Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
30
Jun 12
publicado por José Geraldo, às 09:00link do post | comentar | ver comentários (4)

Não me refiro à educação escolar, essa que sucessivos governos parecem querer dificultar, mas à educação cidadã e humana, que cabe às famílias e a cada um de nós. Esta é a que faz mais falta, porque se trata da que não precisa de grandes investimentos, nem de grandes construções. Não dispende energia, não move terras e céus, não cria dívidas e nem polui. Não custa livros, não consome dinheiro, não requer transporte. Mas apesar de ser tão barata em termos econômicos, é caríssima em termos de cuidado e de carinho — e cuidado e carinho parecem ser justamente os insumos que mais estão em falta no mundo do tchu e do tcha, do tchan e do Telò. Tem muita gente por aí que sabe fazer o lelelê, mas nada mais.

Tudo isso me vem à mente depois de ter ido assistir à festinha junina da escola da minha filha mais velha.

O evento até que foi bem organizado: tinha seguranças, som profissional, cantina produzindo os salgados fresquinhos, o guichê de fichinhas tinha troco, os banheiros eram bons e as crianças estavam muito bem ensaiadinhas. Vergonha foram os pais.

Apesar de ser evidente a falta de espaço do recinto, logo no começo se verificou que um canto da quadra, mais próximo da entrada, ficou atolado de gente, enquanto o canto oposto ficava vazio. Todo mundo querendo pegar o «melhor lugar» se amontoava junto à passagem, impedindo a entrada e saída dos outros, de modo que não apenas era difícil aos recém chegados verem seus filhos dançando a quadrilha, mas era também difícil para quem já estava conseguir enxergar alguma coisa através do mar de cabeças e braços erguidos com câmeras desesperadas para tirar uma foto qualquer.

Sucessivos pedidos da direção através do microfone foram em vão: ninguém se movia e a muvuca aumentava. Começou a haver acotovelamentos, alguém xingou palavrões altos (em um ambiente escolar, numa festinha de crianças, por Júpiter!). Somente quando a diretora ameaçou pedir aos seguranças que abrissem caminho foi que alguns «educados» concordaram em desobstruir a entrada e passar para os fundos da quadra.

A luta seguinte foi para retirar de dentro da própria quadra os pais desesperados por fotos dos filhos dançando. Tanta gente tinha entrado lá com câmera na mão e merda na cabeça que não havia espaço para as crianças dançarem. Novamente foram necessários apelos repetidos da direção da escola e os pais só se tocaram de lá quando novamente se ameaçou chamar os seguranças.

Liberada a quadra, a direção da escola, desistiu de tentar organizar o resto, pois já havia dito algumas coisas bem pouco elogiosas na tentativa de convencer os pais a abrirem espaço — como, por exemplo, sugerir que eles precisavam dar exemplo para seus filhos ou que a escola era um ambiente de respeito e não um lugar para se dizer palavras chulas e cometer agressões. O resultado foi um verdadeiro caos em torno da quadra, com gente se empurrando e se embicando como dava. Há um antigo axioma da ciência da organização que diz que para todo corredor estreito existe um imbecil disposto a empilhar coisas lá, ou obstruí-lo ele mesmo. Havia muitos destes no local, que, em vez de procurarem um lugar amplo para manter sua conversa ou paquera, ficavam parados no corredor, ainda por cima fazendo cara feia para quem vinha tentando passar. E cada turma que concluía seu turno na quadrilha gerava um tropel de crianças e pais que se espremiam pelas passagens apertadas com o desespero de quem está prestes a cagar nas calças. Essa era a hora em que os imbecis do corredor se sentiam pisoteados ou acotovelados e xingavam ou reclamavam da falta de educação alheia.

Nos lugares amplos a situação não era muito melhor. Onde não houvesse luz direta havia casais dando amassos. Caramba! Em um ambiente escolar? Por que esses animais vão se esfregar pelos corredores de uma escola primária? Não dá para satisfazer o cio em outro lugar, ou esperar para depois da festinha junina das crianças?

Para completar o drama, a escolha das músicas foi de uma lástima terrível. Para uma festa de crianças dançando quadrilha resolveram tocar estas porcarias breganejas que só falam de beber cachaça, fazer lelelê, querer tchu e tcha e coisas piores. E a gente que dizia que a Xuxa era uma influência perniciosa para os «baixinhos» por causa de seus shortinhos. Que valores está transmitindo uma escola que toca numa festa infantil uma música que diz:

Ela chega no baile faz a galera delirar Mascando chiclete doidinha pra namorar De saia curtinha só pra provocarE deixa a macharada delirando sem párarEla dança mexe mexe eu não vou aguentar.Eu vou beber cachaçaEu vou tomar méEu vou encher a cara por causa dessa mulher.

Muito educativa esta escolha, para acompanhar a quadrilha das crianças do segundo ano, todas na faixa dos sete ou oito anos de idade. Elas vão crescer sabendo que a «macharada» delira sem parar quando uma mulher chega de sainha curta no baile, «doidinha para namorar», e que para isso a referida «macharada» vai tomar cachaça.

Eu poderia escrever vinte páginas de lamentos sobre as coisas que pensei e senti, mas chega que me dá nojo. Alguns vão dizer que minha reclamação é «puritana» e que «é isso que as crianças encontram na sociedade em que vivem», mas a escola não é «a sociedade», ela precisa ser, e deveria ao menos pretender ser, um microcosmo de excelência, um lugar melhor do que a sociedade, onde se ensina aos pequenos um mundo ideal, que sonhamos que exista para eles, já que não existiu para nós. Não é lugar de endossar o mé que a «macharada» toma por causa de mulheres doidas de sainha curta, mas de ensinar justamente estas crianças a perceberem a brutalidade, a grossura e a estupidez que são necessárias para que uma pessoa conviva com essa música sem revoltar-se.

Enquanto nossa escola toca nas festinhas juninas infantis uma trilha sonora que não tocava nem em puteiro até há bem poucos anos, as verdadeiras tradições juninas são esquecidas: as crianças dançaram em estilo country.


18
Jun 12
publicado por José Geraldo, às 19:30link do post | comentar | ver comentários (1)
— Faça-me feliz, só hoje!

— Não dá, é muita responsabilidade. É como ter uma ficha só no fliperama.

publicado por José Geraldo, às 00:08link do post | comentar
No século XIX pessoas inspiradas esgotavam seu tédio desenhando ou escrevendo histórias. Coitadas: não conheciam o Facebook.
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17
Jun 12
publicado por José Geraldo, às 13:18link do post | comentar | ver comentários (2)

Vão me xingar dos nomes mais diversos, mas hoje tive de admitir: sou do tempo em que os divertimentos inocentes eram bem mais inocentes e as coisas simples eram bem mais fáceis de conseguir. Enquanto estou aqui tentando esquecer uma crise de fígado vendo bobagens na internet, eis que ouço a patroa e as crianças na sala, vendo televisão. O simples fato de haver uma televisão ligada no domingo à tarde já significa que existe uma neblina de estupidez no ar, mas a gente não liga televisão para aprender, mas para distrair. O caso é que a atração que estava passando me fez pensar que, talvez, a entrevista forjada do Gugu com líderes do PCC não foi o momento mais escroto da história da televisão brasileira — e já vou explicar por que.

A «atração» (entre aspas porque deveria causar repulsão) é um quadro do programa da Anna Hickman que se chama «Interrogatório» e consiste em fazer convidados pseudofamosos adivinharem, através de tentativa e erro, com dicas dadas a cada erro, uma cena de crime. Funciona assim: alguém da plateia escolhe um dos convidados do dia, e diz que ele matou alguém famoso usando algum método inusitado. Os convidados, claro, estão isolados acusticamente do auditório. Durante vários minutos a seguir a apresentadora indagou umas doze vezes a cada um deles «quem você matou», «por que você matou» e «como você matou». A atração foi divertida, ao que parece, pois a plateia deu gargalhadas com a dificuldade de Sidney Magal para adivinhar que teria matado Neymar na praia com uma linguiça.

Ora, dirão, os descolados, por que você está escandalizado com isso? É apenas uma diversão inocente. Achar graça da ideia de matar alguém é apenas uma coisa divertida para se pensar num domingo à tarde. Errado estou eu, de achar isto deprimente. Mas eu não achei graça nenhuma, tanto quanto Neymar não deve ter achado. Mas errado estou eu.


14
Jun 12
publicado por José Geraldo, às 19:37link do post | comentar
O velho relógio bate nove e quinze no peitosorrindo para um piano que tocou meu lábiocomo o som áspero da morte que vem perto.Como ando provisoriamente vivo, e vivo reto,procuro um desvio que retarde a sorte certaque aguarda os relógios, lábios e pianos.Quando achar um caminho errado destes,escondo minutos da espera que não quero.Aqui comigo nesta sombra, nesta névoa,a ilusão feliz de que tudo ainda é e nada era.

09
Jun 12
publicado por José Geraldo, às 22:43link do post | comentar | ver comentários (1)

Discordo de Cazuza. A sinceridade não é tão importante assim, se o conteúdo for, no fim das contas, desagradável. Queremos a verdade, isso é o mínimo que nós queremos. Mas uma verdade que não doa muito. Pelo menos é o que eu quero. Não posso falar por você que me lê, claro, mas creio ter uma compreensão universal entre os não masoquistas. Quando temos a verdade, a sinceridade é que não importa: muitas vezes descobrimos o que é real enxergando nas entrelinhas do que foi escrito, atentando para gestos ou trejeitos enquanto o interlocutor nos fala. Então se quiser mentir, que minta, se tivermos a capacidade de entender. Nestes casos, uma mentira pode revelar uma forma de atenção, uma espécie de carinho verbal. E há momentos em que, sinceramente, queremos um corpo, com amor ou não.


05
Jun 12
publicado por José Geraldo, às 22:59link do post | comentar | ver comentários (6)

O Facebook Não Serve Para o que Eu Quero. Cheguei a esta constatação analisando hoje o modo como esta rede social tem se desenvolvido desde que comecei a interagir através dela, há cerca de um ano, egresso do Orkut. Não estou aqui querendo dizer que o Orkut fosse «melhor» (apenas diferente), ou dizendo como eu acho que o Facebook deveria ser. Apenas compreendi que estou perdendo muito tempo aqui para pouco resultado. Ainda continuarei utilizando a rede, mas apenas para finalidade recreativa — e muito menos do que faço hoje — porque as minhas esperanças com ela deixaram de existir.

Os meus objetivos ao interagir em redes sociais são manter contatos profissionais e atrair leitores para o meu blog literário. O problema a que me refiro é que o Facebook não serve para nenhuma destas duas coisas. Então, devo usá-lo para o que serve e desencanar disso para que não serve. Manter contatos profissionais fica bastante difícil se você só pode adicionar pessoas que já conhece ou com quem já interagiu (amigos de amigos, por exemplo). Não posso, por exemplo, encontrar e contatar um tradutor lá do estrangeiro para passar meu livro para a sua língua. Para atrair leitores fica ainda mais difícil, porém.

Ao contrário do Orkut, que era centrado em suas «comunidades», onde as pessoas interagiam, mesmo as desconhecidas, o Facebook é um cercadinho que procure lhe oferecer sempre «mais do mesmo». O Orkut lhe dava a opção de escolher, o Facebook tenta escolher por você e só será possível escapar da oferta limitada e controlada de informação que ele lhe oferece se você se dedicar ativamente a remover os obstáculos. Algo que eu já sei fazer, mas que não tenho o direito de esperar que os meus potenciais leitores façam pelo privilégio de me lerem.

Constato esse problema cada vez que vejo o número de adesões ao meu Google Friend Connect. Quando deixei o Orkut, em julho ou agosto de 2011, eram 83 conexões. Hoje são 81. Além de não ter ganho nenhuma nova conexão em quase dez meses, perdi duas (certamente um fato esperado, devido às contas que caducam ou são eliminadas pelo Google). Evidentemente menos pessoas estão tomando conhecimento da existência de meu blogue — e por isso menos pessoas o estão seguindo.

A explicação para isso é simples: somente têm acesso às minhas publicações (entre elas as atualizações das postagens do blogue, feitas por um aplicativo chamado RSS Graffitti) as pessoas que assinam o meu feed ou que são amigos próximos com quem interajo frequentemente. As demais pessoas nunca saberão do que eu estou falando. Isto quer dizer, em essência, que o Facebook retira das redes sociais justamente o seu maior atrativo, que era a amplificação do discurso individual e a possibilidade de interação em larga escala. Nesse sentido o Orkut era revolucionário e anárquico. O Facebook não tem nada disso.

Por esta razão não estranhem os meus cada vez mais frequentes desaparecimentos da rede social. Estarei procurando outros meios de divulgar o meu trabalho. E vai sobrar menos tempo para ler publicações nos perfis dos amigos.


03
Jun 12
publicado por José Geraldo, às 14:08link do post | comentar | ver comentários (1)

O amigo leitor terá percebido que neste ano de 2012 o ritmo do blog caiu bastante. No começo do ano isso aconteceu mesmo por causa das férias a que me forcei, para descansar o meu «nervo literário» e abrir espaço para ideias novas. Neste começo de ano li uns vinte livros diferentes, em vários gêneros, incluindo o ótimo romance de meu amigo Ronaldo Roque e o decepcionante best-seller de Michael Crichton intitulado «Devoradores de Mortos» (uma porcaria, verdadeiramente).

Outro fator, porém, está a afetar minha capacidade de produção literária: estou trabalhando em outra cidade, e durmo lá durante a semana. Inclusive mudei-me, com algumas malas, algumas cuias e o meu computador, para um pequeno apartamento lá. Nos fins de semana, quando venho em casa ver a patroa e as crianças, fico longe de meus alfarrábios e de meu instrumento de trabalho — de que resulta eu quase não conseguir interagir na internet. Hoje, por exemplo, eu montei o meu computador velho (que eu tinha aposentado porque ele andava apresentando congelamentos periódicos) e estou aqui fuçando na web e tentando pensar em alguma coisa. Foi o que me restou fazer, porque usar o notebook da minha mulher é algo que eu ainda não consigo: minhas manoplas se atrapalham com aquelas teclinhas e minha sutileza de quem nem sabe amarrar sapatos direito ainda não me permitiu aprender a usar um touchpad (comigo todo toque é um clique).

Espero que vocês medesculpem esta relativa seca literária, e que me acompanhem ainda, mesmo eu postando cinco ou seis vezes por mês ao invés de cinco ou seis por semana, como era antes. Aproveitem, inclusive, que vêm por aí novidades de meu segundo livro e uma crítica sobre o tal romance do Crichton que eu achei tão horrível.

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