Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
07
Jun 11
publicado por José Geraldo, às 09:00link do post | comentar
Este texto é parte do romance “A Casa no Fim do Mundo”, de William Hope Hodgson (1907), que estou traduzindo em capítulos semanais. Visite o Índice para lê-los em sequência.

Por fim, farto do cansaço e do frio e da intranquilidade que me possuía, resolvi fazer nova inspeção da casa, antes passando pelo meu escritório, para beber um cálice de conhaque e me esquentar. Enquanto isso examinei a porta cuidadosamente, mas notei que tudo continuava como eu deixara antes.

O dia estava quase amanhecendo quando saí da torre, embora dentro de casa ainda fosse escuro para poder-se enxergar sem uma luz, por isso eu levei comigo uma vela do escritório em minha exploração. Quando terminei com o andar térreo a luz do dia já estava penetrando debilmente pelas janelas gradeadas. Minha procura não me mostrara nada de novo. Tudo parecia estar em ordem e já estava por apagar a vela quando, espontaneamente, ocorreu-me dar outra olhada nos porões. Eu não fora lá, se me lembrava direito, desde a minha rápida inspeção na noite do ataque.

Hesitei por um minuto, talvez. Gostaria muito de ter podido ignorar tal tarefa porque — estou inclinado a pensar que qualquer um o faria — de todos os grandes espaços assustadores desta grande casa, seus porões são os maiores e também mais estranhos. Imensos, cavernosos e escuros lugares, onde raio algum da luz do dia jamais chega. Mas eu não me esquivei do trabalho. Senti que ao fazer isso zombava da covardia. Além do que, eu me tranquilizava, os porões eram de fato o lugar menos provável para encontrar qualquer coisa perigosa, pois só se pode entrar lá por uma pesada porta de carvalho, cuja chave eu sempre carrego comigo. É no menor deles que guardo meu vinho, um buraco escuro junto ao pé da escada do porão, além do qual raramente fui. De fato, exceto pela inspeção a que me referi, não tenho certeza se antes andara alguma vez pelos porões.

Ao destrancar a grande porta, no começo da escadaria, parei nervoso por um momento, diante do odor de desolação que agrediu as minhas narinas. Então, enfiando o cano de minha arma à frente, eu desci, lentamente através da escuridão das regiões inferiores.

Chegando ao fim das escadas, parei por um minuto e escutei. Tudo estava bem silencioso, exceto por uma distante goteira, caindo, caindo gota a gota, em algum lugar à minha esquerda. Ali parado, notei o quanto a vela queimava tranquila, sem nunca tremer nem variar, tão completamente sem vento era o lugar.

Em silêncio, andei de porão a porão. Eu tinha uma impressão muito vaga de sua organização. As impressões deixadas pela primeira busca estavam confusas. Eu tinha a lembrança de um monte de grandes porões e de um ainda maior, maior que todo o resto, cujo teto estava apoiado em pilastras. Além disso, minha mente estava nublada e predominava uma sensação fria, de escuridão e sombras. Mas eu estava suficientemente forte para manter-me sob controle, anotando a estrutura e tamanho das várias criptas em que entrava.

Mas é claro que, a luz toda vindo de uma vela, não era possível examinar todos os lugares minuciosamente; porém pude de perceber, enquanto ia seguindo, que as paredes pareciam construídas com grande precisão e perfeito acabamento, aqui e ali intercaladas com massivos pilares erguidos para dar sustentação ao teto.

Assim eu cheguei, por fim, ao grande porão que lembrava. Chegava-se a ele através de uma entrada grande, sob um arco no qual observei algumas inscrições estranhas, fantásticas, que lançavam sombras esquisitas à luz de minha vela. Parado ali examinei-as, pensativamente, e ocorreu-me o quanto eram estranhas e como eu sabia pouco de minha própria casa. Isto porém pode ser facilmente entendido, contemplando o tamanho dessa construção antiga, e que somente eu e minha irmã aqui vivemos, ocupando poucos cômodos, tal como decidimos.

Segurando a luz no alto, entrei naquele porão e fui pela direita sempre, até chegar ao outro lado. Eu andava devagar e em silêncio, e olhava curiosamente em volta, ao caminhar. Mas, pelo que a luz me mostrava, não havia nada de anormal.

No topo eu virei à esquerda, ainda mantendo-me junto da parede, e assim continuei até atravessar a vasta câmara inteira. Enquanto o fazia, notei que seu chão era feito de pedra sólida, em alguns pontos coberta de fungos úmidos, em outros descoberta, ou quase, exceto por uma fina camada de poeira cinza clara.

Parei junto à porta. Mas então eu me virei e me dirigi ao centro do lugar, passando por entre os pilares e olhando à esquerda e à direita enquanto seguia adiante. Lá pelo meio do porão tropecei contra algo que fez um som metálico. Inclinando-me logo, levei a vela e vi que o objeto chutado era uma argola grande de metal. Baixando a vela um pouco mais, limpei a poeira em torno e descobri que estava presa a um pesado alçapão enegrecido pelo tempo.

Sentindo-me ansioso, e imaginando aonde poderia dar, pus minha arma no chão e fixei a vela na coronha. Então agarrei a argola com as duas mãos e puxei. O alçapão rangeu alto, o som ecoou vagamente através do imenso lugar, e se abriu com peso.

Apoiando a tampa com meu joelho, trouxe a vela e a segurei diante da abertura, movendo-a para lá e para cá sem ver nada. Fiquei assustado e surpreso. Não havia nenhum sinal de degraus nem parecia que tinham existido algum dia. Nada, a não ser a escuridão vazia. Eu poderia estar olhando para dentro dum poço sem fundo e sem paredes. Estava ainda, perplexo, a olhar para dentro do poço quando me pareceu que ouvia, longe lá embaixo, como se subisse das profundezas do desconhecido, um som levemente sussurrado. Inclinei a minha cabeça rapidamente dentro da abertura e ouvi atentamente. E pode ter sido ilusão, mas juro que ouvi um riso baixo, que cresceu até virar uma gargalhada horrível, baixa e distante ainda. Assustado, saltei para trás, deixando o alçapão cair com uma pancada oca que encheu o lugar com o eco. Mesmo com isso ainda parecia ouvir aquela risada irônica e sugestiva; mas isso, eu sabia, tinha que ser a minha imaginação. O som que ouvira era muito baixo e distante para poder atravessar o obstáculo do alçapão.

Por quase um minuto fiquei lá tremendo, olhando nervoso para trás e para os lados, mas os grandes porões estavam silenciosos como um cemitério e fui, aos poucos, vencendo os efeitos do medo. Com a mente calma, fiquei novamente curioso para saber sobre o que se abriria o alçapão, só não consegui, naquele momento, reunir coragem suficiente para outra investigação. De uma coisa, porém, eu tive certeza: aquele alçapão precisava de reforço. Consegui isto colocando em cima dele vários grandes pedaços de pedra trabalhada que tinha visto ao passar pela parede leste.

Por fim, depois de dar uma última olhada no restante do lugar, retornei pelo meu caminho através dos porões, até as escadas e cheguei à luz do dia, com a sensação de um alívio infinito por ter completado serviço tão desconfortável.


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