Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
26
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 15:24link do post | comentar
Notas para minha participação na mesa redonda sobre o tema “A embriaguez como inspiração artística ainda se justifica?”, ocorrida no dia 11 de novembro de 2011 no III Festival Literário de Cataguases. Esta postagem ocorre com tamanho atraso porque, em virtude de problemas que eu estava enfrentando com o meu computador, perdi duas vezes o texto revisado que já estava quase pronto para postar.

A Licença Poética basicamente significa que o autor tem a prerrogativa de escrever como queira, sobre o que desejar. Então o debate se o artista de hoje ainda pode tomar a embriaguez como inspiração me parece um pouco fora de lugar: é óbvio que ele pode. Talvez o que a gente deva discutir seja outra coisa: a relevância de uma abordagem assim autodestrutiva. Porque embriagar-se é uma forma suave de autodestruir-se. Nesse ponto eu tenho duas opiniões:

Primeira,quanto ao assunto: Não acho que escrever sobre drogas (lícitas ou não) seja tão relevante quanto muitas pessoas creem. Possui uma certa relevância, mas quando um artista se restringe a esse assunto, recai em uma fórmula que já está bastante estabelecida e já tem até mesmo uma tradição. Existe um gênero de «literatura drogada» tal como existe um gênero de histórias de vampiros ou de contos eróticos estilo revista masculina. Ou seja: é uma ilusão imaginar que uma abordagem autodestrutiva possua novidade ou seja uma maneira genuinamente «revoltada» para expressar desencanto com a sociedade e a cultura em que vivemos. Ao fezer isso o autor apenas adere a um gênero, tal como os autores de historinhas de vampiro, ou os magos com seus livros que ensinam a fazer chover. Acredito que o valor da obra não está na «atitude», mas na competência. Bons livros transcendem seus limites e autores realmente talentosos devem ser versáteis, capazes de abordar diversos temas com desenvoltura.

Segunda,quanto à abordagem: Não acho que embriagar-se (seja qual for a química envolvida) seja favorável à produção artística. Um artista bêbado dirige a sua «pena» (hoje de forma metafórica) tal e qual um motorista bêbado dirige o seu automóvel. Você não escreve melhor porque bebe, a verdade é que você certamente escreve pior. Mesmo que consiga escrever coisas interessantes enquanto bêbado, terá conseguido apesar da embriaguez, não por causa dela. Quando pensamos por tal lado, vemos que embriagar-se não é um imperativo da arte, mas algo que brota da personalidade do artista.1 É o artista que se embriga, não é a arte que lhe exige isso.

Tendo feito estas duas considerações iniciais, que praticamente resumem tudo que preciso dizer, passo a fazer alguns detalhamentos também interessantes, embora não acrescentem muito às teses dispostas acima. Não os faço para expandir, mas para reforçar. Mas eu gostaria de desviar ligeiramente o tema desta mesa-redonda. Ligeiramente apenas: o desvio logo voltará ao tema. Prometo.

A Embriaguez Enquanto Reação Alérgica à Cultura

Acredito que todos aqui saberão de algum nome técnico para esta «necessidade» de embriaguez. Nossa sociedade hoje tem um nome técnico e até, talvez, um comprimido, para cada estado de alma possível. Cada indivíduo porta pelo menos um diagnóstico. Cabe muito bem investigar não a droga, não a bebida, não a erva, mas a figura da pessoa que se relaciona com tais substâncias, como e porque. Não investigar pelo lado direto e quase pornográfico, mas pelo lado filosófico. Eu poderia citar aqui alguns autores famosos sobre isso, como Durkheim ou até Proust, mas não desejo tornar este artigo penoso de ler e nem acometê-lo da soberba que aprendi a desprezar nos outros. Limito-me a dizer que há muito tempo é consenso entre cabeças pensantes que o impulso que nos leva à autodestruição é, possivelmente, a única questão filosófica realmente interessante. Dizendo em curtas e brutas palavras: qual o sentido da vida, afinal?

Quando o autor se embriaga ele não está pensando na arte, mas em sua relação com a sociedade. A própria citação de Baudelaire, usada como chamamento para essa troca de ideias aqui é bem explícita: ele dizia embebedar-se para suportar «o horrível fardo do Tempo» que atinge o homem e lhe «quebra os ombros e o curva para o chão». Baudelaire confessa claramente que não é um ideal artístico que o motivava, mas uma espécie de mal-estar social. Não custa lembrar que o poeta foi contemporâneo de Schopenhauer e Nietzsche — e você precisa conhecer esses dois para entender melhor as tentações suicidas das grandes figuras da arte.

É nisso que eu pretendo começar o desvio. Existe um mito fortíssimo, bastante difundido entre nós, provavelmente presente em outros povos também, de que a cultura é uma forma de decadência em vez de progresso. As pessoas parecem pensar que a aquisição de conhecimentos debilita, em vez de fortalecer, desune em vez de unir. Assim, o «homem perfeito» teria de ser alguém «simples decoração», «pobre de espírito».

Este conceito é bem antigo, por isso o chamei de mito. Fazendo uma rápida digressão histórica, vamos lembrar que na mitologia grega havia a figura do profeta cego Tirésias, um visionário cego, vejam que interessante. Ou Cincinato, o rude fazendeiro que salvou a República Romana. Ou Maomé, supostamente analfabeto e autor do Alcorão, o «livro perfeito». Estes homens fortes e simples (sancta simplicitas, dizia um ditado latino) conseguiram impressionar e liderar porque não tinham as hesitações que somente a maturidade traz. A ignorância pode não ser uma bênção, mas ela permite atos de loucura, a que a posteridade chamará de heroísmo.

O contraponto a esse homem «forte» porque simples, sábio porque ignorante é justamente o homem frágil porque culto, louco por ter estudado demais. Quem estuda demais enlouquece, como nos diz a «sabedoria popular». A civilização árabe teria entrado em decadência porque assimilou demais as culturas «decadentes» do mundo helenístico. Li esse absurdo num livro de História. Provavelmente o autor pensou que os muçulmanos teriam dominado o mundo inteiro no século VIII se não tivessem estudado filosofia. Vai saber.

O homem que se torna maduro e culto sofre logo com a descoberta daquilo que já foi chamado de «mal estar da civilização». Como dizia Aristóteles: experimentar é sofrer. Ou, como disse H. P. Lovecraft:

A coisa mais misericordiosa do mundo, eu acho, é a incapacidade da mente humana para correlacionar todo o seu conteúdo. Vivemos em uma plácida ilha de ignorância em meio aos mares negros do infinito e não nos foi dado viajar para muito longe. As ciências, cada qual puxando em sua direção, até agora nos causaram pouco mais; mas algum dia a montagem do quebra-cabeças de conhecimentos espedaçados abrirá tão terríveis visões da realidade e de nossa horrível posição nela que enlouqueceremos com a revelação ou então fugiremos da mortífera luz para a paz e segurança de uma nova idade das trevas (tradução do autor)

Aquele que aprende, deixa um pouco de si à medida em que incorpora algo do outro, então o aprendizado produz uma incompletude do ego ao mesmo tempo em que o expande com elementos do outro. Esse processo talvez seja o que Marshall McLuhan chamou de «destribalização» e outros chamaram de «desenraizamento». Hoje, mais do que nunca, nós somos criaturas hidropônicas, isoladas da terra que nos deu origem.

Estudar Enlouquece, Aprenda Isso

O fenômeno descrito acima foi percebido muito cedo pela humanidade, que tratou de desenvolver em torno dele um complexo sistema de atenuamento. Ao longo de um processo milenar, surgiu a crença na sobrevivência da alma, surgiram as religiões e seus sistemas de controle, surgiram, cedo, as drogas. É uma vaidade louca tentar acabar com o tráfico de drogas: ele não existiria se as substâncias psicoativas não fossem úteis. Em todas as épocas existiram pessoas que precisavam da fuga, da anestesia, da aniquilação. Em todas as épocas existiram pessoas que precisavam do suicídio. A diferença é que hoje, neste mundo apinhado de gente, onde mal se pode urinar na hora em que a natureza chama, o suicídio deixou de ser um trato pessoal com o destino e passou a ser um fenômeno coletivo, posto que terá testemunhas, herdeiros, sofredores.

Nesse sentido a religião encontrou um terreno fértil para transformar-se em uma força social permanente. Dependendo da época e da cultura, a religião pode dar um sentido ao suicídio, reduzindo o sofrimento da família do falecido, ou pôr um freio no ato, ao dar um sentido à vida daqueles que não veem mais sentido algum. Para que estes processos funcionem é preciso que as pessoas aceitem o pacote da religião, e esta aceitação depende da suspensão da crítica, o mesmo fenômeno que permite ao leitor de uma obra fantástica aceitar, «em tese» e para fins meramente de diversão, a existência de duendes, elfos, dragões ou até deuses. Por isso as religiões e as filosofias têm uma relação conturbada. Em geral os filósofos só aceitam a religião quando eles próprios desenvolvem filosofias que legitimam a religião. A religião, por sua vez, discrimina entre os filósofos aqueles que são tachados de «niilistas» e os condena do alto de seus púlpitos.

O cristianismo, em especial, desconfia da sabedoria, e desconfia com força. Está no Novo Testamento que a sabedoria do homem é loucura para Deus, e vice-versa. Estudar é tornar-se louco aos olhos de Deus. Tornar-se sábio no mundo é afastar-se da salvação. Quem estuda se afasta das respostas prontas dadas pela religião, e no perigoso pântano do pensamento (oh, a horrível liberdade!) pode concluir por valores reprováveis perante a sociedade e seu cão de guarda, o sacerdote.

Sobre estudar demais e ficar doido, nossa cidade teve um personagem mítico,o já falecido professor Geraldo Barbosa, que muitos aqui devem ter conhecido. Não vou dizer que era louco, o que me importa nesse ponto é mais o que diziam dele, do que o que ele realmente era. Diziam que ele, de tanto estudar, teria ficado louco.

No meu tempo de criança havia conhecidos meus, pessoas adultas,inclusive de minha família, que me citavam o Geraldo Barbosa para me convencer que não estudasse «demais». Davam-me como exemplo primos e parentes, que ganhavam a vida já, sem terem grandes estudos,enquanto eu ainda não tinha profissão e nem «futuro» (essa arma abstrata com que os mais velhos atiram nos sonhos dos jovens). O dinheiro adquiriu tal importância entre nós que passou a definir, de forma exclusiva, o sucesso ou o fracasso. Houve uma época em que os homens ricos em dinheiro não tinham poder, mas sim os ricos em terras e em seguidores. Hoje em dia todos os bens somente têm valor enquanto possam traduzir-se em dinheiro — embora, curiosamente, o dinheiro em si seja uma abstração, tal como bem definiu o chefe Seattle, em sua carta ao presidente americano: somente depois que a última árvore for cortada, o último peixe for pescado e o último rio for envenenado o homem branco perceberá que não pode comer dinheiro.

Seria o professor Geraldo Barbosa louco? Machado de Assis, em sua espetacular noveleta O Alienista, já nos mostrou o quanto é tênue e arbitrária esta linha marcada entre a normalidade e o desvio. Mas supondo ainda que fosse mesmo «louco», mesmo que apenas em tese, seria ele louco por ter estudo em excesso?

A Política da Loucura

O povo inculto, de um modo geral, teme e odeia os seus líderes desde há milhares de anos. Desde a Suméria e o Egito, quando a escrita foi inventados, os homens que leem e escrevem são vistos como controladores de forças terríveis, MALÉFICAS. São forças maléficas porque a elite oprime o povo. Logo, as tecnologias da elite, entre elas a escrita e a leitura, são contrárias ao bem do povo. É significativo que ainda sobreviva em nosso meio um filão de filmes de terror focado em Livros Malditos.

Mas o povo precisa de auto-estima, não pode se aceitar como gado. Por isso desenvolve-se a ideia do «preço que a bruxaria cobra». Inicialmente isso era visto como literal: os que se dedicavam aos mistérios deste e de outro mundo eram pessoas distantes, isoladas, malcheirosas devido às experiências que conduziam em suas alcovas. Envelheciam cedo devido às privações de sono e de alimento,enxergavam mal devido a «forçar a vista» em seus livros, diante de velas e cadinhos. Hoje já não se faz alquimia, mas persiste a ideia de que o homem dedicado ao solitário prazer da cultura seria um ser infeliz, amaldiçoado. Salutar e bom é o vigoroso homem do povo, isento da corrupção do passado, cheio da verdade simples e direta que brota da terra.

A figura do artista maldito, degradado, bêbado, drogado etc. nada mais é do que uma variação do Professor Geraldo Barbosa, que estudou tanto que enlouqueceu. Estes artistas têm exposição intensa na mídia, desproporcional até, porque eles atendem a um modelo, a um arquétipo. Com já disse, as pessoas acreditam que a ignorância é «pura», que a sabedoria «corrompe». Então, as pessoas acreditam que o artista é mais natural, mais espontâneo, quando se exibe louco, entorpecido, decaído. Por ser uma pessoa mais «sensível» (seja lá o que for que o povo ache que «sensibilidade» é), o artista seria por natureza uma criatura frágil. Então fecha-se um círculo e pessoas interessadas em ser ou parecer artistas seguem esses modelos de comportamento frágil-drogado achando que se tornam mais artistas por causa disso. É aqui que a frase do Chesterton entra como uma luva. Ou seja, tem gente que acha que é o rabo que abana o cachorro. Há pessoas que acreditam que terão os acertos de uma outra pessoa se copiarem os seus erros.

Já vimos antes que o conhecimento expõe o homem ao confronto com forças que estão além de sua compreensão e que nem todos estão preparados para sair ilesos de tal combate. Voltamos, então, ao tema da embriaguez.

Para mim, tudo o que embota a mente, lícito ou ilícito no Código Penal, tem a mesma função: produzir ignorância artificial. Uma vez que as pessoas, de forma tão prevalente, apreciam a ignorância, o artista se atenua, entorpece, anestesia, a fim de produzir uma obra menos refinada, menos pensada, mais rude, visceral. Todo artista tem que ir aonde o povo está. O artista maldito é a confirmação, aos olhos do povo, que a sabedoria é perigosa, que o conhecimento corrompe. O homem sábio é ambicioso, tenta construir a Torre de Babel, termina confuso.

A concepção do artista como um ser autodestrutivo é uma maneira de desqualificar socialmente. O artista é mostrado como um doidão, não alguém que merece respeito. Isso me lembra um amigo virtual, que postou no Facebook um episódio de sua vida real: quando disse que era músico, lhe perguntaram em que ele trabalhava. Não se concebe que alguém possa ser «escritor», ou «músico», ou «artista». Aliás, na linguagem do povo, «artista» é ator da novela.

No Brasil nós temos um outro interessante paradigma disso. Na sociedade coronelista, que não superamos totalmente, o coronel, geralmente um homem de pouco ou nenhum estudo, contratava serviços especializados de gente diplomada: médico, contador, advogado, engenheiro, professor. Todos lhe eram submissos pela lógica do poder. Então ficava o estigma de que um diploma apenas habilitava o portador a ser subalterno do poder. Posição desejável por homens pobres, mas vista como degradante para os descendentes das famílias quatrocentonas.

Por isso, filhos das classes mais altas, mesmo quando se formavam, preferiam a política: o diploma era só perfumaria, só para não ficarem abaixo de seus subalternos. Exercer a profissão era algo indigno de alguém oriundo de uma família poderosa. Antônio Carlos Magalhães formou-se médico mas jamais clinicou. Quando alguém de origem socialmente alta realmente exercia sua profissão, isso era um sinal de incapacidade ou impossibilidade de manter e expandir o poder herdado. «Pai fazendeiro, filho doutor, neto pescador» — diz o ditado mineiro. Deixar o poder e dedicar-se a uma carreira é uma decadência.

</p>

Não Sejamos Moralistas

Escritores se embriagam. Sim, eles são seres humanos e vivem tudo que os humanos vivem. Sendo humano, dedico-me à viver tudo que é da natureza humana, teria dito um devasso imperador romano. Mas os escritores ainda vivem algo mais, que lhes é peculiar: a experiência da escrita. Quando um estivador, um lixeiro ou um médico se torna alcoólatra, isso não cria um debate sobre estivadores, lixeiros ou médicos alcoólatras. Mas quando as pessoas pensam nos escritores que se drogam (nos artistas, tamem, de uma forma geral), elas logo fazem um «salto lógico» de supor que a embriaguez seria uma característica do ofício. Por isso, creio que talvez seja errado considerar a embriaguez tão definidora de características literárias para que nos dediquemos tanto a ela. O que já dedicamos me parece muito.

A relação disso com a minha digressão sobre o sábio louco e o ignorante vigoroso é que conviver com esse arquétipo é penoso. Há uma série de dificuldades adicionais que o escritor precisa vencer para dedicar-se à sua atividade. Estas dificuldades, por si, podem afastar o escritor do convívio de outras pessoas, porque escrever demanda, principalmente, tempo e silêncio. E parece ser uma característica quase universal das culturas contemporâneas a valorização do ruído, da experiência coletiva. Diante das teletelas reais vivemos nossos momentos de ódio e de amor sempre na companhia do outro, cidadãos de um admirável mundo novo que somos, obrigados a sorrir e a amar quase como por dever cívico.

Então,quando você junta a persistência do arquétipo de que cultura enlouquece, a necessidade de relativa solidão para poder produzir e mais os problemas (psicológicos ou sociais) de que ninguém está inteiramente livre, o que obtém? Se o escritor recair em algum vício você obterá uma série de obras dedicadas ao vício porque, em geral, o grande assunto do autor é a sua própria vida, que ele pode desnudar diretamente em uma autobiografia ou meramente transferir de forma sublimada para cenários de suposta fantasia. Será, porém, que estas obras indicam algum valor no vício?

Uma das características do viciado, do «adicto», como se diz hoje, é negar que seja viciado. Quem tem parente alcoólatra sabe muito bem como inventam desculpas, histórias, explicações. Imagine que desculpas, histórias e explicações não serão inventadas por um alcoólatra que tenha talento com as palavras? Sempre, claro, com o objetivo de glorificar o próprio vício.

Ainda mais porque o vício, sendo algo que pode acometer qualquer pessoa, acaba por servir de traço de união entre o estranho, o homem das letras supostamente elevado e incompreensível, e o normal, as pessoas que vivem vidas naturais, sem preocupações literárias. Papo de bêbado é sempre igual. Beber, então, pode ser uma forma de o escritor mostrar-se acessível, criar uma imagem que o grande público não rejeite. Ele tinha talento, mas tinha uma fraqueza. Ninguém suporta os perfeitinhos. Quer dizer que além de ser rico e talentoso ele também era abstêmio? Ah, alguma podridão ele deve ter!

Perigos Modernos

Existe um outro aspecto a se considerar sobre a embriaguez: hoje em dia ela deixou de ser um ato de contestação. Isso é parte do grande processo de banalização de tudo, fruto de nossa sociedade que produz tudo em escala industrial, inclusive sofrimento e estupidez.

Quando Baudelaire e seus amigos se reuniam nos clubes de comedores de ópio em Paris, eles o faziam como uma afronta à sociedade «certinha» de seu tempo. Eles se sentiam meio mortos naquele mundo de convenções e limites, queriam romper suas amarras e ver coisas novas. Não se sabia, ainda, o quanto as drogas eram ruins. Havia uma certa ingenuidade no mundo, naquela época. Não custa lembrar que até os anos vinte ainda se vendia pastilhas de cocaína e vinho com heroína.

As pessoas foram descobrindo aos poucos que certas substâncias eram perigosas, e reagiram histericamente quando isso caiu no domínio público. Proibiu-se um monte de coisa que não precisaria ter sido proibida, e muita coisa que tinha de ter sido continuou legal. Então a embriaguez voltou à moda. Nada mais contestador nos EUA da Lei Seca do que ser um pudim de cachaça.

O problema é que este aspecto «contestador» da embriaguez perdeu seu sentido. Hoje em dia está tudo normatizado e tolerado, inclusive a rebeldia em nível individual. Você pode se vestir como quiser, tatuar-se aonde quiser, espetar-se com o que quiser, maquiar-se como quiser, talvez até botar um parafuso na cabeça. Então quando você enche a cara, está apenas alimentando mais uma indústria, que é parte do sistema. A rebeldia, hoje em dia, é uma função necessária para a estabilidade do conjunto. A rebeldia idiota, ou seja, a rebeldia do indivíduo isolado. Porque a rebeldia coletiva merece gás de pimenta, cassetetada no lombo e ordens judiciais de reintegração de posse. Enquanto você estiver sozinho contra o Leviatã você tem a liberdade de dizer e fazer muita coisa, mas ao reunir-se diante dele o resultado é todos serem pisoteados.

Veja bem, não estou aqui sendo moralista. Cada um tem o direito de ser o que quiser. Não sou polícia do corpo e nem da alma alheia. O que me incomoda é existir a estética da arte como algo «sujo», do artista como necessariamente alguém que «peca». Não me incomoda porque seja contra isso, mas porque o estereótipo ocupa praticamente todo espaço. Parece que as pessoas acham que o artista é de alguma forma ilegítimo se ele não se tatuar, não brigar com a família,não cometer algum crime, não tiver uma vida antissocial, etc. Esse artista que não agride a sociedade é tachado de «conformista», «nerd», «workaholic» etc., quando não apenas ignorado.

Mas todas estas coisas que alguns artistas fazem não são a arte em si. São idiossincrasias do artista que, muitas vezes, afetam negativamente a arte, mas algumas podem afetar positivamente também. Quantos poetas malditos que se mataram cedo não poderiam ter vivido até uma maturidade muito mais significativa artisticamente? Quantos roqueiros mortos de overdose não poderiam ter feito música ainda melhor se não tivessem partido aos vinte e poucos? Para cada conto de Poe, para cada poema de Coleridge, deve haver uma infinidade de composições de Hendrix.

De fato, são poucos os escritores que bebem para escrever. São muitos os que bebem, claro, mas a ideia de que alguém enche a cara de cachaça e diz, «agora, então, eu estou pronto para escrever» é uma coisa irreal. Escrever exige concentração, coordenação motora, certo domínio dos sentidos. Uma quantidade moderada de álcool, ou qualquer entorpecente, pode não ser suficiente para impedir, mas dificulta. Uma dose maior simplesmente impede o ato criativo. Veja os famosos shows com músicos drogados, aqueles caras cantando com voz arrastada, errando notas na guitarra, tropeçando no palco. Algo parecido acontece com o escritor. Sua voz arrastada é a dificuldade para lembrar vocabulário, seus erros de notas são as omissões de palavras ou pontuação, seus tropeços são as perdas de sequencia lógica.

Minha experiência pessoal com a relação entre a escrita e a bebida foi sempre negativa. Embora eu até tenha escrito textos interessantes sobre a embriaguez, ou até em estado de embriaguez, a verdade é que embriagar-me me retira toda a vontade de escrever. A embriaguez induz à preguiça e abole o raciocínio lógico. Escrita de artista embriagado é como papo de bêbado. Tem quem goste, mas é perfeitamente explicável que tanta gente não goste.

Uma coisa diferente é escrever posteriormente sobre a experiência dita durante a embriaguez. Mas nesse caso a escrita não tem nenhum ingrediente diferente em relação à de alguém que não bebeu, a não ser o assunto, que o autor vai conhecer em primeira mão. Mas é um assunto tão importante assim?

Bebendo Para Ganhar o Nobel

Aí chegamos ao ponto crucial, que é o da anulação do indivíduo, o estágio superior da ignorância. Algumas pessoas, mais do que se anularem, mais do que se estupidificarem, querem cancelar-se definitivamente, querem matar-se. As razões que levam alguém a se matar são tão complexas que vários filósofos dedicaram livros inteiros a isso. Schopenhauer dizia que o suicídio era a única questão filosófica relevante e Durkheim escreveu um famoso ensaio sobre o tema. Hoje sabemos que o suicídio não é uma questão filosófica, mas um problema de saúde pública, que até pode ser tratado com comprimidos, na maioria dos casos.

Mas continua sendo um fenômeno real. E justamente um fenômeno que afeta muito mais as pessoas de certa cultura. Nietzsche dizia que um povo é somente uma maneira que a natureza tem para produzir grandes homens e livrar-se deles depois. Nossa cultura, que produz artistas, malditos ou não, ao mesmo tempo em que lhes dá origem, os devora.

E dos americanos ganhadores do Nobel de literatura somente um não foi alcoólatra ou drogado. Será isto um indicativo de que bebendo se escreve melhor, ou um sintoma da doença cultural do ocidente (e dos Estados Unidos especificamente) que faz as pessoas «sensíveis» tenderem à autodestruição?

1 E sempre precisamos ter muito cuidado com a personalidade do artista pois, como cruelmente disse G. K. Chesterton: temperamento artístico é coisa de amadores.


24
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 22:36link do post | comentar | ver comentários (1)

Quando terminei de contar as notas eu já estava com vontade de chorar. Faltavam dois mil e quinhentos no caixa e já estava atolado até o peito em dívidas. Contei, recontei, suspirei e, por fim, registrei penosamente a diferença no boletim de caixa, sacramentado pela rubrica rabiscada do supervisor. Com aquilo a minha vida de caixa acabava: até por uma questão de humanidade me “poupariam” de trabalhar mais no setor, o que significaria uma lamentável queda de quase quarenta por cento no contracheque. Algo lamentável, ainda que nos quatro meses anteriores eu tivesse perdido mais do que a comissão me pagava.

Saí do serviço derrotado. Tinha vontade de sentar num bar e beber até não conseguir mais engolir. Só o que me impedia era a lembrança de meu pai chegando entorpecido e fedendo a cachaça. Como contaria para a minha mulher? Mulheres são compreensivas com vários problemas, exceto os monetários. Não queria chegar em casa para enfrentar tudo de novo. Já tinha sido ruim das duas primeiras vezes, a terceira seria pior que os infernos. Retirei o carro da garagem e saí para o trânsito caótico ainda com o coração descompassado.

Havia um buzinaço em frente à Prefeitura, protesto de professores em greve. Um panelaço na avenida, protesto de flagelados desassistidos pela Prefeitura. Um palhaço vendendo ingressos na praça. Um ricaço em seu carrão humilhava com a buzina um pobre calhambeque enferrujado cujo motor morrera no cruzamento. Eu ainda tinha vinte quilômetros até em casa. Quando peguei o asfalto, a cabeça me latejava como seu ouvisse as batucadas de um samba satânico e eu nem tinha um comprimido. Mas eu suportaria aquilo. O carro escorria pela estrada quase arrependido de ter saído, não queria acelar como se antecipasse a cilada em casa. Eu nunca tivera o pé tão leve no acelerador, e nem pensava em economia de gasolina.

Já na metade do caminho, deu-me na telha que era cedo, ou que simplesmente precisava sair da estrada. Poderia ter dirigido por um abismo abaixo, mas preferi um caminho estreito e poeirento. Somente quando o carro estava embicado entre barrancos, tossindo o pó vermelho do inverno, dei-me conta de que tomara o caminho de casa. Não da casa mercenária que alugava para abrigar uma estranha que trouxera da cidade, mas da materna e morna que eu lembrava nos sonhos, o velho sítio no distrito pequeno, perdido detrás de montanhas e de poeira.

Agira por instinto e por ignorância. Não teria escolhido ir lá. Meu pai estava morto fazia dez anos. Minha mãe estava muda num quarto de hospital, esperando sua vez. O sítio estava arrendado para alguém que eu nem conhecia e o dinheiro, dividido entre três irmãos. Tanta coisa tinha mudado, nem lembrava mais quanto tempo ficara longe de Roseiral. Mas estava indo, e naquela estrada eu acelerava mais.

Era noitinha quando meu carro subitamente apontou na pracinha. O relógio da igreja estava parado como na lembrança, como se a vida estivesse também. Mas as casas, que aos olhos de um estranho pareceriam imutáveis, mostravam mudanças sutis, definitivas, quase todas para pior. Parei o carro na parte alta, desliguei, saí afrouxando a gravata e encostei na porta. Os homens que jogavam bisca no boteco notaram minha presença. De onde estava, supus que conversavam sobre mim.

Julho estava frio e seco. A respiração queimava o nariz e eu tinha uma vontade louca de entrar numa casinha daquelas, dormir e acordar em 1980, quando era moleque e uma nota de dez cruzeiros comprava dez pães. Mas nenhuma das casas era máquina do tempo, não adiantava entrar para tentar uma segunda chance de consertar as coisas. A vida só tem o rascunho.

Então vi o quintal de Dona Josefa, o muro alto e pintado de cal virgem ainda pichado com propaganda da eleição passada. Tinha passado tempo suficiente para as goiabeiras crescerem por cima do muro. As malditas goiabeiras. Eu saíra de Roseiral vinte anos antes para não ter de conviver com a sombra delas na vida.

“Quinzinho”. Conseguira bloquear o nome muito tempo, mas bastou ver a folhagem acima do muro para lembrar. Tínhamos sido amigos e fora eu que insistira no convite: ele nem gostava de goiabas. Eu gostava, e preferia as vermelhas, especialmente meio verdes, para morder com sal e sentir a boca salivar intensamente. Ele gostava do desafio: Dona Josefa era ciosa das goiabas com que fazia o doce famoso que vendia na feira de domingo em Santa Teresa. Completava a renda da viuvez porque a pensão do falecido não dava para muito. Era crueldade roubar goiabas dela, mas moleques de doze anos não sabem. Pulamos o muro dos fundos e escolhemos uma árvore longe da varanda. No calor da tarde a velha se deitava para descansar, era a hora certa para a arte. Hora em que os homens estariam trabalhando e as mulheres, ocupadas nas cozinhas barulhentas fazendo a janta.

Mas o diabo às vezes é justiceiro dos coitados. Dona Josefa amanhecera naquele dia com uma animação inesperada e até os ouvidos de lagarto estavam bons a ponto de ouvir goiaba caindo no chão. Saiu de casa brandindo uma ridícula vassoura, mas nós dois, nem sei porque, tivemos medo como se fosse uma serva de Satanás pronta para voar em nós com feitiços. Largamos as goiabas e subimos o muro do jeito que deu. Fui primeiro: era mais lerdo e Quinzinho ajudou de dentro para eu ajudá-lo de fora. Caí meio de mal jeito, fiquei manco e me arrastei a custo pela calçada. Ele saltou cegamente, confiando que eu estaria lá para segurá-lo. Eu não estava.

Nunca soube direito o que aconteceu. Desde essa época evitei estudar qualquer medicina. Tenho trauma de sangue a ponto de detestar me barbear. Por isso optei por Técnico em Contabilidade em vez do Científico quando fui para o segundo grau. Quinzinho quebrou a cabeça bem quebrada, isso sei. O socorro demorou, teve que vir ambulância de longe e os enfermeiros do posto de saúde nem sabiam o que fazer.

Passei a tarde chorando como um bezerro desmamado achando que ele estava morto. Meu pai teria me dado uma imensa sova se eu já não estivesse em choque de tanto sangue. Ou talvez meu berreiro tenha desarmado sua mão e poupado minha bunda de uma surra de relho. Ele voltou para casa muitas semanas depois, vestindo ainda roupa de hospital e de boné na cabeça. Não falava, tinha um olhar vidrado e movia-se devagar, sempre deitado. Diziam que tinha perdido “massa” e a esperança. Dona Juraci não se conformava, mas a Benina, enfermeira do posto, jurava que um tal Doutor Sebastião poderia consertar o Quinzinho, era só ter paciência.

Meus pais praticamente me obrigaram à visita. Foi como ver um morto, só que ele tomava soro, sopa e longos suspiros por uma feia abertura no pescoço. Mesmo meses depois eu ainda acordava de noite debatendo-me no colchão com os braços abertos para amparar a queda imaginária de alguém.

Quando formei do segundo grau, achei emprego na cidade e pedi a permissão de meu pai para cair no mundo. Só voltei para o enterro do velho e para buscar minha mãe para o asilo, meus irmãos é que me visitavam, nunca eu. Não pedia notícias de Quinzinho, e os que me encontravam tinham a decência de não dá-las. Mas eu estava diante da casa de Dona Josefa lembrando Quinzinho e a casa dele ficava a menos de duzentos metros, metros que valiam vinte anos.

Fui caminhando pela rua irregular, como um fantasma de cemitério. Os cachorros não rosnavam nem latiam, as pessoas me cumprimentavam com meneio de cabeça ou murmúrios inaudíveis. A casa não tinha campainha, era preciso bater na porta. Enquanto esperava, vi pregada no beiral, como se tivesse aparecido naquela hora, uma placa de latão com o logotipo de um refrigerante. A janela que se abriu, não a porta, e uma moça morena, formas fartas e sorriso de piano, apareceu dizendo que não estava pronto. Depois foi que me notou, ou melhor, notou que eu era um estranho.

Aproximei-me da janela e notei que ela estava cheia de borrões de farinha pelos braços e os cabelos iam presos em um boné apertado. Dentro da janela havia prateleiras de biscoitos e bolos, uma geladeira.

— O que é que não está pronto ainda?

— O pão da noite. Fica pronto em vinte minutos. Vai esperar?

Disse que sim e pedi um refrigerante para me distrair. Começaram a chegar os fregueses do pão da noite, todos conhecidos, poucos com dinheiro. Olhavam-me surpresos, sem o que dizer.

Exatos vinte minutos depois ouvi barulho de metal contra metal e adivinhei que retiravam a fornada. Então a porta abriu e Quinzinho veio, mancando e com o mesmo olhar mortiço que eu lembrava em pesadelos, mas de pé e cheio de farinha. Ele murmurou algo com a morena, que passou a ajudá-lo a entregar os pães e anotar nas cadernetas.

Comprei sete. Dizem que é conta de mentiroso, mas exatamente por isso foi o número que me veio quando a morena perguntou quantos queria. Paguei, agradeci e fui saindo. Não sei se ele me conheceu. Sei que o Doutor Sebastião parece que o consertou um pouco e ele hoje faz pão, um bom e respeitável pão. Talvez até tenha aquela bonita morena em sua cama à noite. Talvez ela tenha aprendido a decifrar o olhar dele.

Volto para casa com os pães, sentindo-me palerma. O que Quinzinho e eu teríamos sido sem aquele dia desastroso? Eu não estaria lamentando uma redução de quarenta por cento em um salário que é suficiente para pagar um bom aluguel e o leite para uma linda garota, filha de uma mulher que nunca conheceria em Roseiral. Quinzinho eu não sei aonde estaria, mas hoje dá para acreditar que está feliz, pelo menos sem o buraco feio abaixo do gogó.

Enquanto dirijo, ainda sem pressa, vou mordendo os pães ainda quentes. Pães que saíram das mãos do meu amigo, do amigo que estraguei e que o Doutor Sebastião consertou, ao menos um pouco. Fiquei todos esses anos fora de Roseiral, não vi o que aconteceu. Talvez Quinzinho tenha até me conhecido, mas por que razão ele gastaria comigo um boa noite? Escolhi este desterro, tenho é que voltar para casa e para a cama de uma mulher vinda de longe, que fala de outro jeito e que me acha um caipira estranho.

Conto apresentado ao Festival Cultural BB 2011.


22
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 01:13link do post | comentar

Conforme já comentado na minha longa polêmica «Carta Aberta ao Motorista do Tanque», eu simplesmente não confio nos tais livros eletrônicos, ou «e-books», como se diz em gringuês. Esta semana surgiu mais uma notícia que grita que eu tenho razão: a Penguin Books, envolvida em uma disputa contra a Amazon, está deletando seus e-books das bibliotecas digitais. Continuo achando que quem compra um e-book é um ingênuo e que o mundo não será o mesmo se as grandes editoras conseguirem o que querem: elas nunca engoliram mesmo esse negócio de «biblioteca» (onde já se viu a gentalha poder ler sem pagar?). Continuo brandindo meu paletó na frente da coluna de tanques.


17
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 22:29link do post | comentar

No feriado saí para uma caminhada em companhia de mim mesmo e, como eu sempre faço nessas ocasiões, desfrutei de uma animada prosa que ninguém ouviu e cujo registro inicial, aliás, se perdeu graças aos desígnios arcanos dos arcanjos que regem a literatura. Hoje, aqui mais tranquilo, apesar de ainda sofrendo a perda daquelas palavras apagadas para sempre, sofrendo o aborto daquele texto como o de um filho aos oito meses e meio, relembro vagamente os raciocínios que me passaram pela mente.

Escrevia eu, antes de ser tão bruscamente interrompido pelo destino, que no dia me sentira tão à vontade para falar de poesia que até mesmo tivera ideias sobre isso. Ideias causadas pela sensação de conversar com o meu alter ego, cuidadosamente sem mover os lábios, para que as pessoas em volta não pensassem que, afinal, eu era mesmo louco como se diz que os poetas são.

Era como estar numa roda literária, dizendo todas estas coisas vazias e sem sentido que os intelectuais dizem quando não estão ocupados pronunciando os nomes de outros intelectuais estrangeiros ou dizendo como o mundo antigamente era melhor. Antigamente os intelectuais não eram tão metidos a bestas, como se pode ver nas obras de Foucault, Kierkgaard e Rímsky-Korsakov.

O meu interlocutor era poeta, ou assim se dizia.1 Estava falando sobre simplicidades muito complicadas que me faziam a cabeça doer e eu me sentia meio alheio àquele ninho tão culto, eu que bebi leite de vaca quando menino e sei qual é o cheiro que tem o capim gordura. Olhei em volta de mim mesmo, imaginariamente, vi a multidão de gente e de carros transformar-se na plateia classuda, mas rala, de um evento cheio de grife, e tive medo de não saber o que dizer. A minha sorte é que toda vez que o desconforto piorava eu abria os olhos, apertava o passo, suava mais e me confortava estar tentando atingir o quinto quilômetro, jogando as pernas em um forte passo lipolítico.

Quando meu deram a vez de falar eu já estava mais calmo e gentilmente pedi desculpas a todos por não mais fazer poesia. Contei que havia um vizinho nosso, nos meus tempos de infância na roça, que zombava de sua lustrosa careca e de seu peito preto de pelagem alta dizendo que na vida dera o azar de crescer demais e passar do cabelo. Ele não era tão alto, mas sempre completava dizendo que na sua família o cabelo também não era. E tendo arrancado alguns risos complacentes com esta história, contei-lhes que cresci demais e passei da poesia. Vinda de mim a frase soou pretensiosa, pois eu cresci até um metro e noventa, mas os poetas devem ter gostado, pois ficou implícito que a poesia não está ao alcance do cocuruto de qualquer um.

Mas sempre que um ser folclórico, como este ogro que aqui escreve, tem a chance de dizer alguma coisa, os presentes, mesmo que imaginários, se sentem à vontade para rir, pois ogros sempre são engraçados, em seu exotismo tão complacente e adequado. Tudo aquilo que eu dissera aos meus interlocutores inexistentes eu já dissera outras vezes, para diversos ouvidos atentos, mas as frases espedaçadas ao longo da vida, quando reunidas com uma pretensa coerência resultaram num atestado autenticado de óbito da poesia, da minha pelo menos.

Mas me perguntou então o meu alter ego se eu não poderia dar à plateia que eu não via, ou que não havia, o prazer de explicar como eu tivera a infelicidade, ou a felicidade, dependendo de quem diga, de ter crescido demais e ultrapassado a poesia. Lembro-me de ter, então, dito alguma coisa mais ou menos assim.

Tudo começou quando começou, eu tinha dezoito anos. Tinha também nenhum plano, doía na alma uma coisa que eu bem sabia o que, mas que poeticamente não convém dar um nome. Então, expulso da realidade, achei meu conforto no amor perfeito, o de uma morta, e escrevi-lhe trinta e nove versos cortantes que, se não eram afiados no romantismo, pelo menos continham lágrimas suficientes para lavar deles a tinta nova do século vinte e fazê-los parecidos com desbotados faqueiros de museu. Quando eu terminei estava quase chorando, todos os meus poemas tinham esse calor que só se tem quando ainda é cedo. Eram versos dispensáveis e melados, do tipo que nem a minha mãe leria, mas eu não tinha escrito uma Ilíada, apenas confessara meus pecados ao papel e para mim aqueles rabiscos tinham mais valor do que o Paraíso Perdido.

O poeta estremeceu-se ao me ouvir dizer um número tão grande. “Trinta e nove”, quase uma blasfêmia. Imagino que se eu estivesse em um debate de verdade haveria alguns vates que recuariam os seus troncos, pasmos, como eu exalasse uma pestilência.

— Trinta e nove versos! Eis aí um exagero! Não me admira que lhe tenha morrido a poesia. Você a afogou em uma torrente de vocabulário, como um padre que afoga a criança em um lago no dia do batizado, em vez de apenas molhar-lhe a cabeça.

Tive de explicar ao poeta que eu creio noutra poesia. Há muitos poetas que pretendem um poema vácuo, brevíssimo, relampejado. Eu porém, prefiro que seja intenso (mesmo que precise ser extenso) e sem nenhum pejo de uma voz que grite o que penso. Não deixo flor branco nas minhas paisagens, para que os leitores usem seus lápis de cores. Que o leitor recubra com sua tinta a cor que escolhi, gerando outro matiz, que encontre ele mesmo onde enfiar a sua flor, que arranque alguma minha se necessário.

Fazer a poesia é como sair pelo mundo a catar poedras. Eu não procuro poedregulhos. Há quem aceite até fezes secas, sementinhas secas. Eu procuro o que nunca foi úmido, porque o ressecado me entristece. Não importo de carregar um: não vou polir grãozinhos de granito para fazer um colar que ninguém use.

Pois nisso morreu minha poesia. Não morreu quando escrevi meus trinta e nove versos de amor à minha amada morta, mas quando terminei de lapidar a obra que lhe dedicava. Eu comecei com uma poedra generosa e tanto martelei e meditei que encontrei dentro dela, timidamente, a semente de outra poedra. E então descobri, na poedrinha ali oculta desde o início, não apenas uma coisa nova, mas a coisa original, perdida, eterna, que eu sempre quisera ter dito. Os versos que achei não apenas eram, e são, o resumo do conjunto de todos os outros mas, muito mais importante do que isto, são a expressão exata de tudo.2 Foi tão chocante a experiência disso que eu não tenho mais escrito nenhuma poesia desde o dia em que me acertou aquela poedra.

Meu interlocutor imaginário ficou tão surpreso quanto eu, exatamente tanto quanto eu. Porque de fato, naquele instante de um feriado cívico que eu nem tenho razão para comemorar, enquanto eu suava penosas calorias numa manhã que prometia chuva, eu descobri uma coisa que eu não sabia. Até segunda feira eu sabia que não escrevia poesia. Desde terça feira eu sei porque.

O que acontece é que, instintivamente, eu não tenho guardada em gaveta alguma a versão colhida, a versão comprida, a versão cheia, a versão original destes trinta e nove versos. Mas tenho duas versões mais completas, verdadeiramente poedras:

Minha morte, tua morte
Outras que virão.
O pássaro morre
Apesar da canção.

E uma versão ainda mais completa:

O pássaro morre
Apesar da canção.

Quando dei-me conta do processo inteiro, que tardou para extrair uma poedra de uma massa disforme de versos, morri com a minha poesia. Não havia como continuar tentando, ou estaria fadado a produzir um livreto de quarenta e nove páginas — e ele talvez fosse mais relevante do que os outros que ainda poderei escrever. Hoje prefiro usar o meu talento para erguer frases mais cheias. Gosto de poluir o mundo com muitas palavras, cresci demais, passei da poesia.

1 Dizemos que são poetas os escritores quando eles se ocupam em fazer livros fininhos, sem um assunto definido, muitas vezes tipograficamente compostos de uma forma estranha, cheios de desvios propositais de ortografia (que são sempre bons para fazer com que os involuntários se percam no meio) e com prefácios, dedicatórias, sumários e biografias que, juntos, perfazem mais palavras que todo o conteúdo.

2 Eu devo dizer que não acredito em resumos tanto quanto não acredito em beijos breves, em pequenas doses, em “rapidinhas” ou em livros que não parem de pé na estante.


16
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 08:33link do post | comentar

Ontem tive pela terceira vez este ano o desprazer de perder totalmente um texto em que estava trabalhando. Tratava-se de uma bonita crônica sobre poesia, poetas e esquisitices poéticas, que traçava o caminho entre a escrita de um poema de 39 versos e sua cristalização em um curto dístico, forma definitiva e total que ele teria.

O texto se perdeu porque meu computador, que anda com a placa de vídeo problemática, travou subitamente enquanto eu o escrevia. Mas meu PC não foi o único culpado. Culpa maior teve o Blogger, que não salva mais automaticamente as postagens, pelo menos não todas as vezes. Doeu reiniciar o computador e, ao entrar novamente no blog, ver por um breve instante o texto estampado na caixa de edição, e em seguida apagado por alguma inexplicável magia negra do Google.

Se estivéssemos no século XIX ou mesmo em 1980 eu teria usado a pena ou uma máquina de escrever, e nesse caso teria o texto material diante de mim, impossível sumir tão assim. Eis o mistério da precariedade de nossa literatura. Temo que algum dia, se o Blogger apagar minha conta, tudo quanto escrevi retorne ao éter. Estou começando a, paranoicamente, fazer backups semanais de todas as postagens, mas, o que ocorrerá se o apagamento de minha conta coincidir com uma pane do disco rígido?


13
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 20:45link do post | comentar | ver comentários (1)

Tal como no ano passado, compareci ao Festival Literário de Cataguases. Este ano, além de tietar eu também tive a oportunidade de falar umas bobagens com um microfone na mão enquanto alguém filmava para pôr no sítio oficial. Ao meu lado estava Miklós Palluch, que também estreia no romance, como eu, mas — ao contrário deste mineiro interiorano — padece de muito mais cultura, experiência de vida e contatos.

Fiquei bastante feliz de ver que minha campanha de divulgação foi relativamente bem sucedida. Embora tenha atraído apenas aproximadamente 3,5% das pessoas que eu efetivamente contactei, ela me ajudou a ter uma marca estranha: minha noite do Festival teve mais público que a de sábado, que contou com gente de muito mais peso.

Mas comecemos falando do que aconteceu primeiro, que é sempre uma boa e lógica maneira de começar — ainda que, literariamente falando, seja o óbvio.

Miklós Palluch é cineasta, esta é a sua praia. Na literatura ele ainda é estreante, mas estreia com muito mais tarimba de mundo do que eu, e por uma editora que certamente tem mais nome, a Ediouro. Seu romance é mais ou menos do mesmo tamanho (em páginas que o meu), mas oh, quanta diferença em todo o resto.

Estilos quase diametralmente opostos, objetivos idem. Ainda não fui longe na leitura, mas o que ele escreve me parece algo tão realmente alheio, e fresco, que dá até prazer continuar lendo. O velho húngaro escreve com uma secura, com uma sinceridade e com uma clareza que espantam.

Quanto a mim, bem, vocês que me leem sabem que eu sou amante de elipses e metáforas, de jogos, torneios e ardis. Nem sempre consigo completar a cambalhota, às vezes os malabares me caem da mão, mas fico fazendo meu número com graça e ousadia. Miklós não busca isso, a praia dele é outra. Ou melhor, enquanto carioca (mesmo que adotivo) ele realmente sabe de praia. Eu sei de morros e de rios e de ventos e de lendas. Ele escreve claro como o sol do Rio, eu escrevo sombrio como as estradas estreitas e gretas e grotas dos lugarejos de Minas Gerais.

Ver-nos trocar ideias deve ter sido interessante. Ele, descontraído, senhor de si, alguém que parece tanto ter nascido com um microfone na mão que nem sequer o quis usar, preferiu brandi-lo, qual varinha de condão, para encantar os olhos da plateia. Eu, vestido “como um padre”, nas palavras de meu irmão, me sentia pressionado a ser interessante, algo que normalmente não sou. Eu tinha ido lá com medo de parecer didático ou soberbo. Miklós foi ambas as coisas, mas com uma simplicidade que deu inveja…

Falamos sobre um tema espinhoso, que o moderador — Enzo Menta — fez questão de ressaltar que tem até um lugar no Código Penal. Risos na plateia, senha para sermos descontraídos. Naquele momento me arrependi de minha calça social e de minha camisa impecavelmente abotoada. O que falamos não vou detalhar, porque amanhã ou depois, quando me recuperar do desânimo, eu vou postar minhas notas para o debate, acompanhadas de algumas observações inspiradas no que o Miklós disse.

Depois, enquanto autografávamos nossos livros para os presentes, ele veio até mim, fez questão de comprar Praia do Sossego e me pediu uma dedicatória. Imagino se ele sentiu algo em meu jeito ou minhas palavras que lhe sugeriu que devesse ler o que escrevo, ou se estava sendo apenas simpático, algo que, ao que me parece, ele não precisa querer ser. No dia seguinte nos reencontramos e trocamos mais umas palavras. Fiquei com a impressão de que ele é um sujeito que eu adoraria ter como vizinho. Ainda bem que o Rio de Janeiro é “logo ali”.1

O evento seguinte na sexta-feira foi uma mesa-redonda entre os poetas Chacal, Ondjaki e Marcelo Benini.2 O tema entre eles foi que comentassem sobre o aforisma de que “um poeta não se faz apenas com versos”. O conceito fora atribuído pela organização do FELICA ao próprio Chacal, indiretamente concedendo-lhe uma primazia sobre os demais. Primazia que ele, humildemente, tratou de dissolver sacando da sacola as suas notas. Nelas ele leu, para certa surpresa da plateia e do próprio moderador do debate, que a frase era de Torquato Neto e aparecera na obra de Chacal através de uma citação. Antigamente não havia hiperligação.

Benini foi o mais comedido dos três, certamente surpreso pela erudição demonstrada por Chacal. Para espanto de muita gente que o julga sem o conhecer (e acha que ele deve ser uma espécie de porra-louca vazio), o poeta carioca exibiu uma segurança, uma cultura, uma vivência e uma autoridade dignas de um acadêmico. Mostrando-se conhecedor de um amplo período da história literária brasileira, o poeta acabou dando o tom de quase metade do debate, e ainda achou um modo de se defender de uma estocada que eu sem querer lhe dera em meu debate (oh, ousadia).3 Mas quem realmente roubou a cena foi Ondjaki. Muito mais articulado do que Chacal, com sua fala rápida, com seu talento corporal e seu jeito de jovem rebelde, que tanto encantou uma aluna de Letras.4 Ondjaki, porém, preferiu usar sua presença cênica para equilibrar o debate, introduzindo mais temas e evitando que a erudição de Chacal monopolizasse as atenções. O próprio Chacal beneficiou-se disso, pois os temas variaram mais, permitindo que todos brilhassem. Particularmente brilhou o Benini, cujos versos breves e concentrados, de um livro escrito inteiramente sobre pássaros, ofereceu um grande frescor temático.

A noite de sexta terminou com todos bebendo e se divertindo no bar D'Ângelo, mas eu não pude ir, devido ao sono das crianças. Mesmo assim a noite foi rica, pela oportunidade de ouvir assuntos sobre os quais nunca se fala em uma cidade pequena e pelas amizades que fiz, ainda que algumas delas fiquem apenas na memória.

No sábado o auditório estava um pouco mais vazio do que na noite anterior, o que em parte se deveu a concorrência de vários outros eventos que estavam acontecendo na cidade simultaneamente. Fica a dica para a organização do Festival, que no próximo ano ele se realize antes, talvez em outubro ou setembro.

Mesmo assim era um público qualificado, do tipo que ouve com atenção, faz boas perguntas e sabe respeitar as personalidades e as biografias que lá estavam. Às vezes é melhor falar para trinta pessoas interessantes do que para centenas que não fazem diferença.

A primeira mesa-redonda da noite foi com Elias Fajardo e Ana Paula Maia. Representantes de duas gerações diferentes, os dois também possuem estilos antípodas. Elias é alguém que eu entendo melhor: cria do interior, dotado de uma prosa lírica, um falar cantado. Ana Paula é urbana, elétrica, mas antropologicamente interessada no distante, no desértico, no confuso tecido das relações humanas do Brasil profundo. Mas continua urbana, elétrica.

Seus estilos percorreram caminhos muito diferentes. Ele foi jornalista, poeta, pintor, viajante, escritor. Ela foi baterista de uma banda punk, foi criança travessa, foi jovem rebelde. Ele sempre gostou de ler, mas esteve um tempão afastado da escrita. Ela nunca gostou, mas um belo dia, quase que a contragosto, foi mordida pelo mosquito da literatura. Conseguiram fazer com que eu ficasse curioso para ler os seus livros, ambos conseguiram. O do Elias foi mais fácil: ele estava lá à venda. Eu tive foi de ser rápido, porque ele não ficou muito tempo depois que terminou de falar. Alguns minutos de distração e ele teria ido embora sem que eu lhe pedisse o autógrafo. O da Ana Paula eu vou ter que adquirir por outros meios, sem seu autógrafo.

A noite terminou com um debate menos parelho quanto ao tema. Bartolomeu Campos de Queirós e Sabrina Abreu são muito mais diferentes do que quaisquer dos outros debatedores haviam sido. Eu e Miklós somos praticamente de planetas diferentes, mas estamos unidos por opiniões e conceitos políticos que se tocam, embora nossas literaturas não se entendam muito. Os poetas da noite anterior haviam podido dar-se ao luxo de serem diferentes porque poeta é mesmo um bicho estranho, o conjunto deles é um maravilhoso rebanho de gatos e eles se aceitam e se somam quando se atritam com suas opiniões diferentes. Ana Paula e Elias, embora vindos de mundos quase incomunicáveis, aproximam-se pelo universo em que ambientam suas histórias e, acima de tudo, pela erudição que um mostrou ter em relação ao universo do outro.

Nada disso pareceu funcionar muito bem em relação a Bartolomeu e Sabrina. Talvez porque eles fossem, mesmo diferentes demais. Bartolomeu é um idealista, um timoneiro da utopia. Sabrina é uma jornalista. Ele tem um estilo de profeta, ela de analista. Ele fala de um mundo que, sendo idoso, não verá. Ela fala de um mundo que viu de forma diferente daquela que a maioria enxerga. Ele tenta abraçar a filosofia, ela tenta enquadrar um canto da realidade que lhe interessa.

Obviamente fiquei fascinado pelo jeito quase papal com que Bartolomeu expôs, com notável firmeza lógica, as suas opiniões e suas proposições. Porém, identifiquei-me muito mais com Sabrina. Talvez porque ela, ao contrário dele, está mais próxima de mim (embora ele seja mineiro do interior e ela, da capital). Eu sou, como ela, um blogueiro, alguém antenado no presente (embora, ao contrário dela, tenha medo). Além do mais, Sabrina conseguiu falar muito mais de si e de seu livro do que Bartolomeu.  Saí do debate sabendo os nomes de dois livros dela, de suas ideias, de seu estilo, de sua abordagem. Mas consegui não saber o que Bartolomeu escreveu na vida, embora ele obviamente seja uma sumidade em seja lá o que for que faça.

A noite de sábado valeu também pela oportunidade de reencontrar alguns amigos de Cataguases com quem vinha tendo pouca chance de conversar. O William, por exemplo, agora que virou prefeito anda com a agenda cheia pacas. O mesmo posso dizer do Ivan, que se tornou secretário. Mas continuam sendo boas pessoas, velhos amigos de faculdade, gente que viveu ao meu lado uma época de que tenho saudades.5

Voltei do FELICA 2011 me sentindo feliz e realizado por ter vendido dez livros. É uma sensação estranha, e gratificante, receber dinheiro em troca das coisas que escrevo. A gente passa a vida inteira ouvindo amigos e parentes dizendo que o que fazemos não tem nenhum valor, e de repente aparecem pessoas pagando trinta e cinco reais. Senti-me bem com isso, especialmente porque ninguém comprou o livro “para ajudar”, mas para conhecer.6

Peço desculpas às demais atrações do FELICA que eu não comentei aqui. Infelizmente eu não pude estar presente todos os dias (que péssimo jornalista sou! — ainda bem que não sou!). Mesmo assim, cumpro o prazeroso dever de compartilhar minhas impressões, inclusive para convidar a você, que lá não esteve, a participar no próximo ano. Cataguases é uma estranha cidade de sessenta mil habitantes que, por uma anomalia da natureza, goza do privilégio de ter uma história de movimentos literários (notaram o “s”?) e eventos culturais. Que precisam ser mais prestigiados. Cataguases é impressionante.

1 Reza uma lenda que nós mineiros somos incapazes de conceber como distante algo que não esteja além do Oceano ou da Cordilheira. Isso é apenas uma lenda, obviamente, pelo menos aqui na Zona da Mata. Se duvida, sugiro que venha fazer-nos uma visita para conhecer o povo de cá. Não é difícil achar, tanto Cataguases, a do FELICA, como Leopoldina, onde vivo, ficam pertinho de Juiz de Fora, uns 100 km a nordeste, mais ou menos.

2 Perdão, poeta, por ter grafado seu nome com “ll” na dedicatória. Eu, que tanto me incomodo quando me chamam de “Gouveia”, deveria ter tido um pouco mais de cuidado.

3 Como vocês lerão ainda durante a semana, um dos “pontos altos” (ou terá sido baixo?) de minha intervenção foi o momento em que eu disse que não devemos valorizar o paradigma da droga ou da embriaguez como ferramenta de aquisição de conhecimento ou de inspiração pelo autor pois todo viciado tende não apenas a negar o próprio vício, mas também a encontrar justificativas não-hedonistas para o uso da substância. Acredito que a estocada a que me refiro foi no momento em que eu disse que, se todo bêbado inventa desculpas e explicações para o próprio vício, quão fascinantes e maravilhosas não devem ser as desculpas e explicações inventadas por um bêbado que possui o talento com as palavras. Em suma, tachei as produções literárias “aditivadas” de “papo de bêbado” sofistica. Oh, ousadia, que somente a ignorância permite!

4 De fato, encantou-a tanto que, nas três vezes em que tentou dizer o quanto gostava de obras suas, citou textos de outros autores “africanos”, o que acabou fazendo com que o poeta, no seu único momento de  aridez verbal, criticasse a postura arrogante com que as pessoas veem a África de fora, sem distinguir as culturas dos diversos países, com suas particularidades.

5 Quando voltava da faculdade, com a matrícula orgulhosamente na mão, encontrei um antigo professor do segundo grau, a quem contei do meu feito de ter passado em primeiro lugar no Vestibular. Ele, do alto da sabedoria que a vida dá e depois toma, sentenciou-me algo que jamais esqueci: “Isso não é importante, Geraldo. Importante é que na faculdade você viverá os dias mais felizes de sua vida. Você não terá saudades de um número na lista, mas dos amigos e amores que vai viver nesses quatro anos. Viva-os bem.” Obviamente, quando se tem vinte anos, a gente acha que sabe tudo. Não segui o conselho, mas ainda tenho saudades daqueles tempos, e daqueles amigos e amores.

6 se alguém quiser “me ajudar”, deve fazer o favor de não comprar o livro. Eu não tenho muitos, apenas algumas dezenas, e preciso que eles cheguem exclusivamente às mãos de quem esteja interessado em lê-lo. Obrigado.


12
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 13:55link do post | comentar

…assim começa um famoso raciocínio de Rui Barbosa, parte de um de seus perfeitos discursos. Feliz era o Brasil no tempo em que os políticos de seu Congresso ainda encontravam tempo para redigir discursos.

Mas não quero falar de Rui Barbosa e nem de nulidades, apenas mencionar como, tantas vezes, procuramos justamente aquilo que nos faz mal. Eu poderia estar feliz hoje, poderia estar tinindo de alegria com os contatos que fiz ontem no Festival Literário de Cataguases, poderia estar comentando sobre elogios e críticas que recebi, de amizades novas que surgiram, de convites que vêm por aí.

Mas acabei caindo na besteira de seguir a insistência de um amigo virtual e dei uma reativada no meu Orkut, que eu havia DELETADO meses atrás.

Não sei o que foi que me deu. Não sei o que eu esperava ver de bom naquela fossa de vaidades humanas em fúria, naquela rinha de egos marombados. Sei que justamente vi apenas aquilo que me fizera sair de lá.

Para piorar as coisas eu ainda caí na besteira de começar a escrever uma postagem diretamente no Blogger, confiando que seria mais seguro, visto que ele parece «salvar» o texto a cada vinte segundos. E então o meu computador travou e quando consegui reiniciar perdera tudo! Aparentemente o Blogger só salva quando não precisa. Bom saber que a partir de agora devo confiar somente no LibreOffice para estas finalidades.

Mas resumindo estas ruminâncias de sábado, digo que muitas vezes vemos o triunfo das nulidades, e das anulações, como a de meu texto, porque justamente procuramos ver.

Eu poderia não ter reativado o Orkut, eu poderia estar datilografando o que escrevo, ou fazendo num caderno, como nos meus tempos de escola. Mas me expus a ver o que não gostaria de ver, a perder o que poderia escrever.

Tenho muito que aprender com a vida ainda, entre estas muitas coisa que me falta saber está a perspicácia de evitar as nulidades, pois a companhia delas pode até não me afetar negativamente, mas afeta-as positivamente. Digamos que estar em certas companhias é melhor para o currículo alheio do que para o meu.


10
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 08:30link do post | comentar | ver comentários (1)

Se as editoras conseguirem o que querem, implantarão suas “equipes cocriadoras” e tentarão amestrar todo jovem autor que as procurar querendo divulgação. Muitos talentos serão castrados. Para os corajosos, como a porta da rua é serventia da casa, restarão os desertos da independência. Meu Deus, a horrível liberdade.

Uma “equipe cocriadora”, no contexto da literatura, é um conceito tão monstruoso que foi preciso mais de um século para ele tomar corpo, desde que as editoras começaram a contratar revisores que iam além dos erros tipográficos. Tratamos aqui da suprema alienação da humanidade.

Com a Revolução Industrial o artesão se viu alienado do controle da produção, tornando-se proletário. As “equipes cocriadoras”, tomarão do autor o controle de sua obra e tornarão as editoras fábricas de livros, transformando os escritores em “proletários das letras”, produzindo obras sobre as quais não possuem voz definitiva, e cujos direitos são difusos por causa das muitas mãos envolvidas.

É possível até que surjam, na literatura, tal como já existem na música, “marcas” que não representam indivíduos, mas “equipes de criação”. Na música tivemos casos como o Technotronic e o C&C Music Factory, grupos cujos “intérpretes” eram contratados por “produtores”. Quando os músicos tentaram sair fora do esquema perderam o direito de interpretar “suas” músicas, porque estavam sob o controle das “equipes cocriadoras”. Para tais equipes, o esquecimento daquelas músicas não era um prejuízo: bastava criar outro sucesso no mês seguinte. Para os intérpretes, significava que eles não tinham um repertório.

Eu digo que é possível que esta excrescência se transmita à literatura porque, a partir do momento em que estiver estabelecido o conceito de que o escritor não sabe escrever e é preciso que a “equipe cocriadora” o ensine, nada impedirá que as editoras simplesmente produzam através destas equipes o conteúdo de que precisam. Isso já aconteceu com a música: não há mais ninguém procurando descobrir artistas, pois eles podem ser hoje produzidos em série.

Mas quem se importará em escrever livros se não tiver nem ao menos a expectativa da fama? Todos sabemos que é muito difícil ganhar dinheiro escrevendo livros, a maioria o faz pelo orgulho de fazê-lo, e de pôr o nome na capa. Coloque o autor em uma “equipe cocriadora” que desindividualizará o seu trabalho e justamente aqueles que mais desejam fazer trabalhos criativos e inovadores ficarão desestimulados.

Eu vou mais longe, correndo o perigo de ir reiterando o que disse em outros parágrafos. Já sabemos muito bem que muitas obras são rejeitadas por polêmicas ou por “não são comerciais”. Mas pelo menos elas são rejeitadas “in totum”, o que é melhor do que serem aceitas e mutiladas pelo trabalho de tal “equipe cocriadora”, de tal forma desfigurando o original que o autor nem mais tenha orgulho dele. Sim, as crianças iludidas que sonham em “escrever um livro” não se importarão, mas os autores mais maduros e com mais ambições do que mostrar para os amiguinhos, esses ficarão de pelos eriçados, como eu.

E eu ainda estou supondo que as crianças iludidas ainda terão o direito de ter seu nome na capa, mas para que a editora precisará da figura difícil e cheia de ego, um autor estranho, se já tem a seu serviço pago uma “equipe cocriadora” capaz de “melhorar” as obras que recebe? Para que correr o risco de investir no novo se a “prata da casa” já faz o trabalho? O resultado disso: algo semelhante ao que houve com as gravadoras. Artistas fabricados, cantando obras compostas por profissionais, tocadas por músicos de estúdio. Artistas que não têm controle algum sobre o que cantam, de forma que quando perdem o contrato com a gravadora eles sequer podem continuar a carreira cantando seus sucessos.

Não estou aqui discutindo se isso vai acontecer ou não. Sei muito bem que os que ficam no caminho do “futuro” encontam a Paz Celestial. Mas se tem algo que devo lhe dizer é que eu sou um desses, senhor motorista do tanque. É melhor ser derrotado na luta em defesa de nossos ideais, do que viver rendido aos objetivos alheios.


08
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 08:30link do post | comentar | ver comentários (1)

A era eletrônica, o paraíso do editor. Ou melhor, do censor. Antigamente se poderia bem dizer que “livro é como passarinho”, depois que saiu da prateleira da livraria ninguém mais controla. Hoje em dia é possível revogar a publicação do livro, apagar do dispositivo chique o arquivo ofensivo que não deveria ter saído. Mas, acima de tudo, hoje em dia é possível fazer as “correções” na redação do escritor-aluno até que seja aceitável no contexto da edição-escola. Onde foi que esqueceram pelo caminho a ideia de que o escritor é um adulto livre para ousar, diante de quem a sociedade reverente espera? Ah, bem.

Os editores celebram no livro eletrônico justamente isso que ele tem de monstruoso: a facilidade de um trabalho colaborativo. Trabalho colaborativo é o meu … de óculos. O nome dessa colaboração é censura prévia: você só chega a ser aceito se você se tornar do jeito que o “mercado” quer. Vimos isso ao vivo na televisão, em um programa chamado “Fama”. Cantores de diversos estilos e personalidades foram amestrados durante semanas até que todos passassem a cantar de forma curiosamente parecida. O mercado quer produtos em série, embalados a vácuo, todos de formato igual. Parabéns a você que tem o formato certo ou que é maleável o suficiente para entrar na forma e ficar parecido. Eu pretendo endurecer aqui de meu lado.

As mutilações digitais não deixam marcas. Os originais nunca existiram mesmo! São apenas arquivos vagos, nuvens de elétrons circulando por circuitos. Esse trabalho colaborativo é uma ferramenta quase stalinista, mas está usada pelo capitalismo. No fundo, os totalitarismos se servem dos mesmos instrumentos, variando a dose, ou a maneira como são consorciados.

Não me acusem de estar preso ao século XX, de ser um arauto do passado. Prefiro ser arauto de coisas que entendo, do que papagaio de palavras vagas, cujo impacto ainda está além de minha ideia. Oh, não, lamento dizer que vocês talvez não entendam o que acham que entendem. Hoje em dia as pessoas são muito curtas e superficiais. Hoje em dia os intelectos são pontos. Ninguém faz análises de longo prazo, afinal o ano fiscal termina em dezembro. Com o tempo começam a achar que o mundo começou em janeiro.

O novo não é sempre bom. Certas coisas horríveis que aconteceram no passado foram novidade quando apareceram: o amianto, a sífilis, o comunismo, a peste negra, os aditivos à base de chumbo para a gasolina. Precisamos ser críticos em relação ao novo, talvez mais até do que em relação ao velho. Ser profeta do passado é muito fácil: esticar um longo dedo para os erros de nossos pais e avós é algo que não custa muita ousadia, pois os resultados, muitas vezes, são conhecidos. Difícil é ser cético em relação ao canto da sereia do futuro. Todos temos a ingenuidade de crer que o nosso futuro é a redenção de todos os nossos pecados.

Mas o futuro é perigoso.

Hoje existem tecnologias fantásticas, inimagináveis há quarenta anos. Ferramentas fantásticas, mas com dois gumes. Certamente fazem coisas inimagináveis em 1971, mas temo que nem todas estas coisas sejam, além de inimagináveis, desejáveis. Ferramentas que nos dão a impressão de que no futuro não haverá nenhuma forma de arte, e muito menos de artista, um futuro que me parece desinteressante. Um futuro de informação precarizada, controlada e impessoal. Nesse futuro tampouco haverá liberdade de informação.

Hoje, se algum autor deseja ser dono exclusivo de sua obra, tem ferramentas para publicação independente — dizem os editores, sugerindo que somente os que topam abrir mão de parte de sua autoria poderão deixar de ser “independentes”. Os editores querem matar o autor, ao que parece.

Acontece que a publicação independente sempre foi a exceção na história da literatura. Relegar a ela todos os que não aceitem conformar-se significa fechar as portas do grande mercado aos que não desejam submeter-se a imposição do coletivo. E pensar que houve uma época em que as pessoas achavam a URSS monstruosa porque impunha a coletivização de fazendas, a serviço "do povo". Hoje as editoras, que desejam coletivizar a criação literária, a serviço do lucro, são “cool”. Sabemos, mas, porém, no entanto e todavia, que o mercado é ditador. Portanto, “a porta da rua é serventia da casa” para quem acha que pode escrever o que quer. Tal como é serventia da casa para o repórter que não quer difundir a agenda do patrão, para o político que se filia na legenda sem querer se render às “práticas normais” do meio.

Se você quer ser um autor “muderno” precisa “reconhecer que faz parte de uma equipe cocriadora, na qual cada um contribui com o que sabe fazer melhor e trabalha em consenso com os demais”. Imagino que reação teriam os membros de uma “equipe cocriadora” dessas diante dos ícones de nossa literatura. “Consenso”, teu nome é “censura”. Estes conceitos revelam que para a maioria das editoras, livro é como pão de forma, cortado e ensacado e vendido a peso exato. O pão do espírito em formato adequado para armazenar em prateleira, e com prazo de validade compatível.

E é por causa disso que nós, os criadores de conteúdo, não podemos ter ilusões quanto às intenções de quem capitaneia esse barco avariado. Eles chamam aos outros de piratas apenas porque eles têm cartas de corso. É por isso que nós, os criadores de conteúdo, devemos ansiar e até trabalhar, para que vá abaixo todo esse edifício, que se destrua toda a atual estrutura de comando e controle do conteúdo, com seu arcabouço legal e suas práticas corriqueiras. Somente destruindo essas empresas de forma definitiva e irreparável haverá possibilidade de salvar o futuro. Certamente não conseguiremos salvar um futuro parecido com o passado que havia, quarenta anos atrás, mas numa hora dessas não podemos ser egoístas: se pensarmos apenas em nossos direitos autorais podemos terminar com uma sociedade na qual não teremos quase direitos.


06
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 08:30link do post | comentar | ver comentários (1)

Vocês devem estar imaginando, então, que eu sou mais um que celebra o futuro esfuziante que vem aí. Que sou contra as ferramentas de controle do conteúdo, mas que abraço entusiasticamente o mundo eletrônico. Nem tão depressa assim, motorista, pare o ônibus do futuro, pois quero descer.

Quero voltar para minha casa, achar meu próprio armário debaixo da escada, ali me esconder, com minha velha máquina de escrever, e então, de dentro da escuridão desse meu canto, oferecer-lhes meu vislumbre desse futuro. Uma resposta algo poética demais (e hoje em dia a poesia se tornou algo pejorativo), porém somente com poesia se atinge a contundência. Não me acusem de dramalhão, falo em nome de valores que muita gente não entende, falo do ponto de vista de quem está acuado no quarto debaixo da escada. O que para vocês pode parecer casca, para mim é a medula.

Eu sou o ego. Eu sou a ambição do ego. Eu falo em nome dos desejos do ego. Eu não acho que o ego seja ruim.

É errado supor que o ego seja egoísta. O egoísmo é uma perversão tão grande quanto a total ausência de amor por si. Eu não sou egoísta, apenas aprecio ser quem sou, apenas aprecio a ideia de poder ser quem quero ser. Sei que muitas coisas que eu sou, ou sei, resultam do amálgama de coisas que foram ditas, ou feitas, por outras pessoas. Resultam de coisas que vi, ouvi, e copiei. Mas todas as coisas que fazem parte de mim, quando não foram simplesmente se instalando, como mofo numa toalha, são escolhas que eu fiz. Ninguém me impôs que eu escrevesse, por exemplo, ninguém conscientemente me fez ver que há mais beleza na mulher morena do que na loura.

O Ego é bom. Penso, logo existo — ele diz. “Penso” não é um fenômeno coletivo. “Penso” é uma ilusão de individualidade que nos torna saudáveis. “Penso” é a felicidade.

No mundo eletrônico, o ego está sob ataque. Movem guerra nuclear contra ele. Uma guerra cuja primeira batalha foi travada, décadas antes do primeiro chip de computador, quando alguém teve a ideia de que os livros escritos pelos autores não eram bons o bastante, que era necessário haver um “profissional” capaz de ensinar o escritor a escrever.

O nome desta profissão é “censura” e o seu fruto é a negação do ego. O autor não tem a “permição” de escrever com cê-cedilha, a não ser em contextos muito limitados. Tal como atores de novelas não podem falar com outro sotaque que não o de Capacabana, a não ser em contextos muito limitados, como novelas regionais caricatas. O nome desta profissão é “censura” e a sua marca é a soberba.

Houve um tempo em que escritores escreviam, revisores revisavam e editores editavam. Hoje escritores escrevem, revisores reescrevem, editores mandam reescrever. No fim do processo “interativo” a obra que chega a ser publicada já foi expurgada dos defeitos do autor. Todo autor tem defeitos, os únicos perfeitos são os editores e os revisores.

Mas esse tema é tão complexo que tenho que deixar para semana que vem.


mais sobre mim
Novembro 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
11

14
15
18
19

20
21
23
25

27
28
29
30


comentários novos
Ótima informação, recentemente usei uma charge e p...
Muito bom o seu texto mostra direção e orientaçaoh...
Fechei para textos de ficção. Não vou mais blogar ...
Eu tenho acompanhado esses casos, não só contra vo...
Lamento muito que isso tenha ocorrido. Como sabe a...
Este saite está bem melhor.
Já ia esquecendo de comentar: sou novo por aqui e ...
Essa modificação do modo de ensino da língua portu...
Chico e Caetano, respectivamente, com os "eco...
Vai sair em inglês no CBSS esta sexta-feira... :)R...
pesquisar neste blog
 
arquivos
subscrever feeds
blogs SAPO