Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
21
Ago 10
publicado por José Geraldo, às 17:36link do post | comentar
Vestimos a vida, roupa desconfortávele apavorados vivemos no mundo.Andamos sem rumo querendo salvar-nosde vaidades, perigos e segredos.Espíritos tensos, buscamos sem ondeo fio que nos liga a nós mesmos.Somos palhaços no meio da praça,rindo, felizes, de quem mal nos trata.Espíritos e carnes densamente pensama essência que justifique tudo isso,aspiramos ao alto mais alto e o vemoscair como uma ameaça sobre nós.Corpos retesos e mãos impotentes,acenamos na noite em busca daquilo,somos virtude e falta-nos istoe nossas faces aparecem mortas no espelho.Vertidas as últimas lágrimas, vagamossem onde deixar nossos despojos:mudamos tantas vezes que não temos casa,este lugar é apenas nosso depósito.Vendemos tudo de nós e nada temosdo que ganhamos em troca, o tempo tomatudo quanto não é nosso de verdade.Não, não é dinheiro o que perdemosé uma alegria leve que nunca tivemos.Abrimos a noite ou somente a janela?Vencemos o medo ou acendemos uma vela?Mal sabemos se nos temos ou se buscamosa resposta de tudo isto neste templo.Há o espaço de uma peça que falta,o silêncio da resposta que se cala.Ceticismo, ironia, nada, nada mesmo dissocobre este buraco que toma a forma de Deus.

Escrito originalmente em 2003


19
Ago 10
publicado por José Geraldo, às 22:02link do post | comentar
Eu esqueci quem fostes,fantasmas do passado.Esqueci todos os beijose as tépidas noites de outono.Estou aqui pensandoe me tenho perdidocomo nos maus velhos tempos,com as mesmas palavrasgastas repetindo antigos erros.Gastei demais o meu tempogostando de coisas banais,depois veio a seca da vidae uma espécie de ressacaque teima com gosto amargoe este vento intrépidome faz sentir os pecadose pensar em coisas sem nexo. Tenho sido alguém sem sentido,tenho seguido caminhos a esmo,tenho encontrado tesouros perdidose deixado pedaços pelo caminho. Espero de vós, espíritos,que me acolham na madrugada,em sua longa, insípida alvorada. Já deixei o desejo de ser grandeagora quero apagar lembranças,traços de medos e traições que ficamdepois de tantas curvas e retas. Amanhã quero acordar leve,sem estes pesadelos de heroísmos.Antes que a morte me levedeixo o peso de ter passadoe sigo a segunda metade da vidalembrando coisas que apenas sonhei. 
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15
Ago 10
publicado por José Geraldo, às 13:54link do post | comentar

Dia desses eu vi uma cena deprimente. Saindo do banco vi um pastor pregando na praça. Ele tinha uma bíblia esgarçada, um terno puído e uma gravata vários números maiores que o dele pendendo do pescoço magro.

Eu conheço esse pastor, é um homem solteiro e solitário, já além dos quarenta anos de idade, que trabalha como marceneiro. Todos os domingos e eventualmente durante a semana ele pega sua velha bíblia, um caixote de madeira e seu terno preto já quase perdido e vai para a praça. Lá ele sobe no caixote, abre a Bíblia em um livro qualquer, lê e começa a pregar.

Pregará durante horas, faça chuva ou sol, sempre entre o horário do almoço e o do jantar. Raramente alguém parará para ouvi-lo, geralmente as mesmas pessoas: uma senhora gorda e morena, um velho negro curvado e de ar tristonho e uma adolescente feiosa e vesga que manca de uma perna. Levam-lhe água, café e pão.

Ele prega sem parar, até a garganta doer e as palavras se misturarem em sua boca, até lágrimas correrem de seus olhos e ele quase desfalecer no chão. Há muitos anos que ele faz isso. Sua voz já está prejudicada por calos nas cordas vocais, sua pele está cheia de queimaduras de sol, mas ele insiste.

Conclama ao arrependimento e à crença, mas recebe a dura indiferença deste país onde supostamente 98% da população crê em Deus. As meninas passam fazendo-lhe piadas, os meninos lhe atiram cascas de frutas, os adultos passam rindo ou olhando com ironia nos olhos.

Raramente alguém lhe dará alguma recompensa. Dizem que um conhecido comerciante certa vez lhe deu o terno, com a condição de que não mais pregasse diante de sua loja. Não tenho notícia de que jamais tenha convertido alguém pois também conheço a igreja que ele freqüenta: é um miserável cubículo de nove metros quadrados no subterrâneo de um barraco em um bairro miserável onde só aparecem a moça vesga, a senhora morena e o negro idoso. Nunca o vi pregar em outro lugar.

Quando vejo este homem pregando na praça, destruindo sua voz e sua saúde sob o inclemente sol de Minas Gerais em dezembro, eu também me pergunto o que o leva a isto. Que espécie de desgraça o tornou tão desesperadoramente infeliz, matou suas esperanças de felicidade terrena, negou-lhe o desejo do amor, acabou com planos de filhos?

É preciso ser profundamente infeliz para render-se a uma vida tão miserável, tão santa. Os santos são infelizes, e são loucos. Com sua infelicidade eles compram sua esperança de céu, com sua loucura eles acham que são felizes enquanto sofrem caninamente.

Tenho muita pena do pastor que prega na praça.


12
Ago 10
publicado por José Geraldo, às 07:13link do post | comentar
As lições que você ensina, José, há outros professores para ensinar, inclusive melhor que você e sem essa necessidade de autoafirmação que o leva a ofender os outros. O verdadeiro mestre não é o que humilha o seu aluno, mas aquele que faz o ignorante se sentir à vontade para aprender. Você não é um mestre, é um perdedor que se agarra a migalhas de conhecimento que obteve, procura fazer com que pareçam maiores do que são (independente do tamanho real que tenham) a fim de se autopromover.

No fundo, José, eis o que você é: um perdedor. Digo isso porque sei reconhecer um perdedor quando o vejo, visto que tenho andado no fio da navalha de ser um. A diferença é que, ao invés de me render à amargura e me tornar uma metralhadora de merda, preferi tentar controlar o lado escuro, concentrar-me mais no meu objetivo e conservar as esperanças de que um dia chego lá.

Isso porque percebi que não adianta chegar lá de qualquer maneira: é preciso chegar inteiro, e bem. Não quero chegar lá e descobrir que me tornei como você. Sinceramente, se para aprender for necessário tolerar um boçal, eu prefiro continuar ignorante. Porque quem aprende com um boçal se torna um pouco boçal também.

Talvez a maior lição que você tenha a nos ensinar é seu exemplo: não se tornem essa figura triste e detestável que me tornei, não se transformem em alguém tão carente de atenção que precisa de angariar inimigos a fim de gerar assunto.

Eu não quero ser como você. Eu não vou usar qualquer migalha de glória que tenha obtido ou venha a obter como plataforma para encarar os outros de cima e distribuir ofensas. Quem faz isso só demonstra que não merece estar onde chegou.


Não falo de ter ou não sucesso, mas de ser essa pessoa abominável que você propaga ser. Se você é o que transparece nos escritos, então você só mereceria a minha pena, muito embora a rejeite.
Não ter consciência do próprio estado é característico de quem está sob o domínio de uma ilusão.

Há ilusões para todos os gostos. Há os que se iludem com psicotrópicos (legais ou não). Há os que se iludem com ideais. Há os que se iludem com amores. E há os que, como você, se iludem com os pequenos avanços que obtêm. Quem se ilude com coisas pequenas torna-se tão pequeno quanto elas. Melhor iludir-se com coisas grandes, pois quem mira na lua, mesmo que erre o alvo, no mínimo aparece entre as estrelas. Mas quem mira no vaga-lume do brejo, termina na lama, mesmo que acerte.

Você publicou? Beleza. Vende alguma coisa? Beleza. Grande, campeão. Agora, sinceramente, foda-se. Os livros que vende vão passar. Você vai passar. O que importa não é vender, nem ser reconhecido e nem não ser. O importante é ser feliz enquanto isso. E felicidade é incompatível com o grau de amargura que destila. Há tanto veneno no que diz, que as suas mordidas não ferem somente aos outros, mas também a você mesmo.

Você se acha o tal, o fodão, o temível, o cara que intimida. Não é. Você é só um cara que esconde atrás de uma tela de computador uma vida vazia, que você tenta sublimar em livros, que precisam vender alguma coisa a fim de que você se sinta aceito.

Sim, aceito. Embora jure que não. você não quer ser aceito pelas pessoas com quem interage, mas por quem não o conhece diretamente. O seu leitor anônimo não discute com você, ele compra o livro. É uma relação isolada, é uma aceitação unilateral. Você não quer ser aceito pelo que você é, mas pelo que faz, você não quer interagir, mas impor.

Esta é uma forma de timidez. No fundo você não quer que as pessoas saibam quem você é, você tem vergonha de ser quem é ou o que é. Então constrói essa carapaça grossa de impropérios e agressividade. Mas ao mesmo tempo faz livros e os quer vender. Assim você consegue massagear o seu ego, sem ter que se revelar, sem se expor à curiosidade do povo. O seu autoritarismo é uma defesa para um forte complexo de inferioridade.

Você diz “eu publico e você não”. Há cem anos você estaria dizendo “eu sou branco e você não”. Quando criança você talvez dissesse “meu pai é melhor que o seu” ou, na adolescência, “meu pau é maior que o seu”. Na falta de um mérito intrínseco e pessoal, você se agarra a algo secundário. Não lhe importa se o livro é bom ou ruim ou se você é admirado ou não: publicar lhe basta. Tal como no importava nos tempos da escravidão, você poderia ser uma nulidade, um merda, mas “ser branco” o fazia se sentir melhor que alguém de maior mérito que fosse negro. É assim que a mediocridade se justifica: agarrando-se a diferenças pequenas, para rebaixar as coisas que realmente fazem diferença.

É uma competição. Você precisa mostrar que é melhor do que os outros. Não se trata de publicar, mas de auto afirmar-se. E você quer se afirmar porque? Considerando sua timidez, a carapaça protetora que constrói em torno de si através de sua agressividade, não é difícil entender que, no fundo, você mesmo não se acha melhor do que ninguém, talvez se ache pior do que a maioria. Mas quando você publica você se eleva um degrau acima do “resto”, dos que não publicam. E do alto desse degrau, que você acha que tem um quilômetro de altura, mas pode ser da altura de um tamborete, dependendo do livro publicado, você insulta os outros, você se encontra capaz de superar o próprio complexo de inferioridade e afirmar para si mesmo que é especial.

Tudo isso que você diz não é dirigido aos outros. Seus posts são sempre um monólogo. Você fala consigo mesmo, masturbando-se verbalmente, confortando-se.

No fundo, eu desejo que você supere isso e seja mais feliz, mais humano. Temo, porém, que somente com ajuda profissional isso será possível.

Atenciosamente,
José Geraldo Gouvêa

Este texto foi postado no Orkut em resposta a uma série de agressões verbais recebidas do lendário e finado José Roberto Pereira.

08
Ago 10
publicado por José Geraldo, às 18:56link do post | comentar

“O Que Fazer Antes dos Dezesseis?” Pergunta-me alguém que sonha em tornar-se um grande artista quando crescer. Estranhei que a pessoa supusesse que eu saberia a resposta. Se eu soubesse teria sido eu mesmo um grande artista. Há certas respostas que não adianta saber tarde: não as testamos na hora certa, agora não saberemos se funcionaria mesmo aquele plano.

Mas me pus a refletir sobre o que responder ao jovem de dezesseis anos que deseja ser um grande artista quando crescer. Olha, as pessoas hoje em dia costumam ter muita pressa de viver, as crianças parece que já nascem com os olhos meio abertos, a língua alerta, as mãos querendo pegar o mundo e manipulá-lo. Uma vontade louca de possuir coisas, viver coisas, matar coisas.

Mas isso não é certo, não porque seja errado, mas porque é uma merda de vida essa que o mundo de hoje o obriga a sonhar ter. Alguém, em algum lugar, determinou: “é proibido ser criança”. Por causa disso as crianças já nascem no meio do som e da fúria desse mundo, testemunhando violência, sensualidade e malícia até em propagandas de iogurte. É preciso, é absolutamente uma prioridade para alguém poderoso no sistema que a infância dure o menos tempo possível: os jovens devem aprender cedo a falar com voz raivosa, mirar com olhar duro, pensar em sexo e em grana. Já que o mundo é cruel, devemos ser o mais infelizes que pudermos. A perspectiva de que possa haver alguém feliz no mundo deve ser aterradora.

Não vou ser piegas de dizer que no passado essas preocupações não existissem, que crianças não fossem, muito frequentemente, empurradas à força para o mundo adulto. O que mudou é que antigamente as pessoas, mesmo as perdidas, sabiam o que haviam perdido: houve um tempo em que não era ideologicamente uma tolice ser criança e “infantil” ainda não era xingamento.

Querem que vocês estudem muito, que trabalhem muito, que transem logo. Ser virgem é ofensa, gostar de estudar é um hábito anti-social e curiosidade só não é esquisita quando se refere a orifícios e apêndices do corpo. Mas olha, a infância é uma coisa tão boa que tem gente que acha que pobre não devia ter, que brasileiro não devia ter, que ninguém devia ter nesse mundo tão sério, tão ameaçado, tão cheio de problemas: “o mundo se acabando e você aí brincando, moleque.” Até parece que eles não sabem que o mundo não estaria tão acabando se eles mesmos tivessem brincado mais em vez de fazer armas, criar rixas, começar guerras, caçar bichos, erguer muros, tomar coisas…

Na infância você precisa de brincar, estudar, ler e sonhar. Aproveite e viva essa coisa enquanto puder. Seja criança até mais tarde do que as pessoas acham normal. Vou confessar uma coisa garoto: essa gente sabida que lhe fala tanta coisa do mundo é um imenso bando de ignorantes. Eles não sabem, ou já esqueceram, o quanto é bom e é importante ser criança. E como esqueceram tudo isso, não conseguem entender. Talvez você não saiba ainda, mas um dia saberá, que nada é tão humano quanto querer destruir o que não entende.

Porque um dia você cresce e vai ter uma saudade enorme das peladas que não jogou, de não ter aprendido a nadar, de não ter tido tempo de jogar bilosca, de não ter namorado dando selinho, de não ter feito telefone de barbante e caixa de fósforos, de não ter sonhado em ser pirata do espaço, de não ter lido Monteiro Lobato, de não ter ido em excursão da escola, de não ter brincado de carrinho, de não ter se sujado de barro, de não ter montado a cavalo, de não ter se empaturrado de doces de vez em quando, de não ter andado de barco, de não ter ficado perdido, de não ter amado muito seus avós, de não ter beijado seu pai…

Um dia você cresce e é obrigado a fazer, o tempo todo, por obrigação, aquelas coisas que quando era criança você queria fazer antes da hora. Você já não pode dar beijos no rosto das meninas porque o chamam de bobo, não pode só ficar conversando a sós com uma mulher sem trepar porque podem chamá-lo de bicha, não pode viver com os pais porque o chamam de vagabundo e maconheiro, não pode viver sem trabalhar ou passa fome, não pode ler livros de criança porque já não acha graça, não pode jogar bilosca porque as mãos são grandes demais, não pode brincar com carrinho ou o chamam de débil mental, sequer pode gostar de crianças ou será chamado de pedófilo. Seus avós estão mortos e você tem vergonha de beijar o seu pai.

Portanto, adolescentes que me leem, sejam bobos, sejam tolos, sejam crianças. Não liguem para os verdadeiros babacas que estão deixando passar a infância sem aproveitar. Aproveitem vocês, sejam crianças. Vocês terão muito tempo para transar depois de adultos. Vocês terão tempo para beber, fumar, ganhar dinheiro, ser sérios, ter filhos e discutir o aluguel com o senhorio.

Por enquanto se contentem em ser crianças, porque o tempo é cruel, crudelíssimo. O tempo vai passar e levar vocês embora e cada hora não vivida nessa época mágica chamada infância doerá o equivalente a dias no longo entardecer que é a vida.


03
Ago 10
publicado por José Geraldo, às 20:49link do post | comentar

Debater, especialmente coisas óbvias, não faz sentido. Se você está certo, então as pessoas que estão debatendo contra você são idiotas ou ignorantes e o debate não vai a lugar nenhum. Se você está errado, então ignorante é você e está dando vexame e passando recibo. Então a melhor coisa a fazer é deixar de lado a polêmica. Em geral só existe polêmica quando se chocam posições inconciliáveis. Prove a sua com o seu trabalho (se você estiver certo) e deixe o teimoso se foder errando. Afinal, quando tudo dá errado a frase que todo mundo diz não é “se eu tivesse ouvido o que fulano disse...” Ninguém nunca dá ouvidos ao que fulano diz. Então que fulano não diga.


publicado por José Geraldo, às 07:27link do post | comentar
Publicado originalmente em meu antigo blog, em 14/05/2010

Da próxima vez que entrar em algum fórum público na Internet, reservem alguns minutos para analisar a primeira página. Garanto que estará cheia de TÓPICOS COM TÍTULOS EM MAIÚSCULAS FIXAS.

Da próxima vez em que sair à rua, reserve alguma atenção para as pessoas que passam por você: a maioria estará usando roupas em cores berrantes, com acessórios exagerados, piercings, tatuagens, cabelos descoloridos ou alisados, tamancos de salto alto, músculos à mostra.

Quando puder, ouça o mundo à sua volta: seus ouvidos, quase sem você perceber, andam cheios de ruídos de carros com sistemas de som potentes despejando música pop barata na cabeça de todos.

Quando estiver entre seus amigos ou colegas, preste atenção neles, não no que dizem, mas em como dizem. A maioria fala gritando, especialmente os jovens e as crianças. Gargantas que se movem em fúria, pescoços de veias retesadas.

Qualquer dia desses ligue o rádio e observe bem: os locutores falam rapidamente, aos berros e urros, usando frases telegráficas. Apresentam músicas curtas, de arranjos simples, sem sutileza. Uma voz esganiçada, em agudos intoleráveis ou ejaculações guturais, lutando contra instrumentos estridentes, baterias furiosas, mesmo na música romântica, que hoje é tão aeróbica quanto a discoteca de trinta anos atrás.

Em todo lugar aonde vá, estará diante de sinalizações sonoras que competem entre si pela vitória no campo de batalha do seu ouvido: buzinas, apitos, vozes, trilados, campainhas, motores roncando, música barata, vozes de crianças. As pessoas, especialmente as mais jovens, andam conversando aos berros como se fossem gorilas na selva.

O mundo se transformou numa espécie de guerra sonora: só é ouvido quem grita mais alto. Os professores não são ouvidos nas salas de aula porque não conseguem gritar o suficiente para superar a barreira sonora de vozerio e os ruídos externos que invadem o ambiente. As pessoas na rua não são ouvidas na rua porque estão imersas num oceano de barulho. As famílias já não conseguem conversar porque tem que competir com televisores com milhares de watts de som, com objetos sem nome que fazem ruído, com a falta de educação dos vizinhos.

Ninguém para a ouvir alguém que fale baixo, como antigamente se fazia: falar baixo é sinal de submissão e não de autoridade moral. Houve um tempo em que falar baixo impunha silêncio: poder falar baixo era sinal de poder. “O Poderoso Chefão” se comunicava através de um tênue sussurro que metia medo em todo mundo. Hoje em dia mesmo o chefão do crime não consegue isso: ele precisa da aparelhagem de um baile funk com milhares de watts, suficiente para derrubar paredes, a fim de conseguir ser ouvido.

A surdez da humanidade se agrava. Ninguém quer ouvir, mas cada um quer ser ouvido. Eu preciso que o meu carro tenha o som mais potente a fim de se impor ao carro do meu vizinho, para que todos ouçam a música que EU QUERO. Eu preciso ser a pessoa mais espalhafatosa da festa para que EU seja notado. Meu produto precisa ser anunciado no maior e mais vermelho dos out-doors. Nessa competição imbecil as potências seguem aumentando e as cidades se transformam em ilhas de ruído que cada vez se expandem mais na paisagem do mundo. Deveria haver algum tipo de Tratado de Não Proliferação de Armas Sonoras, algum tipo de Acordo de Redução de Mísseis Sonoros Interpessoais. Não há porque os barulhos não estão a serviço de nações, mas de indivíduos. É a Lei da Selva.

Eu preciso que meu tópico tenha letras grandes, de preferência vermelhas, e, se possível, em negrito, a fim de que somente ele seja lido. Eu não quero ler o tópico alheio, eu vim aqui mostrar o meu, tal como o playboy que chega na esquina com um sistema de som mais potente que o de um concerto de rock e arremessa aquele muro de vibrações contra os presentes, marcando seu território como um cachorro que mija no seu quintal. Esse é o sonho do jovem de hoje, gritar até forçar o resto do mundo a se calar. Mostrar que está podendo.

Infelizmente, nessa ânsia de ser ouvido, a maioria se esquece do que tem a dizer. Daí, quando surpreendidos coma chance de dizer algo, não conseguem coerência nenhuma, acabam fazendo o que fez o lendário “MC Maluco”, que invadiu o palco de um baile funk e pegou o microfone. Mas ao fazer isso, surpreso por ter conseguido fazê-lo, não sabia o que fazer a seguir e então apenas berrou “Ah, eu tô maluco”.

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02
Ago 10
publicado por José Geraldo, às 22:26link do post | comentar
Originalmente publicado em 19/06/2010 em meu antigo site.

Sejamos sinceros, para nós já não há salvação. Banimos Deus, a razão foi o nosso Detefon. Agora estamos sozinhos em um mundo sem espíritos, mas ainda cheio de gente que precisa deles. Tocam cornetas, ligam alto-falantes, berram a plenos pulmões. O som que vem pode ser o mero zumbido tribal e arquetípico que tenta acordar Deus de seu sono, pode ser a estridência de uma juventude que se revira do avesso na louca ânsia de aparecer numa multidão cada vez mais inumerável e uniforme, ou pode ser somente o grito sem esperança de quem não tem passagens para a Copa e nem dinheiro para armar seu circo. Talvez Deus não esteja morto, mas apenas dormindo, como dorme a nossa razão diante de escolhas tão estranhas.

Escolhemos entrar no mar até além do imaginável e extrair de lá o ouro negro, do qual fazemos cornetas e alto-falantes para tentar acordar a Deus; mas também veículos com que um dia percorremos o mundo tentando encontrá-lo em tribos antigas ou mosteiros asiáticos, infrutiferamente. Do ouro negro se faz a diferença entre a roça e o urbano, entre o mineral e o humano. Do ouro negro se faz a ponte entre as culturas, que transporta ganeses para a Alemanha e japoneses para o Brasil, que leva congoleses a serem cidadãos belgas e permite aos russos imperar por dois terços da circunferência da terra. Escolhemos isso, a todo custo, ganhamos dinheiro com que subornamos os que tinham medo, com que compramos os que exigiam sua parte.

E enquanto fizemos isso, erguemos barricadas internacionais de nosso sucesso: competições, linhas aéreas, indústrias em um lugar que produzem componentes para outras a milhares de quilômetros.

Então um dia rompe-se a veia da terra em um acidente que nem era imprevisto. Por quanto tempo é possível ignorar que há tempestades no mar? Que há vida nas florestas? Que temos necessidade de identidade? Jorra o sangue negro nas profundezas, ele nos suja e temos medo, mas ele mata a quem sangra, mais do que nos pune.

Jorra o sangue negro da terra, tal como o sangue dos negros jorrou durante séculos: sem que ninguém se preocupasse. Como ainda jorra o sangue da América, la nuestra, de azúcar, cobre y café, como jorra ainda o sangue da África.

O esporte, a nova escravidão.

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03
Jun 10
publicado por José Geraldo, às 10:11link do post | comentar

Réplica em um debate no qual se defendia que certos grandes escritores não eram leitores frequentes e que, portanto, ler não é um requisito para escrever bem.

Eu não sei se existem realmente homens sábios das letras que leram pouco ou quase não leram — como os exemplos citados, que vão de Paul Valéry a Raduan Nassar. Há uma diferença sutil entre o que as pessoas realmente são e o que elas dizem ser ou parecem ser. Chico Xavier foi mostrado como um quase analfabeto por ter apenas a quarta série primária, mas era um leitor voraz e possuía uma biblioteca imensa em sua casa. Sem falar que é perfeitamente possível uma pessoa se passar por sábia sem ser, desde que meça bem suas palavras. Como diz a Bíblia, em Provérbios 17:28, até um tolo pode se passar por sábio se souber ficar calado.

Tendo feito essas duas importantes ressalvas, passo ao tema principal.

O homem sábio que não lê, o escritor que não lê, o ignorante que ensina o doutor, etc. são personagens antigos em nossa cultura. São arquétipos milenares. Já entre os gregos e romanos você encontrará esta figura. Este personagem é o profeta usado por deuses para comunicar sabedoria aos homens, como o cego Tirésias (um visionário cego, veja só) da tragédia de Édipo.

Por ser um arquétipo, é uma figura poderosa e inspiradora. E por isso mesmo é suspeito. Tal como você não deve acreditar em heróis (embora ocasionalmente alguma pessoa real cometa atos heroicos), não deve acreditar em sábios ignorantes (embora ocasionalmente algum ignorante pareça sábio).

A divulgação desse arquétipo serve a um objetivo. É uma maneira de dar a cada um seu papel em uma sociedade. Se nem todos podem estudar, é preciso que o povo acredite que o estudo não ensina sabedoria, que existe um idealismo desejável na ignorância, uma sabedoria que vem diretamente de deus, e não dos livros.

O sábio que não lé está em uma face da mesma moeda que contém outro arquétipo igualmente antigo e igualmente poderoso: o do estudo que destrói. Do mesmo modo que são saudados com o vigor de sua sabedoria direta os autores que não leem, são execrados os que por excesso de leitura se tornam pretensiosos, livrescos, loucos.

Fica evidente, quando você analisa por esse lado, que existe um fenômeno cultural acontecendo. Dizer que é uma conspiração para manter o povo sem controle seria um reducionismo idiota, digno de marxistas de botequim (somente depois da quinta dose de schnapps, logicamente). Não é isso que estou sugerindo: fenômenos culturais não são guiados conscientemente, são fruto de coisas profundas que jazem no inconsciente coletivo.

O mito do autor que pouco lê, com seu oposto, o sábio louco de tanto estudar, expressam o desprezo das massas pela cultura. O povo, de um modo geral, teme e odeia os seus líderes desde milhares de anos atrás. Desde a Suméria e o Egito, quando os livros foram inventados, os homens que leem e escrevem são vistos como controladores de forças terríveis, MALÉFICAS. São forças maléficas porque a elite oprime o povo. Logo, as tecnologias da elite, entre elas a escrita e a leitura, são contrárias ao bem do povo.

Mas o povo precisa de auto-estima, não pode se aceitar como gado. Por isso desenvolve-se a ideia do «preço que a bruxaria cobra». Inicialmente isso era visto como literal: os que se dedicavam aos mistérios deste e de outro mundo eram pessoas distantes, isoladas, malcheirosas devido às experiências que conduziam em suas alcovas. Envelheciam cedo devido às privações de sono e de alimento, enxergavam mal devido a “forçar a vista” em seus livros, diante de velas e cadinhos. Hoje já não se faz alquimia, mas persiste a ideia de que o homem dedicado ao solitário prazer da cultura seria um ser infeliz, amaldiçoado. Salutar e bom é o vigoroso homem do povo, isento da corrupção do passado, cheio da verdade simples e direta que brota da terra.

Eis um mito poderoso.


02
Mar 10
publicado por José Geraldo, às 07:35link do post | comentar

Todo mundo deve ter o direito de viver anestesiado da dor de viver, se quiser. Talvez o que falte é mostrar para essa gente que anestesia não cura e que expansão de uma mente vazia apenas aumenta o vácuo que deveria ter sido preenchido com… uma vida.

É um tremendo desperdício ocupar com drogas (lícitas ou ilícitas) espaços produtivos, vidas produtivas. Mas também é um tremendo desperdício ocupar com sexo, com amor, com passeios no parque levando o filho pela mão. Muitas são as coisas inúteis que são absolutamente necessárias, mas todos concordamos que elas precisam ser controladas. Não sei de ninguém que teve câncer por causa de poesia, de nenhuma carreira arruinada por amor paterno. Mas sei de vidas destruídas por apenas terem sido amortecidas por diversos tipos de “atenuantes”: álcool, LSD, maconha, chocolate, ambição.

Há inúmeras formas de se destruir uma vida, e para muitos a destruição está lá, mesmo que estejam produzindo peças e batendo seus cartões de ponto. Tem muito cadáver produtivo nessa sociedade mecânica.

Por isso eu simplesmente não sei o que dizer. Há momentos em que é necessário destruir a aldeia para salvá-la. Louco esse Vietnã da vida que vivemos.


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