Na qualidade de desconhecido pessoal de mais de noventa por cento de meus amigos virtuais,1 decidi estabelecer uma série de parâmetros através dos quais classificarei os conteúdos digitais que lerei. Obviamente tais parâmetros são necessários, pois o volume de informações na rede sendo tão grande, querer ler tudo seria como tentar uma coleção filatélica geral.2
Os parâmetros a que me refiro são, obviamente, arbitrários. Como minha vida é algo total e pessoalmente meu, reservo-me ao direito de fazer escolhas baseadas em critérios coerentes somente com as coisas em que creio.3 Reunindo em um conjunto único todos os meus conceitos, preconceitos e defeitos, proclamei os seguintes parâmetros para inclusão de blogs no meu blogroll e para inclusão de amigos no meu amigoroll.
- Título em inglês
- Não leio e não adiciono blogues com título em inglês. A menos, é claro, que sejam integralmente escritos em inglês, de preferência um inglês tão correto quanto o de um apresentador de notícias da BBC. Acho vulgar, pedante e tosco usar termos em qualquer estrangeirês para dar um verniz de «curtura» ou de «féchion» para qualquer coisa. Acho vomitivamente vulgar o xampu «Head & Shoulders». Eu ia pensando em dizer que acho isso «caipira», mas pensando melhor, não. Por outro lado, se o título for em uma língua exótica, como romeno, finlandês, vietnamita, curdo ou guarani eu até vou ler, mas dificilmente adicionarei.
- Título em caixa alta
- Escrever tudo em maiúsculas é uma maneira de chamar a atenção sem mostrar conteúdo. Você quer que o seu blogue apareça mais que os outros nas listas então ESCREVE O NOME GRANDÃO ASSIM. Isso é desrespeitoso com os outros pobres mortais que não tiveram esta brilhante ideia.4
- Miguxês
- Não gosto de conviver com idiotas. Ninguém gosta. Escrever com excesso de deformação ortográfica das palavras, inclusive dizendo ser uma questão de estilo, dá impressão de idiotice. Você precisa ser no mínimo um talento do tamanho do Guimarães Rosa para poder escrever fora da norma ortográfica sem parecer um fugitivo do Mobral.5
- Mensagens de Pensamento Positivo
- Nada tenho contra quem gosta dessas xaropadas pseudo qualquer coisa psicológicas baseadas em rasas leituras de auto-ajuda e versículos bíblicos. Se você gosta, afogue-se nisso e seja feliz. Mas eu não gosto. Minha opinião sobre auto-ajuda não é sequer publicável. Cada um com seus «pobrema» e cada um acha suas soluções. Quando não acha, procura. Soluções insistentemente chegando a domicílio são apenas uma fonte de incômodo.
- Umbiguismo
- Algumas pessoas gastam horas preciosas cada dia refletindo sobre o quanto são maravilhosas, fodásticas, bonitas, bem-vestidas, invejadas, ricas e bem-comidas (ou bem servidos, conforme o sexo). Gostaria de dizer a estas pessoas que, mesmo que eu concorde com um ou dois desses adjetivos, não tenho nenhum interesse em acompanhar cada dia a crônica de seus penteados, roupas, transas, tratamentos cosméticos ou festas chiquérrimas. Estou interessado no que as pessoas têm a dizer. Eu até poderia estar interessado em rostinhos bonitos e temperamentos desinibidos, se eu fosse solteiro e os donos de ambas as características não vivessem em outro estado, país ou planeta. Como não é assim, não se importe, por favor, se eu não quiser fazer papel de espelho diante de seu desfile de sensacionalidade.
- Metralhadores de textos
- Confesso que já fui um desses,6 mas detesto gente que posta vinte coisas por dia. Especialmente quem posta vinte coisas irrelevantes por dia. Eu quero seguir blogues que postem quatro ou cinco textos por semana, se muito.
1 Por extenso, porque só quero ser lido e compreendido por quem presta atenção no que lê.
2 Este blogueiro teria grande prazer em ser lido por pessoas que sabem o que é uma «coleção filatélica geral», e um prazer supremo em ser lido por pessoas que já tentaram fazer uma «coleção filatélica», de qualquer tipo.
3 Isto inclui achar tosco e primitivo um funk com melodia de dois ou três acordes, mas ao mesmo tempo ter orgasmos sonoros ouvindo uma canção do Ramones, do Clash ou do Joy Division. E se você não entendeu a associação, está na hora de expandir seu horizonte musical.
4 Escrever em maiúsculas é como gritar. Imagine-se em uma sala onde todos estão falando civilizadamente, cada um pedindo licença na sua vez. Então uma pessoa começa a gritar sem pedir licença. Obviamente todos vão ouvi-la, já que não podem bloquear os ouvidos. Mas se todos começarem a gritar do mesmo jeito, ninguém mais ouve ninguém.
5 Este blogueiro dá certa importância a pessoas que sabem o que foi o Mobral. Não para discriminar quem se beneficiou dele, mas porque as pessoas que têm este conhecimento também conhecem uma série de outras coisas a respeito de uma época triste de nossa História, mas cara a esse que vos escreve.
6 Não há nada de errado nisso. Eu não sou obrigado a querer nos outros aquilo que eu tenho/tive em mim.