Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
21
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 11:05link do post | comentar | ver comentários (1)
Bem, sacode o negócio agora, menina (sacode o negócio)
Rebola e dá um gritinho (rebola e dá um gritinho)
Vem, vem, vem, vem cá, menina (vem cá, menina)
Vem cá fazer a coisa se mexer (fazer a coisa se mexer)
Bem, fazer a coisa se mexer (fazer a coisa se mexer)
Você sabe que você é muito boa (é muito boa)
Você sabe que você me bota para andar (me bota para andar)
Do jeito que eu sabia que andaria (eu sabia que andaria)

Bem, sacode o negócio agora, menina (sacode o negócio)
Rebola e dá um gritinho (rebola e dá um gritinho)
Vem, vem, vem, vem cá, menina (vem cá, menina)
Vem cá fazer a coisa se mexer (fazer a coisa se mexer)
Você sabe rebolar, novinha (rebolar, novinha)
Você sabe rebolar tão direitinho (rebolar tão direitinho)
Vem cá rebolar mais pertinho (rebolar mais pertinho)
E me deixa saber que você é minha (saber que você é minha))
Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

Desafio trollagem da semana. Quem compôs esse funk proibidão aí e quem gravou a versão mais famosa. Quem adivinhar ganha um exemplar do e-book "A Casa no Limiar".

18
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 11:00link do post | comentar
Semana de Carnaval animada e acabo de tomar conhecimento da mais nova travessura do blogue LitFanBR, que costuma esculachar o mercado literário brasileiro, especialmente o voltado para a chamada «Literatura Fantástica» — esse termo genérico para toda obra que inclua coisas que não existem, sejam elas sobrenaturais ou não. Alguém, com o pseudônimo de Super Choque (imediatamente me veio à cabeça a imagem de um nerd negão com óculos de fundo de garrafa e uma fascinação por uniformes) publicou lá um texto que me evocou quatro opiniões que se parecem bastante com as minhas.

À parte o que é opinião exclusiva do anônimo autor, o texto me fez chegar a quatro conclusões com as quais ele talvez concordasse.
  1. A literatura brasileira precisa de mais profissionais.
  2. Autores e editores amadores se desgraçam mutuamente.
  3. É preciso respeitar mais os autores amadores.
  4. Essa situação se deve ao tamanho pequeno de nosso mercado e à colonização cultural, que restringe ainda mais o público leitor.

A Literatura Brasileira Precisa de Mais Profissionais

Venhamos e convenhamos, não existe nenhum glamour em ser amador. Embora eu já tenha dito, em outra ocasião,  que via o amadorismo como uma espécie de liberdade (citando até Clarice Lispector), de fato eu acho que me enganei. O Super Choque disse algo realmente chocante e que me fez reavaliar meus conceitos:
[…] no Brasil são muito raros os autores profissionais, aqueles que não precisam de outra profissão para seu sustento, que podem dedicar-se integralmente a escrever, que podem respirar literatura em cada hora de seu dia. O amadorismo […] cobra um preço grande na qualidade das obras e na capacidade do autor para atingir seus objetivos propostos, inclusive pela dificuldade de dedicar-se à divulgação.
Pensando desta forma, o amadorismo não liberta, mas limita. O amador, ao precisar de outra profissão para o seu sustento, acaba tendo restrito o tempo que pode dedicar-se à literatura. Isto significa que ele não pode aproveitar livremente o fluxo da inspiração e nem destinar suas melhores energias à sua formação e desenvolvimento como autor. De certa forma, podemos dizer que o amador dificilmente conseguirá produzir uma obra de grande fôlego e, se ocasionalmente uma obra amadora possui qualidade, não é sem propósito supor que teria uma qualidade ainda maior se o autor tivesse podido pesquisar mais e poli-la melhor.

Um autor amador, preso ao seu emprego, não tem agenda livre para viajar a eventos de divulgação, para receber repórteres porventura interessados em entrevistá-lo e nem para buscar contatos. Fica como um avestruz, de cabeça enterrada na metafórica areia de sua rotina laboral, enquanto o mundo lá fora muda e cresce.

Por essa razão eu acredito que faz sentido o desejo expresso pelo Super Choque de que a nossa literatura tivesse mais profissionais. Uma literatura com mais profissionais é uma literatura que coloca objetivos estéticos e formais um pouco mais altos, desestimulando aventureiros toscos com suas fanfics irrelevantes. Profissionais não apenas se dedicam a escrever as próprias obras, mas também a ler e comentar as obras dos outros, o que cria um ambiente favorável à crítica (e justamente uma das reclamações babilônicas de nossos literatos é que a crítica literária não existe).

Ora, bolas, não existe porque faltam autores profissionais que a pratiquem e que a exijam. Não existe porque, sem autores profissionais para impulsioná-la, imperam as resenhas encomendadas pelos que se interessam em promover as obras. Propaganda apenas. E propaganda não enxerga os defeitos. Em um ambiente sem crítica profissional, porque não há nomes profissionais de peso na academia e de reputação na mídia que possam ousar romper o círculo de palmas compradas, toda e qualquer tentativa de apontar defeitos será recebida com pedras e tochas. Todos querem ser louvados, e qualquer coisa inferior a uma canonização é insatisfatória para quem precisa recuperar seu «investimento» na publicação.

Não quero, com isso, menosprezar os amadores (como eu mesmo). Não se trata de negar o valor do amador, mas de dizer que, se houvesse mais profissionais, até mesmo a vida do amador seria melhor. Um ambiente cheio de profissionais, e favorável à crítica isenta, geraria oportunidades melhores de desenvolvimento para o amador, lhe imporia desafios mais difíceis (e também mais gratificantes) e deixaria afastados os apedeutas que colocam vírgula entre o sujeito e o predicado mas querem publicar trilogias inspiradas nas lendas célticas sem nunca terem ido sequer a Seropédica.

Pode ser ingenuidade minha, mas quem quer aprender algo novo a cada dia precisa de um mundo com mais professores e profissionais.

Autores e Editores Amadores se Desgraçam Mutuamente

Quando um país se caracteriza tanto, como o nosso, pelo amadorismo, quando ele se generaliza e se cristaliza de tal forma, começa a produzir paradigmas em todas as demais partes do sistema. Estamos aqui falando de literatura, por isso deixemos outras áreas de fora e nos limitemos à outra parte deste sistema: o mercado editorial: Temos muitos editores que são tão amadores quanto os autores, ou ainda mais.
[…] deveria ser parte do ofício do editor oferecer assessoria ao autor. Começando pelo reconhecimento do potencial das obras que tivessem potencial, diferenciando-as das obras meramente derivativas, tolas, egocêntricas ou irrelevantes. Continuando por uma revisão competente, encontrando as contradições e os erros e sugerindo seus consertos. Terminando por fazer um livro bacana e entregá-lo ao autor conforme contratado. E depois de terminar, a assessoria deveria continuar, oferecendo feedback sobre a recepção da obra no mercado, informando ao autor eventuais menções na mídia, etc.

A verdade é que ficou meio fácil fazer uma editora. Há cinquenta anos você precisaria comprar uma máquina de composição tipográfica caríssima, utilizar os equipamentos de uma gráfica para verificar as provas, fazer dezenas de testes com os fotolitos se quisesse botar uma reles ilustração. Ficava caro, muito caro. Então era natural que os envolvidos no mercado editorial fossem pessoas muito preparadas. Era preciso planejar bem, saber onde gastar. Aventureiros faliam em poucos anos.

E havia todo esse trabalho descrito acima pelo Super Choque, porque cada publicação era um investimento, cada autor era uma fonte de recursos. O dinheiro vinha da venda das obras ao grande público, o que significava que era preciso promover o autor.

Daí veio a revolução informática e o desktop publishing. Hoje em dia praticamente qualquer um consegue formatar um livro, gerar uma prova em PDF de alta resolução, corrigir todos os erros antes de gastar uma única folha de papel e encomendar os exemplares de uma gráfica eletrônica, que usa máquinas a laser de alta resolução, capazes de imprimir corretamente até mesmo fotografias. Ficou tão mais barato que aumentou a tolerância ao erro. Pequenas tiragens, que antes eram inviáveis, se tornaram factíveis. Então o apelo comercial de uma obra deixou de ser tão relevante e, se um autor conseguir vender duzentos exemplares para sua família e amigos então ele já está «no mercado», então proliferam editoras para atender a esse nicho.

Publicar um livro virou algo bem fácil e comum porque o autor é o próprio mercado. Entendeu? Vou explicar. A editora não precisa vender o autor, ele que se venda. Agente literário para que se o babaca, digo, o autor, pagará antecipadamente pelos exemplares? Assessoria para quê, se, depois de entregue o livro, fodam-se os erros tipográficos, que o cheque já compensou?

Esse sistema amador de edição, voltado para o autor amador e sem noção, é uma desgraça para ambos — principalmente para o autor. Para o editor eu suponho que o efeito negativo seja a possibilidade de que futuramente se mate a galinha dos ovos de ouro (desvalorizando o livro, em breve ele não será tão lucrativo). Mas o editor amador ou picareta vai fechar seu «selo editorial» e abrir um açougue, porque tudo é só negócio. A pica fica para o editor sério, em um mercado destroçado, e para o autor sério, com cara de idiota em um mundo onde todo mundo publicou sua tetralogia sobre Nárnia.

Os Amadores Precisam Ser Tratados com Respeito

O que ninguém parece enfatizar é que o autor amador não é só um bolso a ser ordenhado, ele é o futuro da literatura. Não se conhece nenhum autor profissional que se tenha «amadorizado» (pelo menos não em países onde existe uma massa crítica de profissionais), mas todo profissional é um amador que se profissionalizou. A profissionalização ocorre quando alguém, que escrevia por esporte ou por terapia, passa a poder sobreviver do que escreve.  Não se trata apenas de uma mudança de profissão e de status social, mas também de modo de pensar e de sentir a literatura.

Então, quando você maltrata o amador você está chutando aquele que poderia se tornar futuramente um profissional. Em países onde impera o amadorismo, esse chute costuma ser dado por inveja, por receio de que aquele «insolente» cresça e adquira poder para influenciar. Numa literatura saudável (e a nossa não está), o amador é tratado com profissionalismo para que aprenda a ser profissional ou, mesmo continuando amador por opção, aprenda a conviver com cobrança de nível profissional.

«Respeitar o Amador» não quer dizer ordenhar o seu ego. Não quer dizer amamentá-lo com elogios para que ele não chore. Respeitar quer dizer tratar como adulto. O profissionalismo é a idade adulta do escritor. Tratar o amador com profissionalismo é respeitá-lo. Dar-lhe carinho, afeto e um ombro amigo para chorar é infantilizá-lo.
Não tenho culpa se a qualificação de profissionalismo para uma editora foi rebaixada desde os anos 60, a qualidade da nossa literatura atual deve significar que eu não tenho razão, não é mesmo?

A literatura é como o pão. Para que a massa cresça é preciso batermos nela. Bons livros podem se tornar ótimos livros formos rigorosos com seus erros. Bons autores podem ser tornar ótimos autores se forem confrontados com suas deficiências. Isso é respeito.

Precisamos xingar mais os nossos autores para que eles criem casca grossa contra críticas invejosas. Precisamos chamá-los mais de ignorantes, apedeutas, semianalfas e rasos; para que eles aprendam que cultura se faz com cultura, e não imitando a primeira porcaria que leram. Precisamos chamá-los mais de idiotas, para que reflitam sobre o absurdo de seus argumentos furados e seus personagens sem noção. Precisamos fazer com que tenham medo de publicar precocemente suas obras, para que se dediquem mais a escrevê-las bem, aparar suas arestas, polir suas asperezas. Precisamos conscientizar as pessoas de que não se faz poesia rabiscando chorumelas depois de levar um pé na bunda da namoradinha. Nossos poetas adolescentes são umas crianças bobas, se comparados com Rimbaud, Manuel Bandeira, Arnaut Daniel e Pushkin. Não merecem ser xingados por isso, mas sim porque se recusam a ler a poesia do passado e querem ser respeitados pelas trovas de pé quebrado que escrevem (e quem escreve uma trova de pé quebrado merece quase ter quebrado o próprio pé). Precisamos que os nossos autores saibam que escrever é algo grande, é algo que pode levá-los longe. E os que não quiserem ir até lá, que se contentem com as sobras e sombras, e não atrapalhem a conversa dos adultos na sala.

Tratar os amadores com respeito significa dar-lhes um propósito, em vez de permitir que chafurdem no sentimentalismo barato, na literatura alienada de fácil consumo e no egocentrismo.

Precisamos Combater a Colonização Cultural

Esses problemas todos que foram postos acima resultam da colonização cultural a que somos submetidos — e os nossos autores têm parte da culpa por isso. Não digo que têm a culpa toda, sequer a maior parte da culpa, mas parte da culpa. Gastamos tempo demais imitando a cultura pop norte americana e deixamos morrer muitas tradições e lendas que não só são importantes para a nossa identidade, mas poderiam ser igualmente interessantes como elementos renovadores da ficção de terror que nós servilmente imitamos. Temos nossas próprias lendas, mas nos maravilhamos com as lendas célticas que já estão mais manjadas que batata doce em fogueira de São João (se bem que esta é outra tradição que se perdeu).

Quando falo em colonização cultural eu me refiro ao problema que ela impõe: a restrição de mercado. Com tanto livro estrangeiro sendo republicado aqui (em traduções cada vez piores, pois a demanda é tanta que não dá tempo de traduzir direito) e com tanto autor nacional se fingindo de ianque, o espaço que sobra para quem realmente tenta fazer literatura brasileira fica pequeno. Um mercado pequeno limita  a profissionalização. Sem profissionalização a literatura nacional não tem voz na mídia. Combine isso com o egoísmo de nossos «profissionais», que costumam usar os prêmios literários para trocarem condecorações entre si, em vez de destiná-los para estimular os novos autores, e você tem um cenário no qual o amador, além de ser continuamente desrespeitado pelo amadorismo de muitos editores e do próprio mercado, ainda vê uma cerca eletrificada entre sua realidade e a ribalta na qual os nomes consagrados detêm todos os trunfos para colherem reciprocamente os lauréis literários.

Parece natural que o jovem autor procure imitar os estrangeiros, não só porque foi programado desde criança com os «enlatados dos USA, de nove às seis» mas porque tem a ilusão de que a única forma de escapar do beco sem saída da literatura nacional é conseguir agradar a um editor estrangeiro, e publicar lá, lá longe do alcance da Academia Brasileira de Letras, de Chico Buarque e seus Jabutis, dos professores da USP e suas descobertas de obscuros poetas baianos do século XIX, dos diversos teólogos (sic) literários e suas teogonias.
Se temos um mercado que lambe o saco de tudo que é estrangeiro, um establishment literário que estabelece capitanias hereditárias e troca honras entre si, é natural que o amador ambicione passar por cima de tudo isso e, se conseguir o Santo Graal de ficar famoso lá fora primeiro, mostrar o dedo para tudo isso e dizer toda a sua frustração em palavrões. Paulo Coelho fez mais ou menos isso. A literatura brasileira teve de engoli-lo inteiro, com casca e tudo, e está engasgada até hoje.

12
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 09:30link do post | comentar
A série De Profundis (em latim: «De Dentro das Profundezas») trará ao conhecimento do «leitor moderno» deste blogue, ou seja, este que o lê a partir de janeiro de 2013, antiguidades soterradas pela indiferença das eras tecnológicas e pelo bitrot dos anos.

Convido-os hoje à leitura de um texto publicado em setembro de 2010: Literatura e Política: Para Todos e Para Ninguém.

No total teremos 36 episódios, sempre abordando textos publicados nos primórdios do blogue e que tenham menos de 12 acessos.
assuntos:

10
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 17:46link do post | comentar | ver comentários (1)
Não é preciso, absolutamente, discorrer sobre as virtudes de nosso sistema educacional. Mesmo porque, tal discurso não seria suficiente para preencher uma postagem. Suficiente para botar a Indonésia no chinelo e galgando um honroso 36º lugar mundial, graças ao fato de não haver dados sobre a maioria dos países, a nossa educação goza de um status de praga do Egito, apesar de, segundo nosso governo, estar «no caminho certo». Com alguma boa vontade, querendo crer que ele tem razão, eu diria que demos os primeiros passos, os primeiros dois passos, de uma jornada equivalente à conquista da Índia por Alexandre, com a esperança de que dará certo, ao contrário do famoso episódio histórico. Alexandre pelo menos sabia onde ficava a Índia, receio, porém, que as pessoas que gerem nosso sistema educacional tenham apenas uma vaga ideia.

É com certa vergonha que esclareço isso, mas dado o nível médio de analfabetização do público neste país (75% de pessoas sem suficiente domínio da leitura), é sempre bom alertar que, no parágrafo acima, a Índia é empregada uma vez como metáfora.

Tal como o índio ficava fascinado por espelhos e imaginava virtudes para o pequeno objeto luminoso que não compreendia, nós, como verdadeiros botocudos, continuamos querendo soluções mágicas para nossos problemas, e gostamos mais das que brilham do que das que funcionam. Damos mais valor a espelhos e contas do que a facas. E agora o Ministério da Educação descobriu outra fórmula mágica.

Nosso sistema educacional é tão absurdo que eu duvido que ele tenha chegado a este ponto por uma evolução natural das coisas. Ele só pode ser defeituoso de propósito, porque não faltaram, em nossa história, iniciativas grandes que poderiam nos ter feito avançar muito. A ditadura de Vargas criou o sistema público de ensino, excelente, mas não se deu prosseguimento com a implantação de escolas modelo pelo país. Se uma quantidade suficiente delas tivesse sido criada, a massa crítica de pessoas esclarecidas que sairiam delas teria tido um efeito a impulsionar por mais estruturas semelhantes. O MoBrAl dos militares, apesar dos ranços ideológicos, poderia ter erradicado o analfabetismo e dado ensino primário a quase toda a população. Às favas com as ideologias, muitos países do mundo só erradicaram o analfabetismo sob o tacão de ditas, duras ou brandas (Turquia de Atatürk, URSS, Alemanha de Bismarck, China de Mao, Vietnã comunista, Cuba castrista). Mesmo que os militares tivessem as piores intenções, se o MoBrAl cumprisse seu fim esse país seria outro, porque não há nada mais revolucionário do que alfabetizar um povo (leiam MacLuhan).

Então é evidente que todas as iniciativas educacionais no Brasil sempre foram sabotadas, especialmente quando pareciam «no caminho certo». Para cada passo à frente, um ou dois para os lados, ou para trás. E quando surgia alguma voz iluminada trazendo ideias originais (ó, o horror!) vinha a seguir uma onda de idolatria cega de modelos importados. Tivemos Paulo Freire pouco antes de importarmos o sistema americano de «high school» (devidamente tropicalizado com a remoção de suas virtudes, como o período integral, as aulas de artes, a educação física e o ônibus escolar amarelo).

Em uma coisa, porém, todos os idealizadores de nosso sistema educacional sempre tiveram em comum: é uma excelente ideia reformar. Nem bem você começa a se acostumar com a divisão do sistema educacional em primário, admissão, secundário e terciário vem uma reforma e cria o primeiro grau e o segundo. E quando já estavamos acostuados a contar oito séries e mais três surge o segundo grau técnico, com primeiro ano básico, fazendo o secundário ter quatro anos. Ao longo de todo esse tempo, enquanto os intelectuais se ocupavam fazendo reformas e tentando reconectar fios nas cabeças dos alunos, vicejou a indústria do cursinho, que ensinava aos egressos dessas escolas-laboratório o mínimo necessário para entrarem numa faculdade e se manterem lá.

A ideia de reformar faz sentido, se você quer proteger o próprio traseiro. Se nada está funcionando, vão procurar demitir primeiro quem «não está fazendo nada», então pareça ocupado andando de um lado para outro com uma planilha de dados na mão e dando marteladas a esmo, de vez em quando propondo demolir uma parede ou comprar um mesa nova. Essa faina dá a impressão de que você tem um projeto, um propósito. Mais que isso, dá a impressão de que você é útil para o funcinoamento da coisa, enquanto o faz-nada que só fica tentando entender o que não está funcionando é um câncer do sistema que precisa ser logo operado.

E dá-lhe reforma educacional. Foram cinco durante a República Velha, quatro durante a ditadura de Vargas, quinze anos de debates até se chegar à primeira Lei de Diretrizes e Bases (1961), três reformas durante o regime militar, e pelo menos duas (três ou quatro, dependendo de como você conte) desde a redemocratização. Quinze reformas educacionais em 123 anos de República. Uma média de uma reforma educacional a cada oito anos. Praticamente ninguém nesse país se formou sem «sofrer» uma reforma educacional. E eu nem mencionei as mudanças que não foram implementadas através de reformas constitucionais ou leis ordinárias. Se formos contar as mudanças efetivadas através de portarias do Ministério da Educação (e seus equivalentes passados) a gente chega ao absurdo número de 52 mudanças estruturais na nossa educação em 123 anos de República. E os nossos alunos tiram notas ruins porque são burros, não é mesmo? Aham…

Há momentos em que eu começo a pensar que não importa muito se estamos mesmo indo na direção certa. Eu gostaria que simplesmente fôssemos por tempo suficiente em alguma direção, qualquer direção, para termos como saber se é a direção certa. A impressão que tenho, ao estudar a história de nossa educação, é que ficamos rodopiando no mesmo lugar, babando para qualquer novidade surgida nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, no Japão, na URSS ou na puta-que-o-pariu. E dá-lhe ensino técnico, método Kumon, construtivismo, escola nova, ginásios, vestibulares, interdisciplinaridade, behaviorismo etc. Queremos ser tudo, ter tudo. Queremos que a nossa educação empregue todas as teorias educacionais do mundo. O que equivale a querermos que nosso carro seja ao mesmo tempo pick-up, perua, carro de passeio, esportivo e compacto.

Quando é que vamos parar com essa mania de ficar mexendo na máquina? Quanto tempo até algum iluminado ter a ideia de que, talvez, quem sabe, possivelmente, o nosso sistema educacional, seja ele qual for, funcionaria se simplesmente os professores pudessem trabalhar em paz? Não precisa ficar reinventando a roda, mudando a distribuição de séries, criando nomenclaturas. Vamos simplesmente dar formação sólida aos mestres escola, pagar-lhes salários razoáveis, oferecer-lhes cursos de reciclagem periodicamente, dar segurança e estrutura às escolas. Depois que tivermos feito isso por uns dez ou vinte anos, no mínimo, e esgotado o potencial de crescimento orgânico de nosso sistema, tosco que seja, vamos pensar em aperfeiçoamentos metodológicos. Vamos primeiro consertar o motor e lanternar direito esse calhambeque, depois a gente compra bancos de couro, pneus radiais e, quem sabe, turbine a máquina.

03
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 13:17link do post | comentar
Ontem me dei conta da falta que faz visitar ocasionalmente uma livraria. Estive brevemente na Leitura “Megastore” em Juiz de Fora e pude compreender muito daquilo que tenho visto e lido na internet. Algumas conclusões foram animadoras, outras terríveis, a maioria apenas remete a uma neutra mudança de padrões, oscilações de modas que não mudam nada. Mudam-se as palavras, mudam-se os estilos, permanece uma falta de sentido que denuncia os tempos perigosos que vivemos.

A primeira coisa que notei foi a mudança de foco da literatura de auto ajuda. Ela já não predomina tanto nas prateleiras e parece mais focada em livros baseados em experiências reais. Um bom exemplo é a autobiografia de Nick Vujicić, da qual havia nada menos que uma pilha de exemplares. Esse tipo de auto ajuda que agora predomina parece explorar a culpa do indivíduo como um fator motivacional: olha só, esse cara tá todo fodido e ainda assim realiza mais coisas que você. O nome do site de Vujicić é sugestivo desse apelo: “From No Limbs to No Limits” (De Sem-Membros a Sem-Limites) e a sugestão é “você, com quatro membros, não é tão sensacional quanto o Nick”.

Há duas conclusões que eu tiro disso. A primeira é que Paulo Coelho é carta fora do baralho agora: o seu estilo de auto ajuda ficcional chupando antigos textos religiosos e lendas orientais não tem o mesmo apelo porque as pessoas estão procurando coisas reais, e não invenções de magos que fazem chover. Azar da Academia que o aceitou pensando em popularizar-se entre seus leitores. A página de Paulo está sendo virada e dentro de alguns anos ele voltará a ser lembrado apenas como o parceiro de Raul Seixas em algumas de suas melhores composições. Por sorte ele aproveitou seus quase vinte anos de berlinda para ganhar dinheiro a rodo e comprar imóveis em lugares nobres, como o interior da Suíça. Vai ter uma aposentadoria de rei, e morrerá se achando um gênio, enquanto eu vou continuar aqui desconhecido no interior de Minas Gerais, o que, na cabeça da maioria do povo, significa que ele é um “sucesso” e eu, um idiota. Argumentum ad crumenam, mas o povo não liga para falácias, o povo gosta de idolatrar o sucesso, seja qual for. A vida das “famosidades” instantâneas demonstra isso: “artista” no Brasil é quem aparece na TV.

A segunda conclusão é que a auto ajuda cada vez mais se afasta do que seria chamado de “literatura”. Isso é bom para a auto ajuda, porque a literatura está moribunda, e é bom também para a literatura, porque parte de sua doença esteve relacionada à sua contaminação pela auto ajuda. Separadas, veremos como evoluem.

O sintoma mais forte de que a literatura anda moribunda é o sensacionalismo baseado no tamanho. Hoje todo mundo quer escrever trilogias ou, no mínimo, tijolaços. Argumentum ad numerum, mas o povo não liga para falácias. Quanto mais grosso o livro, maior o desafio de escrevê-lo. Desafio é vencer limites físicos, não artísticos. A maioria dos leitores de hoje provavelmente acharia que uma obra breve, como  “O Apanhador no Campo de Centeio”,  é inferior a um peso de porta como “Herança”, último volume da tetralogia de Christopher Paolini. O fato de se poder contar toda a história da tetralogia em vinte ou trinta páginas não faz diferença: um livro de tantas páginas merece respeito, tanto quanto os músculos criados por anos de malhação. O esforço físico importa mais que o efeito. Vivemos uma era que idolatra a teimosia. Talvez por isso o karatê, a arte marcial que idealiza o golpe perfeito, tenha saído de moda, e hoje idolatremos aquela bosta do UFC, uma espécie de briga de rua com regras, tão cronometrada quanto a “luta livre” estilo “tele-catch”, só que com sangue, para “dar realismo”. O carateca “magrelo” é zombado hoje: o objetivo do treinamento é criar massa, tal como o objetivo da literatura é criar páginas.

Isso explica porque os jovens vivem obcecados com trilogias, tetralogias, pentalogias, hexalogias, heptalogias, enealogias, decalogias, fodasselogias. Eles não têm um estilo, mas um objetivo. A ideia é vencer um desafio, não produzir uma obra.

Eu mesmo acabei recaindo nisso ao dizer, zombeteiramente, quando do lançamento de meu romance de estreia: “não produzi mais uma apostila com ISBN para valer de título na Academia, produzi um livro que tem, pelo menos, a dignidade de parar em pé na estante.” Minha declaração maldosa tinha um alvo claro, se ele está me lendo deve estar me xingando, mas tinha uma falha: ao dizer isso eu estava legitimando essas obras que proliferam páginas como um câncer prolifera células. Se o meu livro para em pé na estante, tem gente querendo escrever livros sobre os quais a estante pare em pé. Andar com tais livros é chique, isso é que é livro de macho, mesmo que sua quantidade de páginas seja anabolizada por artifícios que não acrescentam conteúdo. A velha diferença entre crescer, inflar e inchar.

Outra coisa curiosa é que a ampla maioria das obras postas nas estantes de destaque, na entrada da loja, eram literatura de fantasia. Nem estou falando de ficção científica, porque essa exige estudo até para se entender. Estou falando de fantasia desbragadamente desconectada da realidade, ambientada em países fictícios para que o autor não precisa pesquisar sobre um real e o leitor não aprenda, por acidente, algo sobre um que exista. Houve uma época em que o exotismo estava na moda, e muito jovem autor brasileiro queria se chamar Johnny e escrevia histórias ambientadas nos Istêitis, mas o exotismo contém uma busca de conhecimento, da qual a literatura de fantasia está livre, graças a Deus. Se o país e a cultura são inventados a partir do nada, então vale de tudo, dane-se a lógica, foda-se a coerência histórica. Se tudo ficar complicado, aparece um deus ou anjo ou demônio ou dragão e conserta tudo. E sempre se pode ressuscitar o morto para mais um capítulo, ou dar um reboot na história inventando que o nó que a atava era um “sonho”. E vamos que vamos que duzentas páginas ainda está pouco. O bom da fantasia é que sempre se dá um jeito de se chegar aonde se quer, os limites da realidade não interferem.

Claro que a maioria desta fantasia é obra de autores estrangeiros, em sua maioria ianques. Não é um produto cultural, é um fast food que dá mais lucro por ser importado, vindo já de fora com a propaganda grátis das redes sociais e das séries veiculadas na TV por assinatura, onde a classe média se isola da “tosqueira” da TV aberta. Sinceramente, se eu fosse começar de novo a escrever, investiria mais no meu curso de inglês, batalharia um intercâmbio, inventaria um pseudônimo anglo-saxão (aliás, inventei: em certa época andei escrevendo “coisas” sob o nome fictício de Gerald Goldman) e fantasiaria alguma terra imaginária com personagens de nomes toscos baseados em latim macarrônico, pseudogrego ou pseudohebraico. Com um pouco de sorte eu me tornaria famoso, ou então tentaria a sorte dizendo que minha obra era Escritura Sagrada.

No fim de minha visita preferi comprar um pendrive. Saí e entrei num sebo, onde comprei a dez reais o quilo obras muito mais interessantes. O que me dá medo é que os sebos do futuro serão alimentados pelas obras adquiridas hoje. Essas obras abomináveis.

O título deste texto é uma alusão a este conto.

27
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 14:40link do post | comentar
Esta página registrará atualizações na disponibilidade da versão impressa da minha tradução do romance “A Casa no Limiar”, de William Hope Hodgson.
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Agradeço sugestões de outros sites onde possa cadastrá-lo.
    assuntos: ,

    26
    Jan 13
    publicado por José Geraldo, às 00:24link do post | comentar | ver comentários (7)
    Uma das maiores dificuldades que há no mundo é a de se ensinar. Quem tenta ensinar geralmente se expõe. Não raramente surge a cobrança da legitimidade: Como você quer me ensinar a falar inglês sem ser nativo? Como vai me ensinar música se toca toscamente esse violão? Como vai me ensinar a dirigir se tem carteira de motorista e seguro de automóvel há dez anos e o seu bônus é zero? Como vai me ensinar a desenhar se os seus personagens parecem tortos no papel?

    Mas os questionamentos não acabam junto com a fase da falta de legitimidade (que chega ao fim por preguiça do aprendiz, que se conforma em não achar instrutor melhor, ou porque aceita que, afinal, nem é preciso saber fazer para ensinar a fazer). Depois que as pessoas resolvem ouvi-lo surge o desafio do poder, e você pode começar a escrever besteiras, desnudando-se de uma forma que não queria. Infelizmente o mundo já não é mais tão escasso de crianças de cinco anos dispostas a apontar que o rei desfila peladão.

    Esta semana está bombando nas redes sociais o caso de uma editora que teria postado em seu saite, sob o título de «Dicas Para Escrever um Romance», uma curiosa peça, de autoria de uma certa Thayane Gaspar (quem?) que incluía conselhos polêmicos, como:
    Seja original, e para isso fique longe de outros livros. Em total abstinência literária. Será como se só existisse seu romance no seu mundo, do mesmo jeito para o mocinho, só existe a mocinha.
    Inspiração é o estado de sintonia entre sua alma e você, é o momento em que a alma consegue se expressar verbalmente. Por isso, busque coisas que evoquem esta sintonia: uma música, um lugar, uma foto que mexa com você. Fique perto dessas coisas, e dê voz à sua alma, e não a force, ela só fala o necessário e quando necessário.
    Descreva o mínimo possível a aparência dos personagens. É como se eu fizesse apenas o contorno de seus desenhos e passasse a tarefa adiante, para o leitor. Esse é o trabalho deles. O meu é dar vida a sentimentos, sonhos e histórias. E o nosso trabalho é, que juntos, façamos essas pessoas reais dentro de nossas mentes.
    Esses três parágrafos (transcritos ipsis litteris) nos revelam muita coisa sobre Thayane Gaspar, sobre a Modo Editora (que muito antes de ter publicado esse texto havia endossado a autora) e sobre o tipo genérico de escritor que tem procurado as nossas editoras. Mas revela também sobre o arquétipo de literato que vem sendo transmitido em nosso país, de geração a geração. Um dos muitos arquétipos nocivos (ou seja, «preconceitos») que expressam o nosso atraso mental coletivo.

    O que Thayane está expressando neste texto é o que ela, certamente, tem dentro de si: a concepção da literatura como o resultado de uma inspiração superior, e não um trabalho com as palavras, algo que exige «inspiração», mas não «transpiração» (não force muito), e que não dialoga com o mundo real (como se só existisse seu romance no seu mundo), mas com um mundo de fábula, uma torre de marfim onde o escritor, este oráculo dos deuses, produz sua obra. Dentro de sua torre de marfim o autor não precisa dialogar com a cultura na qual está imerso (ou não, isso depende de cada um), mas com um plano mais elevado (fisica e espiritualmente) de onde misteriosamente vem a tal «inspiração» (ela só fala o necessário e quando necessário).

    Esta personificação da inspiração como algo alheio ao autor, e independente de sua vontade, busca, claro, valorizar o produto obtido como algo que não estaria ao alcance de «qualquer um». Faz parte da mitologia literária nacional imaginar o autor como uma espécie de Escolhido, portador de um dom gratuito de Deus ou da natureza (ou de Satanás, se tiver fechado um pacto numa sexta feira numa encruzilhada sacrificando um bode).

    Tão importante é esse trabalho (quase no sentindo umbandista do termo) a que se dedica o Autor (com letras maiúsculas, pois ele é um ser iluminado), que ele não deve perder tempo com detalhes trabalhosos, como descrições. Não é trabalho do autor descrever narizes, imaginar cores, catalogar características, saber tamanhos. O trabalho do Autor é «dar vida» (tal como um Dr. Frankenstein que lida com memórias e inspirações, cadáveres de emoções e sensações) a «sentimentos, sonhos e histórias». 

    A autora, apesar do desastroso modo como apresenta o conceito, está, de fato, buscando ser moderninha, ao ecoar a tese da obra literária como um processo aberto, do qual o autor não tem controle, e no qual cabe ao leitor um processo de co-criação durante a leitura. Conheço apenas vagamente o conceito, que meu amigo João Francisco diz originar-se em Roland Barthes (autor de que li um excelente livro certa vez e depois esqueci benditamente cada linha). O que ela não sabe é que ninguém razoavelmente culto ousaria dizer que o autor devia se abster de criar, confiando que o leitor criaria o que faltasse. Parece óbvio que, se o leitor estivesse dispostos a tanto, e soubesse tanto, não haveria necessidade de se valorizar tanto o Autor e sua Inspiração (que o diabo os carregue se eles não servem para produzir bons livros). Thayane não percebe que seus conselhos se chocam uns contra os outros, porque ela tenta harmonizar seus preconceitos arquetípicos com doutrinas filológicas modernas e um pouco de justificação das próprias limitações.

    Por fim, a abstinência literária (sic) recomendada pela autora ecoa este privilégio, ao negar a importância, ou o valor, da influência de uma obra sobre outra. Mais que isso, supõe a autora que, por não ter lido outros romances, você não os imitará. Esta afirmativa revela uma profunda ignorância dos mecanismos da literatura, pois ela desconhece a existência de modelos mentais que condicionam a estruturação narrativa até mesmo de pessoas iletradas: os causos contados pelos pitorescos matutos do interior não são menos estruturados do que os bons romances, apenas estão vazados numa linguagem não padronizada e padecem, devido ao contexto oral e informal, de uma série de elementos «poluidores» que desviam seu foco e seu fluxo, dificultando uma linearidade maior. Desconhece, ainda mais, essa continuidade estrutural entre a literatura oral e a literatura escrita, visto que mesmo os que não leiam livros terão acesso à primeira através mesmo de fatos prosaicos, como a repetição de notícias de jornais. E o mais curioso é que justamente esse conceito vem corroborar uma antiga tese provocativa que circulava nas redes sociais: a de que o autor brasileiro não vende porque não escreve bem, e não escreve bem porque é um bronco sem cultura (mais sobre isso no final).

    Evidentemente uma postagem tão desinformada acaba por lançar fortes dúvidas sobre quem a escreveu. Eu nunca tinha ouvido falar de Thayane antes (isso não é problema, visto que ela dificilmente terá ouvido falar de mim), mas agora que a conheci por este texto, terei muita dificuldade para levá-la a sério. Se não por suas contradições e erros oriundos de desinformação ou falta de jeito, certamente por não conseguir pontuar corretamente um texto de três parágrafos.

    No começo eu dizia que a postagem também revela algo sobre a Modo Editora. Refiro-me ao fato de que a Editora tenha não apenas aceitado difundir um conselho tão tosco, mas que não tenha sequer corrigido o uso de vírgulas no texto. Obviamente a Editora Modo não acha importante corrigir vírgulas, tanto quanto a autora não acha importante descrever personagens, ou ter uma bagagem literária. Imagino que, se não corrigiu vírgulas em três parágrafos, não as terá tampouco corrigido nas dezenas ou centenas de páginas de «Princesa de Gelo», a obra que Thayane produziu.

    O problema não está em haver uma editora que dá vez e voz a depoimentos como esse, se fosse uma voz isolada isso não teria nenhum problema. O problema está em haver uma massa crítica de pessoas que acredita nesses conselhos e os põe em prática. Porque Thayane não inventou isso. Por mais que se esforce em «ser original» enterrando a cabeça na areia para não conhecer o resto da literatura universal, a verdade é que esses conselhos são a condensação de um estado de espírito amorfo que vem se formando nas redes sociais há pelo menos uns seis anos. A ideia de que ler outras obras «contamina» o talento do autor é antiga, e eu mesmo já escrevi aqui, há dois anos e meio, sobre o mito do autor genial que não lê.

    O caso me faz lembrar a parábola cristã do Guia Cego. “Porventura pode um cego guiar outro cego? Não cairão ambos no barranco?” (Lucas, VI, 39). Se Thayane padece destas deficiências (mais do que o uso das vírgulas, a crença em preconceitos infundados e um conhecimento porco de teoria literária), como pode ensinar a seus leitores como produzir romances perfeitos? A questão da legitimidade urra aqui com uma força ensurdecedora. É aceitável que o professor não saiba fazer, mas saiba ensinar. O técnico de futebol ensina o jogador a jogar sem que ele mesmo saiba dar um drible num cone. Mas é inaceitável que um mestre não tenha nem a prática e nem a teoria. Esse mestre é um guia cego, e todo aquele que o segue vai para o barranco junto com ele.

    E para o barranco segue uma multidão de jovens autores brasileiros, que publicam por editoras que os iludem com capas bonitas, noites de autógrafos e estandes em feiras, que afagam seus egos e ordenham seus bolsos enquanto desperdiçam belas árvores. Autores que acham que serão originais caso se tranquem num quarto, de preferência antes de terem lido qualquer coisa.


    Quando a polêmica se instalou, a Modo Editora removeu de seu site o arquivo de imagem que continha os conselhos da Thayane, mas continuam lá outros conselhos igualmente inacreditáveis. Tamara Ramos, por exemplo, dá os seguintes conselhos:
    Um bom autor precisa conhecer os grandes clássicos da literatura nacional e internacional e deve estar atento às tendências do mercado literário.
    Parece ser um conselho sensato, ainda mais em comparação com o de Thayane, mas não tem a mais remota base factual. Porque se tal conhecimento amplo fosse «preciso» para um bom autor, a grande maioria dos clássicos não teria razão para ser lida. Os autores clássicos não conheciam os grandes clássicos (o próprio conceito de «clássico» é uma invenção bastante recente) e até muito recentemente inexistia um «mercado literário» para se prestar atenção.

    É certo que conhecer os clássicos não faz mal, mas é errado imaginar que somente um douto literato sabe fazer boa literatura. Esse é, aliás, o motivo pelo qual a acusação de que o autor brasileiro escreve mal porque é inculto não passa de uma trollagem tosca. Há bons autores que tem uma cultura imensa, mas há tantos outros que adquiriram a cultura apenas na forma de uma biblioteca, enquanto que alguns autores genuinamente incultos produziram livros interessantes. A falha está em enxergar uma relação de causalidade entre quantidade e qualidade. Algumas pessoas precisam ler alguns bons livros para conseguirem escrever alguns bons livros, outras precisam ler muitos, e muitas não escreveram bons livros nem que leiam cada página jamais impressa, em cada língua do mundo. A chave está em aproveitar o que se tem, tal como é impossível gastar um bilhão de reais, também é impossível tirar proveito de ter lido dez mil romances clássicos.

    Mais do que recomendar o conhecimento dos clássicos como uma estratégia para buscar um nicho de mercado, Tamara acredita que exibir cultura cativa o leitor:
    Para começar o processo da escrita de um romance, um autor necessita de uma grande bagagem literária e cultural. Isso enriquece o texto e conquista os leitores.
    Novamente ela confunde quantidade com qualidade. Exibir uma grande bagagem cultural não necessariamente enriquece o texto, na maioria das vezes apenas o torna pesado, intimidador. Depende do talento do autor para dosar e apresentar essa bagagem. Porque, definitivamente, não é a bagagem literária do autor que conquista o leitor. O que conquista o leitor é o livro ser bom, ou, pelo menos, atender às suas expectativas do que seja «bom» (e tanto há quem goste do olho como da remela).

    O caso é que Tamara sabe disso. Tanto que escreveu em outra postagem sua «não tente um estilo forçado ou literato». Ora, então por que escreveu que uma grande bagagem literária e cultural enriquece o texto e conquista os leitores? A resposta é simples: também Tamara está divida entre a teoria que aprende na faculdade (onde lhe ensinam sobre literatura, mas não ensinam literatura) e os seus antigos preconceitos. A faculdade lhe diz que o autor culto produz uma obra mais densa e de qualidade, mas ela sabe, instintivamente, que a maior parte das obras citadas como exemplo na faculdade são verdadeiros soníferos, do tipo que, como disse Millôr Fernandes, «quando você larga não consegue mais pegar.»

    Entre Thayane e Tamara eu acredito que a segunda tenha escrito um livro melhor. Não só porque não levou rasteira das vírgulas, mas também porque ela me passou um conflito mais profundo entre o que lhe dizem e o que ela quer. Um conflito que pode levá-la a uma reflexão de valores mais amadurecedora do que uma abstinência literária para preparar o corpo para o nascer do pão do espírito.

    Mas ambas, ambas, são vítimas de uma Editora que atira seus autores aos leões, sem dar-lhes nenhuma assessoria. As duas viraram vítimas das redes sociais porque se expuseram com opiniões caracterizadas, respectivamente, pela ignorância e pela incoerência. Uma editora que realmente cuidasse da carreira de seus contratados não permitiria que elas postassem aqueles conselhos, possivelmente não permitiria nem que publicassem os seus livros. Mas o que fazer se há tantos jovens iludidos pela cobiça do distintivo duvidoso de «escritor» a ponto de justificar o florescimento do mercado de «fábricas de fábulas» que temos visto acontecer? Se a Modo não publicasse, haveria alguém para publicar, e outro lugar onde as duas pudessem guiar rumo ao barranco quem as quisesse seguir.


    EM TEMPO: Contrariamente ao que muitos podem pensar, eu não sou nenhum guia cego porque não estou aqui ensinando ninguém a escrever. Como não tenho essa proposição, não tenho o ônus de justificar minhas ideias. Esse ônus pertence a quem pretende ensinar “como”. E se alguém segue minhas ideias, lamento dizer que tal atitude só poderá levar meu seguidor pelos caminhos que trilhei e ao destino a que cheguei. Parágrafo adicionado em 26/01/2013 às 21h00.

    23
    Jan 13
    publicado por José Geraldo, às 20:00link do post | comentar
    Um dia, conversando casualmente com o meu amigo e também escritor Emerson Teixeira Cardoso, ele me contou uma história curiosa que se passou com ele nos anos 1960, época em que era ator amador em nossa Cataguases natal. Uma história cuja moral, se é que existe alguma, demorei muito para entender.

    Era de um grupo não apenas amador, mas também autodidata, que encenava peças diversas na base do amor e do instinto. Certa vez, enquanto ensaiavam para a montagem de “Rinoceronte”, do Eugène Ionescu, calharam de ter a ideia de escrever ao então famoso dramaturgo romeno exilado em Paris, autor da peça. Não sei como conseguiram o endereço, mas conseguiram, e um dos membros do grupo sabia francês, coisa que se sabia naquela época muito mais do que hoje.

    Após várias hesitações sobre o conteúdo da carta, que acabou sendo um trabalho escrito a muitas mãos, decidiram que a carta seria mais ou menos assim. Começariam se apresentando como um grupo de teatro amador, localizado no interior do Brasil, em uma cidade que tinha, à época, cerca de 30 mil habitantes. Depois de enfatizarem que tudo o que sabiam de teatro haviam aprendido dos livros que haviam lido sobre o assunto e das peças que haviam ousado encenar, descreviam com minúcias as dificuldades por que passavam e a incompreensão que enfrentavam (e apesar de tudo uma peça teatral daquelas deve ter tido mais público em 1969 do que teria hoje, na mesma cidade, já crescida e mais “desenvolvida”). A carta concluía com uma pergunta ao dramaturgo, como se ele fosse uma espécie de oráculo: “o que devemos fazer?”

    A resposta de Ionescu veio quase três meses depois, quando a peça já tinha sido apresentada todas as duas ou três vezes que poderia ser. Era uma frase única, seca, isolada no centro de uma folha de papel ofício:

    « tuez-vous »

    Meu amigo me contou que todos ficaram perplexos com aquele imperativo formidável pousado na página como um abutre, sutil como uma chifrada de rinoceronte. Não sei se meu amigo já desenvolveu uma teoria sobre as motivações do conselho de Ionescu, ou mesmo se existe uma razão para ele, além do mau humor de um exilado que devia receber centenas de cartas de fãs cada dia.

    De fato, tendo refletido posteriormente sobre o enigma desta frase, ainda mais pela carga de gravidade que a exiguidade lhe empresta, eu desenvolvi uma teoria, que vai muito ao encontro (e às vezes de encontro) de certas ideias que eu advogo desde os tempos da revista literária trem azul.

    Ionescu, ao tomar conhecimento da existência, no interior do Brasil, de um grupo de pessoas que se dedicava a estudar teatro a partir de livros e montar precariamente as peças teatrais escritas por famosos dramaturgos como ele, deve ter se sentido bastante incomodado com a pergunta que ainda hoje não quer calar em mim quando vejo algo equivalente: o que essa gente pensa que está fazendo?

    Veja bem você, vivendo em uma realidade tão específica, e tão oposta à Europa do pós-guerra, enfrentando tantas restrições que te impedem de efetivamente ter acesso à cultura cosmopolita, em uma sociedade que de forma alguma valoriza seu esforço ou compreende o seu trabalho. Se tudo que você faz é tosco, se os seus aplausos são a compaixão de amigos e parentes, se o seu entendimento de teatro se limita aos livros, se seus meios lhe obrigam a improvisar, deformando a cenografia pensada pelo autor etc. Se esta é a sua realidade, você tem mais é que se matar mesmo. Se você vive de costas para a cultura do seu país e busca, ainda que instintivamente, a aprovação de um autor que, por mais talentoso que seja, pertence a outro continente, e praticamente a outro século, então você está se anulando para poder abrir espaço para a imitação do outro. Se você se anula, você se mata metaforicamente. Se você já está morto, matar-se não é uma violência tão maior. Acabe, então, com o serviço já começado. Mate-se.

    “Matar-se” adquire, então, um caráter de libertação. Ionescu sabia que os jovens não se matariam por causa de sua frase (que se matassem, porém, se quisessem, que ele provavelmente nem ficava sabendo). Mas ao serem provocados desta forma, certamente eles tiveram uma sacudida que lhes fez pensar muito sobre suas vidas, sua cultura e seus valores.

    Talvez tenham se tornado como aquele que, porém, recusa-se a obedecer a esta ordem e, em vez dela, brada de volta aos modelos e ídolos, cuja aprovação inutilmente buscara:

    « je tuerai vous »

    Com esta determinação em mente, seguir a vida fica mais fácil, porque temos uma desculpa para vivermos. Se não temos um norte, fica fácil seguir o conselho de Ionesco, aliás, o seguimos em modo automático o tempo todo. Talvez, se o norte for firme e a vontade vier acompanhada de algum engenho, talvez não seja preciso confrontar assim, mas com uma frase mais sutil:

    « je survivrai »

    Porque, talvez, a melhor reação diante de uma determinação que nos destrói não seja destruir o que nos ameça, mas sobreviver. Às vezes a destruição do inimigo nos destrói também.

    Pensando desta forma, quer tenha Ionesco pensado assim ou não, o conselho adquire um caráter de verdadeiro oráculo, e os jovens cataguasenses acabaram tendo na mão o direcionamento que esperavam, apenas não da forma que queriam.

    22
    Jan 13
    publicado por José Geraldo, às 21:24link do post | comentar
    O texto a seguir, originalmente escrito e publicado por mim em 1997, na Revista Literária Trem Azul, representou a minha “Declaração de Princípios” literários, minha carta de alforria em relação aos autores que eu lia e imitava servilmente, em relação às opiniões dos críticos que eu lia e seguia sem questionar. A partir do instante em que entre para o projeto da revista, decidi romper essas amarras mentais e explicitar o que eu queria. Se foi bom ou foi ruim, o importante é que papel eu consumi.

    Por que fazer literatura? Não há resposta bastante abrangente que resuma a experiência de escrever. A obra é um orgasmo — alguém já disse — mas orgasmo é um instante fugidio, é como tentar tocar o intangível e, após tê-lo vislumbrado muito perto, quedar esvaziado. Por que, então, amamos? Igualmente não há resposta. Todos se sentem tristes após o sexo, o orgasmo é um vazio que nos preenche inteiramente. Nem para o amor e nem para a literatura podemos encontrar uma explicação racional. A não ser o gozo do instante: a obra terminada é um amor que se acabou.

    Qual a necessidade de se fazer literatura num mundo como o nosso? Simplesmente façamo-la como sempre foi feita: a partir da realidade e dos sonhos dos seres humanos. Buscando realizar a partir deste material comum alguma coisa nobre. Hoje em dia, no entanto, é quase impossível surpreender. Antigamente, ainda que fossem pedras, havia alguma reação à obra de arte. Para nós, porém, restou só a indiferença: tudo o que se faz cai no esquecimento como uma goteira dentro de um buraco fundo. A liberdade tornou ultrapassadas todas as rebeldias.

    Talvez, então, seja uma forma de rebeldia tentar encontrar uma alternativa a esta dissolução em que vivemos. Não tenho medo de vir a ser chamado de piegas: quem tem um mundo de experiências para mostrar não precisa restringir seus sentimentos diante da exiguidade das possibilidades da moda, deve buscar quaisquer recursos que possam trazer o que tem dentro de si a uma forma palpável. Os defeitos do ser humano devem transparecer no que escreve: a perfeição fria é característica de quem não se importa com as imperfeições do mundo.

    Sempre se deve olhar para o passado, pois é de lá que vêm as novidades. O futuro é provisório, e ser escravo dele é viver na incerteza. Os delírios futuristas de décadas atrás hoje nos parecem risíveis porque se tornaram despropositados. Ninguém é capaz de prever o futuro como será realmente. Por isso, uma literatura sem raiz é uma literatura que se torna rapidamente obsoleta: surfar nas predições do futuro sem um pé na terra é uma temeridade para quem tenta e uma perda de tempo para quem acompanha.

    Ainda mais se considerarmos que mesmo um frágil poema tem um valor sólido se possuir alguma coisa de verdadeira humanidade agregada a si. É claro que a sinceridade não o salvará automaticamente para a arte, mas não é de Arte que eu estou falando:1 é da necessidade, inerente ao ser humano, de criar algo de que possa se orgulhar. Contemplar o que se fez é uma realização quase plena de uma forma de comprovar nossa humanidade. Por que, então, devemos pensar primeiro se o que estamos criando está contido e previsto nos cânones da arte formal?

    Quem expressa o que pensa já se salva da multidão silenciosa e dá passos firmes rumo aos cinco estágios da reflexão consciente.  

    Receber, sem preconceitos, o novo e o velho, sem a pretensão de já saber de véspera, afinal, a busca do homem não tem limites.  

    Interiorizar o lido, não deixar que atravesse a mente sem deixar sinais. Significa a capacidade de recordar. Muitas pessoas são incapazes de dizer, minutos após a leitura, o assunto do texto lido.

    Discernir, que é compreender o real sentido por trás das palavras do texto,2 vendo nele mais do que simplesmente palavras distribuídas num espaço.3

    Discutir, ou seja, não aceitar pura e simplesmente tudo o que se lê. Ter algo a dizer, ainda que não muito apropriado. Articular o próprio pensamento em palavras desenvolve a inteligência, ainda que esse pensamento não valha muita coisa no princípio.

    Produzir.  Eis o essenciol, o coroamento do lnteligência humana: saber dizer ou escrever porque concordo ou não.

    É claro que nada disso pode ser obtido através de uma arte que exagera a forma exterior e pouca importância dá ao conteúdo.
    O problema é que quem for capaz destes cinco estágios será um cidadão na mais complete acepção da palavra, e um cidadão consciente é uma ameaça a este estado de coisas em que vivemos. Deve ser por isso que tudo neste país propaga, intencionalmente ou por incompetência, a alienação. Certamente porque a liberdade de pensamento é a única liberdade a todo prova. A única cuja posse não nos podem revogar se não estivermos nos comportando direitinho.

    E o que tudo isso tem a ver com o que eu quero produzir? Muito mais do que eu mesmo possa prever. A minha literatura quer falar do vida humano que nos tem sido roubada pelo mecânico quotidiano de nossos tempos. Eu quero abandonar a página impressa e recolocar o poema em suas fundações orais. E a clareza é essencial porque ainda não inventaram uma telepatia eficiente. E se fivessem inventado, seríamos todos boçais incapazes de racionalizar os pensamentos, confiantes na automática compreensão de nosso indefinido sentimento pelos outros.

    É na literatura que o homem tem o seu sonho de Ícaro: escapar dos vermes que o aguardam transcendendo o breve e leve sopro dessa vida através de sua obra. No concretismo, no entanto, o homem está preso pelo rigoroso espaço da página impressa. O conforto dessa estética pouco nutritiva é que, sendo quase incompreensível , o escritor não corre o risco de sofrer reparos procedentes. 0 mais terrivel é que são tachados de arcaicas as pessoas que ainda sobem ler e escrever numa linguagem humana, enquanto se celebra a anarquia de fotos retocodos e colagens indefiníveis e a solidão de poucas palavras no meio de uma grande página quase em branco. Assim, lentamente, vão roubando do povo o acesso à cultura.

    Curiosamente, a erudição valorizada hoje em dia não está mais baseada no conhecimento da literatura, mas no domínio de irrelevantes detalhes semióticos ou biográficos. Rebusca-se nas entrelinhas sentidos ocultos ao ponto de quase se esquecer o explicito e julga-se mais importante definir se Thomas Mann era homo ou hetero do que proporcionar ao publico a oportunidade de lê-lo.

    Tenho dito, aguardo as pedras.

    1 Precisamos escrever mais livros ruins para que o solo da literatura fique fértil para as obras primas nascerem. Esterilizar a terra a espera do fruto perfeito é uma futilidade.

    2 Ou imaginar que existe um.

    3 Esta frase é uma estocada no concretismo, que dá grande relevância justamente à distribuição visual das palavras.


    20
    Jan 13
    publicado por José Geraldo, às 22:42link do post | comentar
    Há momentos na vida em que nos surpreendo com coisas simples, quase a ponto de algum «suor dos olhos» me embaçar a visão. Sou do tipo emotivo a ponto de não gostar de filmes de guerra para não ver carnificina, mesmo que fictícia, e costumo achar finais felizes para meus personagens. Quão mais emotivo não sou quando me deparo com pedaços de minha própria memória recuperados por pessoas com quem interagi!

    Há poucos minutos vi na barra lateral deste blogue um link para o blogue parceiro «Chicos Cataletras», um e-zine literário de minha cidade natal, Cataguases. Ali estava o chamado para um mergulho em meu passado: a Revista Literária Trem Azul, de 1997.


    Caro leitor, é até complicado controlar esses borbotões de lembranças. Eu tinha 24 anos, muitas ideias e hormônios, muita ingenuidade na cabeça e nenhuma experiência de mundo. Fiz uma revista literária em parceria com o meu amigo Emerson Teixeira Cardoso. Nós dois no conteúdo, com a ajuda de outro amigo meu, o Salvador Márcio (ah, Sassá, saudades daqueles nossos papos sobre música na varanda da casa dos seus pais, bons tempos aqueles!). A revista foi inteiramente digitada no Word 97 (o último grito em termos de edição eletrônica da época) e fotocopiada digitalmente em 100 exemplares pela extinta Tipografia Monteiro. Custou exatamente 300 reais a impressão, o que significava que, pelo preço de capa, teríamos 100 reais de prejuízo se vendêssemos TUDO. Bem, conseguimos alguns patrocínios (70 reais no total, se não me engano) e não, não vendemos tudo.

    Mas esse singelo trabalho, adornado por nossas inocentes obras e por colaborações de amigos próximos (Waltencir Oliveira, Antônio Jaime) ou distantes (Ronaldo Cagiano), nos levou longe. Tivemos a ousadia de mandá-lo para gente de toda parte. Até para Cuba, Espanha, Itália, Argentina e Estados Unidos. Conseguimos contatos com escritores, chamamos a atenção a ponto de o número dois crescer imensamente. Esse foi nosso erro.

    Contando com as vendas e os patrocínios, tivemos apenas 50 reais de prejuízo. Com a inflação adicionada isso daria uns 125 reais em dinheiro de hoje. Mas a ideia de crescer rápido nos fez ter prejuízos grandes com os números dois e três, o que impediu que a revista se estabilizasse.

    Duas coisas curiosas sobre esta revista. A primeira é que ela parece bem mais bonita e agradável do que os números seguintes, feitos com mais «profissionalismo». A segunda é que eu não possuo esse número em meu arquivo pessoal. Sobreviveu apenas um exemplar, no arquivo pessoal do Emerson, isso se ninguém a quem a gente a enviou tiver guardado. Pode ser a revista literária mais rara do Brasil!

    Esta revista teve uma linda capa desenvolvida a partir de uma pintura  em estilo naïf feita por uma garota natural de Astolfo Dutra, chamada Daniela (por onde andas, ó Daniela?). A pintura monocromática (preto e branco), em guache sobre papel canson, não existe mais, a menos que o Emerson a tenha salva em seus arquivos também. Se ele não a tiver, resta dela apenas este testemunho na capa da revista.

    Como eu não tenho esse exemplar comigo, não tinha (até ontem) acesso ao original de meu ensaio «Literatura e Consciência» (meu ato inaugural de rebeldia, ao atacar o Concretismo e o elitismo de nossa literatura). Cheio de marxismo cultural e de ingenuidade em estado bruto, este texto certamente não seria escrito por mim hoje (embora eu continue cheio das mesmas coisas que o inspiraram), mas mesmo assim eu queria muito tê-lo no meu blogue. E graças à iniciativa do Chico Cataletras eu poderei tê-lo.

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