Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
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Ago 11
publicado por José Geraldo, às 09:00link do post | comentar
Este texto é parte do romance “A Casa no Fim do Mundo”, de William Hope Hodgson (1907), que estou traduzindo em capítulos semanais. Visite o Índice para lê-los em sequência.

Desde o arcobotante,1 onde estiveram as janelas através das quais eu contemplara aquela primeira aurora fatal, eu podia ver que o sol estava incomensuravelmente maior do que era quando a Estrela iluminara o mundo pela primeira vez. Estava tão grande que o seu limite inferior parecia quase tocar o horizonte distante. Enquanto eu olhava eu imaginava até que ele se aproximava. A radiância verde que iluminava a terra congelada crescia constantemente em brilho.

Desta forma as coisas permaneceriam por um longo tempo. Então, de repente, eu vi que o sol estava mudando de forma, e ficando menor, tal como a lua o fazia nos tempos passados. Em um instante apenas um terço de sua parte iluminada estava voltada para a terra. A Estrela perfurava o céu à esquerda.

Gradualmente, à medida em que o mundo se movia, a Estrela brilhou sobre o frontão da casa, mais uma vez, enquanto o sol se mostrava apenas como um grande arco de fogo verde. No que pareceu apenas um instante o sol sumiu. A Estrela ainda estava completamente visível. Então a terra entrou na sombra preta do sol, e tudo voltou a ser noite… Uma noite negra, sem estrelas e intolerável.

Tomado por pensamentos tumultuosos, observei através da noite… esperando. Anos, talvez, e então, na casa escura por detrás de mim, o silêncio coagulado do mundo se rompeu. Pareceu-me ouvir um pisar suave de muitos pés e o débil som de sussurros inarticulados cresceu em meus sentidos. Eu olhei em torno através da escuridão e vi uma multidão de olhos. Enquanto eu os olhava eles cresceram e pareceram aproximar-se de mim. Por um instante eu permaneci parado, incapaz de mover-me. Então um horrível ruído suíno2 ergueu-se na noite e eu, com isso, saltei pela janela, para dentro do mundo congelado. Tenho a confusa lembrança de ter corrido um pouco e, depois disso, de ter apenas esperado… esperado. Várias vezes ouvi berros, mas sempre parecendo à distância. Exceto por tais sons eu não tinha ideia da direção onde se localizava a casa. O tempo avançava. E eu tinha consciência de pouca coisa, a não ser de uma sensação de frio, desespero e medo.

Uma eternidade depois, pelo que me pareceu, surgiu um ligeiro calor, que antecipou a luz que se aproximava. Então — como uma réstia de glória extraterrena — o primeiro raio da Estrela Verde feriu a borda do sol escuro e iluminou o mundo. Ele recaiu sobre uma grande estrutura arruinada, a uns duzentos metros de distância. Era a casa. Contemplando-a, pude ver algo assustador: sobre suas paredes esgueirava-se uma legião de Coisas profanas, quase recobrindo o velho edifício, das torres instáveis às fundações. Eu as pude ver claramente: eram as Coisas Suínas.

O mundo se movia na direção da luz da Estrela eu eu percebia então que ela parecia abranger quase um quarto do firmamento. A glória de sua luz lívida era tão tremenda que ela parecia encher o céu de labaredas tremulantes. Então eu vi o sol. Ele estava tão próximo que metade de seu diâmetro ficava abaixo do horizonte, e à medida em que o mundo circundava sua face, ele parecia erguer-se contra o céu como uma estupenda cúpula de fogo esmeraldino. De tempo em tempo eu olhava para a casa, mas as Coisas Suínas pareciam alheias à minha proximidade.

Anos pareceram passar-se, lentamente. A terra tinha praticamente chegado ao centro do disco solar. A luz do Sol Verde — como ele já merecia ser chamado — brilhava através dos interstícios que cravejavam as paredes castigadas da velha casa, dando-lhe a aparência de estar envolta em chamas verdes. As Coisas Suínas ainda se esgueiravam pelas paredes.

Subitamente, ergueu-se de lá um troar de vozes suínas, e do centro da casa, já sem teto, subiu uma vasta coluna de chamas encarnadas. Eu vi as pequenas e tortas torres e vigias brilhar no fogo, embora ainda preservassem sua curvatura torta. Os raios do Sol verde atingiam a casa e se misturavam com essa luz lúgubre, dando lugar a uma fornalha fulgurante de fogo verde e vermelho.

Fascinado eu observei, até ser subjugado por uma sensação de perigo iminente que me chamou a atenção. Olhei para cima e logo pude perceber que o sol estava mais perto, tão perto, na verdade, que parecia pairar sobre todo o mundo. Então — não sei como — eu fui puxado para cima até alturas estranhas, flutuando como uma bolha através daquela fulguração horrível.

Abaixo de mim eu vi a terra, com a casa em chamas sendo tomada por uma montanha de chamas cada vez maior. Ao redor dela o chão parecia estar esquentando, e em certos pontos pesadas fumarolas amarelas subiam da terra. Parecia que o mundo estava sendo aceso por aquele mancha pestilenta de fogo. Eu mal podia ver as Coisas Suínas. Elas pareciam praticamente ilesas. Então o chão pareceu abrir-se, subitamente, e a casa, com toda a sua carga de criaturas imundas, desapareceu nas profundezas da terra, produzindo uma nuvem estranha cor de sangue que subiu até as alturas. Lembrei-me então do infernal Abismo que havia debaixo da casa.

Pouco depois eu olhei à minha volta. O corpo enorme do sol se erguia acima de mim. A distância entre ele e a terra diminuia rapidamente. Subitamente a terra pareceu saltar para a frente. Em um instante ela atravessou o espaço até o sol. Eu não ouvi nenhum som, mas da face do sol foi expelida uma língua de chamas fascinantes. Ela pareceu saltar quase até o diante Sol Verde, brevemente cortando a luz esmeralda, uma verdadeira catarata de fogo ofuscante. Ela chegou ao seu limite e caiu de volta sobre o sol, deixando uma vasta mancha de fogo branco: a sepultura da terra.

O sol estava muito perto de mim, então. Porém eu notei que estava me distanciando dele até que, por fim, passava acima dele, no vazio. O Sol Verde estava tão grande que seu tamanho parecia preencher todo o céu à minha frente. Olhei para baixo e vi que o sol estava passando exatamente abaixo de mim.

Um ano pode ter se passado — ou um século — e eu permaneci sozinho, suspenso. O sol aparecia ao longe — uma massa negra circular contra o esplendor derretido do grande Orbe Verde. Próximo à borda eu vi o surgimento de um brilho lúgubre, marcando o lugar onde a Terra caíra. Com isso eu soube que o sol, há muito tempo morto, ainda estava girando, embora muito lentamente.

À minha direita, na distância, eu parecia ver, às vezes, um fraco brilho de uma luz branquicenta. Por muito tempo eu estive inseguro se devia considerar isso uma impressão apenas. Então, por um momento, eu olhei com inquietação renovada, até ver que não era nada imaginário, mas algo real. Tornou-se mais brilhante e então deslizou detrás do verde um pálido globo do branco mais suave. Ele se aproximava, e eu vi que estava aparentemente cercado por um mando de nuvens que luziam calmamente. O tempo passou…

Olhei na direção do sol que diminuía. Ele aparecia aparenas como uma mancha escura na face do Sol Verde. Enquanto o olhava, vi que se tornava cada vez menor, constantemente, como se corresse na direção do orbe superior a uma velocidade imensa. Atentamente eu o contemplei. O que aconteceria? Eu tinha consciência de extraordinárias emoções, ao compreender que ele atingiria o Sol Verde. Ele se tornou, então, menor do que uma ervilha e eu olhava, com toda a minha alma, para testemunhar o destino final de nosso Sistema — esse sistema que havia levada o mundo através de tantas e incontáveis eras, com sua multidão de alegrias e tristezas, e que então…

Subitamente algo cruzou minha visão, bloqueando a visão de qualquer vestígio do espetáculo a que eu assistia com todo o interesse de minha alma. O que houve com o sol morto eu não sei, mas não tenho razão — à luz do que vi depois — para duvidar que ele caiu no fogo estranho do Grande Sol, e ali pereceu.

Então, subitamente, uma pergunta extraordinária surgiu em minha mente, se não seria aquele estupendo globo de fogo verde o vasto Sol Central3 — o grande sol em torno do qual o nosso universo e incontáveis outros revolvem. Senti-me confuso. Pensei no provável fim do sol morto, e uma outra sugestão me veio, tolamente: farão as estrelas do Sol Verde a sua sepultura? Esta ideia não me pareceu nada grotesca, mas como algo não somente possível como provável.

1. Em construções de estilo gótico (como parece ser o caso da estranha casa em que se passa esta história), o arcobotante é uma estrutura exterior que serve de apoio ou contraforte para paredes massivas ou abóbadas. Trata-se de uma espécie de arco de círculo que repousa no chão. Evidentemente os arcobotantes não possuem janelas, mas as paredes pesadas que eles escoram certamente que sim, então o autor provavelmene se refere ao fato de estar vendo através dos arcobotantes depois que as janelas (e talvez as próprias paredes) deixaram de existir por causa do progressivo desmoronamento do edifício — Nota do Tradutor.

2. A respeito da propagação de sons, ver nota no capítulo xviii — Nota do Editor.

3. À luz do conjunto da obra de Hodgson, este conceito que aqui aparece pode ser uma menção à ideia de Deus. Não como um ser dotado de personalidade, claro — Nota do Tradutor.


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