Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
09
Jun 11
publicado por José Geraldo, às 21:54link do post | comentar

Dando continuidade a nossa análise existencialista e filosófica das tirinhas do André Dahmer, eis outra que merece praticamente um ensaio...

Vemos aqui uma inversão irônica do antiquíssimo clichê da prostituta que se ilude em encontrar um homem que a tire da vida (tão bem explorado por nomes do quilate de Nélson Rodrigues, Manuel Bandeira, Eça de Queirós e Odair José). É verdade que, em alguns casos, como o do poema do Bandeira e do romance do Eça, o homem realmente cumpre a promessa. Mas em essência, a história de amor da prostituta sempre foi a de uma ilusão quase infantil com príncipe encantado. Isto, claro, porque na vida, como na arte, raras sãos as Surfistinhas que têm a chance de se tornarem próceres da cultura nacional e candidatas a cadeira na Academia Brasileira de Letras (de depender de sua campanha boca-a-boca de convencimento dos acadêmicos, será por unanimidade).

A prostituta literária é uma jovem ingênua que, poluída pela "vida", sonha com algum cliente que por ela se apaixone e a leve consigo para uma vida pelo menos relativamente respeitável. Nenhuma delas carregava gilete no bolso e nem cheirava cocaína. Eram tempos chiques, em que era finíssimo comer haxixe e morrer de tuberculose.

Mas nesse quadrinho sensacional, sintético, multireferenciado e todos os etcéteras que vocês queiram acrescentar, André Dahmer pega esse clichê e o transforma em pano de fundo para uma piada arrasa-quarteirão, da qual, evidentemente, só poderão rir desbragadamente os que forem dotados de uma cultura literária suficiente para saberem quem foi a Dama das Camélias ou, pelo menos, a Zezinha do Butiá. Bruna Surfistinha não serve de referência.

Normalmente vista como corrupta, decadente e doente, aqui é a puta que promete a redenção ao político. Essa é a sensacionalidade da piada. Em um nível mais básico, sugere-se que chegar ao nível de uma prostituta seria um progresso moral para o político (ainda que, em alguns casos, tal seja uma meta inatingível). Em um nível mais sofisticado, pode-se pensar que o político é iludido com a promessa de redenção, tal como as putas de alma limpa, posto que a prostituta não quer realmente salvá-lo, mas apenas continuar recebendo seu dinheiro (tal como os clientes não querem levar a puta para casa, mas apenas ter com ela encontros ocasionais). Além disso, a salvação fica impossibilitada pelo fato de que o político, tal como a puta nos tempos pré-camisinha, fica contaminado pela corrupção e doença derivada de seu contato com a sujidade, a prevaricação, o dolo e outras coisas. Males contra os quais não existe antibiótico.


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