Eu acordei de repente. Ainda está escuro. Viro-me uma vez ou duas em minha tentativa de ainda dormir, mas não consigo. Minha cabeça dói levemente e eu me sinto alternadamente frio e quente. Logo desisto da tentativa e estendo a mão para pegar fósforos. Acenderei uma vela e lerei um pouco, talvez então eu consiga dormir. Por uns momentos tateio, então a minha mão alcança a caixa; mas ao abri-la assusto-me ao ver um ponto de luz fosforescente brilhando na escuridão. Estendo minha outra mão e o toco. Ele está no meu punho. Com uma vaga sensação de alarme eu risco um palito rapidamente e olho, mas nada vejo, a não ser um minúsculo arranhão.
“Impressão!”, eu murmuro, com um suspiro de quase alívio. Então o fósforo queima meu dedo e eu o deixo cair. Enquanto tateio em busca de outro a coisa brilha outra vez. Percebo, então, que não é uma mera impressão. Desta vez eu acendo a vela e examino o local mais de perto. Há uma ligeira descoloração esverdeada em torno do arranhão. Fico confuso e preocupado. Então me vem um pensamento. Na manhã seguinte ao aparecimento da Coisa, o cão lambera a minha mão. Foi esta mão, que tem o arranhão, embora não tenha tomado consciência desta profanação até agora. Um medo horrível está em mim. Ele se arrasta até meu cérebro: a ferida do cão brilha à noite. Com uma sensação de estupor eu me sento de lado na cama e tento pensar, mas não posso. Minha mente parece entorpecida pelo horror total desta nova descoberta.
O tempo passa, sem que eu perceba. Uma vez me ergo e tento me convencer de que estou enganado, mas é inútil. Em meu coração não resta a menor dúvida.
Hora após hora eu permaneço sentado e em silêncio, e tremo impotente…
O dia chegou, passou, e é noite outra vez.
Pela manhã eu matei o cachorro e o enterrei ao longe entre os arbustos. Minha irmã está assustada e cheia de medo, mas eu estou desesperado. Além do mais, é melhor assim. Aquela intumescência imunda havia quase coberto seu lado esquerdo. Quanto a mim… o lugar no meu punho cresceu visivelmente. Várias vezes eu me peguei murmurando orações… pequenos trechos aprendidos quando eu era criança. Deus, Todo-Poderoso Deus, ajudai-me! Acho que enlouquecerei!
Há seis dias que nada como. É noite. Estou sentado outra vez em minha poltrona. Ah, Deus! Será que alguém já sentiu o horror que encontrei em minha vida? Estou envolvido pelo terror. Sinto continuamente o ardor desta infestação maldita. Ela já cobriu todo o meu lado direito, braço e tronco, e já começa a chegar ao meu pescoço. Amanhã terá chegado à minha face e eu serei uma massa terrível de vida corrupta. Não há escapatória. Porém, um pensamento me ocorreu ao ver a prateleira de armas do outro lado do cômodo. Tenho olhado de novo, com o mais estranho dos sentimentos. A ideia fica mais forte em mim. Deus, Tu sabes, Tu deves saber, que a morte é melhor, é, melhor mil vezes do que isto! Isto! Jesus me perdoe, mas eu não posso, não posso, não posso viver! Não devo ousar viver! Estou além de toda ajuda! Nada mais resta a fazer. Pelo menos me pouparei do horror final…
Acho que cochilei. Estou muito fraco e muito melancólico, tão melancólico e cansado… cansado. O crepitar desta folha de papel irrita o meu cérebro. Minha audição parece sobrenaturalmente aguda. Vou me sentar um pouco para refletir…
“Silêncio! Ouço algo, lá embaixo… nos porões. É um rangido alto. Meu Deus, estão abrindo o grande alçapão de carvalho. O que estará fazendo isso? O arrastar da pena me ensurdece… mas tenho de ouvir… Ouço passos na escada, estranhos passos de patas, que se aproximam… sobem… Jesus, tenha misericórdia de mim, um velho. Algo está apalpando a maçaneta da porta. Oh, Deus! Ajude-me agora! Jesus… A porta está se abrindo… devagar. Algu…”
E isto é tudo.16
16 A partir desta palavra interrompida é possível acompanhar, no manuscrito, uma fina linha de tinta, sugerindo que a pena saiu pela borda da página, talvez devido ao medo e à surpresa — Nota do Editor.