Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
08
Ago 12
publicado por José Geraldo, às 20:18link do post | comentar
Um breve levantamento histórico-cultural do vermelho (e da «ruividade») feito a pedido de uma amiga de cabelos encarnados.
As guirlandas e cachecóis vermelhos eram parte de costumes do casamento em muitas culturas. O vestido vermelho do casamento era moda em Nuremberg no séc. XVIII, mas esta tradição é desde as épocas romanas: As noivas romanas eram envolvidos em um véu vermelho impetuoso, o flammeum, para trazer amor e fertilidade. Os noivos gregos, albanianos e armênios ainda hoje usam véus vermelhos. Os nubentes chineses estão trajando vestimentas vermelhas para o casamento e são carregados durante a cerimônia numa maca vermelha. Os vizinhos trazem ovos vermelhos aos pares depois que uma criança é carregada.

A rosa vermelha é o símbolo do amor e da fidelidade. De acordo com a lenda grega as rosas vermelhas surgiram do sangue de Adonis que foi morto por um varrão selvagem em uma caça. Na mitologia grega a rosa era um símbolo para o ciclo do crescimento e da deterioração, mas também para o amor e a afinidade. A rosa vermelha era também dedicada a Afrodite, deusa grega do amor e à filha de Zeus e também a deusa romana Vênus. Por isso, ainda hoje, os casais de apaixonados se dão rosas vermelhas, que evocam afrodite, e não rosas brancas, que evocam Perséfone. Nenhuma namorada deseja a sorte de Perséfone, coitada. No Cristianismo a rosa vermelha é associada com a cruz e o derramamento de sangue (suplício).

Os israelitas, em épocas bíblicas, pintaram seus batentes com sangue vermelho para assustar demônios. Mais tarde os autores bíblicos associaram este hábito a algum ritual relacionado à fuga do Egito. O vermelho no Egito antigo era a cor do deserto e do deus destrutivo Seth que personificava o mal. Tanto assim que os egípcios desenvolveram várias fraseologias em torno do vermelho. «Fazer vermelho» era sinônimo de matar alguém; práticas demoníacas eram referidas como «negócios vermelhos». A salvação do mal era o objetivo do canto egípcio: Oh, Isis, salvai-me das mãos de todo o mal, demônio e coisas vermelhas!. Escribas egípcios usavam uma tinta vermelha especial para palavras malditas.

As qualidades boas e más são combinadas em Phoenix, o pássaro do fogo, um símbolo da imortalidade, mas também do sacrifício de si mesmo: a ave se consome dolorosamente em chamas para poder renascer rejuvenescida.

O cabelo da Virgem Maria era ruivo nas mais antigas pinturas e as vestes dos anjos eram vermelhas nas pinturas medievais. Somente mais tarde foram branqueadas. A conotação definitivamente positiva da cor vermelha originada com o caçador neolítico e continuou com os alemães antigos, começa mudar ao redor 1500 por influência bíblica.

O deus germânico Thor tinha o cabelo vermelho. Os animais vermelhos tais como o robin (não o parceiro do Batman, mas um passarinho de peito vermelho muito comum na Europa), a raposa e o esquilo eram criaturas sagradas de Thor. Os olhos de Wotan, deus germânico da caça (muitas vezes associado com Odin), eram descritos como de um vermelho chamejante. Com o advento do Cristianismo diminuiu o poder destes dois deuses germânicos. Foram transformados no diabo com seus cabelos e barbas vermelhos.

As mulheres de cabelo vermelho eram acusadas de serem bruxas e prostitutas e a papoula transformou-se numa flor do diabo.  A sexualidade foi associada também com o vermelho, e era demonizada. O cabelo da Virgem Maria ficou loiro por influência dos povos germânicos, em cujas línguas a mesma palavra que descreve a cor do cabelo louro claro também significa «bom, justo, honesto» etc. A Noruega teve um rei chamado Harald Harfagre («Haroldo Bom-Cabelo»). Quando um inglês quer dizer que uma pessoa é loura diz que ela tem «cabelo bom» (fair hair).


Os provérbios antigos discriminaram povos com cabelo vermelho ou barba vermelha. O hábito de escanhoar-se diariamente foi imposto entre os celtas para ocultar suas barbas ruivas. Tais preconceitos prevalecem ainda em algumas áreas rurais de Europa.

As deusas celtas são, em sua maioria, ruivas. O que não é de se espantar, dado o tipo étnico da região (norte da Inglaterra, Escócia e a Irlanda). Beltaine é reverenciada pelos longos e rubros cabelos. E esta é a deusa da procriação e fertilidade, tendo sua data festiva em maio. As Vésperas de maio são comemoradas com sacerdotisas ruivas e a cor vermelha se relaciona com a virilidade e coragem.

Beltaine foi sincretizada como Santa Brígida pela ICAR, mas a cor vermelha não é mais relacionada a ela e sim a São Jorge. Por quê? Porque a Senhora dos Exércitos, Andraste, é ruiva (não tanto quanto Beltaine) e ela é a deusa que oferece força e poder aos exércitos e os guia rumo à vitória. Claro que os misóginos cristãos não iriam querer associar lutas e guerras (atividades masculinas) a uma mulher. Andraste some e aparece Jorge da Capadócia, que sentou praça na cavalaria e séculos depois inspirou seu xará carioca a compor uma música muito boa.


Quando os Normandos (vindos da atual França, mas de etnia nórdica) começaram a adentrar a Inglaterra, a visão do vermelho começou a inspirar desconfiança e a coisa ficou preta para o lado de todo mundo. Vermelho era a cor predominante nos banners dos reis anglo-saxões e também nos pavilhões dos bretões celtas.

Entre nossos índios o vermelho, obtido do barro e da seiva de algumas plantas, como o pau-brasil, e de frutos, como o urucum, era pintura de guerra, simbolizava a prontidão para a morte.


Na heráldica o vermelho é uma cor característica da realeza mais antiga, de preferência daquela que herda seus títulos, por via direta ou indireta, do Império Romano (cuja cor oficial era o vermelho). Vermelha era a bandeira do Sacro Império Romano e também a do Império Bizantino. Boa parte dos estados europeus que ostentam faixas vermelhas horizontais (exceto a Áustria e a Polônia) evocam esta associação de forma oblíqua. Notavelmente isto se verifica nas bandeiras da Alemanha, da Rússia, da Holanda, da Croácia, da Sérvia, da Espanha, de Liechtenstein, de Luxemburgo e da Lituânia. No caso da Áustria, o vermelho evoca o martírio de um antepassado dos Habsburgos nas cruzadas. No caso da Polônia a origem é mais obscura e tem alguma coisa a ver com os brasões da Polônia e da Lituânia. Nas bandeiras tricolores verticais (como a francesa, a italiana, a belga e a romena) o vermelho significa a revolução, o levante do povo contra a opressão de uma elite (França, Bélgica, Itália) ou de forças estrangeiras (Romênia). Estas bandeiras foram adotadas no século XIX, muito antes que a Revolução Russa de 1917 consagrasse o vermelho como a cor da Revolução (com «R»).


Desde então o vermelho ganhou, especialmente na Europa e na América Latina, uma certa conotação esquerdista e rebelde. Da qual se aproveitaram os nazistas (com sua bandeira vermelha, que deu até nome ao jornal oficial do NSDAP) e outros, mas a fama do vermelho revolucionário alcança até mesmo a música popular brasileira, como nos versos de uma balada de Boi-Bumbá gravada nos anos 1990:

A côr do meu batuque
Tem o toque, tem o som
Da minha voz
Vermelho, vermelhaço
Vermelhusco, vermelhante
Vermelhão.

O velho comunista se aliançou
Ao rubro do rubor do meu amor
O brilho do meu canto tem o tom
E a expressão da minha côr
Vermelho!

Meu coração é vermelho
Hei! Hei! Hei!
De vermelho vive o coração
He Ho! He Ho!
Tudo é garantido
Após a rosa vermelhar
Tudo é garantido
Após o sol vermelhecer.

Vermelhou o curral
A ideologia do folclore
Avermelhou!
Vermelhou a paixão
O fogo de artifício
Da vitória vermelhou...(2x)

publicado por José Geraldo, às 00:40link do post | comentar | ver comentários (4)
Sempre tive reações indecisas diante de cada concurso literário de que ouvi falar em toda a minha vida. Uma das primeiras coisas que li a respeito de meu poeta favorito, Fernando Pessoa, foi que ele tirou o segundo lugar no único concurso de poesia de que participou em vida. Eu tinha meus dezesseis anos quando li isso numa biografia do Poeta. De lá para cá as notícias de concursos que dão errado não param de me perseguir, como a recente polêmica sob a premiação de Chico Buarque com (mais um) Jabuti, que acabou fazendo com que muitos autores e críticos relevantes botassem na imprensa o que, provavelmente, se diz na surdina: que os prêmios literários mais famosos servem mais para manter o interesse pelos autores consagrados (em um país onde a literatura concorre com peças de cultura pop válidas apenas por um verão) do que para identificar e estimular novos talentos.

Essa persistente percepção se aguça cada vez que leio o regulamento de um novo concurso, a ponto de eu já ter perdido qualquer interesse em participar de algum (porque participar envolve custos integralmente absorvidos pelo autor). Em geral, pelo que percebi, os concursos parecem dividir-se em quatro categorias:

  1. Os que não são concursos de fato, mas apenas pretexto para atrair autores que tenham dinheiro, mas não experiência, a publicarem por editoras que possuem muita experiência, algum dinheiro e nenhuma competência.
  2. Os que são obscuros demais para acrescentarem alguma coisa ao currículo do autor, fazendo-me pensar que se algum dia eu ficar famoso, os organizadores se promoverão dizendo que um dia me premiaram.
  3. Os que não estão interessados em identificar autores originais, mas autores capazes de cumprir as tarefas predeterminadas pelos objetivos comerciais da editora, como, por exemplo, produzir um conto com tantos mil caracteres sobre o tema fulano.
  4. Os que possuem regulamentos tão draconianos que explicitamente excluem a maioria dos autores que pretendem identificar e premiar.
Sobre os primeiros é melhor que não fale muito, e que sequer sugira nomes, embora os nomes sejam sussurrados nos fóruns da internet, porque não tenho dinheiro e nem disposição para enfrentar um processo por difamação. Especialmente porque alguns dos sussurros podem ser boatos movidos por interesses tão escusos quanto aqueles.

Sobre os segundos eu até poderia falar alguma coisa sem medo, mas sinceramente esses concursos são tão obscuros que eu precisaria gastar um bom tempo procurando informações sobre a sua existência a fim de poder tecer tais comentários. Mas se você conseguiu acompanhar a minha linha de raciocínio não precisa que eu dê exemplos.

Sobres os terceiros eu faço questão de falar, mesmo sabendo que perderei alguns amigos e fecharei algumas portas (mas fodam-se essas portas, pelas quais eu não quero entrar). Não citarei nomes (é verdade), mas as cabeças nas quais as carapuças servirem não ficaram felizes.

Sobre os últimos, por fim, é preciso que eu diga muita, mas muita coisa. Mas antes quero explicar esse negócio de «cumprir tarefas».

Acredito que a maioria das pessoas dotadas de talento literário teve problemas com seus professores de português e literatura. Millôr Fernandes orgulhava-se dizer que tirava notas horríveis em redação. Machado de Assis declarou-se um incompetente em língua portuguesa ao tentar ajudar um sobrinho a fazer os deveres escolares. Carlos Drummond de Andrade foi ridicularizado pela professora por ter escrito um conto fantástico (inspirado em Jules Verne), de forma não muito diferente do «Pink», personagem narrador da ópera rock The Wall, do Pink Floyd, que foi humilhado pelo mestre-escola por ter escrito um poema.

Não quero me ombrear com os autores famosos — no máximo com o Pink, que era um sujeito problemático e egocêntrico, com uma certa dificuldade com as mulheres e uma tendência a fazer péssimos poemas (rimando «jag-uar», «new car» e «ca-viar») — mas também já tive a minha cota de notas baixas em português e muita gente já ridicularizou o que escrevo. Se eu soubesse tocar guitarra ou liderasse meu próprio bando de skinheads, talvez eu atirasse em uma televisão, depilasse as sobrancelhas e enxergasse roedores nas paredes. Como o Pink, para você que não é fã de rock progressivo e não entenderia a piada.

O problema que as pessoas supostamente dotadas de «talento» têm com os professores de português é que, quando você acredita que está acometido desta condição literária você passa a ter o desejo de expressar-se, do seu jeito. Obviamente este desejo não combina com as tarefas que os alunos têm de cumprir para obter a nota. A redação que foi pedida era sobre «Como Viveríamos Sem Eletricidade», e não sobre o seu medo do escuro, filho. No meu caso eu digo com orgulho pueril que quase fui expulso da escola porque, para o dia da criança de 1984, ainda no ocaso da ditadura, eu entreguei à minha escandalizada professora de português, uma redação sobre controle populacional. Que era uma bosta, obviamente, como tudo que um aluno de 11 anos escreve, mas pelo menos tinha ousadia e originalidade. Inclusive por ter chamado a pílula pelo interessante eufemismo de «anticegonha».

Quando um escritor sai da escola, eu imagino, sente um bafejo de liberdade no ar. Não está mais obrigado a escrever respeitando limites de tamanho e ditames de assunto. Tanto quanto quem se forma em desenho não precisa mais usar papel quadriculado ou empregar o pantógrafo para calcular perspectivas. Finalmente vou escrever o que quero, do jeito que quero. Infelizmente o mundo não quer ninguém do jeito que cada um é, o mundo quer todo mundo devidamente harmonizado. Cada um no seu quadrado, uma música estúpida, mas que tangibilizou a ideologia conservadora de uma forma irrepreensível. Eis o que o mundo quer: Ado, a-ado, cada um no seu quadrado.

É que, depois de ter conquistado a maioridade e de ter a própria máquina de escrever (eu já celebrei isso, uma vez), você descobre que a sua liberdade de escolher o tema e determinar o tamanho é totalmente irrelevante porque o mundo não está procurando nada disso: o mundo tem um sapatinho de cristal e sai calçando por aí, se seu pé for do tamanho certo você sai do borralho e recebe seu grande prêmio. Para quem tem pés bonitos, mas do tamanho errado, o lugar continua sendo a cozinha.

Esses são os concursos que determinam tema e tamanho. Cada vez mais os seus editais se tornam específicos. Não basta que seja um conto do gênero «histórico», por exemplo, tem que ser histórico ambientado no interior do Espírito Santo na década de 1820. Não basta ser fantástico, tem que ser fantástico com um estilo prattchettiano, voltado para o tema dieselpunk e adaptado à realidade brasileira (ou búlgara, tanto faz, visto que nenhuma das referências culturais tem a ver com o ambiente onde tudo deve ser adaptado).

Não estou generalizando. Provavelmente o concurso promovido pela sua editora é diferente, não há necessidade de me processar. Eu estava me referindo apenas aos seus concorrentes, é claro.

O caso é que eu não tenho nenhum tesão para fazer composições de acordo com o tema «sugerido». Aliás, sugerido é o meu … de óculos: todas as vezes em que não optei por nenhuma das sugestões o meu texto foi rejeitado e tive que fazer outro. Só que, como não estou mais na escola e não tenho a necessidade de obter uma nota para passar de ano, não me importa se o meu texto não serve para a sua coletânea. Provavelmente sua coletânea não serve para mim também.

Mas chego, enfim (sim, sou prolixo e uso pontuação em excesso), ao assunto que me moveu a escrever esta diatribe: os famosos editais excludentes.

Imagino que as pessoas que escrevem tais editais imaginam que o Brasil seja a pátria da literatura e que exista um autor talentoso em cada quarteirão desse país, fora os que não são talentosos, mas sabem agradar o júri. E como existem tantos, é necessário que o edital, já de cara, se encarregue de inabilitar o maior número possível deles.

Há várias maneiras de se fazer isso. A mais comum é exigir o ineditismo. Dependendo do concurso, o ineditismo pode ser exigido para a obra apresentada ou até mesmo para o autor. A regra é clara:
Somente serão aceitas, no presente processo de seleção, obras literárias rigorosamente inéditas e que não tenham sido publicadas, mesmo parcialmente, de forma impressa ou virtual.
Não entendeu? Vou explicar.

Nesta nossa idade digital, em que todo autor obscuro que almeja alguma forma de divulgação pode encontrar leitores (ou até um editor) divulgando seus textos em redes sociais, fóruns ou blogues, os redatores deste edital ainda imaginam que exista o rigoroso ineditismo de uma obra literária. Qual autor escreve uma obra genial, digna de receber um prêmio relevante, e a mantém rigorosamente inédita, sepultada em uma gaveta, esperando um concurso?

Trata-se de uma regra tão absurda que me vejo forçado a imaginar que a) serão apresentadas, e eventualmente premiadas, obras não rigorosamente inéditas ou b) alguém, já predeterminado para ganhar, possui uma das raríssimas obras rigorosamente inéditas. A primeira hipótese é bastante plausível, especialmente se a obra em questão foi postada apenas em fóruns privados (não indexados pelas ferramentas de busca) ou redes sociais, ou publicada em revistas impressas de baixa tiragem e nenhuma relevância. A segunda hipótese é acintosa, mas eu nunca me esqueço de que vivo no Brasil.

Sobre a segunda hipótese, há que se ter em conta que a exigência de rigoroso ineditismo, obviamente, impede que alguém questione a decisão do júri. Seja qual for a escolha dos jurados, ninguém poderá argumentar que outra obra merecia mais o prêmio. Os editais de concursos literários aprenderam com os festivais musicais — e com o fiasco do concurso português que preteriu Fernando Pessoa. Hoje em dia o poeta não ganharia e talvez nem tivesse como provar que participou.

É por causa do rigoroso ineditismo que eu não posso participar de nenhum concurso literário. Ou pelo menos não me dou ao trabalho de fazê-lo para gastar dinheiro cumprindo as exigências e depois ser desclassificado sem nenhum aviso sequer (porque os concursos literários só dão satisfação aos premiados e você, que se inscreve, na maioria das vezes nem recebe uma confirmação de que sua inscrição foi aceita). Mas tem mais. Existem outras formas de excluir autores que não devem ganhar.

Uma delas é impor ao candidato uma peregrinação para inscrever o seu trabalho. Apesar de todo o avanço das comunicações, da confiabilidade do correio e da existência da internet, nada mais apropriado do que fazer um concurso aberto à participação de qualquer cidadão brasileiro, mas obrigá-lo a comparecer, em horário comercial, em algum escritório qualquer da cidade onde o concurso é sediado, para entregar pessoalmente sua obra.

Outra é determinar regras explícitas para a formatação do original. Claro que eu imagino que pessoas que terão de ler dezenas de livros de autores desconhecidos não ficarão felizes de lê-los impressos em cores, com fonte Comic Sans ou em formato de papel não padronizado. Mas há concursos que chegam às raias do absurdo no detalhismo, determinando a tipologia, o tamanho da fonte, as margens da área impressa, a localização da numeração de página, o espaçamento entre linhas, etc. Poderiam simplesmente solicitar o arquivo em formato digital e determinar o tamanho por uma simples contagem de palavras e caracteres. Mas dão-me a impressão de que algum estafeta, em alguma escrivaninha abarrotada, estará contando linhas e palavras com uma régua.

A tudo isto se junta a lenta constatação, compartilhada com a amiga Ilka Canavarro, de que a partir de uma certa idade as pessoas não se interessam mais pelo que nós temos a dizer, a não ser que tenhamos ficado ricos ou famosos. Algo que o Ronaldo Roque também já havia detectado.

Então, se já sei que não serei aceito nem premiado, se já sei que não estão mais interessados em um Novo Escritor que fez 39 anos, se já sei que ridículo ficar buscando a aprovação de um mundo que objetivamente já me rejeitou como autor; por que me desgastar formatando originais para concursos cujos editais parecem talhados para justamente excluir não a mim, pessoalmente, mas o tipo de pessoa que eu sou, no mundo de hoje?

Ah, me poupem de formatar meu romance de forma aceitável. Quer dizer que eu não tenho o direito de pegar um conto meu e expandir para um romance, pois isso não se enquadra no rigoroso ineditismo que o concurso exige? Para que vou me preocupar em viajar trezentos quilômetros para perder horas em uma fila, a fim de poder «protocolar» meu humilde edital, nas mãos de um/a recepcionista que não escreve? Provavelmente ele/a estará se sentindo incomodado/a com o volume inesperado de trabalho e o peso de tanto livro (para que esse pessoal escreve livro tão grosso, meu Deus?).

É muita humilhação para um autor amador, que realmente ama o que faz. É muita exigência para um assalariado que ousa escrever (isso não é coisa de trabalhador, quem tem que escrever sobre o povo é o rico que se interesse pelo tema). É muito obstáculo para quem divulga seu trabalho em busca de atenção, contatos e reconhecimento em vez de pedantemente pô-lo na gaveta à espera de um concurso. Isto é coisa de gente que vê a literatura como um ornamento na biografia, não como um objetivo pessoal.


Então, mais uma vez, declino de participar. Não que me julgue «acima» de concursos. Na verdade gostaria muito de estar neles. Mas julgo inútil tentar, visto que nos próprios editais estão estabelecidas condições que me excluem, de forma que eu só poderia participar mentindo (e expondo-me à humilhação de ser achado na mentira) ou submetendo obras feitas por encomenda. Só que não se encomenda, em trinta dias, oitenta páginas de prosa digna de ganhar um concurso.

Não fico, porém, prejudicado. Nunca tive grandes ambições com a literatura. Escrevo porque gosto e, embora goste da ideia de um dia fazer sucesso, não me sinto diminuído por não ganhar concursos. Fernando Pessoa nunca ganhou um.

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Ótima informação, recentemente usei uma charge e p...
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