Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
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Mai 11
publicado por José Geraldo, às 09:00link do post | comentar
Este texto é parte do romance “A Casa no Fim do Mundo”, de William Hope Hodgson (1907), que estou traduzindo em capítulos semanais. Visite o Índice para lê-los em sequência.

Fiquei algum tempo analisando como faria para reforçar a porta do escritório. Por fim desci à cozinha e com algum trabalho subi com algumas toras de madeira, bem pesadas. Eu as ancorei contra a porta, inclinadas, pregando em cima e embaixo. Por meia hora eu trabalhei duro até ficar mais tranquilo.

Então, sentindo-me mais calmo, vesti meu casaco, que tinha ficado de lado, e passei a resolver um ou dois assuntos antes de voltar à torre. Estava ocupado em alguma coisa quando ouvi apalparem a porta, depois a tranca foi experimentada. Mantendo-me em silêncio eu esperei. Logo ouvi diversas criaturas do lado de fora. Grunhiam entre si, suavemente. Então, por um minuto houve silêncio. De repente soou um grunhido baixo e rápido e a porta rangeu debaixo de uma pressão tremenda. Ela teria se partido se não fossem os apoios que eu lhe colocara. A força cessou, tão rápido como começara, e voltaram a conversar.

Então uma Coisa deu um guincho, suavemente, e ouvi o som de outras aproximarem-se. Houve uma breve confabulação e então, o silêncio. Notei então que elas tinham chamado muito mais para ajudar. Vendo que aquele era o momento supremo, fiquei preparado, com meu rifle apontado. Se a porta cedesse, poderia pelo menos matar quantas fosse possível.

Outra vez ouvi o sinal baixo, e outra vez a porta rangeu sob força enorme. Por um minuto, talvez, a pressão foi aplicada e esperei, nervosamente, que a porta viesse abaixo com um estrondo. Mas não, as escoras resistiram e a tentativa se mostrou abortiva. Então seguiu-se mais daquela conversa horrível e grunhida, e enquanto se desenvolvia, pensei ter discernido ruído de recém-chegadas.

Depois de uma longa discussão, durante a qual aquela porta foi várias vezes forçada, elas ficaram quietas de novo e eu sabia que estavam por fazer uma terceira tentativa de arrombar. Eu estava quase em desespero. As escoras tinham sido severamente testadas nos dois ataques de antes e eu me sentia muito receoso de que a terceira vez podia ser demais para elas.

Naquele instante, como uma inspiração, uma ideia passou pelo meu cérebro perturbado. Imediatamente, já que não havia tempo para hesitar, eu saí correndo do quarto e subi escadas e mais escadas. Daquela vez não fui para uma das torres, mas para o telhado. Uma vez lá, eu corri até o parapeito que o cerca e olhei para baixo. Ao fazê-lo, ouvi o sinal curto, grunhido, e mesmo lá de cima eu ouvi a porta ranger com o assalto.

Não havia um momento a perder e eu me debrucei, mirei rápido e disparei. O estampido passou cortando e quase junto subiu o estalo da bala atingindo seu alvo. Veio de baixo um lamento estridente e a dor parou seu ranger. Então, quando eu aliviei meu peso do parapeito, uma enorme peça da cornija de pedra escorregou debaixo de mim e caiu com estrondo entre a turba desorganizada embaixo. Uma série de horríveis berros vibrou através do ar noturno e eu então ouvi o som de patas em fuga. Cautelosamente olhei por cima do parapeito. À luz da lua deu para ver a grande pedra da cornija caída bem diante do degrau da porta. Pensei ter visto também algo sob ela — várias coisas brancas, só que não tenho muita certeza.

Então alguns minutos se passaram.

Enquanto olhava, percebi algo que retornava de dentro das sombras da casa. Era uma das Coisas. Ela veio até a pedra, silenciosamente e se ajoelhou. Eu não pude ver o que ela fazia. Em um instante ela ficou de pé e tinha algo em suas garras, que levou à boca e mordeu…

No princípio eu não entendi. Então, lentamente eu compreendi. A Coisa estava se abaixando de novo. Era horrível. Comecei a carregar o meu rifle. Quando eu olhei outra vez, o monstro estava empurrando a pedra, movendo-a para um lado. Apoiei o rifle na cornija e puxei o gatilho. O bruto caiu, de focinho para baixo, e esticou ligeiramente.

Simultaneamente, quase, com o estampido, ouvi outro som, de vidro quebrando. Esperando apenas para recarregar minha arma, saí do telhado e desci os primeiros dois lances de degraus.

Lá parei para ouvir. E ao fazê-lo, veio outro tinido de vidro caído. Pareceu vir do andar de baixo. Excitadamente eu corri pelas escadas abaixo e guiado pelos ruídos dos caixilhos, cheguei à porta de um dos quartos de dormir desocupados, nos fundos da casa. Empurrei-a para trás. O quarto estava só levemente iluminado pelo luar: a maior parte da luz era bloqueada por um monte de figuras que se moviam fora da janela. Nem bem eu cheguei e uma esgueirou-se quarto adentro. Nivelando a arma atirei à queima roupa, preenchendo o quarto com um estrondo ensurdecedor. Quando a fumaça clareou, percebi que o quarto estava vazio e janela, livre. Estava bem mais claro e o ar da noite soprava frio através dos painéis quebrados. Abaixo podia ouvir dentro da noite um ganido suave e o murmúrio de vozes suínas.

Pondo-me de lado da janela, recarreguei e fiquei ali esperando. Então ouvi barulho de briga. De onde eu estava, nas sombras, eu podia ver sem ser visto.

Os ruídos se aproximaram e logo vi algo aparecer em cima do parapeito e agarrar a armação quebrada da janela. Aquilo se agarrou a um pedaço de madeira e pude ver que era uma mão e um braço. Um instante depois e o rosto de uma das Criaturas suínas apareceu à vista. Então, antes que eu pudesse usar o meu rifle, ou fazer qualquer coisa, ouviu-se um estalo alto e a armação da janela cedeu sob o peso da Coisa. No momento seguinte um baque surdo e um grito alto me contaram que ela tinha caído pelo chão. Na esperança selvagem de que tivesse morrido eu cheguei à janela. A lua tinha se escondido atrás de nuvens, de forma que não deu para divisar nada, porém, o incessante zumbido de falatório, bem abaixo de onde estava, indicava que havia vários outros dos brutos por perto.

Enquanto estava ali olhando para baixo, intriguei-me que as criaturas tivessem conseguido subir tão alto, porque as paredes são comparativamente lisas e a distância até o chão seri de uns vinte e cinco metros.

De repente, então, enquanto espiava, notei algo indistinto que cortava a lisa sombra cinzenta do lado da casa, como uma linha escura, que passava a janela à esquerda, a uma distância de meio metro. Então me lembrei da calha que eu mesmo tinha mandado pôr lá anos antes, para escorrer a água da chuva. Tinha esquecido aquilo. Pude então entender como as criaturas tinham podido alcançar a janela. Nem bem a solução tinha chegado até mim, ouvi um ruído baixo de deslizamento ou arranhamento e soube que outro dos brutos estava subindo. Eu esperei algum tempo e então me debrucei da janela e testei o cano. Para a minha alegria ele estava bastante solto e eu consegui, usando meu rifle como alavanca, arrancá-lo da parede. Trabalhei rápido. Então, segurando-o com ambas as mãos, livrei-me do problema de uma vez por todas, atirando-o lá para baixo, com a Coisa ainda agarrada nele.

Por uns minutos a mais fiquei ali esperando e ouvindo, mas depois da primeira gritaria geral não ouvi mais nada. Eu sabia que não havia mais motivo para temer um ataque daquela direção. Eu tinha removido a única maneira de alcançarem a janela e como nenhuma outra possuía canos próximos para tentar as habilidades de escaladores de alguns dos monstros, eu comecei a ficar mais confiante de que poderia escapar de suas garras.

Deixando o quarto, eu segui até o escritório. Eu estava ansioso para saber como a porta resistira o teste do último ataque. Entrando lá, logo acendi duas velas e me voltei para a porta. Uma das grandes escoras tinha sido deslocada e, daquele lado, a porta tinha sido forçada para dentro por uns quinze centímetros.

Tinha sido providencial eu conseguir espantar os brutos bem no momento em que conseguira! E aquela peça da cornija! Mal podia, vagamente, imaginar como a deslocara. Eu não a tinha notado solta quando dera o tiro e então, quando me levantei ela escorregou debaixo de mim… Eu sentia que devia o fracasso da força de ataque mais à sua queda do que ao meu rifle. Então me veio o pensamento de que deveria aproveitar aquela chance e reforçar a porta de novo. Era evidente que as criaturas não tinham retornado desde a queda da cornija, mas quem diria quanto tempo elas ficariam afastada?

Então me dediquei a reparar a porta, trabalhando dura e bem ansiosamente. Primeiro fui ao porão e procurando por lá dei com alguns pedaços de tábuas de carvalho. Com eles retornei ao escritório, removi as escoras e apoiei as tábuas de pé, contra a porta. Então preguei as cabeças das escoras nelas, e enfiando firme contra o chão, preguei-as também ali.

Assim, fiz a porta mais forte do que nunca, solidificada pelo apoio das tábuas e poderia, tinha certeza, suportar pressão mais pesada que a de antes sem ceder.

Depois disso eu acendi a lâmpada que tinha trazido da cozinha e fui dar uma olhada nas janelas baixas. Tendo visto uma amostra da força que as criaturas possuíam, sentia-me consideravelmente mais ansioso quanto às janelas do andar térreo — apesar do fato de elas serem tão firmemente gradeadas.

Primeiro fui à despensa, ainda com a lembrança viva de minha recente aventura lá. O lugar estava gelado, e o vento, soprando com força através do vidro quebrado, produzia uma nota lúgubre. A não ser pela aparência geral de abandono, o lugar estava como o deixara mais cedo. Indo à janela eu examinei a grade e pude notar, como dizia, a sua confortável grossura. Mesmo assim, ao olhar com mais cuidado e, tive a impressão de que a barra do meio estava ligeiramente torta, mas era um pouco só e ela poderia ter estado daquele jeito há anos. Eu nunca tinha prestado atenção nelas antes.

Eu passei a minha mão pela janela quebrada e forcei a barra. Estava firme como uma rocha. Talvez as criaturas tivessem tentado arrancá-la, e vendo que era mais forte do que tinham imaginado, pararam com o esforço. Depois disso eu rondei cada uma das janelas, examinando-as com cuidadosa atenção, mas em lugar algum deu para notar qualquer tipo de alteração. Dando por terminada minha inspeção, voltei ao escritório para tomar um pouco de conhaque e depois subi à torre para vigiar.


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