Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
02
Dez 12
publicado por José Geraldo, às 16:35link do post | comentar | ver comentários (1)
Semanas depois de protagonizar o terceiro escândalo sucessivo relacionado ao Prêmio Jabuti, o “Jurado C”, o crítico paulista Rodrigo Gurgel, finalmente deu a sua versão dos acontecimentos. Foi justo a imprensa dar-lhe voz, depois das semanas que passou sendo malhado como judas em Sábado de Aleluia. O crítico teve sua oportunidade de dar suas opiniões, justificando-se ou não. Muita coisa ficou esclarecida, mas em outros casos a emenda foi maior estrago que o pé quebrado do soneto. Com a autoridade de ser a nulidade literária que sou, atrevo-me a comentar o que ele disse, mais uma vez me esmerando em meu trabalho de queimar todas as possíveis pontes que me fizessem cruzar o Rubicão literário.

A entrevista de Gurgel começou, como não poderia deixar de ser, com a justifica de seu voto. Continuo dizendo que a justificativa não convence, considerando que nenhum trabalho literário sério merece zero, porém, se não é convincente em relação à necessidade das notas zero, ou próximas de zero, Gurgel pelo menos explica seus critérios para alinhar os romances de acordo com a sua preferência:
Quando eu abri o papel, a primeira coisa que me chamou a atenção [na lista de finalistas] foi o livro do Wilson Bueno ["Mano, a Noite Está Velha", ed. Planeta], que eu havia colocado em último lugar, apesar de ter dado uma nota de oito e pouco. Se um livro que você colocou em último lugar está em primeiro na lista, a primeira reação é dupla: você pensa em reler alguma coisa do livro, para ver se o julgamento continua de pé.
Gurgel poderia ter continuado a pôr o livro em último lugar, sendo coerente com o que votara na primeira fase. Porém, mais do que classificar os livros de acordo com a sua preferência, o que é, na minha humílima e ignorante opinião, o papel de um jurado, o jurado resolveu ir além e confessa ter explorado deliberadamente as regras do concurso de forma a decidir o resultado segundo os seus critérios.

Ocorre que existe uma falha do processo de escolha do Prêmio Jabuti: ao permitir que os jurados, na segunda fase, tenham acesso à ordem de classificação obtida pelos finalistas, segundo a nota obtida na fase anterior, o sistema de escolha acaba induzindo os jurados a avaliar, na segunda fase, de uma forma subjetiva, atribuindo notas segundo sua “estratégia” para influir na classificação, em vez de imparcialmente atribuir conceitos conforme sua opinião a respeito de cada livro. Neste sentido, Gurgel se assume como o “malandro” que explora as falhas do sistema para seus próprios objetivos. No caso, objetivos que significam usar o seu voto para, isoladamente, determinar o resultado final. Não sou eu que estou dizendo, foi ele quem disse:
Essa mudança das notas deveria ter sido pensada. Quem estabeleceu a nova regra não fez as contas. Não pensou: “bom, quais são as situações que podem ocorrer?” Ou então acreditou que todos os jurados votariam sem compromisso.
A falha da organização do prêmio Jabuti foi, segundo o jurado, acreditar na imparcialidade dos jurados, acreditar que os jurados votariam sem compromisso. Esta também é a falha dos que não eletrificam as cercas de suas casas, dos que não põem trancas nos seus carros, dos que contam segredos para amigos, das namoradas que se deixam filmar por seus namorados. É, enfim, a velha fraqueza humana de confiar na confiabilidade do próximo. Em um mundo ideal ninguém precisaria se preocupar, porque as pessoas agiriam sempre com ética. Mas Gurgel não se prende a esses limites: “se me pedem para julgar e me dão os critérios, eu uso os critérios.”

O “jurado Carminha”, como chegou a ser apelidado nas redes sociais, estranha que escritores tenham estranhado as notas estranhas que ele atribuiu (sic):
O que, aliás, é o que mais me chama a atenção nas críticas que recebi. E as mais violentas foram de escritores. Eu acho interessante. Em nenhum momento passa pela cabeça deles que eles poderiam ser um dos livros escolhidos por um jurado que luta pelos livros de que gosta. Um jurado que não teme se comprometer.
Como Gurgel não é escritor, sua capacidade imaginativa é relativamente limitada. Se escritor fosse, saberia que por nossas cabeças certamente passou este cenário, de sermos beneficiados por um jurado como ele. Bem, eu já disse qual seria a minha gratidão a uma escolha segundo tal critério. Mas a questão é que a maioria de nós imagina, com nossa fértil criatividade, uma possibilidade muito mais interessante para o uso da “Estratégia Gurgel” (que entrará para a história com a mesma notoriedade da “Lei de Gérson”).

Imaginemos, apenas hipoteticamente, que a “editora fulana”, usando de argumentos exclusivamente artísticos e éticos (claro), “convença” algum jurado a induzir a escolha do livro “sicrano” do escritor “beltrano”. Neste caso, claro, em vez de usar seus poderes para justiçar os fracos e oprimidos da literatura, o hipotético jurado estaria apenas fazendo o jogo bruto das grandes casas literárias e seus “nomes de peso”. É por causa disso que os escritores estranharam o que houve, é por causa disso que eu repudiaria um prêmio assim escolhido, mesmo que fosse eu o escolhido, e é por isso que tenho a firme opinião de que concursos literários não avaliam o mérito das obras, mas apenas revelam os movimentos tectônicos da luta pelo poder no sistema editorial. Briga de cachorro grande, onde um vira latas provinciano como eu dificilmente entra, a menos que concorde em fantasiar-se de palhaço, segundo o estereótipo que se impõe das capitais.

A questão, seca e simples, é que, a partir do momento em que se detecta a existência de uma falha no sistema, e de alguém que a utilizou com sucesso para obter o que queria, não há como fechar a Caixa de Pandora. Ou a regra muda, ou ano que vem todos os jurados votarão com estratégia, mesmo aqueles que não pensam que a sua opinião deva prevalecer acima das demais. A falha não está na permissão de se usar qualquer nota, de zero a dez, mas, sim, em revelar aos jurados os livros escolhidos na primeira fase segundo uma ordem de classificação, que revela a tendência de voto do júri como um todo.

Mas Gurgel, como todo ser humano, não é totalmente uma coisa só. Se se revela limitado no aspecto ético, ele parece ter algumas opiniões sobre o sistema literário brasileiro que acabam sendo parecidas com as minhas. O meu medo é que elas também estejam erradas, e eu as vá elogiar aqui somente porque os preconceitos dele conferem com os meus.

A primeira destas opiniões ele expressa ao comentar, com desdém, a reação dos escritores às suas notas: “Os nossos escritores não estão acostumados a serem julgados. O nosso sistema literário está doente.”

Esta é uma afirmação que parte de um senso comum difícil de negar. Isto, claro, se vê a todo momento, até nos blogues. O autor brasileiro é “estrelinha”, sim. Desde o iniciante amador que escreveu um pastiche pobre de Crepúsculo até um medalhão acadêmico. O primeiro confunde crítica à obra com um desmerecimento de sua dignidade pessoal, argumenta com as suas limitações e o seu esforço para que lhe sejam perdoadas as falhas e a falta de imaginação. O segundo reage com prepotência, move seus “pauzinhos”, anota no seu caderninho, dá seus telefonemas e eventualmente até desce do Olimpo, tonitroante, para reduzir o ousado crítico “ao seu lugar”. Faz isso porque não se sente seguro de seu lugar. Alguns de nossos grandes luminares sabem muito bem que sua glória é postiça, que seu mérito é mais curto que seus casacos e, na hora do “vamos ver”, deixa suas quadradas bundas de fora. Sabem que estão sentados, mas não assentados, na imortalidade. Ou melhor, saberiam, se seu talento lhes permitisse compreender a diferença que faz uma letra “a”.

Sim, o escritor está desacostumado a ser julgado. Talvez até seja necessário que, ocasionalmente, alguém lhe dê um zero. Mas a escolha do Prêmio Jabuti não foi exatamente o melhor lugar nem circunstância para dar essa lição de moral nos medalhões. Porque por mais moral que a lição fosse, perdeu-a pela manipulação aética do resultado, com o pretexto diáfano de que os critérios permitiam. Nem tudo que é legal é justo.

Existem três parágrafos na entrevista de Gurgel que estão de tal forma coincidentes com as minhas opiniões que eu, que comecei este artigo criticando com dureza o jurado, já estou, neste ponto, querendo dar-lhe as mãos e convidar para um chope. Cito-os nos pedaços que mais me interessam:
Essas pessoas [que] têm a hegemonia ideológica nos cadernos culturais, nas poucas publicações literárias que nós temos, nas editoras de livros. Quando eles escrevem uma crítica, as preocupações deles são, primeiro, a questão formal, linguística. Há um exagero de preocupação em relação a isso.

Se você não inovar em termos linguísticos, se você não tentar recriar o Finnegan's Wake o livro já não é bom, ou é um livro tímido, que revela insegurança. O que nós poderíamos chamar de narradores tradicionais já são repudiados por princípio. […]

Em termos de crítica literária, a preocupação desses críticos, na verdade, não é primeiro com relação à forma: é exclusivamente com relação à forma. Porque eles partem do princípio de que a obra é autossuficiente. A obra não tem que dialogar com a realidade. A literatura não tem que dialogar com o mundo. Tem que dialogar com ela própria.
Eu acho muito bom que um crítico literário cutuque esse tumor, que eu, com minha ridícula atiradeira de raquítico Davi, já havia cutucado em 1997, aos 24 anos, na ingênua revista literária que fiz em Cataguases. Qualquer dias desses obterei acesso ao único exemplar restante dela, e republicarei aqui o meu ensaio “Literatura e Consciência”. Que contém parágrafos quase iguais a esses. O que eu não tinha, nem tenho hoje, é o conhecimento teórico suficiente para detectar a origem desse fenômeno:
O [crítico literário] Antonio Candido fala que o nosso sistema literário, no início, era assim: as pessoas que produziam eram as pessoas que consumiam. Esse é o nosso grande problema, nós não temos leitores. O escritor escreve para agradar o crítico, pra agradar o professor de teoria literária e para agradar os seus amigos.
Então ele precisa ser politicamente correto, precisa fazer experimentos linguísticos, esconder o narrador, abusar da metalinguagem. Precisa fazer do texto dele um resuminho daquilo que a vanguarda fez nos últimos anos, para agradar as pessoas. Se você não tem uma crítica que está disposta a agradar o público, numa linguagem que ele compreenda por que aquele livro é bom ou não é, você não forma leitores.
Eu já sabia que este tipo de literatura que frequenta os cadernos culturais tem um caráter esotérico, já sabia que não são formados leitores a partir de romances da chamada “alta literatura”. Sabia também que existe um lugar para esta literatura excelsa. O que eu disse na época, e repito hoje, é que essa forma de literatura não pode ser a única, porque ela não é porta, ela é esfinge. As pessoas não se atraem por esfinges. Alunos em fase de alfabetização não querem palavras cruzadas. Tanto quanto alunos de primeiro ano do conservatório não querem tentar tocar Tom Jobim ou Yngwie Malmsteem.

Ocorre que nosso país possui uma ideologia dominante que aspira ao pensamento único. Ao partido único, ao estilo único. Se você discorda de mim, então você está errado, você é um imbecil ignorante, você tem de ser suprimido. Não sabemos conviver com a diferença. Não temos um histórico de filósofos adversários que, depois de se xingarem pelos jornais, se encontravam à tarde nos cafés para jogar dominó e rir das polêmicas criadas em torno de si. Nossa tradição é de autores criticados xingarem os críticos, de críticos questionados fulminarem os autores, de autores experimentais criticarem os narradores “primários”, dos narradores primários pretenderem derrubar do Olimpo os acadêmicos. Nossa sociedade tem um espírito de rinha, não de disputa. Nossa ideologia é o MMA, que vença o melhor, o vencedor é quem ficar de pé. Não concebemos um tipo de vitória no qual o adversário permaneça digno.

Com isso não convivemos com a diferença, por isso nossa democracia é frágil, por isso nossa imprensa tende ao golpismo, por isso nossas instituições se corrompem, por isso nossos partidos almejam perpetuar-se a qualquer custo.

Por isso nossos críticos, incapazes de conceber que outros críticos possam dar valor àquilo que eles escolheram desprezar, se prestam a “usar os critérios” para determinar o resultado, tal como um político que se alinha com forças ocultas para dar um golpe de estado e impedir a vitória iminente de um adversário no pleito seguinte. Por isso Gurgel continua errado, mesmo dizendo coisas com que concordo. As coisas certas, quando convivem com um mal evidente, tornam-se instrumentos a serviço desse mal.

Portanto, quando Gurgel diz coisas que são obviamente verdadeiras, o que ele está fazendo é criar uma cortina de fumaça sobre o ato aético que perpetrou, abusando de sua condição de jurado.

Mas então chegamos ao fim da entrevista, e aí compreende-se finalmente, porque Gurgel cometeu o ato que cometeu. Ele se revela aluno de Olavo de Carvalho, o que é uma coisa inconfessável para uma pessoa de cultura. As peripécias de Olavão são inúmeras, desde provar que Newton estava errado em sua física até negar a validade da Teoria da Relatividade de Einstein (sendo que o dito filósofo não é nem físico e nem sequer possui um grau acadêmico de exatas). Some-se a isso o horror mórbido à mudança, sua rejeição à novidade, sua agressividade contra as utopias de esquerda e sua crítica paranoica ao “esquerdismo” e  temos provas suficientes de que ele não pode ser levado a sério por uma pessoa de cultura mediana. Olavão pertence ao seleto clube das pessoas que nunca erraram (pelo menos nunca o vi retratar-se de uma opinião ou expressar qualquer ideia sua de maneira menos enfática do que uma certeza absoluta). Não erra porque se coloca como verdadeiro Oráculo, veículo da verdade divina. “A hegemonia da esquerda foi lentamente construída”, diz Gurgel. Olavo traz a verdade súbita, o golpe da verdade, o golpe.

Golpe que o jurado C desfere contra seus desafetos literários, contra o “sistema” que rejeita. Olavo e Gurgel, cada um em seu papel, Dom Quixote e Sancho Pança, lutando contra os moinhos de vento do mal, para salvar o mundo, ou pelo menos a literatura, da unanimidade burra do esquerdismo.

E então me lembro que, no texto introdutório da entrevista, Gurgel revelara ao repórter seu novo projeto: Atualmente, desenvolve um projeto ambicioso: reler todo o cânon da literatura brasileira e submetê-lo a seu crivo em textos publicados no jornal “Rascunho”. O primeiro fruto, o volume de ensaios “Muita Retórica, Pouca Literatura - de Alencar a Graça Aranha” (Vide Editorial), foi publicado em agosto. 

09
Nov 12
publicado por José Geraldo, às 00:12link do post | comentar

O poetinha desceu do ônibus já suado e despenteado. O óculos empenado na cara, a camisa amassada pela viagem desajeitada, a umidade incomodando por debaixo da roupa, o hálito amargo devido ao nervoso e ao fígado. Bateu no peito para ter certeza de que seu poema, copiado com capricho na velha máquina de escrever, se encontrava ainda intacto. Não estava: tanto suor o amolecera. Retirou-o do bolso e desdobrou com cuidado, quase com lágrimas. O mesmo calor que o molhara não o secaria. Xingou algum palavrão absoluto, mas timidamente o fez. Preferiu cruzar a rua em direção ao humilde teatro onde teria lugar o concurso municipal de poesia, para o qual se inscrevera com aquelas gotejantes exalações das chagas de sua alma torturada. Esperava a glória, não meros três mil reais de prêmio. Mas na falta da glória, o dinheiro cairia bem. Não é verdade que se compra a glória com dinheiro, dinheiro é só uma desculpa que a gente usa, o consolo da glória inatingida, inatingível, definitivamente deixada em outra esquina, numa rua diferente da que tomamos, possivelmente noutro bairro, cidade ou planeta. Quando ganhamos dinheiro a saudade da glória dói um pouco menos, mas ainda dói.

Tinha “vinte e cinco anos de sonho, de sangue e de América do Sul” e “por força desse destino” ouvia o som dos gringos e lia a poesia dos mortos. Julgava-se inteligente o bastante: conhecia as antologias. Estava muito bem informado, de tudo que tocava no rádio ou saía no jornal. Estava na moda, em perfeita simetria com com a televisão e o cinema. Sei que, assim falando, dá para pensar que esse jeito era o óbvio de 93, mas de fato o poetinha era especial de uma maneira: não conseguira ser igual a todos os demais, então restava-lhe o destino de ser diferente. Não por escolha — que teria preferido uma cara mais bonita, uma família rica ou um pinto bem maior.

E estava ali diante do teatro municipal como se fosse receber um prêmio internacional.

Quando chegou ao outro lado da rua, já estranhando que houvesse tão pouca gente, percebeu que Isaura estava sob a sombra de um oiti, vigiando sua chegada como quem tocaia sua caça. Ele não a convidara, claro. Não supusera que poesia lhe interessasse mais do que a vida sexual das tarântulas. Mas ela soubera do concurso, de alguma forma, e viera. Sua primeira esperança foi o engano: talvez só fosse alguém parecida. Esperança falha:

—Boa noite, Isaura. Que surpresa vê-la por aqui?

—Boa noite, Cacai. Você não me convidou, mas eu vim.

—Desculpa não convidar, mas eu não sabia que você gostava de poesia.

—Eu gosto de você.

Então Isaura não viera atrás de poesia, viera mesmo para vigiá-lo, como imaginara.

—Veio sozinha?

—Desculpa não trazer plateia, querido, mas fiquei sabendo muito em cima da hora.

Tomou-a pelo braço e foi entrando. Isaura não era exatamente bonita, mas tinha um corpinho jeitoso, uma voz que não era excessivamente doce e uma dose cavalar de ciúmes injetada nos olhos.

Dentro do teatro fazia uma temparatura que agradaria a Lúcifer. Os ventiladores pareciam maçaricos e as janelas, bocas de fornalhas. Algumas senhoras da sociedade padeciam de leques fora de moda e de uma vontade impossível de falar, tão custoso o esforço de qualquer músculo naquelas circunstâncias. Por sorte anoitecia já, e logo aquele ambiente saariano melhoraria. Demoraria só o suficiente para sua camisa terminar de ficar molhada, seu cabelo arrepiado, seu rosto engordurado de transpiração, o papel ainda mais molengo e os óculos embaçados escorregando no nariz, querendo cair.

Sentaram-se o mais perto possível da porta, pois aquela parede do teatro ficava pelo menos meio oculta pelas copas gordas das árvores. Alguns loucos haviam se sentado junto à parede que acabara de receber o sol de toda a tarde. Mas eles não suavam tanto: não tinham vindo de ônibus e os tecidos caros de suas roupas eram mais porosos à temperatura.

O mestre de cerimônias subiu ao palco, fazendo o teste dos microfones e convidando quem ainda tivesse que entrar. Então apareceu gente de todos os lugares inimagináveis, bem poucos entrando pela porta frontal. Só faltou alguém entrar pela janela lateral, a que se debruçava sobre o fétido riacho, porque pelo menos de uma outra janela entrou alguém. Uma moça de vestido verde, cafona a ponto de parecer cortado de uma cortina velha, tomou a palavra e convidou os autores presentes a se dirigirem aos bastidores, para identificarem-se e tomar conhecimento do protocolo. O poetinha se levantou, pernas bambas e óculos quase caindo da ponta do nariz, e acompanhou-a, juntamente com vários outros, por uma porta ao lado do pequeno palco.

Os bastidores estavam razoavelmente frescos, graças a um aparelho de ar condicionado e ao isolamento termoacústico. Naquele ambiente tão controlado e silencioso o poetinha pôde contemplar os que, com ele, lutariam pela glória das musas.

Era um grupo bastante heterogêneo, com tantas idades, sexos e cores quanto possível. Havia um velhinho de terno que declamava em cochichos, parecendo ensaiar-se, uma garota que não parecia ter mais de quinze anos, um senhor gorducho que usava uma estranha camisa azul estampada de flores psicodélicas, um rapaz que aparentava algum tipo de deficiência mental, uma senhora empertigada, que olhava a todos com um jeito de professora, um sujeito cabeludo, desarrumado e de olhos tristes… e a moça de vestido azul voltou, pedindo a atenção de todos antes que o poetinha tivesse conseguido fixar-se mentalmente em cada um.

— Senhoras, senhores. Venham comigo.

Acompanharam-na até a orquestra, onde foram convidados a sentar-se.

— Permanecerão aqui aguardando a vez. Cada um se levantará quando chamado e se dirigirá ao palco, juntamente com os seus parceiros. Durante as apresentações, pedimos que os que estiverem aguardando, e os que já tiverem se apresentado, permaneçam em silêncio.

O palco, enfeitado de flores de plástico e papel crepom, tinha uma larga mesa para abrigar sete jurados. “Para que tantos?” — pensou o poetinha. Sentou num lugar tão obscuro quanto possível. Deu uma olhada para trás, para ver Irene lá, sentada e acenando. Os demais foram se aboletando cada um a seu gosto.

Resolveu que não os olharia. Fixar-se neles o faria nervoso. Abriu o papel e recomeçou a repetir os versos, que ele mesmo escrevera, mas que pareciam fugidios como se tivessem sido extraídos de uma bíblia marciana.

Não há um número de 0900para encomendar o que lhe falta,mas mesmo então mantenha calmae não quebre ainda o telefonese a noite conseguir inquietar-lhe.Ele é só uma máquina sem culpa,que por dinheiro você pode usar.Não há nenhum comando própriopara desligar da alma essa dor,mas ainda assim mantenha a calmae não quebre o seu computador.Se você lhe perguntar aonde irele não terá resposta para dar:ele é só uma máquina estúpidaque não mente para lhe agradar.Desligue a tomada da paredee todo o perigo vai passar.Não há nenhuma lata que contenhasabores similares ao amor que houve,mas não deprede nunca o mercadose o que mais lhe falta em casanão pode ser comprado lá.Ali é só um refúgio de consumo,templo de quem come em vez de amar.Está tudo certo se você sair,desde que não saia sem pagar.Mas não creia no que dizem esses rótulos,esqueça tudo, tudo está errado:nem prateleiras nem teclados lhe respondemse você lhes perguntar pelo passado.

Tinha receio de ter sido uma má escolha. Cada vez que olhava para trás, nos olhos do público pingado que comparecera, tinha menos certeza de que seus versos inquietos causariam bom impacto. A glória que lhe sorria em sonhos parecia rir-lhe então, e ria dele.

Chamaram a senhora com cara de professora. Ela subiu ao palco desvencilhando-se de uma bolsa que não teve aonde pôr, senão sobre a mesa do júri — pretexto para cumprimentar cada um, vários deles aparentando ser colegas seus na profissão. Postou-se como uma cantora de ópera, abriu os braços como uma estranha ave depenada que ainda quer voar, e começou a declamar versos duros, cortados a martelo e talhadeira, no material eterno da pedra: versos de soneto, mais perfeitos em suas rimas do que claros no que diziam. Terminou deixando em todos a convicção de que sua obra não tinha sequer um hemistíquio deslocado ou um hiato, essa indecência, mas ninguém conseguiu saber exatamente do que falara seu poema.

O rapaz que aparentava deficiência mental foi o segundo. Subiu ao palco ajudado por um bando de crianças e duas professoras de música com violões. As professoras dedilhavam peças pseudoflamencas enquanto as crianças, pelo menos aparentemente, tentavam cantar a Bachina número cinco de Villa-Lobos. Passado um minuto disto, o rapaz deu um desnecessário boa noite e uma criança descalça entrou no palco para lere o poema dele, alguma coisa singela que falava sobre andar descalço na grama. A ideia era piegas ao extremo, os versos eram de uma banalidade total. A menina que lia parecia tropeçar na falta de pontuação. Mas no fim ouviu-se uma salva de palmas ensurdecedora. O poetinha olhou para trás e viu umas dezenas a mais de pessoas: certamente parentes, conhecidos, professores, vizinhos, colegas do moço. Todos gritavam “Jair! Jair! Jair” como se os pés das musas tivessem tocado aquele palco.

Em seguida subiu o velhino de terno, que desfiou, no melhor estilo pregador de praça, uma chorumela religiosa que parecia interminável. E de fato era: ele extrapolou os cinco minutos dados a cada concorrente e, mesmo avisado duas vezes, ainda continuava. Por fim, pegaram-no pelo braço e o ajudaram a descer até seu lugar. Mesmo assim ele ainda andava olhando para trás, em direção ao microfone como a mulher de Ló sentindo saudades de Sodoma, e ainda defenestrando versos que já ninguém ouvia.

Seguiu-se uma sucessão de apresentações mais comedidas, umas duas ou três, todas tão sonolentas que o poetinha cochilou mesmo. Acordou com as palmas dadas à menina de quinze anos, que se curvava diante da platéia, imensamente agradecida, exibindo a bunda para os jurados, por causa de sua saia muito curta. O poeta maconheiro, que ainda não se apresentara, cometeu um ato de terrorismo poético que foi o melhor momento da noite: gritou à garota que agradecesse também aos jurados.

Talvez por vingança, ou sei lá o que, chamaram-no a seguir. Ele subiu ao palco acompanhado de um violão e de uma moça tatuada que lhe levou uma vara de incenso. Deixou-a acesa no chão e dedilhou o instrumento. Começou a declamar, deixando espaços compridos entre os versos, durante os quais as notas percutidas em cada sílaba ficavam reverberando misticamente no ar. Era um poema sobre natureza, discos voadores, sonhos, anjos, coisas psicodélicas e também sobre cogumelos e flores.

Então chamaram o poetinha. Subiu ao palco, amarfanhado e já malcheiroso de suor. Enquanto passava pelos bastidores deram-lhe uma cópia nova do poema, talvez por misericórdia. Mas ainda no caminho até o palco percebeu que haviam “corrigido” algumas coisas com que não concordava, então resolveu ignorar e lere mesmo a sua cópia molhada de suor, escondendo-a atrás da folha nova e rija que lhe haviam entregado.

Fechou os olhos e se imaginou sozinho no próprio quarto. O silêncio geral o ajudou. Olhou para os papéis, que tinha à mão esquerda, ergueu-os no ar e soltou. De repente teve a confiança de que precisava. As duas folhas, nova e velha, caíram dançando pelo ar enquanto ele declamava os versos devagar, parando nas ênfases, exaltando as metáforas, até as que não pusera lá. Como sempre, lembrou-se de fazer duas correções em trechos que soavam mal. Quando terminou, suando sobre as luzes fortes que iluminavam o palco, abriu os braços e se curvou, em agradecimento prévio aos aplausos que não vieram. Veio um silêncio quente, denso, úmido.

Ergueu-se meio eletrificado, mas embebido de uma decepção tranquilamente grande. Uma lágrima brotou escondida num canto do rosto, disfarçou-a limpando a testa e se vingou da moça de verde dando-lhe a mão suada para sair do palco.

O último a subir foi o senhor gorducho de camisa estampada. Este apareceu no palco verdadeiramente transfigurado. Durante o breve trânsito pelos bastidores, desabotoara a camisa e deixara ver sob ela uma outra, de malha, com uma estampa berrante que os óculos embaçados do poetinha não lhe deixaram ver direito. Ouviu-se música: um samba tocado com cuidado no piano do teatro, e o gorducho sapateou no ritmo justo.

O samba foi ralentando, adquirindo um outro andamento, ficando esvaziado como uma chuva que vai emagrecendo no fim da tarde. O homem abriu o peito que soou cavo e potente como um canhão, sua voz rasgou o teatro, com pouca ajuda do fraco microfone. E foi declamando uma série de trovas simples, com rimas do segundo verso com o quarto. Não parecia haver muito nexo entre elas, mas a última foi “matadora”, ao conseguir uma “improvável” rima do nome da amada Ivete com a necessidade de, por causa da distância, namorá-la pela internet. Uma onda de gargalhadas atravessou o teatro, dezenas de vozes de pessoas que achavam surpreendente alguma rima que não fosse do tipo “amor e dor”.

Os jurados, então, deram por encerrada a fase de apresentações e convidaram os presentes, autores inclusos, para o coquetel que estava servido na sala contígua. Após o coquetel seria feita a premiação.

O poetinha foi o último a deixar seu lugar. Não tinha vontadede comer ovo de codorna com fios de ovos, nem salaminho ao limão, nem azeitonas pretas no vinagre. Não beberia nada além de água com gás, possivelmente aceitaria uma rodela de limão no fundo.

Não aconteceu nada de extraordinário no coquetel, além do desfile de frivolidades simples. Meia hora apenas e os salgados se acabando quando finalmente anunciou-se o fim das deliberações dos jurados, que aparentavam a gravidade de quem vai condenar alguém à forca.

— Para o terceiro lugar— anunciou o mestre de cerimônias — Fabiana Lima, com seu poema “Amor aos Pedaços”.

O poetinha achou graça de darem um prêmio à menina. Valera a pena mostrar a bunda aos jurados, afinal.

— Para o segundo lugar, Ana Vicentina Gonçalves, com o poema “Face ao Estige”.

A professora conseguira impressionar aos jurados, afinal, com seu meticuloso exercício de versificação. Devia alguma coisa de genial naquele poema, apesar de soar tão duro. Era uma professora, afinal, e os jurados eram professores. Alguém devia representar a classe naquele concurso.

— Antes de anunciarmos o poema vencedor, gostaríamos de entregar um prêmio realmente especial, pelo conjunto da obra.

O poetinha olhou em torno, tentando adivinhar quem mereceria uma honraria tal. Haveria inadvertidamente entre os pretendentes ao prêmio algum que fosse acadêmico, ou que tivesse já vários livros publicados? Não, não era isso:

— Ao poeta Jair de Sousa Lima, que é um exemplo para todos nós.

Era o rapaz que aparentava deficiência mental. Ele subiu ao palco sorrindo meio abobado, acompanhado de várias outras pessoas, certamente parentes e amigos. Deram-lhe um bonito troféu, maior que os outros dois que já haviam sido entregues.

O poetinha, ainda se sentindo perdido no assunto, resolveu pedir ajuda ao único entre os candidatos que lhe parecia acessível, o poeta maconheiro:

— Quem é esse cara do prêmio especial? Não vi nada de extraordinário na obra dele hoje — perguntou em um cochicho.

— Ora, é só um portador de necessidades especiais que inscreveu alguma coisa no concurso. Para não serem crueis com ele patrocinaram esse prêmio.

— Mas isso não faz sentido, que espécie de concurso é esse em que a gente concorre contra alunos da APAE?

— É um concurso como qualquer outro, ou você acha que é melhor do que o garoto? Você só não tem uma APAE para estudar e uma família para lhe pagar um troféu.

O poetinha quis revidar, mas subitamente deu-se conta de que era aquilo mesmo. Quanto poeta do mundo se empresta a glória da escola onde comprou seu diploma, ou é propelido pelo dinheiro da família até as salas dos melhores revisores, aos selos das melhores editoras e às listas dos mais vendidos? Mais honesto aquele rapaz, que não o fazia por querer, e aquela família que tinha plena consciência de que estava apenas comprando horas de felicidade para ele. Melhor isso que a ilusão de ser um novo gênio literário só porque nasceu no lugar certo e estudou com pessoas influentes. Ou talvez estivesse ressentido, e o ressentimento nos conta mentiras para justificar nossa insignificância.

Por fim o mestre de cerimônias pediu a palavra para o grande momento da noite.

— Senhoras e senhores, neste momento gostaria de pedir uma salva de palmas para o nosso vencedor, com sua obra inovadora e surpreendente, Antônio Gomes e suas “Trovas para Ivete”.

O poetinha quase engasgou com a própria língua. O poeta maconheiro apenas ria.

— Como é isso? “Inovadora”? O cara escreveu umas trovas em redondilha!

— Fica calmo, rapaz, tudo é parte do jogo.

— Como assim, “surpreendente”? A única coisa diferente em todo o poema era a palavra “internet” no final, rimando com o nome da suposta amada dele, que ele só batizou assim por causa da rima!

— Não seja despeitado, o poema dele pelo menos todo mundo entendeu.

O poetinha se levantou para aplaudir, junto com os outros, e os foi acompanhando para fora, mortificado de sair do concurso sem prêmio nenhum, apesar da “obra prima” que arrancara das entranhas de sua própria alma enquanto o sambista gorducho amealhava três mil reais graças a cinco trovas simples sobre amar de longe uma tal de Ivete. Sentia-se ultrajado, esbulhado, feito de palhaço. Apenas o poeta maconheiro o ajudava a ter perspectiva:

— Você esperava o que, rapaz? Um concurso de poesia no interior, com um juri formado pela pequena burguesia local? Queria que dessem o prêmio a um forasteiro como você? Queria que dessem o prêmio a um pobre como um de nós? Que premiassem um poema inconformista, como o seu, ou como o meu?

— Olha, o problema não é eu ter perdido. O problema é “ele” ter ganhado.

— Foda-se isso, você ainda não entendeu para que você e eu servimos aqui? Nós somos só a escada em que eles sobem para ganhar seus certificados inúteis. Estamos aqui para dar brilho à cerimônia deles.

Mesmo assim, eu tenho a certeza de que meu poema era bom. Como não ganhei nada?

O poeta maconheiro o levou à janela que dava para o riacho fétido, o canto onde ninguém queria ir, mostrou-lhe as luzes da cidade e disse:

— Veja só, rapaz, tudo isso é ilusão. Ilusão, ilusão, tudo é ilusão. Eles fazem cerimônias, trocam certificados e títulos, dão-se prêmios, batizam ruas com os nomes de seus parentes. Mas depois eles morrem e fica só a placa na esquina, sem que ninguém saiba quem foi. Tudo é poeira no vento. Esse concurso, esse prêmio, até o dinheiro que o cara ganhou. E não pense que lhe adiantaria alguma coisa se você ganhasse. Adiantaria menos do que adiantou para o gorducho: ele vai beber esse dinheiro em uísque e deixar o troféu num canto da área de serviço. Mas você, faria o que com o troféu, o certificado e o dinheiro? Três mil não consertam sua vida, o certificado não lhe abre nenhuma porta, o troféu é um monstrengo horrível. Fique feliz de ter perdido, e aprecie a companhia.

— Que companhia?

— Você perdeu em ótima companhia nesta noite. Você perdeu em companhia de Augusto Frederico Schmidt, entremeado com versos de Péricles Eugênio da Silva Ramos, Rui Ribeiro Couto, Raul de Leoni e Alphonsus de Guimaraens.

— Você está falando do seu poema?

— Sim, claro. Uma colagem de versos absolutamente lindos, de poemas obscuros de autores absolutamente incontestáveis. E eles nem perceberam e nem premiaram.

O poetinha sorriu:

— Acho que ano que vem tentarei participar com umas traduções de Evgeni Evtushenko que estou tentando a partir do francês.

— Esse é o espírito, cara. Se você não pode ser rei, seja um bom bobo da corte, que é o único com permissão para rir do rei.

O poeta maconheiro recebeu o abraço de sua mulher e convidou:

— Vamos afogar esse seu ressentimento em uma copada generosa de vinho com catuaba?

O poetinha lembrou-se de Irene, acenou-lhe, e, claro, disse que aceitava.


27
Out 12
publicado por José Geraldo, às 22:08link do post | comentar | ver comentários (6)
E para quem achava que repetição de erros de organização era algo que só acontecia com o ENEM, «coisa do governo» e, portanto, incompetente, eis que, pelo segundo ano consecutivo, lá temos sob questionamento de novo o maior prêmio literário do país, o Jabuti, conferido pela Câmara Brasileira do Livro.

Para quem não se lembra, a polêmica do ano passado se deveu ao romance de autoria de Chico Buarque ter sido escolhido «livro do ano» mesmo sem ter sido vencedor em sua categoria. Trocando em miúdos: uma obra que não conseguiu ser o melhor romance do ano foi vista como o melhor livro. Faz sentido na lógica psicodélica dos concursos literários que, como se sabe, são um tipo delicado e culturalmente desejável de empulhação. Empulhação consentida pelas partes, embora algumas vezes certas pessoas fiquem amargas.

A polêmica deste ano se deveu às notas conferidas por um dos três jurados na categoria romance. O ainda anônimo «Jurado C» deu respectivas notas zero e um e meio a duas obras que haviam tido notas médias anteriores maiores do que as do livro que veio a ser o vencedor. Trocando em miúdos: prevendo que o seu favorito (a quem deu 10) perderia, o «Jurado C» deu notas ridículas aos principais concorrentes, para forçar a vitória de seu candidato.

Não existem justificativas para a crítica dar notas abaixo de cinco a um romance que chega às finais de um prêmio nacional de literatura. É preciso uma dose muito grande de paulocoelhice para um romance merecer zero. Tanto assim que nem mesmo os romances do mago chegam a merecê-la, no geral. É de se imaginar que obras publicadas por editoras sérias (aham), escolhidas por critérios literários sérios (aham), submetidas a processos competentes de revisão, se chegarem a integrar a lista dos dez favoritos, merecem pelo menos um cinco. Cinco é a mediocridade absoluta. E mediocridade é o mínimo que se espera de um autor publicado «no esquema». Abaixo da mediocridade reina o desastre, a falta de continuidade, os solecismos, os desconhecimentos semânticos, a anfibologia, o plágio e toda uma gama de coisas que tornam a leitura do livro impossível a não ser pelos infelizes revisores que são obrigados a ler.

Portanto, as notas dadas pelo crítico são indefensáveis segundo qualquer parâmetro crítico que se queira adotar — e isso quer dizer que elas evidenciam a manipulação deliberada do resultado final. Que seria outro se outras tivessem sido as notas desse frustrado indivíduo que gargalha em sua cadeira, como um deus mitológico, depois de fulminar os pobres mortais.

As notas deste crítico, sozinhas, são um tapa na cara de todo escritor brasileiro. Elas revelam um estado de espírito que não pode ser isolado. Se este crítico fosse o único a se sentir um «deus das notas», capacitado a definir resultados de prêmios que influem nas vidas de pessoas, a sua atitude teria encontrado mais repúdio, o processo teria sido cancelado. Outra análise seria feita. Tudo para não entregar a um jovem autor, estreante no romance, um prêmio que lhe pesará mais na estante do que uma bola de ferro acorrentada ao calcanhar. Para todo o sempre o escritor Oscar Nakasato será o autor que só ganhou o jabuti porque um crítico deu zero a Ana Maria Machado.

No lugar de Oscar, eu compareceria a cerimônia, sabendo que ela seria filmada, subiria ao palco, receberia o troféu, mas em seguida o recusaria, destinando-o publicamente ao Jurado C que, ao demonstrar tamanha vontade de influenciar no resultado, revelou-se único «dono» do troféu, a ponto de decidir conscientemente a quem dá-lo. Desta forma, recusar o troféu seria restituí-lo ao dono. Seria uma saída digna. Pessoas dignas costumam recusar honrarias imerecidas ou polêmicas. Escroques não, porque eles vivem para obter honrarias, merecidas ou não. Kissinger aceitou um Prêmio Nobel da Paz por ter assinado a paz da Guerra do Vietnã, uma paz que poderia ter saído quatro anos antes se ele não tivesse ajudado a sabotar as negociações para favorecer a vitória dos Republicanos em 1968. Para ganhar uma eleição, o futuro Nobel da Paz fez mais 250 mil pessoas morrerem. Humor negro no Vietnã é dizer que Kissinger ganhou o Nobel da Paz.

Se o romancista paranaense fizer isso, certamente será declarado persona non grata nos meios editoriais brasileiros para todo o sempre, e amém. Mas se aceitar o troféu, a vida inteira vai ter alguém para implicar consigo dizendo: «aquele troféu você só ganhou porque um jurado maluco deu zero para a Ana Maria Machado, cara». Olhem o tamanho da injustiça que o júri do Jabuti impôs a esse cara. Ninguém merece ter que fazer uma escolha dessas: entre uma atitude digna que atrai catástrofes e uma atitude cautelosa que preserva uma polêmica (alguns dirão covarde, mas eu que sei o que pena um escritor não tenho coragem de usar esta palavra contra o Nakasato). Por isso eu vou entender se o cara aparecer com seu melhor terno, sentar onde «o moço» manda, esperar quieto a sua vez, aplaudindo a vez dos outros, subir no palco com desajeitamento natural ou simulado (pois novato tem que ser desajeitado), agradecer à família, à Deus, à pátria, ao público e levar o troféu para casa, caladinho. Nem todo mundo é maluco. Nem sei se eu seria. Mas que adorável seria o mundo se os malucos governassem.

Alguns dirão que o tempo passa, as polêmicas são esquecidas e o que importa são os títulos conquistados, e só os perdedores choram. É a lógica deprimente do sucesso a qualquer preço. A lógica de uma espécie de selva moral que nos empurra para o abismo e para o salve-se-quem-puder. Uma lógica que está na moda, mas a moda pode mudar as pessoas começarem a dar exemplos. Eu quero viver em um país onde as pessoas rejeitem vitórias obtidas de forma ilícita ou em decorrência de falhas do processo. Por isso eu preferia que o Chico Buarque tivesse recusado seu Jabuti no ano passado, considerando que ele, sendo quem é, precisa muito menos dele do que o Nakasato, que está começando agora. Mas Chico ficou com o prêmio, sem sequer um protesto, e se apequenou. Sorte dele é que os ídolos não precisam ser perfeitos.

08
Ago 12
publicado por José Geraldo, às 00:40link do post | comentar | ver comentários (4)
Sempre tive reações indecisas diante de cada concurso literário de que ouvi falar em toda a minha vida. Uma das primeiras coisas que li a respeito de meu poeta favorito, Fernando Pessoa, foi que ele tirou o segundo lugar no único concurso de poesia de que participou em vida. Eu tinha meus dezesseis anos quando li isso numa biografia do Poeta. De lá para cá as notícias de concursos que dão errado não param de me perseguir, como a recente polêmica sob a premiação de Chico Buarque com (mais um) Jabuti, que acabou fazendo com que muitos autores e críticos relevantes botassem na imprensa o que, provavelmente, se diz na surdina: que os prêmios literários mais famosos servem mais para manter o interesse pelos autores consagrados (em um país onde a literatura concorre com peças de cultura pop válidas apenas por um verão) do que para identificar e estimular novos talentos.

Essa persistente percepção se aguça cada vez que leio o regulamento de um novo concurso, a ponto de eu já ter perdido qualquer interesse em participar de algum (porque participar envolve custos integralmente absorvidos pelo autor). Em geral, pelo que percebi, os concursos parecem dividir-se em quatro categorias:

  1. Os que não são concursos de fato, mas apenas pretexto para atrair autores que tenham dinheiro, mas não experiência, a publicarem por editoras que possuem muita experiência, algum dinheiro e nenhuma competência.
  2. Os que são obscuros demais para acrescentarem alguma coisa ao currículo do autor, fazendo-me pensar que se algum dia eu ficar famoso, os organizadores se promoverão dizendo que um dia me premiaram.
  3. Os que não estão interessados em identificar autores originais, mas autores capazes de cumprir as tarefas predeterminadas pelos objetivos comerciais da editora, como, por exemplo, produzir um conto com tantos mil caracteres sobre o tema fulano.
  4. Os que possuem regulamentos tão draconianos que explicitamente excluem a maioria dos autores que pretendem identificar e premiar.
Sobre os primeiros é melhor que não fale muito, e que sequer sugira nomes, embora os nomes sejam sussurrados nos fóruns da internet, porque não tenho dinheiro e nem disposição para enfrentar um processo por difamação. Especialmente porque alguns dos sussurros podem ser boatos movidos por interesses tão escusos quanto aqueles.

Sobre os segundos eu até poderia falar alguma coisa sem medo, mas sinceramente esses concursos são tão obscuros que eu precisaria gastar um bom tempo procurando informações sobre a sua existência a fim de poder tecer tais comentários. Mas se você conseguiu acompanhar a minha linha de raciocínio não precisa que eu dê exemplos.

Sobres os terceiros eu faço questão de falar, mesmo sabendo que perderei alguns amigos e fecharei algumas portas (mas fodam-se essas portas, pelas quais eu não quero entrar). Não citarei nomes (é verdade), mas as cabeças nas quais as carapuças servirem não ficaram felizes.

Sobre os últimos, por fim, é preciso que eu diga muita, mas muita coisa. Mas antes quero explicar esse negócio de «cumprir tarefas».

Acredito que a maioria das pessoas dotadas de talento literário teve problemas com seus professores de português e literatura. Millôr Fernandes orgulhava-se dizer que tirava notas horríveis em redação. Machado de Assis declarou-se um incompetente em língua portuguesa ao tentar ajudar um sobrinho a fazer os deveres escolares. Carlos Drummond de Andrade foi ridicularizado pela professora por ter escrito um conto fantástico (inspirado em Jules Verne), de forma não muito diferente do «Pink», personagem narrador da ópera rock The Wall, do Pink Floyd, que foi humilhado pelo mestre-escola por ter escrito um poema.

Não quero me ombrear com os autores famosos — no máximo com o Pink, que era um sujeito problemático e egocêntrico, com uma certa dificuldade com as mulheres e uma tendência a fazer péssimos poemas (rimando «jag-uar», «new car» e «ca-viar») — mas também já tive a minha cota de notas baixas em português e muita gente já ridicularizou o que escrevo. Se eu soubesse tocar guitarra ou liderasse meu próprio bando de skinheads, talvez eu atirasse em uma televisão, depilasse as sobrancelhas e enxergasse roedores nas paredes. Como o Pink, para você que não é fã de rock progressivo e não entenderia a piada.

O problema que as pessoas supostamente dotadas de «talento» têm com os professores de português é que, quando você acredita que está acometido desta condição literária você passa a ter o desejo de expressar-se, do seu jeito. Obviamente este desejo não combina com as tarefas que os alunos têm de cumprir para obter a nota. A redação que foi pedida era sobre «Como Viveríamos Sem Eletricidade», e não sobre o seu medo do escuro, filho. No meu caso eu digo com orgulho pueril que quase fui expulso da escola porque, para o dia da criança de 1984, ainda no ocaso da ditadura, eu entreguei à minha escandalizada professora de português, uma redação sobre controle populacional. Que era uma bosta, obviamente, como tudo que um aluno de 11 anos escreve, mas pelo menos tinha ousadia e originalidade. Inclusive por ter chamado a pílula pelo interessante eufemismo de «anticegonha».

Quando um escritor sai da escola, eu imagino, sente um bafejo de liberdade no ar. Não está mais obrigado a escrever respeitando limites de tamanho e ditames de assunto. Tanto quanto quem se forma em desenho não precisa mais usar papel quadriculado ou empregar o pantógrafo para calcular perspectivas. Finalmente vou escrever o que quero, do jeito que quero. Infelizmente o mundo não quer ninguém do jeito que cada um é, o mundo quer todo mundo devidamente harmonizado. Cada um no seu quadrado, uma música estúpida, mas que tangibilizou a ideologia conservadora de uma forma irrepreensível. Eis o que o mundo quer: Ado, a-ado, cada um no seu quadrado.

É que, depois de ter conquistado a maioridade e de ter a própria máquina de escrever (eu já celebrei isso, uma vez), você descobre que a sua liberdade de escolher o tema e determinar o tamanho é totalmente irrelevante porque o mundo não está procurando nada disso: o mundo tem um sapatinho de cristal e sai calçando por aí, se seu pé for do tamanho certo você sai do borralho e recebe seu grande prêmio. Para quem tem pés bonitos, mas do tamanho errado, o lugar continua sendo a cozinha.

Esses são os concursos que determinam tema e tamanho. Cada vez mais os seus editais se tornam específicos. Não basta que seja um conto do gênero «histórico», por exemplo, tem que ser histórico ambientado no interior do Espírito Santo na década de 1820. Não basta ser fantástico, tem que ser fantástico com um estilo prattchettiano, voltado para o tema dieselpunk e adaptado à realidade brasileira (ou búlgara, tanto faz, visto que nenhuma das referências culturais tem a ver com o ambiente onde tudo deve ser adaptado).

Não estou generalizando. Provavelmente o concurso promovido pela sua editora é diferente, não há necessidade de me processar. Eu estava me referindo apenas aos seus concorrentes, é claro.

O caso é que eu não tenho nenhum tesão para fazer composições de acordo com o tema «sugerido». Aliás, sugerido é o meu … de óculos: todas as vezes em que não optei por nenhuma das sugestões o meu texto foi rejeitado e tive que fazer outro. Só que, como não estou mais na escola e não tenho a necessidade de obter uma nota para passar de ano, não me importa se o meu texto não serve para a sua coletânea. Provavelmente sua coletânea não serve para mim também.

Mas chego, enfim (sim, sou prolixo e uso pontuação em excesso), ao assunto que me moveu a escrever esta diatribe: os famosos editais excludentes.

Imagino que as pessoas que escrevem tais editais imaginam que o Brasil seja a pátria da literatura e que exista um autor talentoso em cada quarteirão desse país, fora os que não são talentosos, mas sabem agradar o júri. E como existem tantos, é necessário que o edital, já de cara, se encarregue de inabilitar o maior número possível deles.

Há várias maneiras de se fazer isso. A mais comum é exigir o ineditismo. Dependendo do concurso, o ineditismo pode ser exigido para a obra apresentada ou até mesmo para o autor. A regra é clara:
Somente serão aceitas, no presente processo de seleção, obras literárias rigorosamente inéditas e que não tenham sido publicadas, mesmo parcialmente, de forma impressa ou virtual.
Não entendeu? Vou explicar.

Nesta nossa idade digital, em que todo autor obscuro que almeja alguma forma de divulgação pode encontrar leitores (ou até um editor) divulgando seus textos em redes sociais, fóruns ou blogues, os redatores deste edital ainda imaginam que exista o rigoroso ineditismo de uma obra literária. Qual autor escreve uma obra genial, digna de receber um prêmio relevante, e a mantém rigorosamente inédita, sepultada em uma gaveta, esperando um concurso?

Trata-se de uma regra tão absurda que me vejo forçado a imaginar que a) serão apresentadas, e eventualmente premiadas, obras não rigorosamente inéditas ou b) alguém, já predeterminado para ganhar, possui uma das raríssimas obras rigorosamente inéditas. A primeira hipótese é bastante plausível, especialmente se a obra em questão foi postada apenas em fóruns privados (não indexados pelas ferramentas de busca) ou redes sociais, ou publicada em revistas impressas de baixa tiragem e nenhuma relevância. A segunda hipótese é acintosa, mas eu nunca me esqueço de que vivo no Brasil.

Sobre a segunda hipótese, há que se ter em conta que a exigência de rigoroso ineditismo, obviamente, impede que alguém questione a decisão do júri. Seja qual for a escolha dos jurados, ninguém poderá argumentar que outra obra merecia mais o prêmio. Os editais de concursos literários aprenderam com os festivais musicais — e com o fiasco do concurso português que preteriu Fernando Pessoa. Hoje em dia o poeta não ganharia e talvez nem tivesse como provar que participou.

É por causa do rigoroso ineditismo que eu não posso participar de nenhum concurso literário. Ou pelo menos não me dou ao trabalho de fazê-lo para gastar dinheiro cumprindo as exigências e depois ser desclassificado sem nenhum aviso sequer (porque os concursos literários só dão satisfação aos premiados e você, que se inscreve, na maioria das vezes nem recebe uma confirmação de que sua inscrição foi aceita). Mas tem mais. Existem outras formas de excluir autores que não devem ganhar.

Uma delas é impor ao candidato uma peregrinação para inscrever o seu trabalho. Apesar de todo o avanço das comunicações, da confiabilidade do correio e da existência da internet, nada mais apropriado do que fazer um concurso aberto à participação de qualquer cidadão brasileiro, mas obrigá-lo a comparecer, em horário comercial, em algum escritório qualquer da cidade onde o concurso é sediado, para entregar pessoalmente sua obra.

Outra é determinar regras explícitas para a formatação do original. Claro que eu imagino que pessoas que terão de ler dezenas de livros de autores desconhecidos não ficarão felizes de lê-los impressos em cores, com fonte Comic Sans ou em formato de papel não padronizado. Mas há concursos que chegam às raias do absurdo no detalhismo, determinando a tipologia, o tamanho da fonte, as margens da área impressa, a localização da numeração de página, o espaçamento entre linhas, etc. Poderiam simplesmente solicitar o arquivo em formato digital e determinar o tamanho por uma simples contagem de palavras e caracteres. Mas dão-me a impressão de que algum estafeta, em alguma escrivaninha abarrotada, estará contando linhas e palavras com uma régua.

A tudo isto se junta a lenta constatação, compartilhada com a amiga Ilka Canavarro, de que a partir de uma certa idade as pessoas não se interessam mais pelo que nós temos a dizer, a não ser que tenhamos ficado ricos ou famosos. Algo que o Ronaldo Roque também já havia detectado.

Então, se já sei que não serei aceito nem premiado, se já sei que não estão mais interessados em um Novo Escritor que fez 39 anos, se já sei que ridículo ficar buscando a aprovação de um mundo que objetivamente já me rejeitou como autor; por que me desgastar formatando originais para concursos cujos editais parecem talhados para justamente excluir não a mim, pessoalmente, mas o tipo de pessoa que eu sou, no mundo de hoje?

Ah, me poupem de formatar meu romance de forma aceitável. Quer dizer que eu não tenho o direito de pegar um conto meu e expandir para um romance, pois isso não se enquadra no rigoroso ineditismo que o concurso exige? Para que vou me preocupar em viajar trezentos quilômetros para perder horas em uma fila, a fim de poder «protocolar» meu humilde edital, nas mãos de um/a recepcionista que não escreve? Provavelmente ele/a estará se sentindo incomodado/a com o volume inesperado de trabalho e o peso de tanto livro (para que esse pessoal escreve livro tão grosso, meu Deus?).

É muita humilhação para um autor amador, que realmente ama o que faz. É muita exigência para um assalariado que ousa escrever (isso não é coisa de trabalhador, quem tem que escrever sobre o povo é o rico que se interesse pelo tema). É muito obstáculo para quem divulga seu trabalho em busca de atenção, contatos e reconhecimento em vez de pedantemente pô-lo na gaveta à espera de um concurso. Isto é coisa de gente que vê a literatura como um ornamento na biografia, não como um objetivo pessoal.


Então, mais uma vez, declino de participar. Não que me julgue «acima» de concursos. Na verdade gostaria muito de estar neles. Mas julgo inútil tentar, visto que nos próprios editais estão estabelecidas condições que me excluem, de forma que eu só poderia participar mentindo (e expondo-me à humilhação de ser achado na mentira) ou submetendo obras feitas por encomenda. Só que não se encomenda, em trinta dias, oitenta páginas de prosa digna de ganhar um concurso.

Não fico, porém, prejudicado. Nunca tive grandes ambições com a literatura. Escrevo porque gosto e, embora goste da ideia de um dia fazer sucesso, não me sinto diminuído por não ganhar concursos. Fernando Pessoa nunca ganhou um.

28
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 19:20link do post | comentar | ver comentários (4)

A falta de profundidade é uma necessidade quando se escreve para pôr no Orkut, onde textos mais complexos geram comentários depreciativos de pessoas que os consideram… complexos demais. Felizmente já há um bom tempo em que eu não levo o Orkut tão a sério e brindo-o apenas com meus rascunhos, para talvez detectar pontos potenciais que possam ser melhorados.

Cheguei a essa conclusão porque entendi que os leitores daqui não apreciarão o que eu escrevo de jeito nenhum. Nem quando eu estiver dentro do tema, nem quando estiver fora, nem quando o texto for complexo, nem quando for simples, nem quando eu tiver levado quatro meses escrevendo, feito revisão e usado leitores-beta, nem quando tiver escrito em sete minutos e postado assim mesmo (como foi o caso desse). Não sei se isso é por eu um dia ter sido moderador da NEB, ou talvez por eu tentar dar ao meu texto uma seriedade e um caráter tradicional, ou por talvez não ser loiro o bastante, ou por não me chamar Johnny…

Um dos problemas aqui do Orkut é a falta de profundidade. As pessoas querem o infinito em trinta segundos. Querem o impoderável em vinte gramas. Querem o indescritível em poucas palavras. Porém há coisas que não cabem aqui, ou cabem mal. Tolice é tentar pegar o martelo e fazer caber. Alguns já nascem no tamanho certo, outros não vão aceitar encolher, outros não conseguirão esticar.

O outro problema é que nem todos que aqui estão se adequam. Eu, por exemplo, não me adequo. Eu sou um dinossauro, sou do tempo da máquina de escrever e do mimeógrafo. Sou do tempo do telex e da loja de fotocópia. Tenho arquivos datilografados ainda. Tenho uma biblioteca em casa. Desconfio do Kindle e de outros quejandos. Eu ainda uso palavras como “quejandos” — e as pessoas me acham pretensioso por escrever assim, sendo que isso é natural para mim.

Enfim, desde o final do ano passado que eu já sabia que esses concursos nunca funcionariam para mim. Amadores julgando sempre tenderão a colocar o nível de excelência próximo do nível que conseguem. Por isso as apreciações feitas pelos grandes nomes da literatura costumam ser surpreendentemente diferente das feitas pelos críticos de jornalão e por isso a opinião da crítica diverge da opinião pública.

Todo concurso é furado, isso todo mundo sabe. Envolve interesses que vão além da mera “qualidade literária” (conceito que por si só já é discutível). Esse ano, por exemplo, teve o “Escândalo do Jabuti”, no qual Chico Buarque ganhou o Grande Prêmio sem ter vencido nenhuma categoria, por exemplo, o que acabou levando a Editora Record a retirar-se de futuras edições do prêmio, em protesto. E nunca custa lembrar que Fernando Pessoa não venceu o único concurso que disputou em vida…

Não que eu me considere um autor desse naipe todo, mas com certeza não alimento de ilusões de que concursos serão o caminho através do qual obterei “reconhecimento” e “carreira artística”. Muito menos um concurso de Orkut, no qual existem pressões muitos novas (para mim) e muito diferentes do tipo de demanda a que a literatura tradicional estaria preparada (e minha literatura é bastante tradicional).

E fica pior quando você considera que o Orkut encolhe a cada dia em termos de qualidade (para quem não lembra, leia “a diferença entre crescer, inflar e inchar”, um artigo provocativo que eu pus no meu blog há quase um ano). As comunidades não andam tão vibrantes quanto já foram, nem mesmo esta. E nos outros sites de relacionamento as coisas não fluem como um dia fluíram por aqui.

Talvez seja o momento de reconhecer que, como diz meu amigo Ronaldo Roque, “ninguém mais lê ninguém, só por obrigação”.


22
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 14:04link do post | comentar | ver comentários (1)

Hoje é Dia do Folclore. Não temos muito o que comemorar, infelizmente, se considerarmos que os nossos jovens estão cada vez mais alienados em relação às nossas tradições. Resolvi, porém, começar a fazer a minha pequena parte quanto a isso. Começando esta semana e durante os próximos meses, encerrando no Dia do Folclore do ano que vem, publicarei em capítulos semanais o meu romance « Serra da Estrela », que tem por assunto os personagens fantásticos de nosso folclore. Até o momento atual, com 30% do texto já feito, tenho uma mula sem cabeça (protagonista), um lobisomem (personagem importante), uma iara (personagem coadjuvante) e uma Mulher de Branco.

As postagens serão sempre nas quintas-feiras, que é dia de mula sem cabeça, é é claro.


12
Mai 11
publicado por José Geraldo, às 12:56link do post | comentar | ver comentários (1)

Entre as muitas coisas polêmicas que me encasquetam a cabeça a respeito de temas literários reside uma em particular que me tem inquietado muito: o significado de Paulo Coelho para a literatura de um modo geral e para o mercado editorial de forma mais específica. Acredito que o mago tenha se tornado uma personalidade que ninguém pode ignorar, sob pena de ser ignorante. Podemos amá-lo ou odiá-lo, mas não podemos mais fingir que ele não existe. Infelizmente, muita gente finge. E muita coisa não se compreende a respeito do enigma que ele representa.

Em primeiro lugar, devo dizer que minha opinião sobre a qualidade literária do que ele escreve é conhecida. Eu simplesmente não vejo nenhum valor em nada do que ele até hoje escreveu e penso que enquanto escritor ele é um excelente mago. E acrescento que sou inteiramente cético quanto a magias. Preciso começar dizendo isso para que os desavisados incapazes de boa interpretação de texto não venham a pensar que eu estou aqui defendendo esse embromador.

De certa forma, porém, odiar Paulo Coelho é tão inútil quanto amá-lo: uma e outra atitude não muda nenhum fato a respeito do autor e seus livros e ambas são irrelevantes para o público cativo do tipo de literatura a que o mago se dedica. Desta forma, a relevância a que me refiro não está no autor e nem em sua obra, mas no curioso fenômeno editorial em que ele se transformou. Estudar a biografia de Paulo Coelho e observar como ele veio a se tornar o que ele hoje é. Quando pensamos em todos os paradigmas quebrados por Paulo Coelho, fica evidente que ele representa algo diferente no universo literário (não nos cabe julgar se bom ou ruim) e que a sua posição no mercado editorial é digna de nota.

Os comentaristas brasileiros tendem a ser unanimemente críticos quanto à obra do mago, reservando-lhe os mais ferozes adjetivos. Eu mesmo me insiro nesses, tendo-lhe acusado até mesmo de ter um domínio insuficiente da língua portuguesa e de desconhecer técnicas narrativas básicas. Poucos são os comentaristas eruditos que se acercam dele sem pesadas pedras nas mãos (eu mesmo levei todas as que pude carregar e ainda tinha uma sacola cheia à tiracolo). Um dos que olharam para Paulo Coelho de forma mais leve e neutra foi o escritor iraniano Arash Hejazi, cujo texto The Alchemy of the Alchemist tece alguns comentários dignos de nota.

Hejazi começa lembrando quem era Paulo Coelho em 1988, antes do sucesso dO Alquimista: um autor então desconhecido, vivendo no Brasil, um país que não tinha uma tradição relevante de traduções de sua literatura para outras línguas.. Poucos de nós nos lembramos disso quando colhemos calhaus por aí para atirar nos outros. Paulo Coelho se tornou um best-seller internacional vencendo uma série de barreiras que ninguém antes dele tinha vencido. Será que não nos interessa saber como ele fez?

Paulo Coelho tornou-se desde então um dos autores vivos mais traduzidos do mundo e embora seus livros nem sempre estejam entre os mais vendidos em todos os países, em todos eles vendem suficientemente bem para serem um investimento rentável para seus editores e se em números absolutos. Isto se torna ainda mais significativo se considerarmos que na grande maioria dos países do mundo as obras traduzidas vendem menos do que as obras produzidas localmente (o Brasil é uma curiosa exceção a tal regra, com os best-sellers internacionais roubando mercado dos autores nacionais). Além do mais, alguns dos países nos quais Paulo Coelho se tornou um fenômeno de vendas (como França, Estados Unidos, Alemanha, Turquia, Irã, Itália, Grã Bretanha e Espanha) possuem literaturas fortes e variadas e o mercado editorial de pelo menos dois desses países (Grã Bretanha e Estados Unidos) é bastante fechado a autores estrangeiros, a não ser que algum fator externo (como um Prêmio Nobel ou a invasão de seu país pelos Estados Unidos) atraia interesse.

Não podemos esquecer que Paulo Coelho nasceu em algo que poderia ser considerado um “berço de ouro”, uma família de classe média alta no Rio de Janeiro. Graças às posses de sua família e aos contatos que ele mesmo construiu no mundo artístico, o autor começou muito cedo a travar contatos com gente como Raul Seixas e Christina Oiticica (mais tarde sua mulher), ganhando visibilidade no cenário cultural brasileiro. Certamente o nome que ele construiu na qualidade de parceiro de Raul lhe foi de grande ajuda resolveu migrar para a literatura.

Estas amizades tiveram também um papel preponderante no início da divulgação internacional dO Alquimista: foram conhecidos de Paulo Coelho que se dispuseram a trabalhar quase gratuitamente para traduzir, agenciar ou até publicar no exterior aquele que viria a ser o primeiro sucesso do mago. Houve até o caso de uma fã, filha de um editor, que rompeu com o negócio do pai e fundou a sua própria editora para publicar o livro depois que seu pai se recusara a fazê-lo por julgar o livro muito ruim. De uma forma que até parece sobrenatural, todos esses acontecimentos se encadeiam e levam ao sucesso de uma forma totalmente inesperada, e até contrária ao modo como normalmente funciona o mercado editorial.

Hejazi ressalta que o sucesso de Paulo Coelho foi frontalmente em contradição com os princípios tácitos que regem o mercado: um autor obscuro, de um país periférico no contexto internacional, escrevendo em uma língua que sequer está entre as dez mais traduzidas, um livro que não recorre ao exotismo local estilo macumba para turista, um livro que não teve nunca sequer uma página favorável de crítica em qualquer veículo de imprensa, um livro que não foi transformado em filme de sucesso e que nunca teve qualquer grande campanha de publicidade. Além disso Paulo Coelho nunca contratou agentes a peso de ouro e não escolheu um título de impacto, desenvolvido de acordo com regras semióticas precisas. Sem qualquer dessas características que o mercado editorial aconselha como “essenciais” aos livros de sucesso, ainda assim o mago conseguiu “chegar lá”, vendendo mais que os livros de muita gente que fez tudo “certo”.

Evidentemente, esse sucesso remando contra a maré não pode ser ruim para os interesses dos demais autores. Quando o mercado editorial desenvolve uma “fórmula” (tal como a descrita por Hejazi) e passa a martelar dentro desta “fôrma” as obras que pretende publicar, isto significa que numerosas obras, inclusive algumas de boa qualidade, serão rejeitadas e destinadas ao esquecimento não por seu valor, mas por simplesmente não se adequarem aos preconceitos dos editores. Não custa lembrar que outro grande fenômeno, J.K. Rowling, ouviu sete vezes o não de editores a quem enviou seu livro. Rowling chegou a ouvir que escrever não era para ela.

Mas existe algo especial a respeito do sucesso dO Alquimista: todos os envolvidos em sua tradução e publicação foram pessoas que gostaram tanto do livro que resolveram empenhar-se pessoalmente em publicá-lo, expondo-se em nome disso. O livro foi lido e foi gostado e a partir de então foi transformado em um projeto pessoal por tradutores e editores. Isto, claro, depois que o próprio Paulo Coelho investira seu próprio patrimônio em sua edição e dedicara-se a vendê-lo, praticamente como um mascate, nos eventos culturais de que participava.

O que há por dentro já não importa tanto. Como dizia McLuhan, em uma frase que se tornou praticamente um meme: O meio é a mensagem. Paulo Coelho não é um autor relevante pelo que escreve, mas pelo fato de ter conseguido ser um sucesso mesmo contrariando a todas as regras “infalíveis” do mercado editorial. Nesse sentido, o mago nos inspira a acreditar no próprio trabalho, em vez de acreditarmos na opinião muitas vezes preconceituosa de algum editor.


10
Nov 10
publicado por José Geraldo, às 23:33link do post | comentar

Texto classificado para a fase final do II Festival Cultural Banco do Brasil.

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— Mulher, não é justo.

— O que não é justo, Valdir?

— Tinha que chover? Justo hoje, agora!?

A mulher deu de ombros, conformada:

— Paciência. Marque para outro dia.

— Como assim? «Marque para outro dia»? Vendi convites, reservei bar. Não dá para desmarcar em cima da hora e «marcar para outro dia». Vai ser um fiasco.

— Então enfrente, homem.

— É o que vou fazer.

Então Valdir deixou a mulher em casa com as crianças e se enfiou na capa de chuva, abotoou a gola bem firme e botou debaixo do braço o livro de partituras. O violão, esse já ia devidamente ensacado às costas.

— Vai a pé, Valdir? Olha a chuva que vem aí!

— Vou sim. Perdido, perdido e meio — ele respondeu, enigmaticamente.

Afinal, Valdir José da Silva, sambista interiorano, paladino da cultura nacional, não teria medo de qualquer chuva. Não na noite de lançamento do seu disco, gravado ao preço de quase um carro. Tinha de chegar ao bar, talvez houvesse gente à espera. Mesmo que não houvesse, tinha de estar lá.

Quando chegou à rua o coração já estava apertado. Não de medo, mas de decepção e tristeza. O céu coriscava e as nuvens gordas regurgitavam trovões e ameças. Um ventinho frio soprava do sul. As primeiras gotinhas, ainda leves, caíam de um céu que parecia pronto a rasgar-se num dilúvio.

Valdir apertou o passo, pensando nos fãs que talvez esperassem. Andava apressado, por uma rua imensa de tão vazia, povoada de corajosos cães que aproveitavam a última chance de revirar lixeiras e por estúpidos carros que não sabiam aonde esconder-se. Um relâmpago mais forte arrebentou no céu, de um canto a outro, trazendo um rugido áspero. Estava escuro e o ar cheirava a umidade e a elétrons.

Entrou na Avenida, rezando para o rio não subir com a chuva. Felizmente o rio era grande e vinha de bem longe. Mas a avenida, mesmo assim, virava outro rio se chovesse muito — e a chuva de verão prometia muita água. Enquanto pensava nisso a tempestade veio, grossa e gelada, batucando nos telhados como um milhão de bolinhas de gude, molhando até a alma de quem estava na rua.

Chegou mais triste e molhado que um pinto sem mãe. Os sapatos vazavam pelas solas que já descolavam, a barra da calça tinha meio metro de uma mancha de umidade escura que esfriava as canelas. Olhou em volta, sentindo a boca amarga como se tivesse andado mastigando boldo: não havia nenhuma viva alma. Estaria, aliás, bem contente se houvesse alguma alma morta pelo menos, mas nem isso.

Chovia a ponto de se poder perguntar se alguém fizera uma arca. A enxurrada vermelha descia dos morros e afogava a avenida. Carros passavam esguichando água a dois metros de altura, entortando na correnteza. Os coriscos faiscavam de todo lado, transformadores explodiam e as árvores loucamente balançavam seus braços contra o céu. Mas sobre o palco de madeira, calmamente, Valdir Silva desembrulhava seu violão, depositava o livro de partituras e abria o caixote cheio de discos que havia deixado lá durante a tarde, após o último ensaio.

Depois de pigarrear para tentar ouvir o eco no salão vazio, folheou o álbum de partituras e achou ali alguma inspiração. Começou a cantar um clássico. Clássicos fazem bem numa hora destas. Toda vez que terminava um verso, ouvia outro trovão. Cada hiato trazia um relâmpago, cada dedilhado respondia ao chuá-chuá da tempestade.

Valdir chorava. A garganta seguia firme, os dedos não se enrolavam, mas os olhos não aguentavam a decepção. As cinquenta mesas, cobertas de impecável branco, encaravam, cruéis, os seus olhos que já começavam a empanar com a idade.

Mas a chuva passou, meia hora ou quarenta minutos depois, tempo apenas o suficiente para acabar com o programa. Deixou no ar aquele delicioso cheiro de terra, e de sangue. A enxurrada foi passando, junto com a sexta canção. A sétima encontrou lá fora o silêncio, começando a ser cortado pelos primeiros carros. Valdir parou de cantar, pegou o copo de água mineral, como se estivesse diante de uma grande plateia, e ligou o violão à tomada.

O dono do bar se aproximou, tão respeitosamente como quem visita um defunto:

— Seu Valdir. Se o senhor não se importar, vou abrir para o meu público. O senhor sabe, eles talvez não venham mais…

Valdir, impotente, assentiu com a cabeça. Enquanto o dono do bar se afastava par ir dispensar o serviço de portaria e levantar as portas, contemplou as cinquenta mesas, com suas impecáveis toalhas brancas. Continuou cantando, cada vez com a voz mais branda e o peito mais estreito.

Chegaram alguns fregueses. Desconhecidos que ocuparam a mesa que seria da Ana e do Alfredo, colegas de agência. Chegaram mais pessoas, frequentadores normais do lugar. Sentaram-se na mesa do José Carlos e da Rute, vizinhos do prédio. Apareceram estudantes da faculdade, gente que nunca vira, com quem nunca falara. Trataram de juntar as mesas que Valdir tinha reservado para Jurema e Miguel, que tinham uma loja no mesmo prédio em que ele trabalhava de segunda a sexta feira. Valdir cantava para os desconhecidos, consolando-se em ter, pelo menos, quem o ouvisse — e eles o ouviam, distraídos, bebendo suas cervejas.

Era impossível continuar. Mas ele continuava desfiando sambas melancólicos de Cartola, Clara Nunes, Paulinho da Viola e Jackson do Pandeiro. Lá pelas nove e meia, o salão estava quase cheio. Poucos rostos reconhecíveis, nenhum realmente familiar. Todos ocupados com suas conversas e com suas cervejas.

Terminou a décima canção, ouviu aplausos tímidos. Começou outra, acompanhada de um ligeiro murmúrio. Terminou-a ainda diante de palmas que tinham medo de se ouvir.

O dono do bar se aproximou de novo. Pediu licença do palco. Valdir humildemente curvou a cabeça, preparado para ser expulso. Mas quando já se empertigava para empacotar o violão, seus ouvidos o fizeram erguer de novo o rosto:

— Amigos, como vocês sabem pelo cartaz lá fora, hoje é o lançamento do primeiro disco de Valdir Silva, cantor e compositor de nossa terra, que está aqui se apresentando para vocês e autografando sua obra para os que vieram prestigiá-lo. O show vai ser interrompido agora para os autógrafos, mas ele vai retornar mais tarde para vocês, se vocês aplaudirem o suficiente! Agora, aplausos para nosso artista, Valdir Silva!

Aplausos soaram, densos como a chuva. Foi só então que Valdir se deu conta de que o lugar estava quase cheio. Era a hora em que normalmente o bar abria para o movimento regular. Aquelas pessoas que ali estavam, nenhuma especialmente convidada para assisti-lo em sua grande noite, aplaudiam com a sinceridade dos desconhecidos. Valdir chorava ainda, mas não mais de decepção ou revolta contra deus e o mundo. Chorava a calma alegria dos desavisados que se surpreendem consigo mesmos.


30
Set 10
publicado por José Geraldo, às 00:06link do post | comentar

Terminei agora há pouco a revisão gramatical e ortográfica de meu segundo romance. Amores Mortos é a biografia sentimental de um homem assombrado pelos fantasmas de amores perdidos. Por exigência das regras do concurso em que o inscreverei hoje, dia 30, ele está digitado em 221 páginas de A4, com fonte Times New Roman tamanho 12 e espaçamento duplo entre linhas.

O processo de criação de Amores Mortos foi bem menos complicado do que o de Praia do Sossego, a minha primeira obra do gênero. Em vez de levar nove anos para ser terminado, custou-me menos de nove semanas, incluindo três revisões. Em parte esta rapidez se deve à abordagem pelo «método quebra-cabeças», em vez do «método cebola», que usei para escrever o primeiro romance.

Amores Mortos e Praia do Sossego são duas obras muito diferentes no aspecto formal, embora tenham muitas semelhanças no tema e na filosofia de vida dos personagens. Não vou me alongar sobre eles, apenas direi que o mais antigo deles é uma obra mais próxima da poesia e mais voltada para a exploração psicológica dos personagens, com muitos trechos que transitam para o poema em prosa. Enquanto isso, o mais recente é uma obra de estilo mais direto e que emprega um ritmo narrativo mais claro (apesar de a história fazer mais ziguezagues do que em Praia do Sossego).

Se não obtiver sucesso enviando-o ao Prêmio SESC, vou enviá-la a outros concursos futuros, ao menos enquanto nenhuma editora se interessar.

SINOPSE:

Oswaldo narra alguns episódios de sua vida amorosa a um amigo nunca identificado, tentando explicar-lhe alguns traços mais polêmicos de sua personalidade, culminando em uma epifania de Jesus Cristo, durante a qual ele revira suas prioridades e tomara uma decisão que modificaria sua vida. As suas aventuras, ocorridas em seis diferentes cidades de uma Zona da Mata Mineira disfarçada por nomes falsos, incluem vários tipos de experiências afetivas e sexuais, que vão de paixões platônicas a sexo grupal, de atos de violência a gestos de desapego, de canalhices a episódios de altruísmo. Alguns, mais obcecados com auto-ajuda, identificarão uma importante «mensagem» no livro, apesar do teor fortemente erótico de algumas passagens, mas ele vai além disso, trazendo reflexões menos religiosas e mais filosóficas sobre a vida, sem necessariamente procurar ajudar ou ensinar coisa alguma.

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