Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
13
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 20:45link do post | comentar | ver comentários (1)

Tal como no ano passado, compareci ao Festival Literário de Cataguases. Este ano, além de tietar eu também tive a oportunidade de falar umas bobagens com um microfone na mão enquanto alguém filmava para pôr no sítio oficial. Ao meu lado estava Miklós Palluch, que também estreia no romance, como eu, mas — ao contrário deste mineiro interiorano — padece de muito mais cultura, experiência de vida e contatos.

Fiquei bastante feliz de ver que minha campanha de divulgação foi relativamente bem sucedida. Embora tenha atraído apenas aproximadamente 3,5% das pessoas que eu efetivamente contactei, ela me ajudou a ter uma marca estranha: minha noite do Festival teve mais público que a de sábado, que contou com gente de muito mais peso.

Mas comecemos falando do que aconteceu primeiro, que é sempre uma boa e lógica maneira de começar — ainda que, literariamente falando, seja o óbvio.

Miklós Palluch é cineasta, esta é a sua praia. Na literatura ele ainda é estreante, mas estreia com muito mais tarimba de mundo do que eu, e por uma editora que certamente tem mais nome, a Ediouro. Seu romance é mais ou menos do mesmo tamanho (em páginas que o meu), mas oh, quanta diferença em todo o resto.

Estilos quase diametralmente opostos, objetivos idem. Ainda não fui longe na leitura, mas o que ele escreve me parece algo tão realmente alheio, e fresco, que dá até prazer continuar lendo. O velho húngaro escreve com uma secura, com uma sinceridade e com uma clareza que espantam.

Quanto a mim, bem, vocês que me leem sabem que eu sou amante de elipses e metáforas, de jogos, torneios e ardis. Nem sempre consigo completar a cambalhota, às vezes os malabares me caem da mão, mas fico fazendo meu número com graça e ousadia. Miklós não busca isso, a praia dele é outra. Ou melhor, enquanto carioca (mesmo que adotivo) ele realmente sabe de praia. Eu sei de morros e de rios e de ventos e de lendas. Ele escreve claro como o sol do Rio, eu escrevo sombrio como as estradas estreitas e gretas e grotas dos lugarejos de Minas Gerais.

Ver-nos trocar ideias deve ter sido interessante. Ele, descontraído, senhor de si, alguém que parece tanto ter nascido com um microfone na mão que nem sequer o quis usar, preferiu brandi-lo, qual varinha de condão, para encantar os olhos da plateia. Eu, vestido “como um padre”, nas palavras de meu irmão, me sentia pressionado a ser interessante, algo que normalmente não sou. Eu tinha ido lá com medo de parecer didático ou soberbo. Miklós foi ambas as coisas, mas com uma simplicidade que deu inveja…

Falamos sobre um tema espinhoso, que o moderador — Enzo Menta — fez questão de ressaltar que tem até um lugar no Código Penal. Risos na plateia, senha para sermos descontraídos. Naquele momento me arrependi de minha calça social e de minha camisa impecavelmente abotoada. O que falamos não vou detalhar, porque amanhã ou depois, quando me recuperar do desânimo, eu vou postar minhas notas para o debate, acompanhadas de algumas observações inspiradas no que o Miklós disse.

Depois, enquanto autografávamos nossos livros para os presentes, ele veio até mim, fez questão de comprar Praia do Sossego e me pediu uma dedicatória. Imagino se ele sentiu algo em meu jeito ou minhas palavras que lhe sugeriu que devesse ler o que escrevo, ou se estava sendo apenas simpático, algo que, ao que me parece, ele não precisa querer ser. No dia seguinte nos reencontramos e trocamos mais umas palavras. Fiquei com a impressão de que ele é um sujeito que eu adoraria ter como vizinho. Ainda bem que o Rio de Janeiro é “logo ali”.1

O evento seguinte na sexta-feira foi uma mesa-redonda entre os poetas Chacal, Ondjaki e Marcelo Benini.2 O tema entre eles foi que comentassem sobre o aforisma de que “um poeta não se faz apenas com versos”. O conceito fora atribuído pela organização do FELICA ao próprio Chacal, indiretamente concedendo-lhe uma primazia sobre os demais. Primazia que ele, humildemente, tratou de dissolver sacando da sacola as suas notas. Nelas ele leu, para certa surpresa da plateia e do próprio moderador do debate, que a frase era de Torquato Neto e aparecera na obra de Chacal através de uma citação. Antigamente não havia hiperligação.

Benini foi o mais comedido dos três, certamente surpreso pela erudição demonstrada por Chacal. Para espanto de muita gente que o julga sem o conhecer (e acha que ele deve ser uma espécie de porra-louca vazio), o poeta carioca exibiu uma segurança, uma cultura, uma vivência e uma autoridade dignas de um acadêmico. Mostrando-se conhecedor de um amplo período da história literária brasileira, o poeta acabou dando o tom de quase metade do debate, e ainda achou um modo de se defender de uma estocada que eu sem querer lhe dera em meu debate (oh, ousadia).3 Mas quem realmente roubou a cena foi Ondjaki. Muito mais articulado do que Chacal, com sua fala rápida, com seu talento corporal e seu jeito de jovem rebelde, que tanto encantou uma aluna de Letras.4 Ondjaki, porém, preferiu usar sua presença cênica para equilibrar o debate, introduzindo mais temas e evitando que a erudição de Chacal monopolizasse as atenções. O próprio Chacal beneficiou-se disso, pois os temas variaram mais, permitindo que todos brilhassem. Particularmente brilhou o Benini, cujos versos breves e concentrados, de um livro escrito inteiramente sobre pássaros, ofereceu um grande frescor temático.

A noite de sexta terminou com todos bebendo e se divertindo no bar D'Ângelo, mas eu não pude ir, devido ao sono das crianças. Mesmo assim a noite foi rica, pela oportunidade de ouvir assuntos sobre os quais nunca se fala em uma cidade pequena e pelas amizades que fiz, ainda que algumas delas fiquem apenas na memória.

No sábado o auditório estava um pouco mais vazio do que na noite anterior, o que em parte se deveu a concorrência de vários outros eventos que estavam acontecendo na cidade simultaneamente. Fica a dica para a organização do Festival, que no próximo ano ele se realize antes, talvez em outubro ou setembro.

Mesmo assim era um público qualificado, do tipo que ouve com atenção, faz boas perguntas e sabe respeitar as personalidades e as biografias que lá estavam. Às vezes é melhor falar para trinta pessoas interessantes do que para centenas que não fazem diferença.

A primeira mesa-redonda da noite foi com Elias Fajardo e Ana Paula Maia. Representantes de duas gerações diferentes, os dois também possuem estilos antípodas. Elias é alguém que eu entendo melhor: cria do interior, dotado de uma prosa lírica, um falar cantado. Ana Paula é urbana, elétrica, mas antropologicamente interessada no distante, no desértico, no confuso tecido das relações humanas do Brasil profundo. Mas continua urbana, elétrica.

Seus estilos percorreram caminhos muito diferentes. Ele foi jornalista, poeta, pintor, viajante, escritor. Ela foi baterista de uma banda punk, foi criança travessa, foi jovem rebelde. Ele sempre gostou de ler, mas esteve um tempão afastado da escrita. Ela nunca gostou, mas um belo dia, quase que a contragosto, foi mordida pelo mosquito da literatura. Conseguiram fazer com que eu ficasse curioso para ler os seus livros, ambos conseguiram. O do Elias foi mais fácil: ele estava lá à venda. Eu tive foi de ser rápido, porque ele não ficou muito tempo depois que terminou de falar. Alguns minutos de distração e ele teria ido embora sem que eu lhe pedisse o autógrafo. O da Ana Paula eu vou ter que adquirir por outros meios, sem seu autógrafo.

A noite terminou com um debate menos parelho quanto ao tema. Bartolomeu Campos de Queirós e Sabrina Abreu são muito mais diferentes do que quaisquer dos outros debatedores haviam sido. Eu e Miklós somos praticamente de planetas diferentes, mas estamos unidos por opiniões e conceitos políticos que se tocam, embora nossas literaturas não se entendam muito. Os poetas da noite anterior haviam podido dar-se ao luxo de serem diferentes porque poeta é mesmo um bicho estranho, o conjunto deles é um maravilhoso rebanho de gatos e eles se aceitam e se somam quando se atritam com suas opiniões diferentes. Ana Paula e Elias, embora vindos de mundos quase incomunicáveis, aproximam-se pelo universo em que ambientam suas histórias e, acima de tudo, pela erudição que um mostrou ter em relação ao universo do outro.

Nada disso pareceu funcionar muito bem em relação a Bartolomeu e Sabrina. Talvez porque eles fossem, mesmo diferentes demais. Bartolomeu é um idealista, um timoneiro da utopia. Sabrina é uma jornalista. Ele tem um estilo de profeta, ela de analista. Ele fala de um mundo que, sendo idoso, não verá. Ela fala de um mundo que viu de forma diferente daquela que a maioria enxerga. Ele tenta abraçar a filosofia, ela tenta enquadrar um canto da realidade que lhe interessa.

Obviamente fiquei fascinado pelo jeito quase papal com que Bartolomeu expôs, com notável firmeza lógica, as suas opiniões e suas proposições. Porém, identifiquei-me muito mais com Sabrina. Talvez porque ela, ao contrário dele, está mais próxima de mim (embora ele seja mineiro do interior e ela, da capital). Eu sou, como ela, um blogueiro, alguém antenado no presente (embora, ao contrário dela, tenha medo). Além do mais, Sabrina conseguiu falar muito mais de si e de seu livro do que Bartolomeu.  Saí do debate sabendo os nomes de dois livros dela, de suas ideias, de seu estilo, de sua abordagem. Mas consegui não saber o que Bartolomeu escreveu na vida, embora ele obviamente seja uma sumidade em seja lá o que for que faça.

A noite de sábado valeu também pela oportunidade de reencontrar alguns amigos de Cataguases com quem vinha tendo pouca chance de conversar. O William, por exemplo, agora que virou prefeito anda com a agenda cheia pacas. O mesmo posso dizer do Ivan, que se tornou secretário. Mas continuam sendo boas pessoas, velhos amigos de faculdade, gente que viveu ao meu lado uma época de que tenho saudades.5

Voltei do FELICA 2011 me sentindo feliz e realizado por ter vendido dez livros. É uma sensação estranha, e gratificante, receber dinheiro em troca das coisas que escrevo. A gente passa a vida inteira ouvindo amigos e parentes dizendo que o que fazemos não tem nenhum valor, e de repente aparecem pessoas pagando trinta e cinco reais. Senti-me bem com isso, especialmente porque ninguém comprou o livro “para ajudar”, mas para conhecer.6

Peço desculpas às demais atrações do FELICA que eu não comentei aqui. Infelizmente eu não pude estar presente todos os dias (que péssimo jornalista sou! — ainda bem que não sou!). Mesmo assim, cumpro o prazeroso dever de compartilhar minhas impressões, inclusive para convidar a você, que lá não esteve, a participar no próximo ano. Cataguases é uma estranha cidade de sessenta mil habitantes que, por uma anomalia da natureza, goza do privilégio de ter uma história de movimentos literários (notaram o “s”?) e eventos culturais. Que precisam ser mais prestigiados. Cataguases é impressionante.

1 Reza uma lenda que nós mineiros somos incapazes de conceber como distante algo que não esteja além do Oceano ou da Cordilheira. Isso é apenas uma lenda, obviamente, pelo menos aqui na Zona da Mata. Se duvida, sugiro que venha fazer-nos uma visita para conhecer o povo de cá. Não é difícil achar, tanto Cataguases, a do FELICA, como Leopoldina, onde vivo, ficam pertinho de Juiz de Fora, uns 100 km a nordeste, mais ou menos.

2 Perdão, poeta, por ter grafado seu nome com “ll” na dedicatória. Eu, que tanto me incomodo quando me chamam de “Gouveia”, deveria ter tido um pouco mais de cuidado.

3 Como vocês lerão ainda durante a semana, um dos “pontos altos” (ou terá sido baixo?) de minha intervenção foi o momento em que eu disse que não devemos valorizar o paradigma da droga ou da embriaguez como ferramenta de aquisição de conhecimento ou de inspiração pelo autor pois todo viciado tende não apenas a negar o próprio vício, mas também a encontrar justificativas não-hedonistas para o uso da substância. Acredito que a estocada a que me refiro foi no momento em que eu disse que, se todo bêbado inventa desculpas e explicações para o próprio vício, quão fascinantes e maravilhosas não devem ser as desculpas e explicações inventadas por um bêbado que possui o talento com as palavras. Em suma, tachei as produções literárias “aditivadas” de “papo de bêbado” sofistica. Oh, ousadia, que somente a ignorância permite!

4 De fato, encantou-a tanto que, nas três vezes em que tentou dizer o quanto gostava de obras suas, citou textos de outros autores “africanos”, o que acabou fazendo com que o poeta, no seu único momento de  aridez verbal, criticasse a postura arrogante com que as pessoas veem a África de fora, sem distinguir as culturas dos diversos países, com suas particularidades.

5 Quando voltava da faculdade, com a matrícula orgulhosamente na mão, encontrei um antigo professor do segundo grau, a quem contei do meu feito de ter passado em primeiro lugar no Vestibular. Ele, do alto da sabedoria que a vida dá e depois toma, sentenciou-me algo que jamais esqueci: “Isso não é importante, Geraldo. Importante é que na faculdade você viverá os dias mais felizes de sua vida. Você não terá saudades de um número na lista, mas dos amigos e amores que vai viver nesses quatro anos. Viva-os bem.” Obviamente, quando se tem vinte anos, a gente acha que sabe tudo. Não segui o conselho, mas ainda tenho saudades daqueles tempos, e daqueles amigos e amores.

6 se alguém quiser “me ajudar”, deve fazer o favor de não comprar o livro. Eu não tenho muitos, apenas algumas dezenas, e preciso que eles cheguem exclusivamente às mãos de quem esteja interessado em lê-lo. Obrigado.


22
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 14:04link do post | comentar | ver comentários (1)

Hoje é Dia do Folclore. Não temos muito o que comemorar, infelizmente, se considerarmos que os nossos jovens estão cada vez mais alienados em relação às nossas tradições. Resolvi, porém, começar a fazer a minha pequena parte quanto a isso. Começando esta semana e durante os próximos meses, encerrando no Dia do Folclore do ano que vem, publicarei em capítulos semanais o meu romance « Serra da Estrela », que tem por assunto os personagens fantásticos de nosso folclore. Até o momento atual, com 30% do texto já feito, tenho uma mula sem cabeça (protagonista), um lobisomem (personagem importante), uma iara (personagem coadjuvante) e uma Mulher de Branco.

As postagens serão sempre nas quintas-feiras, que é dia de mula sem cabeça, é é claro.


20
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 09:15link do post | comentar

Há exatamente um ano eu divulgava este humilde blogue pelas fendas e crateras da blogosfera feroz e catava meus primeiros centavos de AdSense. Há exatamente um ano eu começava uma impressionante tarefa de transcrever no blogger quase toda a minha produção ficcional curta e boa parte de minha poética (e não poética).

Para comemorar a efeméride (vá lá no dicionário, meu filho!) eu passo a citar os números que acumulei ao longo destes doze meses, que são estes a seguir:

  • 5.931 visitas, por 2.924 visitantes exclusivos
  • 13.613 visualizações de página
  • 12h 36min 09s de tempo total de visita
  • R$ 9,60 do AdSense
  • 87 comentários, de 45 pessoas diferentes
  • 324 postagens (média de 28 postagens por mês ou de oito postagens cada 9 dias)
  • Meus visitantes usaram 12 navegadores diferentes (com o Firefox representando pouco mais da metade)
  • Navegadores rodando em 8 sistemas operacionais diferentes (sendo o Windows responsável por 60% do total)
  • A percentagem de usuários com resolução de tela igual ou inferior a 800x600 caiu abaixo de 1%
  • 94,95% dos meus visitantes residem ou estavam localizados em território brasileiro (nada surpreendente), mas houve visitas provenientes de 29 países diferentes, entre eles Filipinas, Japão, Uzbequistão, Nova Zelândia, Índia e Itália
  • 40% dos visitantes provenientes de Minas Gerais e 22% de São Paulo.
  • A cidade que mais me visita é Belo Horizonte, sozinha contribuindo com 22% das visitas totais.
  • O país estrangeiro que mais me visita é Portugal, com 3% do total de visitas.

Adicionalmente, notei alguns números surpreendentes, como a derrocada do Internet Explorer como navegador preferido (globalmente apenas 18% dos visitantes o usam, lembrando que ele já chegou a ter 95% do mercado) e a presença estranhamente forte do Linux, com saudáveis 34% do mercado. Linux é um ótimo sistema operacional, mas eu me surpreendo ao ver tanta gente usando.


06
Abr 11
publicado por José Geraldo, às 10:00link do post | comentar

Na vida existem aqueles momentos que se tornam definitivos, para o bem ou para o mal. Olhando em retrospecto, você identifica: antes daquele dia eu ainda era um bobão, desde esse dia eu mudei para melhor, descobri naquela semana que eu amava aquela mulher, etc. Na maioria das vezes essas mudanças acontecem sem que consigamos acompanhar: é como uma lenta subida de enchente, que só o assusta quando a água vem à soleira da porta e você não sabe de verdade quando foi que começou. É muito fácil saber que o rio veio à porta, difícil é dizer quando o rio começou a subir.

Existem, porém, algumas mudanças que são mais rápidas, mais pesadas. Você não precisa esperar pela sabedoria dos anos para olhar o passado e notar o desvio. Basta, nesses casos, ter alguma sabedoria para notar que uma mão invisível o está entortando para determinado rumo, irresistivelmente. Tive a oportunidade de sentir isso em quatro oportunidades durante a minha vida. Duas destas oportunidades são coisas pessoais demais para que eu ouse mencionar aqui, mas duas delas eu posso discutir.

A primeira destas circunstâncias (na verdade a segunda, considerando as outras duas que não vou mencionar) foi em 1997. Não lembro a data exata e não vou consultar meu diário poético desses anos porque esta pesquisa me faria perder o fio do pensamento que me conduz nesse momento. Sei que coincidiu com uma forte cólica renal, que me deixou prostrado na emergência de um hospital em Cataguases durante horas, tomando anti-inflamatórios, analgésicos cavalares e calmantes. Ao despertar, finalmente expelindo um cálculo negro, espinhoso e duro, notei que o cheiro de meu corpo era diferente. Sim, o cheiro. Existem muitas coisas sutis que mudam em nossas vidas e não nos ligamos, não percebemos. Eu tenho alguma sensibilidade para estas pequenas coisas, talvez por isso me achem tão estranho. Naquele dia, ao despertar de horas de sedação e de dor, eu notei que meu suor mudara de natureza. Eu tinha meus vinte e três ou vinte e quatro anos e naquela manhã de inverno eu percebi que meu corpo já não exalava o tênue cheiro de leite que eu sempre havia sentido nele, mesmo quando suava, mesmo quando sujo. Em vez do cheiro adocicado e leve que me havia caracterizado antes, eu sentia um odor azedo e desagradável, que não saiu nem com os banhos que tomei. Naquele dia, refletindo sobre a mudança, eu identifiquei que havia biologicamente chegado à idade adulta.

A última destas mudanças súbitas ocorreu ao longo deste ano, entre janeiro e ontem. Foi neste ano que eu percebi o avanço inexorável dos pêlos brancos pela minha barba (especialmente nas três últimas semanas) e no ressecamento da pele de meus pés. Sim, estou envelhecendo. Se a mudança do cheiro de meu corpo sinalizou a idade adulta, estes dois outros sinais indicam que chegou ao fim o "planalto da juventude", que se estende entre meados dos vinte e meados dos trinta. Cheguei à beira dele e agora devo descer rumo ao vale da velhice.

Que me seja longa a descida. E que eu chegue lá.


01
Jan 11
publicado por José Geraldo, às 18:01link do post | comentar | ver comentários (1)

Esse começo de ano é o momento em que ledores de mãos, botadores de tarô, jogadores de búzios e outros quejandos conseguem minutchinhos de fama na televisão para falar bobagens a respeito do ano novo. O objetivo da televisão é meramente encher linguiça — e não há melhor modo de fazer isso do que dando ao telespectador a ração de ignorância e superstição que ele tanto aprecia fuçar. O objetivo do “místico” da vez é sempre aparecer, fazer propaganda de si mesmo e de seus “talentos sensoriais” a fim de conseguir fregueses.

E já que tem tanta gente fazendo isso, e ligando para isso, e ganhando dinheiro com isso — por que não eu? Exercitar-me-ei em uma série de predições para o ano novo.

Bem, e com que base o farei — decerto indaga algum espírito-de-porco que me lê. Evidentemente com toda a base necessária: algum conhecimento oculto, que só eu entendo, ligado a um talento especial, que só pessoas como eu entendem. Então você não tem que perguntar como eu sei dessas coisas, tem só que acreditar que eu obtive essas revelações. Se insistir muito, eu lhe digo que sou formado em História e como diz o Paulo Coelho, numa célebre letra cantada pelo Raul Seixas: Eu sou astrólogo, eu conheça a História do princípio ao fim. Exato, isso mesmo, você entendeu. Na qualidade de licenciado em História eu possuo conhecimentos para interpretar os rumos arcanos dos acontecimentos e fazer extrapolações sensatas para o futuro. E tenho certeza de que minhas previsões fazem mais sentido do que as do “Jorge da Fé em Deus”, o célebre pai-de-santo baiano que previu que o Brasil ganharia a Copa do Mundo de 1982 e ainda decretou o adversário e o placar: Brasil 2x1 Argentina.

Seguem as previsões:

  • O ex-vice presidente José Alencar terá graves problemas de saúde.
  • O Flamengo anunciará planos de contratar pelo menos uma grande estrela do futebol internacional, mas não vai contratar ninguém.
  • Um parente de Michael Jackson dará entrevista a algum programa de televisão nos Estados Unidos afirmando que ele foi assassinado!
  • Silvio Berlusconi fará declarações polêmicas, que irritarão os líderes de outros países.
  • Os baianos afirmarão ter inventado um “novo ritmo” que, no entanto, será igual ao pagode e só terá um passinho diferente na dança.
  • Barack Obama terá dificuldades para implementar seus planos de governo.
  • Celso Roth não terminará o ano como técnico do Internacional, a menos que vença o campeonato gaúcho.
  • O presidente Lula seguirá tendo grande influência sobre o governo.
  • Haverá um golpe de estado em um país da África.
  • O site WikiLeaks publicará alguns segredos militares americanos.
  • O primeiro ministro do Japão renunciará.
  • A China apertará a censura contra sua população, especialmente na Internet.
  • A AIDS fará muitas vítimas no mundo inteiro, especialmente na África.
  • Haverá uma epidemia de dengue no Brasil.
  • Julian Assange será absolvido da acusação de estupro.
  • Paulo Coelho receberá uma homenagem no exterior.
  • Um astro do futebol brasileiro será contratado por um clube da Europa.
  • Haverá um atentado terrorista protagonizado por muçulmanos radicais.
  • Uma célula de simpatizantes do nazismo será “estourada” pela polícia no Brasil.
  • As seleções brasileiras participarão da Liga Mundial de Vôlei.
  • A Rede Globo apresentará no dia 31 de dezembro de 2011 um programa gravado contendo trechos musicais interpretados por números de sucesso da música popular.
  • Jorge Kajuru será processado.
  • Muitos técnicos perderão seus cargos nas primeiras rodadas do Campeonato Brasileiro.
  • Acusações de corrupção derrubarão um político no Brasil.
  • O resultado do Carnaval carioca será muito polêmico.
  • Haverá grande atrito político entre a Coreia do Norte e a do Sul, mas não guerra declarada.
  • Eu lançarei um livro, pela Editora Multifoco.
  • Um líder muçulmano conclamará seus seguidores a matar uma personalidade europeia ou americana que supostamente ofendeu o Islã.
  • Palestinos serão mortos pelas Forças de Defesa de Israel.
  • Um brasileiro vencerá corridas de automóvel no exterior.
  • “Lula, O Filho do Brasil” não vencerá o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
  • São Paulo sofrerá com alagamentos causados por chuvas de verão.
  • Um novo modelo de automóvel será lançado.
  • O papa dará uma declaração sobre planejamento familiar.
  • A tese do Aquecimento Global Antropogênico sofrerá duras críticas de “pesquisadores independentes”.

Quem quiser mais previsões, pode também consultar o Capitão Óbvio.


17
Dez 10
publicado por José Geraldo, às 23:23link do post | comentar | ver comentários (1)
  • Do lacônico: Feliz Natal!
  • Do prolixo: Feliz Natal, Tudo de Bom para você e sua família, feliz ano novo e que Deus lhe dê tudo que você merece.
  • Da companhia elétrica: Muita luz para você neste ano que se inicia.
  • Do pagão: Bom Solstício para você.
  • Do latinista: Felix Natalis Christus et Prosperus Annus Novus.
  • Do analfabeto eletrônico: FeliX NataW, Flws?
  • Do garoto-propaganda: Faça feliz o natal da sua família com esta linda TV de Plasma de 68 polegadas ...
  • Do político: Eu vou ter um feliz ano novo com esse aumento!
  • Do miguxo: Feliz aniversário para Jesus!
  • Do pastor: Venha deixar seu 13º Dízimo você também

15
Nov 10
publicado por José Geraldo, às 14:26link do post | comentar

Depois do sucesso do «Cartão de Natal Comunista» no ano passado, resolvi dar uma «guaribada» no desenho (que tinha ficado bem chinfrim por causa da fonte Computer Modern Roman e da falta de suavização). A imagem é a mesma, os dizeres foram abreviados e a fonte trocada para Univers Condensed.

cartão de natal comunista

Se quiser reaproveitar a imagem em seu blogue, use este link.

P.S. - O cartão de natal comunista é uma homenagem aos colegas do curso de História da FAFIC, especialmente à turma de «melancias».

P.P.S. - O cartão é meu jeito de dizer até logo. Este blog estará de férias até o ano novo. Mas não fiquem tristes, tem muita coisa boa para ler no arquivo.

P.P.P.S. - Eu não sou comunista. Isto é apenas uma piada.

assuntos: , ,

07
Set 10
publicado por José Geraldo, às 09:01link do post | comentar

Vão dizer que sou viúva da Ditadura só por eu dizer isso, mas a verdade é que tenho saudades dos antigos desfiles do Sete de Setembro, dos desfiles que havia quando eu era moleque de escola lá em Cataguases. Eram os tempos da Ditadura, sim, e muita gente sofria, mas eu era criança e não tinha que saber disso. O que me importa nessa saudade é que, naquela época, o Sete de Setembro era algo bonito de se ver, e não esse espetáculo desorganizado e deprimente que passa agora pela porta de minha casa.

O significado do feriado se perdeu: hoje em dia as crianças que estão lá marchando nem sabem o que estão fazendo porque praticamente não se ensina mais História na escola (hoje em dia você nem precisa ser professor dessa matéria para lecioná-la, segundo decreto de nosso digníssimo governador). Ninguém sabe que se está celebrando a Independência de nosso país, poucas pessoas sequer têm ideia de que “independência” seja algo importante e a maioria das pessoas que eu conheço venderiam a sua por um prato de lentilhas, cruas. Não é de admirar, portanto, que fiquem constrangidas, e não orgulhosas, de marchar pela rua no Sete de Setembro envergando o uniforme de sua escola.

O uniforme, aliás, é outra razão pela qual o feriado perdeu sua glória. Desde o fim da ditadura gostar de uniforme parece que ficou sendo um defeito de caráter ou um fetiche sexual de minorias. As escolas vão todas com uniformes muito chinfrins e muito iguais, em muitos casos encardidos pelo uso. Mas no Sete de Setembro de minha infância ninguém ousava sair no desfile com um uniforme que não fosse impecável: era preciso estrear um uniforme completo, novo, cheirando a sabão em pó e goma arábica. Mesmo as escolas “da plebe” tentavam se mostrar bonitas. A minha escola tinha o uniforme padrão das escolas estaduais mineiras — camisa branca e calça azul — mas a gente tentava melhorar a aparência sempre de alguma forma: um lenço verde-amarelo no bolso (sim, a camisa tinha bolso), botões azuis em vez de brancos, o tecido da calça em tergal em vez de brim…

Mesmo assim a gente invejava as escolas que tinham uniformes especiais. O Colégio Cataguases, com seus vistosos coletes vermelhos e suas calças pregueadas! O SENAI com seus jaquetões estilo cadete, com quepes de penacho! O Carmo, com suas boinas de pompom e suas camisas de mangas compridas! O Antônio Amaro, todo vestido de bege e cáqui! Nós nos sentíamos tão pobrezinhos por usar camisa branca e calça azul, tão comuns. Ficávamos depois de desfilar aguardando a passagem das outras escolas, invejando o dia em que estudaríamos lá.

Desfilar não era para qualquer um: era algo que intimidava. Intimidava tanto que era preciso convencer os alunos a aceitarem passar por isso. Os argumentos em geral eram na forma de pontos extras. Certa vez passei de ano por causa de um ponto extra obtido em Matemática graças ao Sete de Setembro (sim, no meu tempo ainda existia a reprovação, e ela era vista como falha do aluno e não como incompetência do professor). Desfilar intimidava porque era quase um rito de passagem, uma espécie de “baile de formatura” simulado: eram os machos mostrando seus penachos paras as fêmeas, uma espécie de dança de acasalamento em forma de marcha à frente pela avenida. Escorregar, tropeçar, dar uma topada ou perder o ritmo eram vergonhas que marcavam para todo o sempre.

Desfilávamos diante das autoridades e diante de um grande público, para o qual eram montadas arquibancadas de madeira ao largo da Avenida Astolfo Dutra. As arquibancadas ficavam lotadas, principalmente dos pais dos alunos que desfilavam, mas também de militares aposentados, patriotas de fim de semana e garotas querendo ver-nos em nossas vistosas vestes patrióticas. Desfilávamos cantando, para manter o passo firme no ritmo ditado pelos pulmões: “Nós somos da Pátria a guarda, fieis soldados por ela amados. Nas cores da nossa farda rebrilha a glória, fulge a vitória.” Alguns pervertiam esses versos para xingar os militares: “Os filhos da puta, os guardas, fieis ferrados, morrendo aguados. Nos cascos de suas patas rebrilha a gosma, foge a história”. Não se pensava em marchar ao som de música popular, como estão fazendo nesse momento lá fora. Muito menos ao som de música estrangeira. Afinal, é o Sete de Setembro e não o Quatro de Julho (que vai acabar sendo feriado do jeito que o pessoal anda lambendo as botas dos ianques).

Sabíamos que se alguém nos pegasse cantando isso haveria problemas. Naquele tempo ainda havia censura e histórias feias sobre o regime. Mas mesmo assim nós gostávamos da Pátria, que jogava futebol tão bem e era tão injustiçada na Copa do Mundo. E desfilávamos com orgulho nossos uniformes limpinhos, começando às sete da manhã e terminando às onze. Depois encontrávamos nossos pais no fim da Avenida e íamos comer pasteizinhos na Praça Santa Rita antes de ir para casa.

Hoje, bem, hoje ser patriota saiu de moda e uniforme é coisa de sauna gay. O desfile que passa pela minha porta tem uns poucos gatos pingados usando os mesmos uniformes do ano inteiro e caminhando aos tropeções, sem nem tentativa de marchar. Ninguém canta nada, a multidãozinha vai aos trancos e barrancos, tendo que ser praticamente tangida por uma professora, ou será pastora, através da rua. Pouca gente assiste, separada por uma mera corda e ninguém guarda no álbum com orgulho uma foto sua em uniforme de Sete de Setembro.

Eu não tenho nenhuma moral para atribuir a essa crônica. Não estou aqui para dizer que o mundo melhorou e nem que piorou, apenas desfilando minhas saudades e dizendo que hoje ninguém dá importância suficiente à Independência ou à Pátria para sequer comprar um uniforme novo para o Sete de Setembro.


21
Dez 09
publicado por José Geraldo, às 19:08link do post | comentar

Inspirado em um cartão que recebi, quando ainda adolescente, de um amigo por correspondência romeno. Como se sabe, comunistas de verdade não são como a Heloísa Helena, carolas e cheios de fé, mas monstros ateus comedores de criancinha. Portanto, nada de referência a Natal e Ano Novo: natal de comunista é uma festa secular.


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Ótima informação, recentemente usei uma charge e p...
Muito bom o seu texto mostra direção e orientaçaoh...
Fechei para textos de ficção. Não vou mais blogar ...
Eu tenho acompanhado esses casos, não só contra vo...
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