Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
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Jun 11
publicado por José Geraldo, às 09:00link do post | comentar
Este texto é parte do romance “A Casa no Fim do Mundo”, de William Hope Hodgson (1907), que estou traduzindo em capítulos semanais. Visite o Índice para lê-los em sequência.

Outra semana veio e passou, durante a qual eu gastei uma boa parte do tempo perto da boca do Abismo. Eu chegara dias antes à conclusão de que a abertura abobadada que ficava no ângulo da grande rachadura devia ser o lugar por onde todas as coisas suínas tinham saído, provenientes de alguma parte infame nas entranhas do mundo. O quanto isso estava próximo da verdade, isso ainda estava por descobrir.

Acho que dá para entender bem facilmente que eu andava tremendamente curioso, embora de uma maneira assustada, para saber em que lugares infernais aquele túnel daria, embora até então não tivera a ideia de fazer uma investigação mais séria. Estava ainda muito cheio de horror pelas criaturas para pensar em me aventurar, pela minha própria vontade, aonde quer que se achasse a menor chance de entrar em contato com elas.

Gradualmente, porém, com o fluir do tempo, esses receios foram ficando cada vez menos fortes, de maneira que, alguns dias depois, ocorreu-me um pensamento de que seria possível esgueirar-me até embaixo explorar o túnel. Eu não me sentia mais excessivamente averso a fazer isso, ao menos não tanto quanto teria estado nos dias anteriores antes. Ainda assim, não creio que já tivesse vontade de tentar uma aventura tão maluca. Tudo que conseguia pensar era que teria sido quase morte certa penetrar por aquele túnel tétrico. Mesmo assim, tão grande é a impertinência da curiosidade humana que, por fim, o maior de meus desejos era de descobrir o que haveria além da entrada sombria.

Aos poucos, à medida em que corriam os dias, o meu medo das Coisas suínas se tornou uma emoção do passado — algo como uma memória fantástica, ou pouco mais do que isso.

Então chegou o dia em que, lançando fora minhas fantasias e receios, procurei em casa uma corda e, amarrando-a a uma árvore bem firme, no alto do barranco, a uma distância curta da beira do Abismo, deixei a ponta cair pela encosta até balançar em frente à abertura do túnel tenebroso.

Então, cautelosamente, com muitas desconfiança de que era uma loucura o que estava tentando fazer, desci lentamente, usando a corda como apoio até chegar ao buraco. Ali, segurando ainda a corda, desci e olhei para dentro. Tudo estava na mais perfeita escuridão e nenhum som chegava até mim. Logo, porém, me pareceu escutar algo. Segurei a respiração para ouvir, mas estava tudo tão quieto como uma tumba, então respirei livremente outra vez. No mesmo instante ouvi o barulho de novo. Era como um ruído de respiração pesada, inspirando e exalando profundamente. Por um curto segundo fiquei ali, petrificado, incapaz de me mover. Mas então os sons pararam e não consegui ouvir nada.

Enquanto estava lá de pé nervoso, meu pé deslocou um pedregulho, que caiu para dentro da escuridão com um tinido oco. Então, mais uma, o barulho cresceu e veio se repetindo umas vinte ou mais vezes, uma se sucedendo à outra, em ecos cada vez mais débeis, que pareciam se afastando de mim, até desaparecer na distância. Então, à medida em que caiu outra vez o silêncio, ouvi aquela respiração dissimulada. A cada vez que respirava, podia ouvir a respiração a me responder. Os sons pareciam aproximar-se e então ouvi outros, pareciam longe e mais fracos. Porque não peguei a corda e pulei fora daquele perigo, isso não posso dizer. Era como se estivesse paralisado. Eu comecei a suar profusamente e tentei molhar meus lábios com a língua. Minha garganta tinha ficado seca de repente e então tossi e engasguei. Isso me voltou em uma dezena de sons guturais horrendos e zombeteiros. Olhei para dentro da escuridão em desespero, porém nada ainda aparecia nela. Eu tive uma estranha sensação de sufocamento, e então tossi secamente. Outra vez o eco apareceu, subindo e depois caindo e morrendo lentamente em um silêncio abafado.

Então, subitamente, um pensamento me ocorreu e eu segurei a respiração. As outras respirações pararam. Respirei de novo e outra vez recomeçaram. Mas já não tinha medo. Eu acabara de descobrir que os estranhos sons não eram produzidos por nenhuma criatura suína oculta, mas somente o eco das minhas próprias respirações.

Ainda assim, tinha levado susto tão grande que tratei de subir de volta pelo barranco, e de puxar a corda depois. Estava abalado e nervoso demais para pensar em entrar naquele buraco escuro, então voltei para a casa. Eu me senti mais seguro de mim na manhã seguinte, mas nem então pude reunir coragem para explorar o lugar.

Durante todo esse tempo a água no Abismo continuara subindo devagar, e já estava pouco abaixo da abertura. No ritmo com que subia, estaria ao nível da chão em menos de uma semana, então compreendi que se não fizesse logo minha investigação do lugar eu provavelmente nunca mais poderia fazê-lo, visto que a água subiria e subiria, até a própria abertura ficar submersa.

Deve ter sido tal pensamento que provocou-me à ação; mas qualquer que tenha sido, dois dias depois eu estava de pé acima do barranco, equipado para a tarefa.

Daquela vez eu estava resolvido a vencer minha covardia, e chegar ao fundo da coisa. Com essa intenção, levara, além da corda, um maço de velas, pensando em usá-las como tocha, e também a minha espingarda de dois canos. Em meu cinto, ia uma pistola de cavalaria carregada de chumbo grosso.

Como da outra vez, amarrei a corda à árvore. Então, levando a arma presa aos ombros com um pedaço de corda firme, desci pelo barranco do Abismo. Diante deste movimento, o Pimenta, que tinha estado vigiando as minhas ações atentamente, pôs-se de pé e correu para mim, dando um latido meio ganido que me pareceu de advertência. Mas como estava decidido no meu objetivo, mandei-lhe ir deitar. Queria tê-lo levado comigo, mas isto era impraticável, dadas as circunstâncias. Quando meu rosto ficou pelo nível da borda do Abismo ele veio para lamber meu queixo e mordeu a manga de meu casaco, deixando claro não querer que eu entrasse. No entanto, minha decisão estava tomada e não tinha nenhuma vontade de recuar. Então, gritei duramente que Pimenta me soltasse e depois continuei a descida, deixando o pobre coitado para trás, chorando e uivando como um filhote abandonado.

Cuidadosamente me aproximei, pisando nas irregularidades da encosta. Eu sabia que um escorregão significaria me molhar.

Alcançando a entrada, larguei da corda e desamarrei a arma dos ombros. Então, dei uma última olhada para o céu, que estava ficando rapidamente nublado e dei um par de passos adiante, só para me proteger do vento e poder acender uma das velas. Com ela erguida acima da cabeça e segurando firme minha espingarda, comecei a avançar devagar, olhando para todos os lados.

No primeiro minuto, só podia ouvir os melancólicos uivos de Pimenta, que chegavam até mim. Gradualmente, à medida em que penetrei nas trevas, foram ficando mais distantes, até que logo não pude mais escutar. O caminho descia um pouco, curvando para a esquerda. Assim continuou durante um tempo, e então me descobri virando à direita, na direção da casa.

Com muito cuidado continuei, parando frequentemente para ouvir. Devia ter avançado um pouco menos de cem metros quando, de repente, meu ouvido pareceu captar um som baixo, em algum lugar no túnel, vindo atrás de mim. Com o coração ribombando forte, tentei ouvir. O ruído ficava mais claro e parecia vindo em minha direção, rapidamente. Logo consegui ouvi-lo claro e próximo. Era a batida de uns pés correndo. Nos momentos de pavor iniciais, fiquei plantado e indeciso, não sabendo se devia avançar ou recuar. Então me ocorreu a súbita compreensão do melhor a fazer, e me joguei de costas contra a parede direita, maldizendo a curiosidade tola, que me levara a tal extremo.

Não tive de esperar mais que poucos segundos até um par de olhos brilhar nas trevas, com a luz de minha vela. Ergui minha arma usando a mão direita e apontei depressa. Mas tão logo o fiz isso, algo saltou de dentro da escuridão, com um latido atabalhoado de alegria, como um trovão. Era o Pimenta. Como fizera para descer pelo barranco eu nem podia imaginar. Enquanto esfregava as mãos, nervoso, em sua pelagem, notei que estava molhado e concluí que ele devia ter tentado me seguir e caído dentro da água, de onde não lhe devia ter sido muito difícil nadar e chegar até à entrada.

Tendo aguardado por volta de um minuto até me recuperar, continuei meu caminho, com Pimenta atrás, em silêncio. Estava, na verdade, satisfeito por ter ter meu velho amigo a me seguir. Ele era uma boa companhia e tendo-o aos calcanhares sentia menos receio. Afinal, eu sabia que seus ouvidos apurados rapidamente detectariam a presença de qualquer criatura detestável, se houvesse alguma dentro das trevas que nos cercavam.

Por alguns minutos seguimos, devagar, sempre adiante, o caminho ainda levando direto até a casa. Logo concluí que chegaríamos logo abaixo dela, caso o túnel continuasse bastante. Segui cuidadosamente por mais uns quarenta metros ou mais. Então parei e ergui a vela bem alto, e tenho motivo para ser grato de ter feito isso; pois a menos de três passos o chão desaparecia, deixando apenas um negrume vazio ali estendido, o que me deu um susto muito grande.

Com muita cautela, avancei um pouco e olhei para baixo, mas não consegui enxergar nada. Então me dirigi para o lado esquerdo do corredor, para ver se ali achava a continuação do caminho. De fato, bem junto à parede, estava um trilho estreito, com menos de metro de largura, seguindo para a frente. Cuidadosamente pisei nele, mas não avançara muito e já me arrependi de ter me aventurado daquela forma. Porque após uns poucos passos, o trilho que já era estreito demais se transformava em pouco mais que uma saliência, que se espremia entre rochas sólidas e inamovíveis que formavam uma parede imensa que chegava a um teto invisível e um poço gigantesco. Não consegui evitar de pensar no quanto estaria perdido se fosse atacado lá, sem ter para onde fugir, e com tão pouco espaço que o coice de minha arma me lançaria numa queda de cabeça para baixo até as profundezas.

Para o meu grande alívio, pouco depois o trilho se alargou de novo até a largura original. Gradualmente, à medida em que segui à frente, notei que o caminho curvava sempre à direita, até que depois de minutos descobri que eu não estava avançando, mas somente circulando o grande abismo. Tinha, logicamente, chegado ao fim do grande túnel.

Cinco minutos depois, estava de volta ao ponto de onde saíra, depois de uma volta completa do que concluí ser um poço bem amplo, cuja enorme abertura deveria ter pouco menos de cem metros de diâmetro.

Por um curto tempo fiquei lá, perdido em pensamentos perplexos. “O que significa isso tudo?” — era o grito que começava a reverberar no meu cérebro.

Uma súbita ideia me ocorreu e eu procurei em volta um pedaço de rocha. Achei um mais ou menos do tamanho de um pãozinho. Prendendo a vela em uma greta do chão, afastei-me uns passos da borda para tomar impulso e lancei a pedra no abismo — minha ideia era jogá-la bem longe para evitar as paredes do poço. Então me inclinei à frente e fiquei escutando, porém, mesmo mantendo-me em silêncio completo por mais de um minuto, não ouvi som algum de dentro da escuridão.

Fiquei sabendo então que a profundidade do buraco devia ser imensa, pois a pedra, se batesse em alguma coisa, era bastante grande para ter causado ecos que murmurariam naquele estranho lugar por um período indefinido de tempo. Afinal aquela caverna tinha sempre devolvido os sons de minhas passadas, multiplicadas. O lugar era apavorante, e eu poderia ter voltado sobre meus passos de bom grado, deixando sem resolver os mistérios das suas solidões — mas isso significava admitir derrota.

Então me ocorreu uma ideia de tentar enxergar dentro do abismo. Pensei que se colocasse as minhas velas ao redor do buraco, poderia ter pelo menos uma vaga imagem do lugar.

Descobri, ao contar, que tinha trazido quinze velas, em um maço. Minha primeira intenção fora, como já disse, de fazer uma espécie de tocha com um feixe delas. Então as pus todas ao redor em volta do Abismo, a intervalos de dezoito metros.

Depois de completar o círculo eu fiquei de pé no corredor e tentei ter uma ideia de como era o lugar. Mas descobri logo que elas eram totalmente insuficientes para o meu propósito. Elas faziam pouco mais que alargar o tamanho da escuridão visível. Para uma coisa serviram, no entanto: confirmar a minha opinião a respeito do tamanho da abertura do poço. E se não me mostraram nada do que eu queria ver, o contraste que produziram na pesada escuridão foi agradável. Eram como quinze estrelinhas brilhando através da noite das profundezas.

Estava então de pé e imóvel a contemplar tudo isso quando Pimenta deu um ganido súbito, que foi logo aumentado pelo eco e repetido em variações fantasmagóricas, afastando-se lentamente. Com um movimento rápido eu ergui a última vela que ficara comigo e olhei para ele, no chão. No mesmo momento pareceu-me escutar um ruído como um chocalhar diabólico, que vinha das profundezas até então silenciosas do abismo. Assustei-me, e então me lembrei que devia ser o eco do ganido de Pimenta.

Pimenta saíra de perto de mim, subindo alguns passos pelo corredor. Ele farejava pelo chão rochoso e acho que o ouvi lamber. Fui até ele, levando a vela baixa. Ao me mover eu ouvi a minha bota chapinhar, e a luz foi refletida em algo que brilhava e passava por meus pés, indo rápido em direção ao Abismo. Abaixei-me para ver, e soltei uma exclamação de surpresa. Vindo pelo caminho, de algum lugar acima, uma corrente de água seguia depressa até a grande abertura e crescia cada segundo.

Outra vez o Pimenta deu aquele uivo profundo e correu até mim, mordeu a minha capa e tentou me arrastar pelo caminho, na direção da entrada. Com um gesto nervoso livrei-me dele, e passei logo para a parede da esquerda. Se alguma coisa estava chegando, preferia ter uma parede atrás de mim.

Então, ao olhar ansiosamente pelo caminho acima, minha vela deu um relance do túnel. E no mesmo momento, tive consciência de um rugido tumultuoso, que ia crescendo e preenchendo a caverna com um barulho ensurdecedor. De dentro do Abismo subia um rouco e profundo eco, como o soluço de um gigante. Então pulei para o lado, para o trilho estreito que circulava o buraco, e ao olhar de volta vi uma grade parede de espuma passar por mim e pular tumultuosamente dentro do abismo que aguardava. Uma nuvem de gotículas me bateu, apagando a vela e me molhando até os ossos. Ainda tinha minha arma, porém. As três velas mais próximas também se apagaram, as mais afastadas, porém, só davam um brilho curto. Depois do primeiro jato, o fluxo de água acalmou e se tornou uma correnteza firme, com pouco mais de trinta centímetros de profundidade, embora eu não soubesse disso até ter buscado uma das velas acesas e feito um reconhecimento. Pimenta, felizmente, tinha me seguido no salto para o trilho e estava bem calmo, perto de mim.

Um curto exame mostrou que a água provinha da entrada, e que corria a uma velocidade tremenda. Na verdade ia ficando mais profunda diante dos meus olhos. Só uma coisa podia ter acontecido. Evidentemente, a água na ravina chegara à borda da entrada do túnel, de alguma forma. Se fosse esse o caso, ela só continuaria a aumentar de volume, até ser impossível para mim sair daquele lugar. Essa era uma ideia apavorante. Era evidente que precisava chegar à saída o mais rápido que pudesse.

Segurando a espingarda pela coronha, testei a profundidade da água. Estava um pouco abaixo do joelho, o barulho que fazia ao mergulhar dentro do Abismo ensurdecia. Então, chamando o Pimenta, pisei na inundação, usando minha arma como apoio. Imediatamente a água subiu borbulhando até os meus joelhos, chegando quase até o meio da coxa, tanta a velocidade com que descia. Por um breve momento quase perdi o pé, mas só de pensar o que havia por trás de mim eu senti um feroz estímulo para resistir e, passo a passo, comecei a seguir em frente.

A princípio não consegui saber nada do Pimenta — eu só conseguia me preocupar com minhas pernas — e fiquei felicíssimo quando ele apareceu ao meu lado. Ele veio vadeando vigorosamente, com uma relativa facilidade. Ele é um cão de grande porte, com pernas longas e finas, eu acho que a água o arrastava menos do que a mim. De todo modo, saía-se bem melhor que eu, ganhando distância e servia-me de guia, ajudando a quebrar a força da água, de propósito ou não. Fui seguindo, passo a passo, pelejando e engasgando, até percorrer, em segurança, algo como uns cem metros. Então, fosse por descuido ou por pisar em um trecho liso do chão de pedra, não sei, eu de repente escorreguei e caí de bruços. Instantaneamente a água saltou sobre mim, em uma catarata pesada que me empurrava para baixo, em direção ao poço sem fundo, numa velocidade assustadora. Pelejei com todas a minha força, freneticamente, mas era impossível ter pé. Eu estava desamparado, engasgando e afogando. Então, de repente, algo me segurou pela manga casaco e me fez parar. Era o Pimenta. Sentindo minha falta, ele devia ter corrido de volta pelo turbilhão escuro, para encontrar-me, e então me agarrou e me reteve até que pude me pôr de pé outra vez.

Tenho a vaga lembrança de ter visto momentaneamente o brilho de diversas luzes, embora não tenha certeza. Se as minhas impressões estavam corretas, devo ter sido arrastado até quase a beirada daquele tenebroso abismo antes que o Pimenta conseguisse me fazer parar. E as luzes, claro, eram das distantes chamas das velas que tinha deixado a queimar. Mas, como já disse, não posso dizer com certeza. Meus olhos estavam cheios de água e eu tinha sido bastante sacudido na correnteza.

E lá estava eu, sem mais a ajuda da arma, sem luz e bastante confuso, com a água ficando mais funda e dependendo unicamente do velho amigo Pimenta para ajudar-me a sair daquele lugar infernal.

Enfrentei a força da corrente. Naturalmente, essa era a única maneira de suster minha posição naquele momento, porque mesmo o velho Pimenta não poderia ter me segurado muito diante da força terrível, não sem minha cooperação, mesmo cega.

Por um minuto, talvez, eu tateei, e então gradualmente recomecei a subida tortuosa pelo túnel. Então começou uma medonha luta contra a morte, na qual eu só tinha a esperança de sair vitorioso. Devagar, furiosamente, quase em desespero, eu pelejava, e o fiel Pimenta me guiava, me arrastava, me erguia e me levava até que, por fim, vi à minha frente o brilho bendito da luz do dia. Era a entrada. Somente alguns metros depois atingi-a, com a água rugindo e borbulhando faminta já em torno dos meus rins.

Então eu compreendi a causa da catástrofe. Estava chovendo pesadamente, literalmente aos borbotões. A superfície do lago nivelara com o fundo do túnel — ou melhor, mais que nivelara, tinha passado disso. A chuva que caía evidentemente enchera o lago, causando a sua prematura subida, porque no ritmo em que a ravina estava enchendo ela ainda levaria um dia ou dois para chegar a entrar no túnel.

Por sorte, a corda pela qual eu tinha descido estava com a ponta para dentro do túnel, agitando-se nas águas que invadiam-no. Agarrando-a pela ponta, fiz um nó em torno do corpo do Pimenta e então, reunindo o resto de minha força, comecei a subir de volta pelo barranco. Consegui atingir a borda do Abismo no último estágio de exaustão. Mas eu ainda tinha de fazer um esforço final e puxar o Pimenta para cima em segurança.

Lenta e penosamente, puxei a corda. Uma ou duas vezes me pareceu que eu teria que desistir, porque Pimenta é um cão pesado e eu estava completamente exaurido. Porém, desistir significaria a morte certa para o meu velho amigo, e este pensamento me obrigava a esforçar-me mais. Eu tenho apenas uma vaga lembrança do fim. Lembro-me de puxar, por um tempo que parecia não acabar nunca. Tenho também uma vaga recordação de ver o focinho do Pimenta aparecer sobre a borda do Abismo, depois do que pareceu um tempo infinito. Então tudo ficou escuro de um momento para o outro.


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