Assim estava eu, e apenas a memória de ter vivido além da escuridão, certa vez, servia para sustentar os meus pensamentos. Um tempo grande se passou — eras. E então uma estrela solitária rompeu seu lugar no escuro. Era o primeiro de um dos aglomerados marginais deste nosso universo. Naquele momento ele ainda estava longe, e ao meu redor brilhava o esplendor de incontáveis astros. Depois do que pareceram ser anos eu vi o sol, uma gota flamejante. Ao redor dele eu divisei vários remotos pontos de luz, os planetas do Sistema Solar. E eu vi a Terra outra vez, azul e inacreditavelmente pequena. Ela foi crescendo e se tornando definida.
Um longo espaço de tempo veio e passou, e então por fim eu entrei na sombra de nosso mundo, mergulhando de cabeça para baixo na querida e nublada Terra noturna. Acima de mim estavam as velhas constelações, e havia uma lua crescente. Então, ao me aproximar da superfície da Terra, uma opacidade me atingiu e eu pareci afundar em um nevoeiro negro.
Por um momento eu não soube de nada. Eu estava inconsciente. Gradualmente eu comecei a ter noção de um suave e distante lamento. Ele se tornou mais audível. Um sentimento desesperado de agonia me atingiu. Eu lutei loucamente para respirar e tentei gritar. Um momento depois eu tinha a respiração mais fácil e tinha a consciência de que havia alguma coisa lambendo a minha mão. Alguma coisa úmida varria a minha face. Eu ouvi um manquitolar e então outra vez o lamento. Ele parecia chegar aos meus ouvidos, então, com uma sensação de familiaridade, e eu abri os meus olhos. Tudo estava escuro, mas o sentimento de opressão tinha me deixado. Eu estava sentado e alguma coisa estava chorando lamentosamente e me lambendo. Eu me senti estranhamente confuso e instintivamente tentei afastar a coisa que me lambia. Minha cabeça estava curiosamente vazia e por um momento eu pareci incapaz de agir ou pensar. Então as coisas voltara à minha mente e eu chamei “Pimenta” bem baixinho. Fui respondido por um latido alegre e uma renovada onda de carinhos.
Em um instante me senti mais forte e levei as mãos aos fósforos. Tateei sobre a mesa por um momento, cegamente, então os meus dedos os acharam e eu risquei um e olhei confusamente em volta. Ao meu redor eu vi as coisas antigas e familiares. E ali fiquei sentado, cheio de maravilhas entorpecedoras, até que a chama do fósforo queimou meus dedos e eu o deixei cair, com uma expressão apressada de dor e ira escapando de meus lábios, assustando-me com o som de minha própria voz.
Depois de um momento eu risquei outro fósforo e me arrastei pelo cômodo para acender as velas. Ao fazê-lo eu notei que elas não tinham queimado até o fim, mas tinham sido apagadas. Quando as chamas subiram eu me virei e olhei ao redor do escritório, mas não havia nada incomum para ver, o que, subitamente, me causou um jorro de irritação. O que tinha acontecido? Eu segurei a minha cabeça com as mãos e tentei lembrar. Ah! A grande e silenciosa Planície, o sol de fogo vermelho em formato de anel. Onde estavam eles? Onde os havia visto? Há quanto tempo? Eu me sentia atordoado e confuso. Uma vez ou duas eu percorri o cômodo, instavelmente. Minha memória parecia desbotada e as coisas que eu tinha visto retornavam-me a custo. Eu me lembro de ter xingado muito e freneticamente em meu espanto. De repente eu tonteei e perdi o equilíbrio, tendo de me agarrar à mesa para não cair. Durante alguns minutos eu fiquei ali me segurando, fraco, e então consegui mancar até uma cadeira. Depois de algum tempo eu me senti um pouco melhor e consegui alcançar o armário onde eu costumava deixar conhaque e biscoitos. Servi-me de um pouco do estimulante e bebi tudo. Então, trazendo uma mancheia de biscoitos, voltei à minha poltrona e comecei a devorá-los esfomeadamente. Fiquei vagamente surpreso pela minha fome. Parecia que eu não tinha comido nada por um tempo incontável.
Enquanto comia, meu olhar percorreu o cômodo, preocupado com os menores detalhes, e ainda procurando, mesmo inconscientemente, algo tangível a que apegar-se, entre os mistérios invisíveis que me haviam envolvido. “Certamente”, pensei, “deve haver alguma coisa”. E então, na mesma hora, meus olhos repousaram sobre o mostrador do relógio no canto oposto. Naquele momento eu parei de comer e fiquei apenas olhando. Porque embora as suas batidas indicassem com quase toda certeza que ele ainda estava funcionando, os ponteiros marcavam um pouco antes de meia-noite, que era onde estavam, como eu me lembrava com certeza, bem antes de quando eu começara a ver as coisas estranhas acontecendo e que acabei de descrever. Por talvez um instante eu fiquei assustado e confuso. Se a hora tivesse sido a mesma de quando eu vira o relógio da vez anterior, eu teria concluído que os ponteiros tinham agarrado enquanto o mecanismo interno ainda funcionava, mas isso não explicava como os ponteiros teriam voltado para trás. Então, enquanto eu ainda analisava o assunto em meu cérebro cansado, passou-me o pensamento de que poderia ser quase a manhã do dia vinte e dois e que eu deveria ter estado inconsciente do mundo visível durante a maior parte das vinte e quatro horas anteriores. Esta ideia ocupou a minha atenção por um minuto inteiro, então eu comecei a comer de novo. Ainda tinha muita fome.
Durante o desjejum, pela manhã, perguntei à minha irmã pela data e descobri que meu raciocínio estava correto. Eu tinha, mesmo, ficado ausente — pelo menos em espírito — por quase um dia e uma noite.
Minha irmã não me fez perguntas, porque não era raro que eu ficasse em meu escritório durante todo o dia, ou mesmo dois dias de uma vez, sempre que me distraía com algum livro particularmente grosso e interessante ou com algum trabalho.
E assim os dias passam e eu ainda me sinto cheio de espanto de saber o sentido de tudo que vi naquela memorável noite. Mas eu acho que minha curiosidade dificilmente será satisfeita.