviam, interferir em polêmicas nem sempre próximas das coisas que ele dizia ser e viver.

Hoje Patrício desapareceu. Amanheceu ausente de todos os fóruns onde participava. Suas mensagens não se encontravam mais, foram todas para o limbo das ideias nunca impressas, para o inferno dos projetos nunca materializados. Circulam entre os seus poucos conhecidos, entre aqueles que uma vez ou outra estiveram realmente diante dele, as teorias mais estranhas, desde abdução por alienígenas até uma simples recaída na fé do culto marginal a que seus pais eram afiliados.

Mas qualquer que tenha sido a causa, a consequência se tornou enormemente mais interessante. Onde estão agora aqueles textos todos que ele escreveu? No grande fórum não ficaram traços. Não há lixeira de onde possam ser recuperados, prateleira onde possam estar perdidos. Em vez disso apenas um vazio não demarcado. Ele se tornou uma impessoa, é como se nunca tivesse existido, como se alguém tivesse tomado uma borracha e passado sobre dois anos de memórias dele que eu tinha — e que outros também terão. Somos mentirosos agora, pois nunca houve alguém chamado Patrício Pinto e seus textos, se é que alguém os colecionou, não podem ter autoria confirmada.

Desde este desaparecimento eu tenho tido medo. Quem estará percorrendo os meandros eletrônicos da grande rede e transformando em fantasmas entidades que pareceram existir? Terá mesmo existido um Patrício? Estará neste momento alguém assim chamado, ou que assim se identificava, rezando em algum banco de igreja ou sendo torturado em algum porão de delegacia? Ou terá sido tudo uma grande ilusão? Dizem que a exposição contínua à radiação dos monitores induz a fenômenos tais.

Não sei nem saberei mais se aquelas coisas que eu li foram verdadeiras. Tenho medo de dizer que foram e ser surpreendido pela mesma causa que me levou Patrício. Vou espacejando minhas intervenções nestes arcanos interstícios por onde vagueiam invisíveis ameaças. Vou imprimindo e encadernando, de alguma forma preservando da traça eletrônica aquilo que eu penso, que escrevo, que sou. Se amanhã eu amanhecer também transformado em uma impessoa, pelo menos eu mesmo terei provas de que existi.

19 de setembro de 2009


publicado por José Geraldo, às 19:14link do post | comentar

Há uns dois meses, mais ou menos, me convidaram via Orkut para participar de uma revista literária para a FLIP. Como andava meio sem tempo para elaborar alguma coisa, enviei a hiperligação de meu antigo sítio, o “Mundos & Fundos”, com a autorização de publicarem qualquer texto lá que julgassem interessante. Fiz isso e esqueci.

Semanas depois recebi uma das mensagens mais mal-educadas e agressivas que tive o desprazer de ler em minha vida, obra de alguém que certamente “se acha” alguém nascido com um talento extraordinário, um valor artístico digno de figurar na história. Entre todas as coisas gratuitas e recalcadas que me foram ditas (em parte, provavelmente, motivadas por divergências quanto às diferentes opiniões que temos sobre o ser e o fazer literário), pude pinçar, porém, alguns comentários válidos (sim, a ira nos leva a cometer erros, mas não nos impede de conseguir acertar). Da análise global de todos eles, cheguei à conclusão de que eu precisava passar a blogar, abandonando minhas tentativas de conduzir meu sítio de forma autônoma.

A primeira grande razão para isso (enorme, de fato) foi a observação de que meu sítio era desorganizado. Ninguém gosta de ser chamado de disso, mas olhando com mais atenção, pondo-me do lado do leitor, o “Mundos & Fundos” não estava sendo legal com quem se interessava por ele. As pessoas estão mais acostumadas com um esquema de gerenciamento e categorização de conteúdo do tipo que existe no Blogger.com ou no Wordpress — e não com o tipo de sistema que eu tinha colocado, baseado em categorias rígidas, herdadas do conceito de “pastas” em um sistema de arquivos. No Blogger nada precisa pertencer a uma categoria apenas, é extremamente fácil mudar a classificação de um texto e a apresentação geral do conteúdo é muito mais limpa e profissional.

A outra razão era que eu escrevia muito mal. Claro que fiquei ofendido por dizerem isso de mim, visto que escrevo há mais de vinte anos e acho que já aprendi alguma coisa. Mas quando analisei mais friamente eu percebi que é fácil ter esta impressão de meu trabalho se você visita o “Mundos & Fundos”, afinal, a desorganização do conteúdo passa a impressão de alguém que não se dedica a revisar e ordenar o seu texto. Pior do que isso: há muitos textos realmente horríveis publicados naquele sítio, textos que eu não deveria nunca ter posto na Internet, textos que eu só inseri no site pensando em utilizá-lo como ferramenta de edição e gerenciamento de conteúdo. Eu não fiz isso, fui abandonando certos textos que eram apenas projetos, fui deixando outros que simplesmente eu não tinha como melhorar... O resultado, para quem não tem a sorte de começar a ler o meu sítio por um dos melhores textos, eu passo a impressão de ser um adolescente pretensioso e sem estilo.

Tendo compreendido estas duas coisas, eu sabia que tinha que fazer ALGUMA COISA. Só que, de início, eu imaginei que essa atitude necessária poderia ser um trabalho de reorganização do sítio, com uma atualização da versão do PmWiki, a implantação de novos modelos de documento, novas extensões etc. Foi preciso uma barbeiragem do sistema de hospedagem para eu criar coragem de fazer OUTRA COISA.

Em fins de junho de 2010 o meu serviço de hospedagem fez uma atualização de seus servidores, tanto de hardware como de software. Os novos e excelentes servidores que foram instalados rodavam o Debian Lenny e uma versão especial do PHP, melhorada com o “Suhosin Patch” com o objetivo de aumentar a segurança (o site tinha sido alvo de ataques). Infelizmente, para mim, as configurações extremamente rigorosas do novo servidor me impediram de acessar minha conta de FTP por uns tempos e bloquearam a escrita dos diretórios pelo script do PmWiki. Com isso o site exibe perfeitamente o seu conteúdo estático, mas não permite salvar edições nem comentários e também não permite que os scripts incluídos em certas páginas retornem dados. Se você visitar hoje o “Mundos & Fundos” verá o resultado disso:

  1. As listas de diretórios por categoria não funcionam mais, em vez disso são exibidos os códigos e links que deveriam gerar as listas, bem como a listagem referente ao diretório raiz;
  2. Não é mais possível comentar as páginas ou escrever no livro de visitas;
  3. Não é mais possível editar páginas ou postar no blog interno;
  4. Não é mais possível ler o histórico de edições;
  5. Não é mais possível apagar ou renomear páginas.

Isso significa, praticamente que o site não apenas está condenado a ficar estático (pois não posso atualizar) como também se tornou inamistoso ao usuário (user-unfriendly, para quem sabe inglês melhor do que português), pela dificuldade que agora existe para localizar conteúdo.

A solução que me foi dada pelo serviço de hospedagem foi transferir os meus arquivos para a máquina antiga e criar um redirecionamento. Só que para isso eles exigem que eu registre um domínio. Seria fácil para mim providenciar isso, mas demandaria tempo, algum dinheiro (pouco, muito pouco, de fato) e eu perderei a principal das razões pelas quais mantinha o sítio, mesmo já tendo percebido que um blog seria melhor: URLs legais são as que não mudam (cool urls don't change, como dizia Tim Berns-Lee, o “pai da Internet”).

Quando constatei que perderia a continuidade do histórico de URLs de meu site ao criar o redirecionamento, então deixou de ser vantajoso me dar a todo o trabalho de atualizar, registrar domínio, mexer de um lado e de outro, apenas para ter de volta algo que eu já tinha e que já tinha percebido que não era ideal.

Por isso eu vou usar este blog para “passar a limpo” tudo que tinha escrito e publicado antes. Acredito que o Google será mais estável ao longo de suas atualizações, permitindo que eu mantenha o blog no ar sem sustos durante anos e décadas. Registrar o domínio agora é opcional, mas se eu o fizer, posso perfeitamente redirecionar para cá. Enfim, a coisa parece funcionar melhor quando você escolhe a opção mais simples, e eu sinceramente desiste de reinventar a roda e vou tentar me adaptar à blogosfera.

Era a última pessoa que conhecia que ainda insistia em administrar um site via FTP. Era.


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