Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
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Dez 10
publicado por José Geraldo, às 20:23link do post | comentar
O artigo a seguir é uma tradução (ligeiramente, muito ligeiramente adaptada) de um texto intitulado “Peter's Evil Overlord List” (Lista do Líder Malvado de Peter, ou algo assim). Trata-se de uma sátira aos clichês dos filmes de terror, ficção científica, fantasia e super-heróis — mais especificamente aos filmes que possuem Grandes Vilões Malvados (como Darth Vader, Khan, Goldfinger etc.).

Ser um Grande Vilão Malvado parece uma boa opção de carreira: o salário é bom, você tem vários privilégios e pode definir os seus próprios horários. No entanto, todos os Vilões Malvados sobre os quais eu li ou assisti acabaram depostos ou mortos no fim. Notei que não importa se são senhores bárbaros, magos perversos, cientistas loucos ou invasores alienígenas, eles sempre parecem cometer os mesmos erros básicos a cada vez. Tendo isso em mente, apresento-lhes uma lista de…

100 Coisas Para Não Fazer se Você se Tornar um Grande Vilão Malvado
  1. Minhas Legiões do Terror terão capacetes com visores transparentes de vidro à prova de bala, não opacos de plástico que escondem o rosto.
  2. Os tubos de ventilação de minhas instalações serão finos demais para que alguém possa se esgueirar por eles.
  3. Meu nobre meio-irmão, cujo trono usurpei, será morto e não posto em segredo em uma cela esquecida de uma fétida masmorra.
  4. Um tiro não é bom demais para meus inimigos.
  5. O Artefato que é a fonte de minha força não será mantido na Montanha do Desespero, além do Rio das Chamas, guardado pelos Dragões da Eternidade. Vai ficar dentro de um cofre com grossas paredes de tungstênio em meu próprio palácio. O mesmo se aplica ao objeto que é a minha única fraqueza (Nota: supondo que eu não tenha como simplesmente destruí-los).
  6. Não vou tripudiar de meus inimigos antes de matá-los.
  7. Quando capturar meu inimigo e ele disser “olha, antes de me matar você poderia ao menos me explicar por que?” eu vou dizer “não” e lhe dar um tiro. Pensando bem, vou lhe dar um tiro e não vou dizer nada.
  8. Quando raptar a bela princesa, nos casaremos imediatamente em uma discreta cerimônia civil, em vez de esperarmos por um luxuoso espetáculo de três semanas ao longo do qual a fase final de meu mais diabólico plano será executada.
  9. Eu nunca incluirei em meus projetos um mecanismo de auto-destruição, a menos que isto seja absolutamente necessário. Se necessário, não será um imenso botão vermelho escrito “Perigo: Não Aperte”. O grande botão vermelho escrito “Não Aperte” vai acionar uma rajada de balas dum-dum em qualquer estúpido que o desobedeça. Da mesma forma, o botão de liga-desliga não vai ter isso escrito.
  10. Não trarei meus inimigos à minha fortaleza para interrogá-los. Uma espelunca de beira de estrada, de preferência fora de minhas fronteiras, é o melhor lugar para isso.
  11. Eu terei confiança em minha superioridade. Portanto, não sentirei a necessidade de prová-la deixando pistas em forma de enigmas que dirigem quem os decifra até meus pontos fracos e nem deixarei vivos meus inimigos para me gabar de que eles não são uma ameaça para mim.
  12. Um de meus conselheiros será sempre uma criança estúpida de cinco anos. Quaisquer furos em meus esquemas que ela seja capaz de detectar serão corrigidos antes da implementação.
  13. Todos os inimigos que eu matar eu mandarei cremar, de outra forma, me certificarei de esvaziar vários pentes de balas neles. Não vou deixá-los à beira da morte no fundo de um precipício. O anúncio de suas mortes, bem como as celebrações devidas, será deixado para depois da cerimônia religiosa de meu casamento com a heroína.
  14. O herói não tem direito a um último beijo, último cigarro ou a qualquer último pedido. Ninguém tem. Nem eu o pedirei.
  15. Eu nunca empregarei estratagemas que envolvam uma contagem regressiva. Se isso for absolutamente inevitável, vou ajustá-lo para que a ativação ocorra em um momento inaudito da contagem, como o número 117, por exemplo, de forma que o herói seja pego de surpresa.
  16. Jamais proferirei a frase “Mas antes de te matar…”
  17. Às pessoas que eu empregar como conselheiros, ocasionalmente eu dedicarei tempo suficiente para ouvir seus conselhos e, salvo por uma razão justificável, procurarei obedecê-los.
  18. Não terei um filho. Muito embora sua estúpida e mal-planejada tentativa de usurpar o poder possa ser sempre facilmente contida, pode ser uma distração em um momento crucial ou causar esperanças nos meus súditos.
  19. Não terei uma filha. Ela será tão bela quanto má, porém se apaixonará pelo rústico herói à primeira vista e trairá por ele o seu próprio pai (Nota: apenas para ser depois abandonada e suicidar-se).
  20. Apesar de seu comprovado efeito no alívio da tensão nervosa, não vou me permitir ter uma risada maníaca. Enquanto rio maniacamente eu posso perder a concentração e deixar de notar acontecimentos a que um indivíduo mais rigidamente atento poderia se adaptar mais facilmente.
  21. Contratarei talentosos desenhistas de moda para criar uniformes originais para minhas Legiões do Terror, em vez de vesti-las com peças que parecem cópias baratas de uniformes nazistas, equipagem de legionários romanos ou indumentária de selvagens mongóis. Todos estes foram derrotados no fim e eu quero que minhas tropas se beneficiem de certo pensamento positivo.
  22. Não importa o quanto eu me sinta tentado pela perspectiva do poder absoluto, nunca utilizarei uma fonte de energia que não compreenda
  23. Manterei um esconderijo secreto cheio de armas de baixa tecnologia e treinarei meus soldados em seu uso. Assim, ainda que o herói consiga neutralizar meu gerador de força ou inutilizar minhas armas de energia padrão, minhas tropas não serão vencidas por um bando de selvagens desorganizados com paus e pedras
  24. Manterei uma avaliação realista de minhas forças e fraquezas. Ainda que seja parte da graça do cargo, eu nunca direi a frase “Não, não pode ser, sou invencível!” porque normalmente o que se segue a esta frase é uma morte instantânea.
  25. Não importa o quão bem poderia funcionar, nunca construirei nenhuma máquina que seja indestrutível exceto por um pequeno e virtualmente inacessível ponto vulnerável.
  26. Não importa o quanto certos membros da Rebelião possam ser atraentes aos meus olhos, certamente também estão desesperados para me matar. Por essa razão, nunca ordenarei que uma prisioneira seja trazida à minha câmara privada. O lugar dos rebeldes é com os leões e um homem poderoso como eu tem milhares de mulheres dispostas a servi-lo.
  27. Nunca farei um único exemplar de nada importante. Todos os sistemas relevantes terão controles redundantes e fontes de energia duplicadas. Pela mesma razão eu sempre carregarei comigo dois exemplares de uma arma especialmente construída para mim, com duas balas a mais em cada pente do que as armas padrão.
  28. Meu monstro de estimação estará seguro em uma gaiola fora de meu palácio, construída de forma que ele não escape direto para os meus aposentos e de forma que ninguém possa acidentalmente cair dentro dela.
  29. Me vestirei de cores claras e bonitas, assim como meus soldados e terei um bom departamento de marketing, para que o povo me ame e meus inimigos fiquem confusos.
  30. Todos os feiticeiros incompetentes, cavaleiros desastrados, bardos sem talento e ladrões covardes de meu reino serão preventivamente assassinados. Meus inimigos certamente desistirão e abandonarão suas maquinações contra mim se não tiverem nenhuma fonte de humor pastelão.
  31. Todas as taverneiras peitudas e joviais de meu reino serão demitidas e substituídas por velhas feias e mal-humoradas que não seduzirão meus guardas e nem atuarão como espiãs para o herói.
  32. Não vou perder a cabeça e matar o mensageiro que me traz boas notícias só para mostrar o quanto sou mau. As pessoas já devem saber disso de outra forma. Mensageiros serão sempre recompensados se trouxerem informações corretas, mesmo que péssimas para mim.
  33. Não exigirei que nenhum membro feminino dos altos escalões de minha organização maquiavélica vista um corpete de aço inoxidável. As pessoas se sentem melhor usando roupas confortáveis e casuais, que também têm a vantagem de não distrair os transeuntes. Da mesma forma, roupas de couro negro serão reservadas para ocasiões especiais, exclusivamente noturnas.
  34. Não me transformarei numa grande serpente. Não adianta nada mesmo.
  35. Não terei um cavanhaque. Pode ser que um dia isso tenha feito alguém parecer diabólico, mas hoje isso só te faz parecer uma bicha afetada.
  36. Não prenderei membros do mesmo grupo rebelde na mesma prisão, muito menos na mesma cela. Se forem prisioneiros importantes o suficiente para que eu os mantenha vivos, eles estarão em lugares separados e as únicas cópias das chaves de suas celas estarão com os administradores das prisões e não no cinto de guardas gordos e bêbados.
  37. Se meu general de confiança me disser que minhas Tropas de Assalto estão sendo derrotadas, vou simplesmente acreditar nele. Afinal, ele é o meu general de confiança.
  38. Se algum inimigo que eu matei tiver filhos, vou mandar achar e matar enquanto ainda são crianças, em vez de esperar que cresçam e se preparem para executar um plano de vingança contra mim quando eu já estiver velho.
  39. Se eu realmente tiver de ir a um campo de batalha, não vou liderar à frente de minhas tropas e nem vou tentar localizar o comandante inimigo para travar um duelo pessoal com ele.
  40. Não serei cavalheiresco nem esportivo. Se eu tiver uma super-arma invencível, vou usá-la o mais rápido possível cada vez que ela puder ser útil em vez de reservá-la para o “último caso”.
  41. Tão longo eu tenha me assegurado de meu poder, destruirei todos os artefatos que permitam viagem no tempo e matarei todos que possam saber como fazer um.
  42. Quando capturar o herói, também capturarei seu cachorro, macaco, furão ou qualquer outro animalzinho estúpido e bonitinho que seja capaz de desatar nós ou roubar chaves.
  43. Manterei um salutar ceticismo quando a bela rebelde capturada me disser que está atraída por minha beleza e por meu poder, especialmente se ela disser que quer me ajudar em meus planos.
  44. Somente empregarei pessoas que trabalhem por dinheiro, especialmente caçadores de recompensas. Aqueles que trabalham pelo prazer da caça tendem a fazer coisas estúpidas, como dar ao herói a chance de um combate justo.
  45. Procurarei sempre saber quem é responsável pelo quê em minha organização para que, quando alguém fizer uma cagada eu não tenha de sacar minha arma e matar um idiota qualquer para mostrar qual é “o preço da falha”.
  46. Se um conselheiro disser, “Meu líder, ele é um homem sozinho. O que pode um homem sozinho fazer?” eu responderei com um tiro em sua testa (Nota: pois um homem sozinho pode, perfeitamente, puxar um gatilho).
  47. Se eu souber que um jovenzinho teimoso está procurando um modo me derrotar eu vou mandar matá-lo enquanto ele ainda é um jovenzinho, não esperarei que ele cresça e aprenda como achar.
  48. Tratarei a todos os monstros que controlar através de artefatos mágicos ou tecnológicos com respeito e ternura além do normal. Assim, se um dia o controle interromper-se, não vão querer me comer em vingança.
  49. Buscarei saber a localização do único artefato que pode destruir-me, mas não mandarei um destacamento especial de minhas Legiões do Terror para buscar. Vou mandá-los palmilhar os desertos em busca de bobagens variadas e enquanto isso, usando um pseudônimo, vou botar uma alta oferta de compra em um jornal local.
  50. Meus computadores de serviço rodarão um sistema operacional próprio, desenvolvido por cientistas pagos por mim, e serão totalmente incompatíveis com computadores pessoais normais.
  51. Se algum dos guardas de minha masmorra manifestar-se preocupado com as condições da bela princesa, transferi-lo-ei de imediato para um cargo menos ligado a pessoas, tal como a coleta de lixo.
  52. Se não puder construir um castelo de acordo com minhas especificações, sob a orientação de arquitetos e engenheiros de minha confiança, cuidadosamente vigiados, farei com que o local de minha futura residência seja previamente esquadrinhado por especialistas em passagens secretas e túneis abandonados.
  53. Se a bela princesa me disser que “nunca, jamais, em hipótese alguma” me amará, lamentarei muito por isso e a matarei.
  54. Não farei pactos satânicos em busca de poder que não possa conseguir por meios terrenos e, se o fizer, serei fiel aos seus termos em vez de ficar tentando enganar meu Senhor apenas por minha incapacidade de obedecer ou por minha ânsia de mandar.
  55. Os mutantes disformes e psicopatas esquisitos certamente terão emprego em minhas Legiões do Terror. No entanto, somente lhes darei missões secretas de espionagem ou outras que requeiram tato, sutileza, inteligência e eventual simpatia se todos os meus soldados inteligentes, articulados, de boa aparência e razoavelmente cultos já tiverem sido mortos pela Rebelião.
  56. Minhas Legiões do Terror incluirão em seu treinamento a prática de tiro. Recrutas incapazes de acertar um alvo do tamanho de um homem a uma distância de dez metros serão usados como alvo no treinamento.
  57. Antes de pôr a meu serviço armas, artefatos ou transportes capturados, lerei com cuidado o manual do proprietário.
  58. Se algum dia tiver de fugir, tentarei fugir sem olhar para trás e sem dizer nenhuma frase de efeito.
  59. Não construirei computadores que sejam mais inteligentes do que eu.
  60. A criança estúpida de cinco anos que eu emprego como conselheira lerá todo código que eu pensar em usar. Se quebrar o código em menos de trinta segundos, não será usado. O mesmo se aplica a senhas.
  61. Se algum de meus conselheiros me perguntar “por que você está arriscando tudo em um plano tão maluco?” eu não vou matá-lo, vou tentar lhe dar uma resposta satisfatória e, se não conseguir, vou desistir.
  62. Os corredores de minhas fortalezas não terão vãos, alcovas, estátuas, nem qualquer estrutura que possa servir de esconderijo, mesmo brevemente.
  63. O lixo de meu palácio será incinerado em vez de compactado. E o incinerador ficará sempre ligado, sem nada daquela baboseira de chamas percorrendo túneis a intervalos regulares.
  64. Contratarei um psicólogo competente e me tratarei de todas as fobias estranhas, hábitos bizarros, compulsões esquisitas e traumas de infância que possam ser desvantajosos ou que façam os outros pensarem que eu sou maluco.
  65. Se eu tiver de ter sistemas de informação disponibilizados através de terminais públicos, eles exibirão uma planta baixa falsa de meu palácio, na qual a sala claramente marcada como Sala de Controle Principal será, na verdade, uma câmara de tortura com carrasco sempre a postos e a verdadeira Sala de Controle Principal será marcada como Câmara de Armazenamento do Fluxo de Esgoto.
  66. As trancas de minhas portas secretas serão scanners de impressões digitais com um dispositivo que detecte tentativas de copiar impressões deixadas. Terá também um teclado numérico falso que acionará um sistema de alarme ou, preferivelmente, uma descarga elétrica de 70.000 volts.
  67. Mesmo que possamos ter problemas frequentes no circuito interno de TV, meus guardas serão treinados para tratar cada falha de câmera de segurança como uma emergência de primeiro nível.
  68. Pouparei a vida de alguém que um dia salvou a minha vida. Isto é razoável e encorajará outros a fazer o mesmo. Porém, a oferta só vale uma vez. Quem quiser ser poupado duas vezes, terá de me salvar duas vezes.
  69. Não haverá parteiras no meu reino. Todos os bebês nascerão em hospitais mantidos pelo Estado, em condições ótimas de higiene para que o público se sinta feliz. Órfãos serão mantidos em orfanatos bacanas enquanto aguardam adoção e os que não forem adotados serão educados às expensas do Estado, para funções úteis, como soldados de minhas Legiões de Terror ou cientistas a meu serviço. Leis sobre o Abandono de Incapaz serão seguidas ao pé da letra no caso de idiotas que deixem crianças nos bosques para serem criadas por animais selvagens.
  70. Se meus guardas tiverem que se separar durante uma busca, andarão sempre aos pares. Serão instruídos para que, se um deles desaparecer durante a patrulha, os outros darão o alerta e retornarão para buscar reforços em vez de saírem procurando pelos cantos.
  71. Se for testar a fidelidade de um homem a quem queira dar uma posição de confiança, terei um homem de confiança por perto para enfiar-lhe uma bala no crânio se o resultado do teste for negativo.
  72. Se todos os heróis estiverem em volta de alguma coisa estranha e me provocarem a usar minha super-arma contra eles, vou mandar que meus soldados atirem com balas convencionais ou ataquem com baionetas.
  73. Não concordarei em libertar os heróis se vencerem um teste, mesmo que meus conselheiros me assegurem que é impossível que passem no teste. Matarei os heróis e os conselheiros.
  74. Nunca criarei uma apresentação multimídia detalhando todas as fases de meu plano de uma forma que até meu conselheiro estúpido de cinco anos de idade possa entender. Se tiver de algum dia fazê-lo, não vou salvar num disquete escrito “Projeto de Poder Total” e deixar dando sopa em minha escrivaninha.
  75. Os soldados de minhas Tropas de Assalto serão treinados para atacar todos de uma vez o herói, isso se não puderem simplesmente dar-lhe um tiro de bazuca entre os olhos.
  76. Se o herói subir num teto, não vou subir atrás para tentar empurrá-lo da beira da laje. Não vou lutar com ele perto de despenhadeiros. No meio de uma ponte de corda sobe um rio de lava então nem vou falar.
  77. Se eu algum dia tiver um ataque de insanidade mental temporária e tentar comprar o herói oferecendo-lhe um posto em minha organização, farei a oferta sem que o atual detentor do posto esteja perto para ouvir. Melhor ainda, oferecerei criar-lhe um posto.
  78. Nunca direi a meus soldados que o inimigo deve ser capturado vivo. O comando será, “tragam-no vivo se ele se render e se acharem que ele pode nos dar informações úteis quando o torturarmos.”
  79. Se minha super-arma tiver um controle reversor de seus efeitos, tão logo ela seja usada eu a destruirei e fundirei para fazer moedas.
  80. Se minhas tropas menos preparadas foram derrotadas pelo herói, vou enviar logo soldados super-treinados em vez de ficar perdendo tempo com o envio de sucessivos destacamentos de competência variável enquanto ele ganha prática e se aproxima de minha sede.
  81. Se eu estiver lutando com o herói sobre uma plataforma móvel e, depois de tê-lo desarmado e estando prestes a dar-lhe o golpe fatal, ele olhar atrás de mim e cair no chão, eu vou imitá-lo imediatamente em vez de olhar para trás como uma besta para tentar saber o que ele viu.
  82. Não atirarei em inimigos meus quando estiverem em frente ao suporte de alguma estrutura pesada, perigosa e instável. Mandarei matar engenheiros que construam tais estruturas.
  83. Se estiver jantando com o herói e tiver envenenado sua taça, se tiver de sair por alguma razão, vou pedir uma taça de outra bebida para mim, usando qualquer desculpa, em vez de correr o risco de ele ter trocado as taças.
  84. Não vou manter prisioneiros sob a guarda de carcereiros do sexo oposto.
  85. Não farei planos cujo último passo seja significativamente mais complicado que os anteriores. Por exemplo, nada que inclua “alinhar as doze Pedras de Poder sobre o Altar Sagrado para que o Medalhão da Lua seja ativado no momento do eclipse”. Meus planos serão sempre do tipo conecte o plugue A na tomada B.
  86. Certificar-me-ei de que minhas máquinas estejam em bom estado e devidamente aterradas.
  87. Meus tonéis de ácido ou veneno serão tampados quando não em uso. Não haverá passarelas sobre eles.
  88. Se um grupo de assassinos falhar em uma missão vou mandar outros assassinos em vez de humilhá-los, ameaçá-los e tentar forçá-los a completar a mesma missão.
  89. Se eu capturar a super-arma de meu inimigo, não vou dar férias aos meus soldados nem relaxar a guarda por acreditar que o possuidor de tal arma é invencível. Afinal, o inimigo tinha a arma e eu a roubei.
  90. Não construirei salas de controle nas quais as mesas de trabalho estejam de costas para a porta.
  91. Não vou ignorar mensageiros extenuados e tensos enquanto termino de me pentear ou de ouvir uma música, pode ser importante.
  92. Se algum dia estiver ao telefone com o herói, não o provocarei. Em vez disso vou dizer que sua perseverança me proporcionou uma nova visão da futilidade do mal e de que se ele me der a chance de alguns meses de calma para que eu me dedique à contemplação eu provavelmente encontrarei o caminho da bondade. Heróis são muito crédulos em relação a esse tipo de promessa.
  93. Se eu decidir executar em uma mesma ocasião o herói e um de meus servidores que falhou ou me traiu, farei com que o herói seja executado primeiro.
  94. Durante as prisões feitas por meus guardas, ninguém poderá parar para pegar um objeto inútil de valor puramente sentimental.
  95. Minhas masmorras terão sua própria equipe de emergências médicas, inclusive com guarda-costas. Assim, se um prisioneiro ficar doente e seu companheiro de cela chamar os guardas dizendo que é uma emergência, a guarda providenciará uma equipe médica em vez de abrir a cela para dar uma olhada. A propósito, masmorras são lugares onde pessoas ficam doentes e isso não tem nenhuma importância.
  96. Os mecanismos das fechaduras serão desenhados de forma que explodir o painel de controle do lado de fora sela a porta e explodir o painel de controle do lado de dentro a abre, e não vice-versa, por razões óbvias.
  97. As celas de minhas masmorras não serão mobiliadas com espelhos, objetos refletivos ou qualquer coisa que possa ser desmontada.
  98. Se um jovem e bonito casal entrar em meu reino, monitorarei suas atividades. Se eu descobrir que são felizes e apaixonados, os ignorarei. Mas se notar que estão juntos por força de qualquer coisa acima de sua vontade e que passam a maior parte do tempo brigando e se criticando, exceto nos momentos em que estão salvando a vida um do outro, únicos momentos em que há sinais de atração sexual, vou ordenar que sejam mortos imediatamente.
  99. Todos os dados de importância crucial serão armazenados em arquivos que não possam caber em disquetes de 1,45 MB e não, não permitirei que qualquer tipo de programa de compressão de arquivos esteja instalado em meus sistsemas.
  100. Finalmente, para manter meus súditos em um estado permanente de catatonia imbecilizante, cobrarei pelo uso de bibliotecas mas oferecerei acesso livre, gratuito e universal à internet de banda larga.

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Dez 10
publicado por José Geraldo, às 22:06link do post | comentar

Eu sou dos que não sentiram nunca pelo Sérgio nenhuma afeição especial. Na verdade eu pouco menos que o desprezava desde que o conheci. Mal lhe dava motivos para chamar-me de amigo. Mas ele me chamava assim, talvez por falta de verdadeiros.

Era seu jeito auto-suficiente o que mais me indignava. Não era dado a intimidades, raramente sabia dizer palavras simpáticas e parecia que tinha prazer em desdenhar de tudo.

Mas aos poucos foi-se consolidando entre nós um certo tipo de amizade que a convivência adensa. Na faculdade não havia como evitarmos um ao outro: a mesma sala, os mesmos vinte e poucos colegas. Isso pôde nos fazer achar que éramos semelhantes.

Só que o tempo passou e muita coisa saiu dos eixos. Ele largou o curso no meio sabe Deus porque e foi correr atrás de seus sonhos, enquanto eu me tornava professor. Alguns anos depois nos reencontramos: eu ia para a escola onde dava doze aulas semanais no curso noturno e ele vinha pela rua com uma caixa de ferramentas.

Breves palavras e nos informamos de nossas situações. Ele agora trabalhava como eletricista em ocasionais biscates. E trabalhava também em uma loja de material elétrico. Tinha também umas casas que recebera de herança e cuja renda era o que realmente mais lhe sustentava. Em resumo: não morria de fome, mas não havia ido nem à metade da distância que sonhara ir. Triste fim de um sonhador: viver de aluguéis e de um subemprego.

Nessas condições um temperamento inquieto acaba resvalando para o álcool. E Sérgio sempre tivera predileção por aditivos. Enquanto eu achava que estava tudo bem, naquela tarde ele fora despedido por chegar mais uma vez embriagado.

Fiquei realmente preocupado por Sérgio no dia em que me contaram essa história, semanas depois. Pensei nos muitos anos em que não nos víramos. Às vezes uma pessoa se perde pela ausência dos amigos.

Senti uma ponta de remorso por não ter nunca lhe dado a atenção que talvez esperasse de alguém. E nisso resolvi procurá-lo para lhe dar, talvez, algum apoio. Mesmo temendo que ele apenas achasse que mais um ia tripudiar de sua desgraça. Reservei para isso uma de minhas manhãs de Domingo. Assim não atrapalhava o andamento normal de meus negócios.

Desci do ônibus já com a sensação do dever cumprido e o encontrei sentado à mesa em um bar ao pé do morro.

— Olá, Sérgio.

Pelo seu hálito e por sua voz eu podia jurar que ainda não tomara o café-da-manhã, mas havia uma catinga de álcool em seu bafo e ele tinha um copo de cerveja na mão.

— Olá, quem é?

E virou-se para dizer algumas palavras que ele imaginava serem ofensivas a uns velhinhos que jogavam sinuca no fundo. O problema é que, bêbado, ele xingava em calabrês, língua de seus pai, daí resultando que ninguém se ofendia porque ninguém o conseguia compreender.

— Não lembra de mim, da faculdade?

Ele me fixou uns olhos aturdidos:

— Ah, Gato-Preto! Quanto tempo, hem?

Por um momento eu me lembrei porque eu o havia detestado tanto a princípio. O maldito apelido…

— Então eu venho te fazer uma visita e você não está em casa, seu safado. Ouvi dizerem que você mora mais aqui nesse boteco que lá em cima!

Ele revirou os olhos, cambaleando, e disse:

— Acho que eu não estou me sentindo bem!

E desabou de qualquer jeito na calçada. Todo mundo perto se manteve imóvel, exceto por alguns sorrisos e algumas provocações. Tive então de tomar a iniciativa de ajudá-lo.

Em má hora, pois a conta não estava paga e os trocados que ele levava no bolso não eram suficientes para isso. Para evitar mais problemas, usei seus seis reais e cinquenta centavos e ajudei a levar aquele corpo magro e precocemente enrugado pela ladeira acima até a casinha em que vivia.

Ao chegarmos eu o estendi em sua cama desarrumada, tapei o nariz para evitar o cheiro do banheiro recentemente usado e não tão recentemente limpo e saí enfastiado dali.

Bela visita! Linda perda de tempo numa manhã de domingo ver um sujeito esticado como um submarino em sua cama roncando e babando!

Dei uma rápida olhada nos cômodos, todos pouco e mal mobiliados, poeira se acumulando pelos cantos e um cheiro entranhado nas paredes. “É, parece mesmo que o Sérgio está na pior. Melhor que eu visite de vez em quando para dar uma força ou as coisas podem piorar ainda mais.”

Na sala havia uma pequena escrivaninha com uma máquina de escrever e um maço de papel-ofício, uma estante velha com muitos e desordenados livros e uma televisão a cores que parecia nem funcionar mais de tão antiga.

A lixeira estava quase cheia de folhas amassadas que excitaram a minha curiosidade. Desamassei uma ao acaso e nela encontrei esboços de poemas bem melhores que as minhas tímidas tentativas. Verificando com mais atenção o conteúdo daquela e das outras lixeiras da casa encontrei mais dezenas de páginas com muita coisa a meu ver bastante boa que estava a caminho do depósito de lixo municipal. “Que desperdício de talento! Esse cara escreve tudo isso e joga fora!"

Aí passou pela minha mente o malvado pensamento de me apropriar daquilo que nada lhe custara e que tão facilmente descartava. Com algum esforço eu poderia introduzir modificações bastantes para atestar minha autoria sem pôr a perder inteiramente o pulso vibrante ali contido.

Olhei para um lado e para o outro e não havia ninguém fiscalizando minhas intenções. Então entesourei minha coleta em um insuspeito envelope pardo que havia numa prateleira e me preparei para sair, deixando Sérgio entregue à ressaca.

Mas então eu percebi que havia sido vigiado. A janela da sala se abria quase rente ao limite da posse e dava para o quintal vizinho, onde estava uma mulher que me fitava. Era e teria os seus vinte e sete, vinte e oito anos. Seus cabelos eram escuros, compridos, lisos, brilhantes, pesados. E caíam sobre seus ombros, densos e impenetráveis.

Seus olhos eram muito negros e muito vivos e me penetravam acusadoramente. Ela sorriu quando a olhei fazendo aparecerem numerosos dentes muito brancos e grandes e se aproximou da janela com um passo tão resoluto que parecia estar vindo me matar e perguntou-me sem nenhuma timidez:

— Aconteceu alguma coisa com o Sérgio?

— Ele resolveu beber até cair.

— De novo! Coitado! Ele tem estado tão estranho.

— Ele faz isso sempre?

— Desde que se mudou para cá, deve fazer um ano mais ou menos. De onde o conhece?

— Da faculdade.

— Pobre coitado. O que será que o leva a viver assim?

— Desde que o conheço ele tem um certo gosto pela bebida. Mas beber até se arrastar pelo chão é coisa nova.

— Mas é uma pena. Um homem de tanto talento não devia se deixar cair tanto.

Sorri por dentro ao perceber na voz da mulher uma ponta de atração por Sérgio. O ano de vizinhança não fora bastante para que percebesse as nítidas tendências homossexualidade que havia nele. Um incerto sentimento de pena passou por minha mente diante desta constatação e não pude deixar de pensar que era meu dever desiludi-la, mas diretamente.

— Sérgio é o tipo que não tem amigos nem amores.

— Eu percebi, ele é muito mais arredio que o normal…

— Ele sempre foi grosso mesmo. Me surpreende até que ele tenha deixado que você ficasse sabendo o seu nome.

A essa altura, passada já a impressão de que ela vira alguma coisa digna de atenção em minha conduta altamente suspeita, convencido de que ela nem mesmo se lembraria depois de ter me visto sair com um envelope pardo na mão, pedi-lhe licença, fechei a janela e saí. Chamei-a à porta da rua e ela veio, andando com uma elegância de sambista. Os volumosos seios tripudiavam de minha timidez, mas não consegui pensar em nada para dizer de imediato, não antes de ela já haver dito que sentia muito ver Sérgio naquele estado e que seria bom para ele que os amigos aparecessem com mais frequência. Fui sincero ao dizer que realmente pretendia voltar para vê-lo. Mas acrescentei que, embora Sérgio fosse um bom escritor, pelo menos aos meus olhos não era um bom sujeito.

— Não tenha tanta pena dele. Foi a sua própria mão que cavou esta situação em que está. Ele não é flor que se cheire. Sempre mal-educado, mal-agradecido e enrustido em si mesmo. Nenhuma amizade duradoura, nenhum relacionamento amoroso, nada aguenta. Ele parece que tem sempre uma vontade enorme de aparecer e de humilhar os outros.

O brilho foi se apagando de seus olhos enquanto eu falava. Eu previa que o efeito de minhas palavras seria negativo, mas também sabia que não valia a pena passar por herói. As mulheres não amam aos heróis, apenas aceitam ser salvas por eles para poderem voltar a amar homens comuns ou vilões.

— Ele não está tão sem amigos como você diz — havia uma amargura e uma bem nítida recriminação em seu tom de voz — ele tem a mim. Se lhe é tão custoso vir ajudar um semelhante, deixe que eu faço isso!

— Escute o que estou dizendo. Se lhe estender a ele vai bater nela, se lhe der as costas ele aproveitar a chance de enfiar o punhal.

E tomando discretamente o “meu” envelope, despedi-me e saí levando um tesouro.

Originalmente escrito em abril de 2003. Publicado em 24/06/2007.


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Dez 10
publicado por José Geraldo, às 23:01link do post | comentar

Gabriela era uma menina comum, filha de pais bem comuns, que morava numa casa bem comum numa cidade qualquer. Como quase todas as meninas ela gostava muito de histórias e não passava uma noite sem pedir que seu pai ou sua mãe lhe contassem uma antes de dormir.

Infelizmente os pais de Gabriela não sabiam muitas histórias. Eles eram pessoas ocupadas e sem paciência, passavam seus dias trabalhando e reclamando da vida — não tinham muito tempo para divertir-se e muito menos para ler livros e aprender histórias. Por causa disso foram muitas as noites em que Gabriela teve de dormir sem história, ouvindo história repetida, ou tendo de contentar-se com uma historinha sem graça qualquer.

Mas Gabriela era uma menina estudiosa e logo aprendeu a ler. Quando percebeu que já sabia juntar as letras e formar palavras ela ficou muito curiosa para saber o que havia escrito nos livros que enchiam as prateleiras da biblioteca da escola. Ah, eram tantos livros! com capas feias ou bonitas, com páginas branquinhas ou amareladas, cada um contendo uma ou muitas histórias!

A partir desse dia Gabriela começou a ler os livros da biblioteca. Todo dia ela voltava para casa com algum debaixo do braço e só o devolvida depois de ter lido tudo, tudinho. Começou com os livros fininhos, que tinham histórias curtinhas e muitas figuras. Depois começou a pegar livros mais grossos, que tinham menos espaço desperdiçado com figuras e muito mais história para ler. Quando Gabriela chegou na quinta série já tinha lido quase todos os livros da biblioteca.

Então ela já estava grandinha e foi transferida para outra escola. Nessa escola havia uma biblioteca maior, com muito mais livros. Gabriela andou por entre as imensas estantes de aço, cheias até não caber mais, e pensou: “vou ter que ler cada vez mais depressa para ter tempo de ler isso tudo até a oitava série”…

E assim ela começou. Todos os dias ela pegava dois livros, lia o mais grosso à tarde e deixava o outro para a noite, antes de dormir. Havia alguns que eram tão grossos que era preciso duas tardes de leitura, mas Gabriela não tinha problemas com isso: quando o livro era bom ela sempre ficava triste quando a história acabava, pois não tinha nenhuma graça ler de novo, cada livro ficava como uma alegre lembrança que nunca mais seria vivida.

Com o tempo ela percebeu que os melhores livros nem sempre eram os mais bonitos, percebeu também que não eram só os livros de histórias que eram bons de ler. Havia também livros de várias matérias que eram tão bem escritos que faziam o estudo virar um prazer: foi assim que ela aprendeu a História do Mundo, que descobriu como é o universo, como surgiu e evoluiu a vida, como funciona o corpo humano. Essas histórias eram tão boas quanto os romances de capa-e-espada e os contos de fadas.

Havia também alguns livros de histórias que eram diferentes dos outros, pois contavam histórias que haviam acontecido mesmo, alguns tinham até as fotos das pessoas que haviam vivido a história. Esses eram geralmente livros tristes, que nem sempre tinham um final feliz — mas Gabriela gostava de ler histórias que tinham acontecido, porque assim ela sentia que o mundo real também era interessante.

Um dia ela achou que não havia mais nada interessante na biblioteca para ler e ficou triste. Foi aí que ela percebeu, lá no alto e no cantinho da última prateleira, um livro que parecia ser muito velho, mas que ela nunca tinha visto antes. “Deve ser alguma doação” — ela pensou. E fez questão de ler.

O curioso é que o livro não tinha título na capa, e nem por dentro. Não tinha nome do autor, nem índice, nem endereço de editora. Também não tinha números nas páginas e nem estava dividido em capítulos. A história começava no alto da primeira página após a capa e continuava até o último espaço da última página. Ou pelo menos era o que parecia, pois Gabriela não deixou de pensar que poderiam estar faltando páginas, tanto no começo quanto no fim.

As letras eram letras grandes, maiores que os tipos dos outros livros, mas menores que as letras dos livros para crianças pequenas. Eram letras estranhas, que à primeira vista não pareciam diferentes das letras de livros comuns, mas cada vez que você olhava de novo era como se percebesse um detalhe diferente. Era como se cada letra fosse diferente da outra, faltando um ponto ou sobrando, com uma curva diferente, uma perna mais comprida ou algum defeito do papel deformando um canto. Parecia até que alguém havia caprichosamente desenhado à mão cada palavra daquele livro estranho e sem figuras.

Gabriela tentou folheá-lo para ver o que havia por dentro, mas não conseguiu. As páginas eram grossas, úmidas, meio mofadas ou afetadas pela poeira. Grudavam-se, eram pesadas, algumas pareciam definitivamente pregadas nas outras ou até com dobras não cortadas. Como se o livro nunca tivesse sido lido ou como se tivesse ficado fechado por muitos anos. “E como deve ser triste, quando se é um livro, ficar tanto tempo fechado, sem passar pelas mãos de ninguém, sem contar sua história a nenhum leitor”.

Gabriela foi até a entrada para registrar o empréstimo. A bibliotecária lhe sorriu e lhe deu boa-tarde e Gabriela foi embora feliz, levando o livro.

Em casa ela passou toda a tarde lendo. A história era do tipo que prendia mesmo. Cada página aparecia outro personagem — ou saía algum da história de alguma forma. Parecia que eram muitos os personagens principais, tantos que Gabriela logo começou a perder a conta de seus nomes. A história era cheia de voltas, idas e vindas. Diferentes histórias que se cruzavam a todo o momento e depois se separavam de novo. Falava de uma terra estranha onde havia uma rainha viúva e uma princesa solteira que não queria casar. De dragões que eram mansos e de fadas que eram más — e também do contrário. De tanta coisa que Gabriela tinha de parar para pensar e organizar-se.

Os dias seguintes foram dias de aventura. A história do livro ocupou sua mente quase que sem parar, era como ela nem tivesse mais tempo para a escola ou para amigos. Mas era tão bom ler aquela história, ouvir falar da língua estranha do povo Pt que só conhecia uma vogal e setenta e nove consoantes, ou do povo Ao, cuja língua só tinha vogais (trinta e duas). Haviam os príncipes ladrões e o elefante magro que ensinava o tigre a comer alface — e tantas outras coisas absurdas que faziam rir. Mas havia também coisas tristes demais, mortes e mistérios e separações.

Gabriela levou exatamente sete dias para ler o livro inteiro, a contar da hora exata em que saiu da biblioteca. No exato momento em que deram nove horas e quarenta minutos da manhã, durante os dez minutos de intervalo que ela aproveitara nos cinco dias anteriores para continuar a leitura, ela chegou à última palavra da última página.

Foi um momento de muita alegria, mas também de muita tristeza. Foi como terminar uma tarefa longa, mas foi também como parar de fazer a melhor coisa do mundo. O fim da história também era sem graça. Nada foi resolvido ou terminado. Era como se houvesse mais páginas no livro, muitas mais, mas somente aquelas tivessem sido encadernadas.

Então Gabriela se levantou, foi até a biblioteca, mostrou o livro à bibliotecária e o pôs de volta em seu lugar.

Nos dia seguintes ela continuou pensando naquele livro, naquelas histórias desencontradas — tristes e alegres ao mesmo tempo, naquelas lendas mal contadas. Então criou coragem e resolveu trocar idéias com os colegas. E foi aí que ela descobriu a coisa mais extraordinária de sua vida: ninguém nunca lera aquele livro. Ninguém nunca vira o livro na estante da biblioteca. A própria bibliotecária não soube dizer que livro era: “Quando vi aquela capa toda amassada eu pensei que fosse um dos livros velhos que foram doados, esses imprestáveis que a gente ia acabar jogando fora mesmo…”

Gabriela teve quase raiva — “nenhum livro é imprestável” — mas estava preocupada demais com o livro em si.

Uma colega lhe disse que o livro era obra do demônio, que ela devia orar e esquecer. Mas a professora de redação, que era uma mulher muito doce e que tinha uns olhos enormes e muito negros, muito bonitos, lhe disse algo bem diferente: “Minha querida, você não vê? Esse livro é você mesma? Esse livro são as histórias de que você gosta, as histórias que você queria que alguém tivesse contado. Mas eu vou te falar uma coisa muito bonita: ninguém pode contar as suas histórias a não ser você.”

Gabriela demorou alguns dias para entender. Ela só entendeu numa noite em que estava deitada na cama, sonhando com as histórias do estranho livro, quando de repente percebeu que algumas das histórias de que estava se lembrando eram diferentes das histórias do livro. “Sim, agora eu sei” — pensou Gabriela.

Então ela se levantou, escolheu um caderno bem grosso e uma caneta bem macia. Sentou-se na escrivaninha e começou, devagar e com muito carinho, a contar uma história nova, uma história sua. Uma história que ela queria que tivesse sido contada, mas que ela finalmente percebera que ninguém contaria — a não ser ela mesma.

Originalmente escrito em 14/05/2007


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Dez 10
publicado por José Geraldo, às 15:12link do post | comentar

Poucos temas em literatura são tão abertos e fascinantes quanto a ficção científica pós-apocalíptica. Basicamente você tem o direito de «passar a régua» no mundo e reimaginar tudo a seu bel-prazer, dentro de certos limites (bastante amplos). O fato de tanta gente que faz isso ter exatamente a mesma ideia, de um Mundo Mad Max com baratas radioativas, é só falta de imaginação mesmo.

Dia desses, debatendo sobre o tema, eu tive essa «viagem alucinógena» sobre como seria a sociedade do futuro se após a extinção do homem algum tipo de pássaro canoro evoluísse de forma inteligente. Deu até vontade de escrever a história.

Eu imagino que o tipo mais extraordinário de ser que poderia evoluir para uma forma inteligente seria uma ave. Para isso, claro, teria que reposicionar e modificar suas asas, mas um passaroide inteligente seria uma criatura fascinante.

Dotado de penas, teria pouca necessidade de fabricar roupas e ditar moda. Uma criatura destas provavelmente não teria artes plásticas e nem regras de «decência» como nós as imaginamos.

Ovíparo, ele teria uma série de outras preocupações envolvendo a sua prole que nós nem sequer imaginamos. Os testes de DNA do programa do «Pardalzinho» (equivalente passeriforme do Ratinho) não envolveriam somente a dúvida quanto ao pai, mas também a mãe. Sem a gravidez, o papel social da mulher seria compartilhado com o do homem e possivelmente a sociedade seria muito igualitária.

Capazes de falar e cantar simultaneamente, suas línguas não envolveriam apenas sequencias de fonemas, mas também de sons musicais. Eles literalmente falariam através de canções. Inteligência desenvolvida e uma vida social complexa exigiriam que sua «fala» deixasse de ser simples como o canto de um bem-te-vi e adquirisse muito mais complexidade — talvez até polifonia.

Eles provavelmente se alimentariam de comida crua, devido a possuírem bico e moela. Isso significa que a arte da gastronomia seria desconhecida, bem como boa parte dos ritos sociais a ela relacionados.

Se não teriam artes plásticas, teriam altamente desenvolvida a música e a literatura (no fundo uma só coisa) e a dança teria sempre um cunho erótico.

Sem a pressão da frio e do alimento cru, eles só criariam uma civilização se tivessem que enfrentar algum tipo de desafio diferente. Imagino que a guerra seria esse desafio: diferentes espécies de passaroides competindo entre si resultaria em pressão evolutiva para que aperfeiçoassem a linguagem, para aperfeiçoar a estratégia militar e as habilidades manuais (para melhorar sua capacidade de coletar comida e também de agredir).


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Dez 10
publicado por José Geraldo, às 23:04link do post | comentar | ver comentários (1)
  • Ar condicionado – você vive falando mal dele para os clientes, mas não consegue trabalhar sem ele nem no inverno.
  • Arquivo – especialista em guardar informação, mas não em disponibilizar de volta quando é preciso.
  • Cadeira – é o que te apoia enquanto você faz o trabalho, mas quando você termina, você vai embora e deixa ele lá.
  • Cafeteira – não dá nenhum lucro para a empresa, mas é o que todo mundo sempre lembra.
  • Cartucho de toner – um grande e caro recipiente cujo conteúdo não pode ser derramado senão é dureza limpar depois.
  • Cesto de lixo – todo mundo precisa ter um por perto, mas ninguém gosta de mexer com ele.
  • Elevador – todo mundo sabe de onde vem e aonde pode ir, mas há muitos que não confiam.
  • Fungo – fica no escuro e se alimenta das sobras.
  • Grampeador – especialista em juntar de qualquer maneira pedaços de ideias alheias, mas frequentemente não funciona quando é preciso.
  • Lâmpada fluorescente – quando está funcionando bem, ninguém sabe que ele é importante: quando começa a falhar, ninguém se importa em trocar e quando acaba, colocam outro no lugar.
  • Laptop – considerado muito útil, acaba nos divertindo mais do que nos ajuda.
  • Perfurador de papel – tido como fora de moda, ainda existe em tudo quanto é lugar e todo mundo usa, só não dão importância.
  • Peso de papel – antigamente era comum, mas ninguém gostava de ter: hoje não se usa mais.
  • Sininho chinês – faz barulho o tempo todo para lembrar-nos de que está lá, mas não serve para nada.
assuntos: ,

22
Dez 10
publicado por José Geraldo, às 13:29link do post | comentar

Teobaldo tentava esquecer. Poderia ser na próxima golada de cachaça, ou na quinquagésima; tinha medo que não fosse nunca. Por via das dúvidas, entornava para dentro da goela a décima oitava enquanto ouvia Sílvio Luiz esculachando algum centro avante que perdia um gol: “Pelo amor dos meus filhinhos, esse até a minha sogra fazia!” As imagens vacilavam com a interferência da geladeira, o som vacilava com a interferência da gritaria, sua mente vacilava com a interferência de uma arma fria que levava no bolso. Ninguém a vira, ninguém morrera, ninguém morria. Sua vida estava atada ao nada, era uma poça estancada, de alma e de hálitos. Estava sozinho, humilhado e não matava ninguém, nem a si mesmo.

O teto do boteco começava a caçoar de sua determinação de derrotar a memória. Girava em gargarejos súbitos que empurravam suas costas para trás e o seu queixo para a frente. Como um malabarista Teobaldo tentava mergulhar no negrume da noite etílica, mas as lâmpadas teimavam em machucar nos seus olhos a certeza do dia. Então ouvi, como se fosse uma buzina de trem no meio da cerração, a voz gosmenta de alguém.

— Para com isso, homem. Cachaça não dá abraço para curar chifre de coitado.

Teobaldo braguejou prandindo os praços belo ar, guerendo sogar um gicante gualguer, mas gaiu de guatro no gongreto ácido e levou uma balda de áqua vrea na vuza e tesmaiou.

Acordou com o rebimbalhar dos sinos de uma ressaca assassina, a sede de um crucificado lá pela tarde do segundo dia. Estava encostado na parede de fora do boteco e fedia a muito mijo. Um anjo o contemplava, com olhos esperançosos como são os dos mensageiros de Deus. E lhe falou:

— Teobaldo, homem. Levante-se dessa calçada imunda e vá para casa. Tome um banho e tome dignidade. Fazer esse papel não combina com você.

Teobaldo começou a chorar como criança e teve vergonha de ouvir aquilo. Teve vergonha também porque o anjo tinha nojo de seu cheiro enjoativo de enxofre e fósforo — o cheiro de um demônio, ou melhor, cheiro de alguém que dormiu na calçada e urinou na calça. Talvez pior, cheiro de alguém que sofreu a troça de jovens impiedosos.

Nem mesmo a mão ousou erguer. Apoiou-se na parede sentindo-se inferior a tudo, até mesmo à cadela de tetas graúdas e caídas que trotava pelo concreto levando a solidão de muitas maternidades e as cicatrizes de muita fome. Quando conseguiu se erguer, nem teve coragem de passar as mãos no rosto. Teve nojo das próprias mãos. Teve nojo do seu próprio corpo, e tinha uma sede de camelo. Mas não pediu água, não pediu apoio. Última dignidade que lhe restava: ficar sozinho, ir para casa com as próprias pernas. “Chega de anjos”.

Mas o anjo o seguia, lento e calado, como devem ser esses pestes. Não serviam nem para ajudar, e Teobaldo caía muitas vezes — e nem tinha trocados no bolso para um bendito copo de água mineral que aliviaria o inferno. Ver as pessoas bebendo nos bares era como ver o pobre Lázaro no paraíso, tão longe e tão perto. Ao contrário do rico, morreria sem pedir. O desespero é uma coisa para a vida póstuma.

Nem sabia se tinha a chave de casa. Ou uma casa ainda. Andava a esmo, talvez estivesse seguindo para um cemitério ou simplesmente acompanhando a cadela, coitada, que só fazia ser o que era por obra de Deus.

Achou-se em frente a um portão. O anjo acenou que sim. Mesmo Teobaldo gritando “suma da minha vida, eu não preciso de nenhum anjo da guarda”; a criatura permaneceu próxima, apenas cerrou o cenho e maquinou nas mãos um gesto agitado e rude que rompeu a santidade insincera que manipulava.

O sol estava melhor, a sede também — ele é que estava a ponto de morrer ou matar por uma simples garrafa de água com gás. E tinha um revólver, a bala era mais cara, mas não salvava sua vida. Apesar disso, covardemente, preferiu entrar em casa; descobrindo que a porta andava aberta, ou fora aberta miraculosamente — maldito sol matinal.

Foi direto para o banheiro. Beberia água no chuveiro. Para a sede, qualquer água serve. Só pensamos em detalhes quando não é questão de morte. Abriu a torneira fria mesmo, precisava acordar, matar alguém, mesmo de terno. Sorveu daquele líquido clorado, deixou aquele frescor banhar suas orelhas, molhar o seu cabelo, acordar o seu sexo. Perdeu a conta do tempo, felizmente ele não tinha futuro para se preocupar. Felizmente as crianças estavam na escola.

Só descobriu que estava vestido ainda quando foi se ensaboar. Ouviu o teto rir, lembrando ainda a noite. Quanto álcool bebera, puta merda! Era álcool ainda ou ficara no cérebro alguma sequela? Despir-se molhado é uma desgraça.

Pode ter sido meia hora ou oitenta minutos, poderia ter sido o dia. Mas quando saiu do banheiro não estava mais fedido a mijo, próprio nem alheio, tinha feito a barba, esfregado bicarbonato nos dentes até estragar a escova e raspado meio quilo de saburra da língua entorpecida. Penteara o cabelo para trás, como fazia na adolescência, imitando ídolos de um século partido. Saíra restituído em alguma dignidade, mas quem tem passado não tem isso: todo mundo já foi besta um dia, e só sofre mais quem foi besta ontem, porque todo mundo ainda lembra. Malditos os que têm memória longa, sempre se acha um bosta desses quando você está feliz. O melhor amigo é o cachorro que se esquece até dos chutes que você lhe dá.

Margarida estava sentada à mesa da cozinha. Tinha um prato de sopa de fubá com alho diante de si — e um saudável copo de água gasosa, cuja presença por si indicava que a mesa era posta para Teobaldo. “Meu Deus, sou uma minhoca, um mosquito, uma lombriga...” Ali estava Margarida, na cabeceira da mesa, silenciosa com seus olhos enigmáticos, poços pretos profundos impermeáveis à pesquisa de um desesperado como ele. E Margarida olhava para o jornal do dia, que o carteiro trouxera outra vez. “Devia cancelar essa merda”.

Sentou-se na cadeira ao lado. Pegou a colher como se fosse um revólver. Levou sopa à boca como se estivesse enfiando uma bala no lobo temporal. Infelizmente a arma fria no bolso da calça era só o telefone móvel. E o único crime que com ele cometia era ainda ter o telefone de Maria. As orelhas lhe queimavam.

Enquanto sorvia a sopa, em um silêncio cadavérico, via Margarida folheando o jornal, interessada. O ruído das folhas sendo viradas soava na cozinha como os remos de Caronte no Estige. Quando virou a última folha, antes de Teobaldo virar a última colherada, finalmente lhe deu na cara, com aqueles olhos que pareciam redemoinhos de raiva, ou uvas inflamadas.

— Não dormi essa noite pensando em você, seu bosta!

Teobaldo continuou quieto. Queria que ela o xingasse de cada palavra, que ela pisasse em seus ovos usando um tamanco de madeira, que ela pegasse seu coração entre os dedos e espremesse até o músculo virar sangue também. Queria que ela fosse uma assassina, uma mula-sem-cabeça, uma messalina.

Mas não, aquela inútil o olhava com uma expressão amante no rosto, pronta para resignar-se, esperando as explicações, quaisquer que servissem, querendo resgatá-lo, regá-lo com suas lágrimas e recuperá-lo. Ele queria morrer, mas não queria isso, não merecia isso, não queria isso, não merecia isso, repetia isso, estava perdendo de novo o controle. Bebeu o resto da água de um gole só, sofreu com isso, continuou quieto.

— E você não me fala o que está havendo? O que acha que sou, Teobaldo? Acha que sou seu anjo da guarda? Como quer que o ajude se não sei nem o que há com você? Eu o amo, quero ajudar, mas você é uma esfinge. Você é… um alcoólatra? Que depressão o jogou nessa fossa? Você não era assim antes, você nem bebia, você tonteou de beber martíni na primeira vez que saímos, falando coisas engraçadas. Eu gostava tanto de você daquele jeito simples, mas gosto de você de qualquer jeito, quero poder ajudar você de algum jeito…

As palavras saíam, meio sem sentido, repetitivas, na lenta imprecisão do destempero controlado. Maria lhe vinha à cabeça: aquela sim, jamais se rastejava por um homem como Margarida lhe fazia. Mas Maria tinha ido embora e ele nem sabia onde jazia. Era Margarida que ali estava, amando-o, implorando apenas que ele permitisse. Mas Teobaldo era um crápula, tinha que ser. Margarida não o merecia, ela precisava odiá-lo enquanto ainda era tempo, precisava deixá-lo, destruí-lo, esquecê-lo, casar-se com um que não fosse verme, lento, poça, lama.

“Chega de anjos” — berrava a sua mente. Mas a boca boboca babava, balbuciava. Repetia-se em colisões de consoantes, ou talvez em gaguejar garatujado de alguém que não rascunha as frases que diz. Ficava lá em silêncio, possesso, doloroso, querendo Maria e tendo Margarida. Maria, a amada. Margarida a amante. Não, amante de Maria, marido de Margarida. Por amor, por dinheiro. Abandonado, uma fuga para o estrangeiro. Ele ali, jogado no subúrbio, joguete de uma mulher como ele, não de uma exótica princesa. O vazio que ficara na saída de Maria era uma treva que quase o recobria, que destruía seu casamento e anestesiava sua vida. Bebia. Não porque o álcool o chamasse, mas porque morria, ou melhor, porque era o que queria. Não buscava torpor, mas o choque, ou um escroque que o cobrisse de pancada durante a anestesia.

Quando finalmente sentiu o efeito do alho nos pulmões, o calor do mingau se espalhando pelos intestinos vazios, recobrou os sentidos. Pela terceira vez em dois anos. Estava vazio, mas não estava mais embriagado, só doía.

— Eu não mereço isso que você fez comigo, Margarida — foi o que disse.

— P-perdão — foi a estranha, tímida, resposta.

— Estou dizendo que eu não sou digno de você!

— Ah…

Por um momento ele não percebeu. Mas depois teve uma sensação de estar olhando para aqueles exercícios de xadrez que apareciam no jornal. O silêncio naquela cozinha continuava cavernoso, só um pouco mais denso. Ouvia-se o jornal estalar sozinho, com o peso do ar que o apertava na mesa. E os olhos de Margarida, mesmo tão negros quanto antes, mesmo ainda parecendo poços de piche, enigmas esféricos, jabuticabas, todas essas coisas poéticas e precárias que se usa para dar dignidade à simplicidade de um corpo de carne, precário e decadente, que abriga esses sonhos nossos, única coisa diferente, motivo solitário de existirem versos, indústrias, guerras, todas essas coisas grandes e bonitas que duram para depois.

— Que diabo está falando, Margarida?

— Que diabo está falando, Teobaldo?

Teobaldo levantou da mesa bem devagar. Movendo cada músculo tão leve que parecia um beija-flor dançando para uma margarida. Dirigiu-se ao quintal dos fundos, deitou na espreguiçadeira e ficou olhando as hortaliças que cultivava nas horas vagas, o pequeno gazebo de madeira, todo belo de ornamentos, que encomendara ao primo Anastácio, que tinha sumido ganhando a vida na Europa com seus entalhes em madeira. Por que diabos gringo gosta tanto de coisas entalhadas em madeira?

Carros passavam pela rua, escondidos pelo muro de quatro metros, monstruosidade de concreto financiada pelo FGTS para consolidar o lar contra os vizinhos. Margarida não saiu com ele. Ficou lavando a louça e o faqueiro na pia da cozinha. De vez em quando caía uma faca ou uma colher, coisas que acontecem. Por azar quebrou-se um dos pratos de louça também — justo aquele em que tomara a sopa — mas era um dos baratos.

O domingo foi escorrendo pelo céu acima, esquentando a laje de cimento que forrava o caramanchão mal arrumado onde fora o churrasco do casamento de Anastácio com Danila, meses antes. Meses antes de partir-se Maria.

Por fim, quando deu fome, quando o sol chegou até a espreguiçadeira, levantou-se dela suado e salvo. A culpa se partira também. Maria que se fodesse, a vida era mesmo uma merda, melhor limpar do que deixar que fugisse ao controle. Chegou na cozinha e ainda achou Margarida, coitada, esfregando pratos e talheres. Pelo tempo que passara devia ser a décima vez que esfregava a esponja em cada garfo.

— Margarida, tenho pensando num monte de coisas, sabe. E tomei uma decisão muito importante hoje.

— O q…? — ela nem conseguia terminar a pergunta.

Teobaldo imaginou o que aconteceria. Filmou cada cena do futuro não acontecido. Margarida que abdicara de uma carreira para poder criar os dois filhos, vivendo de pensão que ele nem sempre poderia pagar em dia. A casa, herança tão afortunada de uma tia, vendida para pagar as custas do desquite, cada um vivendo em seu apartamento. Pensou na barba grisalha que tinha de manter raspada, nos vincos que atrapalhavam a sorrir, nas varizes que rasgariam mapas rodoviários em suas pernas. Futuros dias de pais e mães condensando culpas e acusações de coisas meio acontecidas. Tudo isso parecia pesadelo. Maria tinha ido embora. Tinha ido tarde, ela que fodesse, a piranha, com todos os frescos estrangeiros que encontrasse, que não voltasse nunca depois de usada e jogada fora, que achasse um que a fodesse bastante para ela não querer mais sair daqueles lugares frios aonde Teobaldo jamais iria. “Chega de anjos”.

— Eu entro para os Alcoólicos Anônimos amanhã.

Margarida desprendeu um suspiro imenso e o abraçou com força, manchando de espuma de detergente o pijama que ele ainda vestia. “Chega de anjos” — pensou Teobaldo. Deixou-a terminando de guardar a louça e foi assistir alguma coisa na televisão. Algum jogo idiota de campeonato estrangeiro (talvez Maria estivesse na arquibancada ao lado de algum afortunado gringo, careca e impotente, exibida como troféu, impunemente). Enquanto olhava a tela, resvalava com o olhar a foto da família, parecendo torta. A semente do diabo, plantada por um curto diálogo, ribombava em sua mente apenas com uma determinação quase demente: “Bentinho era imbecil”.

E nessa repetição a saudade de Maria morria e crescia com força a crença indiscutível, de que merecia e queria Margarida.


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Dez 10
publicado por José Geraldo, às 17:04link do post | comentar

A literatura de ficção e fantasia que conhecemos descende do exotismo escapista da Europa entre o final do século XVIII e o início do século XX. A grande repressão dos costumes, o caráter ainda muito embrionário da democracia e a difusão de múltiplas e contraditórias teorias pseudocientíficas geraram um terreno propício para que alguns autores vissem na ambientação em lugares exóticos uma maneira de criticar a própria sociedade em que viviam ou então refestelar-se em pornografia ou ideais vanguardistas sem o risco de censura. A força da tradição, a idolatria recorrente do passado (clássico ou medieval), a importância de instituições como a Igreja e o Estado… tudo isso atuava em favor do estabelecimento de um subgênero que abrigava a subversão de uma forma socialmente tolerável.

É nesse sentido que Richard Burton consegue transferir para a Índia as perversões sexuais dos fidalgos, que Bram Stoker (talvez inconscientemente) sublima o caráter predatório da nobreza britânica na figura de um nobre vampiro estrangeiro etc. Os mais otimistas, porém, sonham com um mundo no qual as nuvens negras de fumaça industrial, os bolsões de pobreza e uma “degeneração dos costumes” são superados por descobertas científicas: a ciência salvaria o mundo que a religião mal conseguia ajudar. Eram tempos ingênuos aqueles.

À medida em que o mundo evoluía através de guerras mundiais, epidemias, surgimento de crime organizado, conspirações de estado, crises econômicas e uma total hipocrisia política, a idealização do mundo perfeito se torna mais forte. Mas o pessimismo avança, fazendo com que a perfeição fosse muitas vezes localizada no passado. Em J. R. R. Tolkien, por exemplo, o que predomina como temática é a decadência dos povos, o fim iminente do mundo, o risco permanente do triunfo do mal absoluto etc. A salvação da humanidade, representada pela destruição do anel, ocorre por puro ato de graça do Destino, um legítimo deus ex machina.

Muita gente no Brasil adquiriu esse pacote fechado de venenos ideológicos sem olhar o que tinha dentro. Sem entender o mecanismo (e principalmente sem entender os arquétipos em uso), essas pessoas acabaram adotando fim em si aquilo que ficava apenas na superfície: gente que se veste de elfo da Terra Média sem entender que os elfos são o arquétipo da pureza angélica (congênita, indiferente e fria) da humanidade. Trata-se de uma compreensão infantilizada porque não evolui, não acrescenta; limita-se a repetir fórmulas e repassar receitas. Assim são os imitadores: em vez de verem no vampiro a inspiração para outras histórias de outros monstros, que refletem os nossos medos, eles apenas transcrevem o medo estrangeiro, muitas vezes sem sequer tentar uma tropicalização. O resultado, me desculpem os que me leem, não é literatura de verdade, é literatura de brinquedo, é fanfic.

Que isso venda livros e dê lucro a quem faz é algo que não importa: esse artigo não é sobre meios fáceis de ganhar dinheiro, fazer amigos e influenciar pessoas. Mesmo porque, se eu soubesse como fazer essas três coisas eu não tinha um blog, eu escrevia num jornal de grande circulação.

Quando digo “fanfic” eu estou me referindo a imitações superficiais, alienadas e anacrônicas de obras cujo contexto e cujo subtexto não foram foram compreendidos pelo imitador. Superficial porque não vai além do uso emblemático, caricatural, esquemático dos arquétipos contidos nos textos em que se baseia. Alienado porque imita servilmente um modelo estrangeiro e não usa quase nada da rica cultura de nosso país. Anacrônico porque reflete o estado de espírito de uma outra época, que tinha outras preocupações e desafios.

Em relação ao caráter anacrônico, realmente não há desculpa, mas há um modus operandi: os imitadores sem talento gostam de pinçar justamente o mais datado, o mais superficial, o mais esquemático. A imitação procura ser fiel no acessório porque ele é mais portátil, ele não requer aprofundamento crítico.

Como a literatura é algo pouco valorizado, às vezes até ridicularizado, o brasileiro médio não consegue acessar toda a profundidade do que lê e essa superficialidade passa para o que tenta escrever. São bem poucos os novos autores que eu estou conhecendo que parecem possuir alguma cultura literária. Em vez disso, as crias da internet parecem ostentar sua ignorância como uma medalha.

Embora a literatura tenha já uma boa tradição entre nós, os novos autores a desconhecem ou rejeitam-na (“Odeio Machado de Assis”). E porque lê pouco, muito ignora e mal sabe o quanto isso lhe faz falta. Esse ranço anticultural passa de geração a geração, desde os tempos dos coronéis. “Ler é um exercício”, afirmou certo político suado de lutar contra as palavras, como diria Drummond. Isso vem desde os tempos em que o coronel analfabeto detinha o poder e o homens da cidade, devidamente diplomados, eram seus empregados.

A falta de cultura geral, trazida por leitura frequente e variada, faz com que o leitor brasileiro médio tenha dificuldades para destrinchar os significados dos textos mais provocativos. Isto resulta em pastiches mal-feitos do Senhor dos Anéis, reescrituras desnecessárias das Crônicas de Nárnia, platitudes sobre as Mil e Uma Noites vendidas como pérolas de sabedoria por magos midiáticos, imitações precárias de Stephen King ou grotescos esforços para tentar ser J. K. Rowling.

Os livros e os personagens são reduzidos a estereótipos, e são esses estereótipos que são imitados. Os vampiros sobre os quais se escreve são baseados nos de Anne Rice, os magos são como Dumbledore ou como Gandalf, os elfos são como os Sindarin, etc. Alguns “ousados” misturam referências de mais de uma obra, mas ainda assim é “fanfic”, do tipo “crossover”.

Como as pessoas geralmente só leem do que gostam (outra característica da estratégia de “redução da dor” empregada por pessoas para quem ler é realmente muito penoso), o gênero favorito serve como cercadinho intelectual que retarda seu crescimento mental. Elas leem, leem, e nunca aprendem porque sempre leem mais do mesmo. Chegam à idade adulta lendo livros sobre anjos da guarda, magos do Oriente, Deuses Astronautas…

Ninguém tem que saber tudo, mas tudo que se sabe é um tijolo a mais na construção de uma personalidade versátil. Cada livro tem algo a nos ensinar, e é importante sabermos um pouco de várias coisas para não sermos “bitolados”. O trem só é capaz de seguir os caminhos que foram preparados para ele no passado, mas os pássaros voam livres para onde querem. Ler livros de um gênero só é ser como um trem, “bitolado”.

Porém, aquilo que você lê precisa resultar em alguma coisa. Não pode entrar por uma orelha e sair pela outra. Quando você realmente aprende algo, este algo passa a ser parte de você e recebe a sua contribuição. “Quem conta um conto aumenta um ponto” quer dizer que você sempre tem vontade de contar de outra forma, mesmo a melhor história que leu. Essa vontade é o germe da literatura na alma da pessoa que lê. Ninguém se torna escritor antes de ter sido um bom leitor.

É isso que prejudica muitos autores nacionais: ao não reciclar suas fontes, eles não vão além da superfície das histórias que leem, ambientadas em paraísos estrangeiros ou países alienígenas (ou seria o contrário?), sem notarem que os cenários são deliberados, que estas obras possuem uma mensagem conectada com o mundo real, que não são mero escapismo.

Apegar-se à letra, não ousar discordar de como as histórias foram contadas, não ter sonhos próprios para transformar em ideias… Males de um povo que tem preconceito contra si mesmo, que acha que as suas histórias não merecem ser contadas. Sim, vivemos sonhando em contar as histórias dos outros povos e desprezamos as nossas. Nossos jovens não querem ler autores regionais, detestam sotaques sulistas, nordestinos, mineiros… Enquanto isso uma recente música de sucesso falava, como se fosse algo desejável, de um vaqueiro do interior de São Paulo com sotaque “meio americanizado”.

Aqui em Minas Gerais temos um verbo suficientemente ofensivo para esses casos: “macaquear”. Macaquear é imitar grotescamente. Tal como um chimpanzé que tenta agir como humano, mas claudica e faz caretas sem sentido. Devíamos parar de “macaquear” a cultura estrangeira e começar a contar a nossa história. “Nossa” não no sentido de nacionalismo fútil, mas no sentido de experiência própria — que até pode incluir referências aprendidas com outras culturas. O mundo de um autor é o mundo que ele vê e vive.

Pode parecer perseguição ou preconceito, mas é fato: nenhuma imitação barata de best-seller estrangeiro fará sucesso lá fora e tornará seu autor uma personalidade famosa, porque nenhuma imitação pode ter qualidade técnica, artística ou cultural para fazer frente ao mais simplório dos best-sellers prefabricados que vêm dos Estados Unidos. Isso decorre, primeiro, do fato de que os livros mais comerciais publicados nos EUA e Inglaterra passam por um processo de edição e preprodução que nossas editoras não têm como financiar, e segundo, da impossibilidade de obter acesso recíproco ao mercado “deles”, pelo menos não fazendo aquilo que eles fazem de melhor. Se eles não conseguem fazer samba melhores do que nós, certamente nós não conseguiremos fazer livros rasos tão bem quanto eles (e nesse contexto “fazer bem” não envolve qualidade, mas agradar ao público). A única chance de carreira internacional que um autor fora do circuito anglo-americano-australiano pode ter está na sua originalidade, em oferecer um assunto novo.

Mas como se isso não bastasse, resta uma verdade dolorida: uma boa parte do que se publica hoje no Brasil, no gênero ficção científica e fantasia, é bem pior que “Crepúsculo”. Tem muito autor por aí falando mal de Stephanie Mayer que deveria, sinceramente, lavar sua boca antes de vomitar acusações contra ela. No mínimo, mesmo o pior dos romances comerciais americanos tem um enredo estruturado, passa por várias e boas revisões e só chega ao mercado depois algumas sondagens com leitores qualificados, que apontam fraquezas a serem sanadas. Aqui tem muito autor se acha um deus e reage ofendido a todo e qualquer comentário que não se baseie em entusiásticos aplausos.

É uma postura inculcada neles por um sistema educacional falido, que não exige aprendizado, que não propõe desafios, mas aplaude o “esforço” mesmo que ele redunde em nada. Por isso tanto autor por aí se acha especial, se acha gênio, acha que tem “inspiração” e chama de “censura” a toda e qualquer interferência que um editor queira fazer. Para essa gente, gramática é coisa de sujeito afetadinho, a estrutura é a prisão da idéia e apontar erros é faltar com o respeito ao autor. Mal sabem eles que a precariedade do texto é que é a prisão da idéia, tal como a falta de horizonte cultural agrilhoa o raciocínio.

As editoras não abrem mais espaço para nossos autores porque eles são amadores mesmo, porque há gente demais fazendo cópia mal-feita de autor americano. Os bons ficam perdidos nesse mar de inutilidades. É mais seguro para elas buscar obras já testadas e aprovadas do que tentar testar e aprovar aqui outras obras cujo alcance ficaria, de qualquer forma, limitado às nossas fronteiras.

Para piorar tudo, os autores orkutianos são desorganizados, sem foco e muito narcisistas. Desejam fazer sucesso escrevendo, mas não gostam de ler o que outros escrevem. Desejam ser famosos, mas não querem comprar livros de outros autores. Querem ser bem-sucedidos, mas não querem dar-se ao trabalho de buscar pessoalmente a qualidade de seu texto (“alguém vai revisar para mim”). No fundo esperam que alguém magicamente transforme seu sonho de fama em realidade. E pelo simples fato de estarem escrevendo, já incorporam o personagem “artista” — chegando ao ponto de colocar em seus apelidos virtuais termos como “poeta” ou “escritor”, como aqueles ridículos médicos do interior de antigamente que exigiam ser chamados de doutor até quando estavam de sunga no clube e pediam que os bancos imprimissem nos seus talões de cheque “Fulano de Tal, Dr.”.

Se você acha que isso é mentira, vá até a sua estante e me diga quantos livros de jovens autores você possui, quantos leu. Negue sinceramente que você se ofendeu quando alguém lhe disse que precisava melhorar. Ou então me explique de que forma você entende o mito do monstro de Frankenstein no contexto da cultura de sua região.

O sucesso continuará sendo impossível enquanto continuarmos cometendo os mesmos erros. Persistência é só um nome bonito para a teimosia, a menos que você saiba o que está fazendo. Enquanto o “autor” não conhecer diversos gêneros, não possuir um posicionamento face à tradição, não acompanhar a mídia especializada, não estiver antenado com as notícias e com as novidades culturais, não há opção a não ser continuar dando dinheiro para editoras que publicariam qualquer coisa em troca de três meses de seu salário.


17
Dez 10
publicado por José Geraldo, às 23:23link do post | comentar | ver comentários (1)
  • Do lacônico: Feliz Natal!
  • Do prolixo: Feliz Natal, Tudo de Bom para você e sua família, feliz ano novo e que Deus lhe dê tudo que você merece.
  • Da companhia elétrica: Muita luz para você neste ano que se inicia.
  • Do pagão: Bom Solstício para você.
  • Do latinista: Felix Natalis Christus et Prosperus Annus Novus.
  • Do analfabeto eletrônico: FeliX NataW, Flws?
  • Do garoto-propaganda: Faça feliz o natal da sua família com esta linda TV de Plasma de 68 polegadas ...
  • Do político: Eu vou ter um feliz ano novo com esse aumento!
  • Do miguxo: Feliz aniversário para Jesus!
  • Do pastor: Venha deixar seu 13º Dízimo você também

12
Dez 10
publicado por José Geraldo, às 09:50link do post | comentar | ver comentários (1)

Há algumas semanas divulgou-se uma estarrecedora pesquisa segundo a qual aproximadamente 80% dos estudantes brasileiros, ao término do primeiro grau, ainda não haviam adquirido plena competência da leitura; número que não era significativamente reduzido ao fim do segundo grau (porque, obviamente, não há espaço na escola secundária para trabalhar a alfabetização), e que ainda tinha impacto nos cursos universitários. Nada menos que 5% dos formandos em cursos superiores seriam analfabetos funcionais (e uma boa outra quantidade seria incompletamente alfabetizada).

Pois bem, há alguns dias, em São Paulo, uma garotinha de doze anos morreu, em um hospital de relativo renome, porque a enfermeira lhe injetou vaselina líquida em vez de soro fisiológico.

Você consegue ver a relação entre estas duas coisas? Não? Vou tentar explicar.

Se temos uma proporção tão grande de analfabetos funcionais ao término do curso superior, se temos tantas pessoas que, mesmo alfabetizadas, ainda não têm domínio pleno da leitura, é evidente que uma boa quantidade dos profissionais que estão sendo formados neste país tem dificuldade para ler e compreender instruções, rótulos, alertas, receitas etc.

Isto quer dizer que temos médicos que desconhecem sintomas porque não leem os laudos até o fim, que temos engenheiros que calculam errado porque não entendem as especificações, que temos professores que não conseguem ensinar bem porque ainda não dominam a matéria que deviam ensinar, que temos enfermeiras que podem matar crianças de doze anos porque não leem rótulos e receitas.

Uma característica do analfabeto funcional, e também dos que, mesmo alfabetizados, têm ainda dificuldade de leitura, é a preguiça de ler. Quem não é plenamente alfabetizado procura evitar ler porque ler lhes é penoso. Quando veem um texto longo como esse, desanimam de ler e reclamam de quem escreve. Quando veem letrinhas miúdas…

O que estou querendo dizer é que a ineficiência de nosso sistema educacional está produzindo uma geração de profissionais relapsos e incompetentes, profissionais que cada vez mais cometerão erros idiotas porque não querem ler, porque leem e não entendem ou porque as instruções, escritas por outros incompetentes, não são claras. A longo prazo esta incompetência generalizada vai matar cada vez mais gente. Enfermeiras que injetarão remédio errado, médicos que vão operar a pessoa errada, engenheiros que vão calcular errado, mecânicos que não vão saber consertar direito os novos modelos, com suas estruturas complexas etc.

Se você acha que estou inventando estes números, vamos a alguns links:

Mas o que mais me espanta é, diante de tais números absurdos, a presidente eleita ter dito que «a educação no Brasil já está encaminhada». Bem, encaminhada ela está. Apenas eu e a presidente divergimos para onde.


06
Dez 10
publicado por José Geraldo, às 22:06link do post | comentar | ver comentários (2)

Atiçado pelo convite feito na comunidade Ficção Científica, lá no Orkut, a criar meu próprio movimento «punk», cometi essa graça:

CHIFREPUNK — Num futuro em que a fidelidade conjugal é proibida e o marido é o único que não pode transar com a esposa, um casal tenta realizar sua maior perversão sexual: ter uma relação papai e mamãe a sós em um local tranquilo. Infelizmente hordas de periguetes, cachorras, putões, profissionais do séquiço, clubes-de-mulheres e outras instituições praticamente os impedem de realizar isso, o que por fim os leva à clandestinidade, aliando-se aos piores elementos da sociedade: os adeptos de um Clube de Castidade e uma Irmandade Monogâmica que funciona como uma maçonaria.

Quem achar legal, pode escrever a história.


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