Recuando mais no tempo, nos porões do site do André Dahmer, eis esta preciosidade, digna de comentários indizíveis. Quantos de nós não nos sentimos assim, às vezes?
O clima de cordialidade não disfarça um fato: os personagens desta tirinha não são felizes. Tanto “Romano” como seu colega são esvaziados (“descarnados”, na verdade) pela dedicação extrema a realizações que não são de seus projetos pessoais. É fácil imaginar porque eles se sentem assim: a falta de sentido é um mal que acomete a muitas pessoas no mundo de hoje, pessoas que não encontram uma razão para olhar-se no espelho e ver-se como indivíduos perfeitos e livres, dotados de uma missão. Eis o problema dos pobres esqueletos desta tirinha: eles vivem para o trabalho, somente para o trabalho.
No ônibus, o personagem da primeira tirinha encontra um homem que exibe orgulhosamente o próprio filho, dizendo “já trabalha comigo”. A criança, desde cedo, se acostuma a uma vida sem sentido, uma vida apenas de trabalho. All work and no play makes Jack a dull boy. Esta situação, porém, não causa aversão, mas orgulho. Tanto assim que, no quadrinho final, o homem exausto que deixou a repartição na sexta-feira “morto de trabalhar”, um pouco antes de desfalecer em seu caixão, à luz da lua, recomenda ao filho que ele “arrume um estágio logo”. O estágio, rito de passagem, é uma espécie de circuncisão mental a que todos são obrigados. Trabalhando desde cedo o garoto não terá tempo para desenvolver fantasias, tornar-se-á “seco”, “descarnado”, “morto de trabalhar”.
Este não é um quadrinho que exige muita reflexão, não há aqui muita filosofia. Apenas muita amargura e realismo, ainda que apresentado sob a capa do fantástico, esta licença poética que nos permite penetrar mais profundamente na realidade.