Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
25
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 21:15link do post | comentar | ver comentários (3)

Antes de começar a efetivamente postar o texto de meu próximo romance aqui, vou fazer alguns comentários sobre a natureza da obra, seus objetivos, suas características e o modo como vou disponibilizá-la. Isto é necessário para que o leitor não caia de paraquedas no texto e fique perdido. Futuramente, ainda, esta página servirá de índice dos capítulos, tal como fiz na tradução da “Casa no Fim do Mundo” (título de que me arrependo: a versão definitiva, que vou fazer em e-book deverá se chamar “A Casa Sobre a Fronteira”).

“Serra da Estrela” é um romance do gênero fantástico que emprega os personagens e a imagística do folclore brasileiro (mais especificamente do estado de Minas Gerais) para tentar construir um efeito de “terror sobrenatural“ semelhante ao obtido por autores como H. P. Lovecraft, Stephen King e outros clássicos do terror americano. Contrariamente a outros projetos meus, “Serra da Estrela” foi concebido desde o começo como uma obra de intenções “comerciais”, no sentido de que ele procura atingir um público grande e jovem.1

A história está integralmente ambientada em um pequeno trecho do estado, entre as regiões da Zona da Mata Mineira e do Campo das Vertentes: dali se originam os personagens, ali se passa toda a ação “real” e ali se encontra o ponto de partida para a ação “surreal” — que de certa forma também se localiza ali. Quem quiser ter uma ideia geral do conceito, pode usar a mini-novela em três partes A Cabana ao Pé da Montanha como uma introdução. “Serra da Estrela” procura desenvolver o mesmo universo sobrenatural, com algumas adições e improvisos, e possivelmente recorrerá a um ou dois dos personagens que ali aparecem (mais provavelmente a mulher de negro) e certamente empregará um ou dois locais onde a ação deste conto se passa.2 Um outro conto que pode ser útil como introdução ao mesmo conceito é Inocência Assassina, de onde retirei a protagonista.3

Entre os personagens haverá pelo menos quatro de natureza sobrenatural: a mula-sem-cabeça, o lobisomem, a iara e um que eu mesmo inventei a partir do imaginário popular europeu, mas cuja existência eu não pude atestar no folclore mineiro. Dos quatro, a mula-sem-cabeça será o mais destacado, talvez até ganhando o status de “protagonista” da história, mas o lobisomem também terá seu valor. Para preparar-me para escrever sobre os dois eu fiz uma razoável pesquisa e cheguei a escrever dois breves ensaios sobre eles (as ligações que incluí).

Eu já tenho desenvolvida até agora a personalidade e os conflitos de pelo menos oito personagens (incluindo três capítulos inteiros inéditos), mas justamente me falta acabar de alinhavar as suas histórias. Digo isto porque, contrariamente aos meus dois primeiros romances, este será bem complexo. “Praia do Sossego” e “Amores Mortos” se caracterizavam por ter um personagem central, que mantinha sempre o foco da história. Um narrador em terceira pessoa não onisciente os acompanhava e os demais personagens só tinham vida à medida em que interagiam com o protagonista. Em “Serra da Estrela” não será assim. Acompanharei quatro as “vidas”4 de quatro mulheres diferentes até que se entrelacem (as vidas, não as mulheres, embora isso não esteja inteiramente descartado…) e durante a maior parte do tempo as quatro linhas serão independentes. Poderão eventualmente tocar-se (as vidas, não as mulheres, repito, mas isso não está fora de questão…), mas seguiram cursos independentes, possivelmente sem chegar a um final comum, pois o assunto central do romance não é um personagem e sua vida, mas um lugar e as coisas que nele acontecem.

Capítulo 1: Língua GeralCapítulo 2: Estrada Estreita, Trilho AntigoCapítulo 3: A Porteira do Mundo

Outro aspecto diferente em relação a este projeto é ele ser uma obra ainda grandemente aberta: ainda com menos de 20% do texto necessário para concluir o projeto (que deverá fechar com pelo menos 350/400 páginas). Isto significa que eu ainda acolherei sugestões e comentários que me pareçam interessantes, preferencialmente feitos por pessoas que vivam no interior de Minas Gerais5 ou que sejam especialistas em folclore.

1 A intenção comercial, no caso, se explica pelo desejo de sensibilizar a juventude de hoje para a viabilidade do imaginário nacional como fonte para a cultura pop, combatendo a americanização dos leitores que se formam hoje em dia lendo best seller.

2 No entanto, que fique bem claro que a ação de “A Cabana…” não tem nada a ver com a ação de “Serra da Estrela”. No máximo pode-se dize que a ação desta noveleta se passa posteriormente em relação aos fatos narrados no romance.

3 Ainda não sei como vou encaixar a ação deste conto no contexto do romance, mas eventualmente ele se tornará parte de “Serra da Estrela”, tal como “Memórias de um Cafajeste” se tornou parte de “Amores Mortos”, meu romance inédito.

4 Fica difícil usar literalmente o termo “vida” para os quatro casos, como o leitor eventualmente perceberá.

5 Estou muito interessado em histórias de fantasmas e criaturas legendárias do estado de Minas Gerais. Disposto até ao ponto de ir entrevistar pessoas que se dispunham a me contar suas histórias para eu escrevê-las.


24
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 20:39link do post | comentar

Caro leitor, tenho de confessar, tem dias que me dá uma vontade estranha de esquecer o inglês! Lembro-me das palavras da velha Dolly Pentreath — que eu nunca conheci e cuja voz jamais ouvi — em seu leito de morte, gemendo para as paredes Me ne vidn kewsel Sowsnek! Me ne vidn kewsel Sowsnek! Como ela eu também gemo para as minhas paredes, com séculos de antecipação, que não quero ser obrigado a falar o inglês! Temo que meu brado seja em vão, mas eu vou ainda assim dar os meus resmungos, na esperança de alguns que me ouçam transformem este incômodo em um murmúrio audível.

As pessoas dão um valor excessivo ao inglês. Tem gente demais exibindo “tinturas” de inglês, tal feiticeiros murmurando abracadabras em línguas mortas. As pessoas esperam dar “cor cosmopolita” aos seus blogues, com a ajuda de alguns bye-bye e de alguns títulos traduzidos com o dicionário. Muitas dessas pessoas nem sabem que dentro de algumas décadas poderão estar sendo obrigadas a estudar chinês, árabe ou, se as coisas derem certo para nós, português!

Eu não gosto das pessoas que vão na onda. Surfe nunca foi meu protótipo de esporte favorito. Se é verdade que os que ficam no caminho da história são pisoteados por ela, nada é tão belo quanto um “tank man” em sua Praça da Paz Celestial. A tragédia cômica dos quixotes possui maior grandeza do que o sucesso obsceno dos vendidos. São os vilões que se vendem, e heróis sempre morrem no fim. Mesmo assim você não lê o ciclo arturiano torcendo por Mordred e nem assiste uma encenação de Hamlet torcendo pelo rei Cláudio.

Por isso, caríssimo leitor, que me sinto incomodado com a invasão inglesa que vai por este país. Incomoda-me que eu tenha tido que escrever este texto com a ajuda de pelo menos um anglicismo porque ninguém sabe dizer “tank man” em português, não de uma forma evocativa. Penso que no futuro haverá cada vez mais termos que não poderão ser perfeitamente expressos em nossa língua, tal como, num distante passado, nossos caipiras achavam que certos conceitos não poderiam ser expressos em tupi. Amigos, temo que o português brasileiro seja o tupi do futuro.


22
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 14:04link do post | comentar | ver comentários (1)

Hoje é Dia do Folclore. Não temos muito o que comemorar, infelizmente, se considerarmos que os nossos jovens estão cada vez mais alienados em relação às nossas tradições. Resolvi, porém, começar a fazer a minha pequena parte quanto a isso. Começando esta semana e durante os próximos meses, encerrando no Dia do Folclore do ano que vem, publicarei em capítulos semanais o meu romance « Serra da Estrela », que tem por assunto os personagens fantásticos de nosso folclore. Até o momento atual, com 30% do texto já feito, tenho uma mula sem cabeça (protagonista), um lobisomem (personagem importante), uma iara (personagem coadjuvante) e uma Mulher de Branco.

As postagens serão sempre nas quintas-feiras, que é dia de mula sem cabeça, é é claro.


03
Nov 10
publicado por José Geraldo, às 05:29link do post | comentar

Aprender coisas novas nos faz pessoas melhores, tal é o princípio básico que justifica que tanto seja investido, pelos nossos governos ou por nossas famílias, para que frequentemos escolas e adquiramos diplomas. Muitas vezes, o que é aprendido na «vida estudantil» não tem importância imediata; outras vezes, perturba o equilíbrio do aluno com a comunidade em que ele vive; outras, por fim, ele afeta o equilíbrio do próprio aluno, hipertrofiando certas áreas de sua personalidade enquanto reprime outras. Por esta razão, existe uma simbologia explícita na escolha do currículo pelo Estado e a definição de prioridades pela família ou pelo aluno: a determinação de ensinar isto, mas não aquilo é tão ideológica quanto a decisão de estudar com afinco uma matéria, mas não outras. Em ambos os casos, os valores envolvidos ficam razoavelmente transparentes.

Em nosso país dá-se uma importância enorme ao ensino de matemática e de português. Durante boa parte da «vida estudantil» somos bombardeados com cinco aulas de cada durante a semana, dez dos vinte e cinco horários disponíveis (incluindo os horários que ficam inexplicavelmente vagos) são ocupados por estas matérias, cinco aulas para cada uma. Esta ênfase pode não ser suficiente para evitar que a maioria de nossos estudantes (três quartos, na verdade) saia da escola com sérias dificuldades para entender textos simples, como vemos nesta reportagem da Folha de São Paulo ou neste estudo da UBE, mas é suficiente para inculcar nos alunos que português e matemática são matérias importantes e que história, geografia, literatura, ciências etc. não são.

Mas tudo se torna ainda mais difícil quando se adiciona a questão do bilingualismo ao complexo problema da incompetência generalizada da escola brasileira (sim, não existe palavra melhor para definir uma instituição que falha em 74% dos casos). Embora o Brasil seja um país de uma língua só, o domínio do inglês é visto, há muitos anos, como um diferencial para a construção de uma carreira de sucesso. Isto se deve a vários fatores, não apenas à hegemonia econômica americana; ainda que esta seja o principal. Saber inglês não é importante somente porque nos habilita a ter acesso a um vasto cabedal de conhecimentos produzidos nessa língua, é também um fetiche, uma distinção de elite, uma forma de exclusão social, uma ferramenta para deslumbrar os botocudos.

Isto explica porque nossa elite é tão permeável a anglicismos, especialmente em certos setores profissionais que funcionam à base de “buzzwords”, de “knowledge management” e “risk assessment” para o “empowerment” do “business” diante do “marketing” para agradar aos “stakeholders”. Complicar o que é fácil, turvar o que é transparente, são técnicas que aumentam a “importância” daquilo que se está dizendo, dá uma aura de conhecimento arcano, de língua sagrada, de ritual. Eu não entendo o que ele está falando, mas deve ser importante, porque tem tanta palavra bonita.

O inglês se presta a isso de forma exemplar. Não apenas por ser uma língua estrangeira, portanto capaz de adicionar o necessário grau de turbidez ao discurso de quem a emprega, mas também por ser a língua central, a língua do «império». Para legitimar essa patranha, essa gente cria o mito de que o português é «difícil» ou que é uma língua a que faltam certos mecanismos e vocábulos essenciais. As palavras inglesas entram no idioma porque faltam meios para expressar o mesmo conceito em português, pelo menos é a visão dos pajés que manipulam estes fetiches linguísticos para deslumbrar aos selvagens.

Claro que existem sempre certos conceitos que são difíceis ou até impossíveis de traduzir. Desafio alguém a traduzir para o inglês a palavra «saudade» ou alguma destas incríveis expressões populares que temos. Mas na cabeça de alguém que domina assimetricamente os dois idiomas (melhor o inglês do que o português) é fácil xingar de intraduzíveis palavras que poderiam ser facilmente substituídas por outras em nossa língua. Isto explica as palavras pomposas que apareceram mais acima, todas elas tidas como oráculos, como objetos sagrados e intocáveis, digo, intraduzíveis.

Certamente uma pessoa que tivesse bom domínio do português saberia traduzir a maior parte delas, mas ah… temos um problema: o português é uma língua «primitiva», ele «não soa tão bem» quanto o inglês, insn’t it?

E assim, nas calhas de roda
gira a entortar a dicção
este monturo de termos
que não acha tradução.


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