Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
18
Abr 11
publicado por José Geraldo, às 13:47link do post | comentar
Poetas são artistas. Sensatos, sensíveis.Sensacionalmente incensados, mas simples-      -mentepessoas que vivem, que mentem, que sãoaquilo ensaiam em sonhos, que sonhamaquilo que ensaiam de dia.Alguns temem fantasmas, outros atacam moinhos.Alguns amam à morte, outros se acabam no vinho.Todos que escrevem se acham demais.Loucos demais, gênios demais, sofridos demais.Mas sobretudo, o poeta se acha o único a ter— ou pelo menos o que mais merece —a atenção do leitor.Isolado entre parede ou pensativo no bar,cada poeta escolhe sua própria missão.Para alguns a regra é não encontrar uma regra,outros não vivem sem sua régua, sua rima,seu conjunto cuidadoso de crenças e vocabulário.São muitos os que gostam de versos,       muitos que cantam.Mas são poucos os que amam poetas,       poucos os que ouvem.O que há de raro nesta incongruênciaé que todo poeta começa mais cedoa enxergar o que ninguém enxerga.Captam conspirações, veem vilezas,fantasiam fantasmas, sonham sutilezas.Mas se esquecem, todos eles,de que não existe “O Poeta”, este ser      tão mitológico e notável.Há apenas a poesia, esta musa malbaratadanas mãos de muitos que não trabalham-na.Fazem da poesia uma escrava,ela que me sirva seus densos amorespara que eu os publique aos outros.Quantos têm o carinho de dar-se à poesiae aumentá-la com sua obra?
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26
Mar 11
publicado por José Geraldo, às 00:02link do post | comentar
O silêncio que fica no ouvido quando evapora o acorde final,a morna penumbra que corre nos olhos logo que a luz se apagou,a doce ausência que ocupa o corpo quando se extingue uma dor…nada disso faz sentido em si, mas tudo issoassobia no fundo da alma a confissão de uma imagem:pode ser que a tristeza não seja,pode ser que o espaço deixado ainda cheire ao que havia.O silêncio doído insiste insípido acinte,os olhos aos poucos se rendem, a cortina vermelha se despee enxergamos o negro líquido — e dentro dele outras cores, noturnas.Toda vez que uma presença termina, fica vazio um espaçoque aos poucos se enche de todas as outras coisas.Quando você morreu para mim eu não pensava em nadae teria morrido sem saber de muitas coisas.Mas hoje, mesmo que ainda haja um fantasma, uma dor, uma folhaque voa no ar no dia certo…Ah, mesmo com tudo isso tem tantas coisas crescendo,tem uma vida acontecendo, uma morte se prepara na distânciae tudo que eu não vivi parece agora pequenoilhado entre as lembranças reais, as invenções e os sonhos.O silêncio que fica no ouvido quando um ruído evaporaé como uma surdina na música do mundo, que tocava sem eu ouvir.A penumbra nos olhos é só falta de costume: enfartado de luz,o olho não sabe enxergar beleza sem milhares de cores.Alguém fugiu com todas elas, fiquei achando que estava cego,mas tenho visto tantas nuanças ao luarque aprendi cores que ninguém via.
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17
Fev 11
publicado por José Geraldo, às 16:06link do post | comentar
Em resposta a alguém que disse: «Se é mensagem positiva, me interessa.»

Não há uma saída fácil,
tua fé não vencerá os muros e
a ingenuidade não lhe servirá de escudo
quando vierem as botas e os rifles
quando caírem as mãos sobre ti.

Não há uma resposta fácil,
tua força não dobrará as regras e
os teus sorrisos não lhe comprarão simpatia
quando os dedos apontarem para ti.

Lá fora não jaz o cadáver de Deus:
mataram-no com um tiro no escuro,
mas ele não caiu, nem se ouviu nenhum grito.
O tiro apenas ecoou na noite muito longa
e os campos não amanheceram diferentes.
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03
Jan 11
publicado por José Geraldo, às 22:08link do post | comentar
Ao mesmo tempo oriental e desorientado
o cãozinho deu no jardim e ficou parado
pela morte que se apanha no mínimo tato.

Deram-lhe bola ou a comeu por destino.
A meia-noite chegou cedo, chegou dura
com estrelas demais e sem promessas.

Assoviaram de algum lugar no escuro,
o silêncio dos olhos empoçados
não se alterou nem de leve.

O silvo passou no ar como uma outra pedra.

Originalmente escrito em 1997. Direto do “Túnel do Tempo”


26
Out 10
publicado por José Geraldo, às 08:25link do post | comentar
Tudo bem, agoraque a paixão esfarrapoue o perdão nos violou.Agora que temos a pazcom as mentiras queridas.Se o amargo de antesnão vem à tua boca,e nenhuma secura sobede teu ventre vaziocom acusações fatais.Agora que montamoscom sobras e refugosde sentimentos falidosesse teatro de sombras.Compraram-te na quintaoferta que lhe fizerame achaste meritórioter resistido devidamenteàs quatro primeiras.Agora estás vendidae satisfeitacom o preço,ou pelo menos precisacrer que a virtude apenasé leiloar sua honra.Agora que estamos tontosaqui nesse lado escuro,semeado de grilose amarelado de lua,conta-me por que tua virtudeainda resiste a tudo.Sob esta lua tão gordae estas nuvens felizespassa uma noite concisa.E o nosso inimigo, sorrindo,está na praça, vestido,fazendo novos discípulos.Ele segue e eu fico contigo,cumpriste tua partee sobras comigo.Dignidade é ter se arrependido.

11
Out 10
publicado por José Geraldo, às 20:56link do post | comentar
Roubaram mais um mitoe Lázaro descansa em paz.Não foi Jesus que veio— foi Franciscoe sua proposta de aceitar.Escorreu a ilusão final,depredaram uma verdade aqui.O veículo da vida estacionouna paz da estante, a quietudedos campos inférteis.Estante, a entressafra.Estante onde afunda, inerte,a vida de mil homens e seus mitos.

07
Out 10
publicado por José Geraldo, às 19:32link do post | comentar
Quando provei de tua boca,o que caiu foi clarocomo calmo ar sob o solnuma manhã tontaespremida entre um sonho e outro.Espargi palavras sem sentido,algumas atingiram teu ouvido.Contive-me, contudo, considerando minha covardia.Mudo, sonhava tua nudez.Quando eu senti tua presença,o perfume perto, o hálito denso,o toque tépido de dedos dóceis,a falsa frieza de uma carne aflita;o que pensei foi puro, foi místicoe pousou como um pensamento antigo.Folhas secas farfalhando no silêncio,a ventania evitável ressecando o olhoe um abraço sem maldade nem mordida;e estive quieto como quem espera a morte.O ato agressivo atingiu-nos,a carne e suas intempéries, seus hormônioso cumprimento doloroso de um deverque espanta o espírito e espalha o afeto.Não resistimos, é verdade, mas era imperiosonaufragar na agonia cármica do ato que se completa num alívio que esvazia.A carne atrevida, aos poucos, aceitavao perigo e o abismo que existe na entrega.Ambos agora, dominados pela ilusão,são o brinquedo que jogamos.

Escrito originalmente em 1999.


26
Set 10
publicado por José Geraldo, às 11:44link do post | comentar
O amor de Noêmia é súbito e simples,alívio de dívidas e dúvidas que doem.Espera que açoitemos sua carne rudecom nossas vontades incultas e cruas.Sua passagem aromática pela praçatraz promessas e segredos aos jovense somos expostos ao beijos que esparge,complexas gotas de trevas que escapamde seu sorriso assimétrico e rígidoe escorrem por suas carnes estreitaspelas descontinuidades e curvas.O amor de Noêmia é nota de amargoe seu sorriso, incensado e insincero.Nota-se desespero no cálculo segurode suas mãos que nunca tremem,de seus olhos que estão sempre duros.O amor de Noêmia espalha lacunase lemos léguas de frio em sua pele.O seu corpo habita um claro na noite,ela brilha com vontade, habita na luzcom sua calça vermelha e seus olhos.Floresce em súbitas cores, Noêmiaa mulher que voeja pelos escuros.Olhos rasos, líquidos, atípicos, oblíquosque nos miram duramente, e prometem.O amor de Noêmia tem consigobem no centro de algum lugar perdidouma culpa que esmaga, uma dor que ardesomente nela, nunca nos que a tentam.Mas quando ela passa, trazendo certezaé como uma aurora que rompe, um portona noite imensa, em meio a imagensquebradas e armazéns, todos vazios.

24
Set 10
publicado por José Geraldo, às 07:27link do post | comentar
O que fizemos foi muito belo,mas foi uma loucura sem sentido.O sonho é uma peçonha aparecidaapesar do que somos nas manhãs.Estávamos lá entre coqueiros e sol,bonitos e molhados de mar,e até a porca que passou na praiamereceu entrar em um poema.— Mas como foi sem sentido,se sentimos tanto não ter sido eterno?Aquela noite ganhou cores,aqueles dias ficaram sólidos na almae ainda hoje o teu perfume purifica-me.O que eu sei de sentidos é pouco,só tenho umas opiniões precárias.Sei que onde há motivos e houve sonhosnunca nada é realmente dado,tudo é conseguido, tudo pesa.E somos compradores e cambistasde ilusões na feira do que não virá.Compramos barato e sem embrulhar,depois notamos que não há mercadopara o que não queremos  mais.Então abandonamose restam as lembranças na parede— da alma, não da casa.
Originalmente escrito no início de 2000, revisto hoje.

23
Set 10
publicado por José Geraldo, às 07:28link do post | comentar
Os homens de lodo e de sonoaguardam o fim da última velarepetindo com vozes defuntassuas preces de cor sem sentido.O fascínio do latim está perdidoe a força do fantástico apagou-se,nenhum Aquiles romperá o nadapara lutar contra palavras ocas.A Torre de Marfim sofreu o golpe,os que nela vivem se espantam,mas as plantas crescem sem Platãoe os pássaros não ouvem Nietzsche.De dentro do esterco nasce a rosa,de dentro dos ruídos, porém, nada.Nada nas cores deste dia a certezade que este esterco é estéril.Os frisos de Atenas são vendidosem cópias plásticas baratas,tenho Tutancâmon em um quadroe o Discóbolo num livro.E tudo tem o seu lugar correto,nesta catedral de gostos mortose de dons postiços.Não tenho memória de ter sido,mas tenho palavras com que cavosaudades falsas de enfeite para o livro.Belas palavras que acendem-mea vontade de ter acontecido,mas isso não basta que me façamais que um tolo com sede de sentido.

Escrito originalmente em 1999, ligeiramente revisado nesta data.


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Fechei para textos de ficção. Não vou mais blogar ...
Eu tenho acompanhado esses casos, não só contra vo...
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