As melhores piadas costumam ser aquelas que envolvem a inversão total de algo que normalmente nos é familiar. A tirinha que examinamos hoje é um exemplo perfeito de como a inversão do lugar-comum, mesmo sem grande sofisticação filosófica, produz uma tirinha genial e acessível:
As tirinhas da série “Encontro Anual dos Donos do Mundo” geralmente abordam o tema do egoísmo capitalista. Acredito que Dahmer seja um simpatizante do marxismo, embora talvez não a ponto de idolatrar ditadores vermelhos. Nesta tirinha, em especial, vemos um capitalista lidando com o dilema da herança. Se do mundo nada se leva, então como um materialista empedernido poderia lidar com a necessidade de deixar para trás o que amealhou em vida?
Ferreirinha indaga a Vázquez, o milionário, se ele pretende doar parte de sua fortuna para a caridade. Muitos milionários fazem isto, ou algo parecido, numa tentativa de limpar postumamente o seu nome. Alfred Nobel inventou a dinamite, mas criou o famoso prêmio, que o tornou mais conhecido do que a sua contribuição à arte de explodir coisas. Vázquez, porém, não tem esse idealismo em relação à sua reputação póstuma. Em vez disso, deseja que seu dinheiro seja cremado junto consigo, ato de supremo egoísmo que evoca a famosa frase de Luís XV (aprés moi, le déluge).
Até aí o quadrinho não tem nada de genial. O que faz toda a diferença é o quadrinho final, no qual a nossa realidade (na qual o diálogo dos milionários se deu) é apresentada como ficção para os demônios do inferno. A reação de dois diabos ao que Vázquez acabou de dizer é parecida com a reação que nós, humanos, costumávamos ter, antigamente, quando assistíamos filmes cheios de violênica, isso, claro, antes de nos acostumarmos a desfrutar da violência como uma forma de diversão. Um dos diabos, supostamente mais velho, repreende o outro por assistir “programas de humanos”, pois isso o impediria de dormir depois. Tal como as crianças de antigamente passavam noites em claro com medo do Drácula ou Maníaco da Serra Elétrica.
A mensagem. Qual será a mensagem sugerida pelo autor da tirinha? Salvo engano meu, é a de que nós humanos possuímos monstruosidades maiores do que as que nós imaginamos. Talvez o que para nós é aceitável, e até ortodoxo segundo as regras da economia, seja como um filme de terror para pessoas vivendo em outra época ou outra dimensão.