Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
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Jul 12
publicado por José Geraldo, às 23:24link do post | comentar | ver comentários (1)

O sucesso do mais novo rebento da categoria do filme hollywoodiano baseado em quadrinhos de heróis nos faz novamente refletir sobre o símbolo que a máscara representa para aqueles que com ela se identificam. O herói mascarado, mais especificamente o Batman, herói mascarado mais arquetípico e mais poderosamente enraizado nas nossas neuras e ideais, representa muito mais do que o veículo de algumas horas de diversão violenta, ainda mais quando habilmente manipulado para que sua história deixe de ser quadrinesca e kitsch para adquirir ares adultos. Um movimento que começou com Frank Miller nos anos 1980 e agora nos produz o primeiro filme de super heróis a romper realmente a barreira do infanto-juvenil e ganhar elogios de adultos (embora não de todos os adultos).

Batman faz mais sucesso que a maioria dos heróis, inclusive no quesito ardor dos fãs, porque ele é «um de nós», não um alienígena adotado pelo nosso planeta, como o Super-Homem. Porque seus poderes estão ao alcance de um ser humano dedicado e provido de recursos, em vez de derivarem de uma fonte mística qualquer; como o anel do Lanterna Verde, a filiação divina da Mulher-Maravilha, a divindade de Thor ou  algum improvável acidente nuclear (Hulk) ou elétrico (Flash). Além disso, ao contrário do Homem de Ferro, outro herói que também emprega poderes não sobrenaturais, ele não é fragilizado fisicamente. A fragilidade do Homem-Morcego é uma fragilidade ao mesmo tempo psicológica (derivada do trauma de ter presenciado, impotente, o assassinato dos pais) e moral (seu comportamento de vigilante frequentemente torna aqueles a que combate em monstros piores ou enseja que os bandidos se tornem mais viciosos para lhe fazerem frente).

Estes fatores aproximam o homem comum deste herói, cuja força está nos músculos, no cérebro e no dinheiro — os três poderes mais invejados pelos jovens de hoje. E desde que o atual diretor dos filmes, Christopher Nolan, conseguiu mostrar o herói de forma mais máscula (desviando das antigas suspeitas do relacionamento homossexual com Robin) e independente (tornando-o menos tutelado pela figura paterna do mordomo Alfred), paradigma se tornou mais evidente e o culto ao Cruzado Mascarado cresceu.

Uma coisa que sempre me chamou a atenção nas histórias do Batman foi que os seus vilões o enfrentavam de cara limpa na maioria das vezes. As poucas exceções eram justamente os personagens mais ambíguos, como a Mulher Gato, que eu, desde criança, sempre pensei que queria mais roubar o coração do Morcegão do que as joias dos museus. Pinguim, Coringa, Duas Caras, Charada, Erva Venenosa; quase todos tinham os rostos expostos ou meramente disfarçados por uma máscara que servia mais de adereço do que de disfarce. Diferentemente do Homem-Morcego, em seu pesado traje, que reflete as sombras de sua alma atormentada por uma infância interrompida por um crime absurdo e pelas sequelas de um vigilantismo que frequentemente o expõe às monstruosidades que pretende combater. Como dizia Nietzsche: quando contemplas o abismo, o abismo também te contempla. De tanto contemplar o abismo, o Morcego se torna, também ele, abissal.

Por isso é curioso que justamente esteja sendo considerado este último filme como a culminação de todos os filmes do herói com máscara de quiróptero: pois é justamente o filme no qual ele enfrenta outro que, como ele, tem o rosto oculto por trás de uma máscara. Uma máscara que é o oposto da sua: Batman oculta os olhos, para não ter que encarar de frente o abismo. Bane oculta a boca e se oferece à contemplação, ao mesmo tempo em que contempla, desafiadora e esfingicamente. Bane é um bandido que não tem nada a declarar, ao contrário de outros que muito diziam mas nada significavam, como o Charada, o Coringa ou o Pinguim. Representa a maior expressão da força bruta, descuidada da própria preservação. Sua máscara lhe mantém permanentemente sob o efeito de analgésicos e esteróides e drogas outras. Ele não quer acusar os golpes, porque se os sente talvez não golpeie com tanta força.

Poderia dizer que vejo em Bane uma metáfora para o terrorista suicida. Mas para isso eu teria de comparar a crença religiosa a uma máscara que injeta analgésicos o tempo todo pela goela abaixo de quem a põe. Vocês concordariam com isso? Não sei se eu mesmo concordo.


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