Você não ouviu falar de Christopher Schewe. Dificilmente terá ouvido falar de “shoenice22” — seu nome de usuário no YouTube. Não perde grande coisa, mas a vida e as apresentações deste assim chamado “comediante” da internet podem servir de base para algumas reflexões interessantes sobre quão doentia é a psique coletiva da humanidade.
Sim, você que é bem informado provavelmente já tivera o primeiro vislumbre do real valor do ser humano ao saber que aproximadamente 55% de todo o tráfego da internet se refere a pornografia. Recentemente tomei conhecimento de informações mais precisas sobre o chamado “lado negro da web“, ou “Deep Web“, que corresponde a mais de 90% do conteúdo da internet, e é o domínio de toda espécie de seres ditos “humanos” (entre aspas) que nem deveriam ter o direito de estar vivos: traficantes de drogas, assassinos de aluguel, pedófilos, estupradores, traficantes de escravos, pervertidos sexuais, canibais etc.
Todas estas coisas existem porque há um público. Só quem pregou no deserto foi João Batista.
Mesmo na internet “normal” existem coisas que não parecem normais, que evocam o lado negro, ou simplesmente a filhadaputice encarcerada dentro de cada cavalheiro ou dama. E não é preciso procurar muito, porque parece que estamos chegando a uma “geléia geral” difusa, sem fronteiras entre o aceitável e o escroto.
Houve um tempo em que o povo não tinha nenhum controle sobre a programação do rádio ou da televisão que assistia. As pessoas, sensatamente, sabiam que tudo aquilo era uma idealização da realidade — que, muitas vezes, recebiam a informação filtrada por olhos e mentes que haviam visto e pensado primeiro. Como dizia Raul Seixas: “Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz”. Sempre havia um tolo que acreditava na novela, mas era do tipo que a gente ria.
O povo, porém, consumia sem entusiasmo este feno pasteurizado que era produzido pelos meios de comunicação de massa. No fundo, as pessoas ansiavam por ver coisas mais viscerais. Lembro do entusiasmo com que meus coleguinhas de escola falavam dos golpes de “tele-catch” ou de filmes de terror como “Sexta Feira 13”, “A Hora do Espanto” e “Halloween”. Acredito até que foi o sucesso estrondoso deste último filme que impulsionou a popularidade das festinhas promovidas pelos cursinhos de inglês, que, enventualmente, sairam de lá e cairam no gosto do povo, como uma espécie de carnaval gótico fora de época.
No fundo sentíamos saudades dos monstros de circo e dos espetáculos extremos. Em séculos passados era possível ir à feira no domingo e ver uma bruxa sendo queimada ou um criminoso sendo estripado na praça. O populacho adorava estas cenas de sangue, nisso filmes históricos hiperviolentos, como “Coração Valente” não se enganaram.
Esse impulso inspirou Kafka a escrever uma de suas mais brilhantes histórias, “O Artista da Fome”, sobre um pobre diabo que atrai a atenção do público jejuando, possivelmente por dinheiro ou talvez por migalhas de atenção apenas. As pessoas querem vê-lo passar tempos cada vez maiores sem comer, trancado em sua jaula, como um miserável animal.
A Internet já nos brindou com algumas figuras tão melancólicas quanto o Artista da Fome, mas nenhuma tão semelhante a ele quanto “shoenice22”. Ele é o legítimo palhaço triste, em toda sua inglória. Com pouco mais de quarenta anos de idade, divorciado, pai de duas filhas, veterano da Guerra do Golfo, filho de hippies fumadores de maconha e concebido e criado num trailer sujo (suas próprias palavras, em um de seus primeiros vídeos). Seu rosto sempre crispado por uma agonia que pode ser física ou não, Christopher propõe e aceita desafios de seus “fãs” pelo mundo. Desafios que consistem em comer ou beber coisas que não deviam ser comidas ou bebidas, ou então comer ou beber coisas de uma maneira inatural e socialmente inaceitável.
Enquanto o francês Michel Lotito comia coisas (quase sempre de metal) cortadas em pequenos pedaços, ao longo de um grande espaço de tempo (levou dois anos para comer um monomotor Cessna 150), Christopher “ShoeNice” Schewe come coisas que possa cortar com os próprios dentes e engolir de forma rápida, filmadas em vídeos sem interrupção, que posta no YouTube com o subtítulo de “funniest man alive”. Mas não é engraçado.
Schewe já comeu uma barra de desodorante sólido, um rolo de papel higiênico, um cheeseburguer com plástico e tudo. Já bebeu vodca, absinto, álcool líquido e tequila. Já bebeu fluido de isqueiro e água de narguilé.
Eu deveria estar tecendo muitas considerações sobre ele, mas é tarde e meu cérebro já desligou. Continuo na quinta feira, amanhã.
Sim, você que é bem informado provavelmente já tivera o primeiro vislumbre do real valor do ser humano ao saber que aproximadamente 55% de todo o tráfego da internet se refere a pornografia. Recentemente tomei conhecimento de informações mais precisas sobre o chamado “lado negro da web“, ou “Deep Web“, que corresponde a mais de 90% do conteúdo da internet, e é o domínio de toda espécie de seres ditos “humanos” (entre aspas) que nem deveriam ter o direito de estar vivos: traficantes de drogas, assassinos de aluguel, pedófilos, estupradores, traficantes de escravos, pervertidos sexuais, canibais etc.
Todas estas coisas existem porque há um público. Só quem pregou no deserto foi João Batista.
Mesmo na internet “normal” existem coisas que não parecem normais, que evocam o lado negro, ou simplesmente a filhadaputice encarcerada dentro de cada cavalheiro ou dama. E não é preciso procurar muito, porque parece que estamos chegando a uma “geléia geral” difusa, sem fronteiras entre o aceitável e o escroto.
Houve um tempo em que o povo não tinha nenhum controle sobre a programação do rádio ou da televisão que assistia. As pessoas, sensatamente, sabiam que tudo aquilo era uma idealização da realidade — que, muitas vezes, recebiam a informação filtrada por olhos e mentes que haviam visto e pensado primeiro. Como dizia Raul Seixas: “Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz”. Sempre havia um tolo que acreditava na novela, mas era do tipo que a gente ria.
O povo, porém, consumia sem entusiasmo este feno pasteurizado que era produzido pelos meios de comunicação de massa. No fundo, as pessoas ansiavam por ver coisas mais viscerais. Lembro do entusiasmo com que meus coleguinhas de escola falavam dos golpes de “tele-catch” ou de filmes de terror como “Sexta Feira 13”, “A Hora do Espanto” e “Halloween”. Acredito até que foi o sucesso estrondoso deste último filme que impulsionou a popularidade das festinhas promovidas pelos cursinhos de inglês, que, enventualmente, sairam de lá e cairam no gosto do povo, como uma espécie de carnaval gótico fora de época.
No fundo sentíamos saudades dos monstros de circo e dos espetáculos extremos. Em séculos passados era possível ir à feira no domingo e ver uma bruxa sendo queimada ou um criminoso sendo estripado na praça. O populacho adorava estas cenas de sangue, nisso filmes históricos hiperviolentos, como “Coração Valente” não se enganaram.
Esse impulso inspirou Kafka a escrever uma de suas mais brilhantes histórias, “O Artista da Fome”, sobre um pobre diabo que atrai a atenção do público jejuando, possivelmente por dinheiro ou talvez por migalhas de atenção apenas. As pessoas querem vê-lo passar tempos cada vez maiores sem comer, trancado em sua jaula, como um miserável animal.
A Internet já nos brindou com algumas figuras tão melancólicas quanto o Artista da Fome, mas nenhuma tão semelhante a ele quanto “shoenice22”. Ele é o legítimo palhaço triste, em toda sua inglória. Com pouco mais de quarenta anos de idade, divorciado, pai de duas filhas, veterano da Guerra do Golfo, filho de hippies fumadores de maconha e concebido e criado num trailer sujo (suas próprias palavras, em um de seus primeiros vídeos). Seu rosto sempre crispado por uma agonia que pode ser física ou não, Christopher propõe e aceita desafios de seus “fãs” pelo mundo. Desafios que consistem em comer ou beber coisas que não deviam ser comidas ou bebidas, ou então comer ou beber coisas de uma maneira inatural e socialmente inaceitável.
Enquanto o francês Michel Lotito comia coisas (quase sempre de metal) cortadas em pequenos pedaços, ao longo de um grande espaço de tempo (levou dois anos para comer um monomotor Cessna 150), Christopher “ShoeNice” Schewe come coisas que possa cortar com os próprios dentes e engolir de forma rápida, filmadas em vídeos sem interrupção, que posta no YouTube com o subtítulo de “funniest man alive”. Mas não é engraçado.
Schewe já comeu uma barra de desodorante sólido, um rolo de papel higiênico, um cheeseburguer com plástico e tudo. Já bebeu vodca, absinto, álcool líquido e tequila. Já bebeu fluido de isqueiro e água de narguilé.
Eu deveria estar tecendo muitas considerações sobre ele, mas é tarde e meu cérebro já desligou. Continuo na quinta feira, amanhã.