Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
20
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 11:21link do post | comentar | ver comentários (1)
Conforme já havia prometido na época em que terminei a tradução desse romance fantástico escrito pelo britânico William Hope Hodgson e publicado em 1907, estou finalmente disponibilizando um e-book oficial com o texto completo. Demorei todo este tempo porque, como não estava enxergando nenhuma reação do público ao meu trabalho, não supus que houvesse demanda por isso. Porém, ao descobrir recentemente que a obra estava ganhando pernas na internet, resolvi cumprir a promessa e ei-lo: o e-book.

ATENÇÃO: Disponibilizada edição impressa do texto corrigido.


Por enquanto está sendo disponibilizado apenas o formato ePUB, mas até o final da próxima semana deverei providenciar o livro também em PDF e MOBI. Tentarei colocá-lo na Amazon e na Barnes & Noble (Kindle e Nook, respectivamente) e certamente o colocarei na Lulu.com, onde tenho uma conta.

Aqueles que baixaram as versões não autorizadas, em lugares como o site ebookbr.com.br, aviso que ainda vale pena deletar e baixar de novo, agora a versão oficial, por várias razões:
  1. Correção segundo a nova ortográfica do português. Mais de 420 erros de digitação (ou de ortografia mesmo) foram corrigidos em todo o texto.
  2. Apresentação melhor. Como eu limpei o código HTML antes de gerar o e-book, o resultado é um visual mais agradável, organizado e limpo.
  3. Correção do título. A obra teve o título corrigido para «A Casa no Limiar», que é mais correto de acordo com o sentido do original («The House on Borderland»). 
  4. Texto Completo. O novo e-book contem um poema de Hodgson a seu pai (incluído na edição original como dedicatória). Alguns parágrafos acidentalmente excluídos também foram recuperados.
  5. Licenciamento correto. Imagem de capa devidamente licenciada do Creative Commons e conteúdo distribuindo respeitando a licença do meu blogue.
  6. Embora muita gente não dê importância a isso, você estará apoiando meu trabalho e me estimulando a contribuir mais traduções. Respeite o esforço de quem compartilha conteúdo livre.
O licenciamento desta tradução é, e sempre será, gratuito. Minha remuneração é a divulgação do trabalho, e deste blogue.

15
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 01:18link do post | comentar | ver comentários (1)
Você certamente não lembra, porque hoje este blogue tem muito mais leitores do que no começo de 2012, mas há aproximadamente um ano eu me perguntava se valia a pena manter um blogue literário. Minha conclusão foi de que não valia, pois o trabalho divulgado aqui não estava atendendo a nenhum dos objetivos que eu tinha em mente: não estava aumentando a minha notoriedade, não me estava gerando receita e nem me angariando elogios. Entretanto eu não me dava ainda por vencido e, apesar da sensível queda na quantidade de postagens ao longo do ano de 2012 (uma queda de mais de 50% em relação ao ano anterior), segui tentando encontrar meios de atrair visitantes e me estabelecer como um “blogueiro de sucesso”, mas, de fato, não tinha muita esperança de ir longe.

Esta relativa desatenção fez com que eu acabasse não concluindo o projeto de formatar e publicar o e-book da tradução do romance «A Casa no Fim do Mundo», de William Hope Hodgson. Fui deixando no limbo porque não via resultados decentes em termos de visitas ou receita.

Qual não foi a minha surpresa ao descobrir, porém, neste fim de semana, que alguém havia preenchido esta lacuna e feito o e-book da tradução. Com uma capa até bonita, e ele havia “caído na rede”, sendo distribuído por vários sites e blogues literários nacionais.

Foi um misto de espanto, supresa e frustração. Porque, afinal, este fato demonstrou a qualidade da obra original, a solidez de minha tradução e o interesse do público pelo trabalho. E eu já nem esperava mais por isso. Mas frustração também, porque as mesmas pessoas que haviam criado o e-book, retirando o conteúdo deste blogue, haviam-no feito sem respeitar a única condição imposta por mim à cópia de conteúdo. Como está no rodapé: Permitida a reprodução exclusivamente mediante citação da fonte, com link. Para maior clareza eu ainda incluí no menu de navegação à esquerda o link da licença Creative Commons que eu aplico a todo o conteúdo que publico aqui, que é a CC-BY-NC-ND. Explicando:
  • CC = Creative Commons, esta é uma licença padrão, que permite a reprodução sem custo do conteúdo aqui divulgado.
  • BY = quer dizer que eu estou pedindo que minha autoria seja mantida, e que isto seja feito cumprindo condições que eu posso especificar.
  • NC = permito o uso, mas não permito que sejam criadas obras comerciais, ou auferido lucro de qualquer forma, sem negociação prévia comigo.
  • ND = non-derivative, quer dizer que eu não autorizo a apropriação de minha obra como parte de uma obra alheia.
Essencialmente isto quer dizer que todos os e-books que foram feitos estão em violação da licença que aplico ao meu trabalho. Certo, eles estão copiando algo que eu permito que seja copiado. Certo, eles estão mantendo a menção de minha autoria; mas apenas internamente no arquivo, e não incluem o link, que eu exijo como vinculação da autoria. Certo eles não estão ganhando dinheiro com os e-books, pois me consta, até agora pelo menos, que toda a distribuição é gratuita. Mas, porém, no entanto, todavia… 

A licença CC-BY-NC-ND proíbe a criação de obras derivadas sem a minha autorização. O e-book (seja mobi, seja e-pub, seja pdf) é uma obra derivada. Ainda mais porque nas “propriedades” do e-book quem aparece como “autor” do arquivo é um tal de Augusto. Então Augusto criou o e-book a partir do texto por mim publicado. Pronto, criou uma obra derivada. Violou a licença Creative Commons.

Ao fazer isto, o “Augusto” me roubou da única remuneração que eu peço em troca de meu trabalho, que é a divulgação do link de meu blogue, para que todos que gostem do trabalho venham aqui procurar outros trabalhos meus. Veja bem, o que eu estou pedindo não é muito, é quase nada, eu estou praticamente mendigando um link que me ajude a difundir meu nome e que me atraia alguns caraminguás em AdSense. Mas nem isso me foi dado.

As pessoas que fizeram este e-book nunca imaginaram que, talvez, possivelmente, o cara que gastou mais de duzentas horas traduzindo esse livro poderia querer alguma coisa em troca? Dificilmente, eles pensaram, sim. Mas preferiram ignorar, preferiram pegar o meu texto, formatar  e distribuir sem nem perguntar o que eu achava. Que não tenham posto o link é um erro desculpável, afinal nem todo mundo lê letras miúdas, mas que tenham feito a publicação e a divulgação sem sequer me avisarem é de uma falta de elegância muito grande. Há quanto tempo a minha tradução anda rolando na internet sem eu saber?

Como quantificar o prejuízo que me foi causado? Se tudo o que eu queria era que a minha tradução divulgasse o meu nome e o meu blogue, como quantificar o que eu deixei de ganhar desde que o e-book saiu? É impossível dizer quanto foi (foi pouco, mas foi alguma coisa). O que importa é que, em essência, a atitude do criador do e-book foi uma violação da licença (muito permissiva, mas ainda assim uma licença) que eu pus em meu trabalho. Violação de licença e falta de respeito. Mas parece que o autor não merece respeito, né? Se tá num blogue então tá liberado para copiar e usar à vontade, não é?

Depois de horas regurgitando a minha decepção, resolvi reclamar em alguns dos blogues que me citavam. Não todos, só alguns. Porque já era tarde da noite e eu estava com sono. Reclamei da ausência do link, fui meu grosso em dois ou três casos, mas não fui exatamente articulado, e não me expliquei tão bem.

O resultado foi alguns dos blogueiros me responderem, recebi resposta por e-mail, por comentário neste blogue, por Facebook. Todos se isentando de responsabilidade por distribuírem o e-book, alguns me chamando de grosso, embora dois ou três afirmassem entender a minha frustração.

Devo dizer que me arrependo de algumas das coisas que escrevi ontem, sim. Pensando bem, a culpa dos blogueiros que divulgam esse e-book pirata é menor do que a do seu autor original, o tal “Augusto”. É certo que os blogueiros deveriam, ou pelo menos, poderiam, ter verificado alguma coisa a respeito da tradução, pesquisado no Google pelo nome do tradutor, etc. Com pouco esforço chegariam até este blogue, e até mim como o tradutor. Mas é certo, também, que estão de tal forma acostumados a “passar adiante” o que pegam, e muito do que pegam é pirata, que perderam o hábito, se um dia o tiveram, de considerar a situação dos autores das obras que divulgam.

Talvez, para alguns deles, “autor” seja uma figura abstrata, morta ou morando no estrangeiro, que só se representa através de agentes e advogados, figuras detestáveis por si. Não lhes ocorre, talvez, que o “autor” possa ser um cara como eles, que eles poderiam encontrar na rua, que eles poderiam adicionar no Facebook e que um dia poderia chamar-lhes e dizer: “ei, cara, você se apropriou indevidamente do meu trabalho”.

Reservo para o final a última afirmação: como a licença CC-BY-NC-ND foi violada, o resultado é que as condições que permitiam a cópia gratuita, não tendo sido atendidas, não vigoram. Portanto, a utilização deste conteúdo de forma não autorizada recai sobre a velha lei do direito autoral. E, desta forma, o e-book passa a ser um e-book pirata. Não é preciso que a obra original seja vendida caro para que uma cópia não autorizada mereça este adjetivo. Pode-se fazer cópias piratas daquilo que é gratuito também. Neste caso, foi feito.

Todo aquele que está de posse deste e-book está, na verdade, com um trabalho derivado de uma obra minha, derivação esta que não é autorizada e é, portanto, ilegal segundo a legislação brasileira de direito autoral, que segue os termos da Convenção de Berna. Trata-se de uma apropriação indevida e desrespeitosa de um trabalho feito com desprendimento e com carinho, cuja única remuneração esperada era um link para este que vos escreve.

Um link.

Somente um mísero link. E o Augusto não foi capaz de atender isso.

Se ele pelo menos tivesse me escrito para contar do que pretendia fazer, eu lhe teria esclarecido sobre como fazer certo. Talvez até o ajudasse a fazer.

Mas, ah, um link é muita coisa. O autor não tem o direito de exigir tanto, é falta de educação reclamar por causa disso. Afinal, o que vale uma porra de um link? O que vale essa merda desse seu trabalho, afinal, quem você acha que é, José Geraldo, seu grosso, seu caipira convencido!

23
Abr 11
publicado por José Geraldo, às 13:47link do post | comentar | ver comentários (1)

Vocês que acompanham este blog devem ter notado que iniciei um projeto de tradução do romance “The House on the Borderland”, a que intitulei “A Casa no Fim do Mundo” (o título significaria, literalmente, “A Casa Sobre a Fronteira”, mas isto faria pouco sentido para o leitor, razão porque preferi mudar). Como a obra é desconhecida no Brasil (apesar de ter sido escrita no início do século XX e até já estar, inclusive, em domínio público), alguns podem estar perguntando o que motivou a minha decisão de traduzi-la — e qual a relevância literária de um tal trabalho. Este artigo pretende responder, ao menos em parte, este tipo de questionamento.

Antes de mais nada devo dizer que não devemos nos limitar unicamente a fazer aquilo que é grande e que é relevante. Não devemos ler somente o que é clássico, nem devemos ouvir apenas a música que faz mais sucesso atualmente. É na diversidade que se acha o prazer da vida, como diz um sábio ditado: o que seria do azul se todos gostassem do amarelo. Minha decisão de traduzir a obra de William Hope Hodgson; ainda inédita em português, pelo que me consta; motiva-se principalmente pelo desejo de trazer o autor ao conhecimento de um público maior. Seria tolice minha afirmar que Hodgson é um clássico esquecido ou um gênio incompreendido da literatura: não tenho gabarito para tais afirmações. O que afirmo é que se trata de um autor que vale a pena ler, mas que quase ninguém no Brasil já leu, pelo simples fato de não ter acesso à sua obra em nossa língua. Traduzindo-a, permitirei que mais pessoas a conheçam e possam achar motivos próprios para gostar dela.

Um segundo motivo importante é a relevância deste autor para um gênero literário que está em voga atualmente: a literatura “fantástica” (aqui um rótulo abrangente para incluir ficção científica, fantasia, terror, mitologia, ficção histórica e outros temas que se cruzam facilmente na obra de seus maiores expoentes). Hodgson foi um pioneiro do gênero que hoje é chamado de “new weird”, que consiste em justamente empregar com liberdade os temas acima mencionados, e outros inclusive. Há cem anos, este inglês (aparentado com irlandeses) mesclava reencarnação, piratas do Caribe, cosmologia, histórias de marinheiro, romances platônicos, literatura gótica, lendas célticas, arquétipos mitológicos, teorias de psicologia e outras coisas, resultando em um universo caótico e rico.

Hodgson foi autor de uma obra extensa, caracterizada pela virilidade e autoconfiança de seus personagens, que no entanto não são sempre meros homens de ação. De sua obra, dois romances saltam à vista, pela grande qualidade de sua concepção e por estarem intimamente relacionados pelo tema: “A Terra Noturna” (The Night Land) e “A Casa no Fim do Mundo” (The House on the Borderland). Embora, à uma primeira vista, ambos sejam muito diferente (quanto à linguagem e à construção dos personagens, principalmente), os dois se complementares no aspecto da cosmogonia envolvida: uma cosmogonia pessimista que reflete muito o estado de espírito dos homens da Belle Époque.

“A Casa no Fim do Mundo” narra a história de um nobre irlandês, o nome nunca é dito, que se isola em uma antiga e estranha mansão, no extremo oeste do país, o chamado Gaeltacht — a região onde todo mundo falava (pelo menos na época em que a história se passa) apenas a língua irlandesa céltica. A casa, ele comprara por um preço irrisório, devido à fama de mal-assombrada, que lhe havia deixado sem morador por quase um século.

Nesta casa encontramos o narrador, cuja história nos chega através do “manuscrito” achado pelos senhores Tonnison e Berreggnog (uma estranha dupla de ingleses que, sabe-se lá por que motivo, resolveu acampar bem no meio do nada, em uma região da Irlanda cujo povo nem sabia inglês). Ele está diante de um mistério: a aparição de misteriosas criaturas de aparência suína, que passaram a atacá-lo desde que teve um transe que durara um dia inteiro, durante o qual obteve um vislumbre do universo. Acompanhamos este irlandês sem nome, que ali vive sozinho com uma irmã mais velha, chamada somente de “Mary”, enquanto enfrenta os tais caras de porco. Depois o seguimos em suas explorações do terreno, juntamente com ele fazemos interessantes descobertas sobre sua casa até, por fim, mergulharmos com ele em um gigantesco pesadelo cósmico que vai além de tudo quanto podemos imaginar e cujas consequências fogem não apenas às leis básicas da ciência, como vão até contra os princípios mais comuns da lógica narrativa. Tão poderosa e estranha é a narrativa da segunda parte do romance, cujo tom quase psicodélico deixa o leitor quase todo o tempo “sem chão”, que não são poucos os leitores que a rejeitam, não são poucos os que dizem que o romance “teria sido melhor” caso tivesse somente a primeira parte.

Gosto é gosto, uma afirmação tautológica até inútil, mas é verdade que sem a segunda parte “A Casa no Fim do Mundo” mereceria menos atenção, seria apenas uma história de horror bem material, sobre um esquisitão recluso enfrentando porcos espertos (ou algo assim). Certamente menos interessante do que o redemoinho de ideias a que a segunda parte tenta nos levar. Mas é justamente nesse redemoinho que está a parte que mais interessa a respeito de Hodgson: ali está sua singular concepção de um universo fantástico que mescla cosmologia clássica (pré-relativística) com elementos da mitologia grega, teorias de reencarnação, engenharia militar, ideais esportivos (fisiculturismo) e ideologia nacionalista. Uma senhora barafunda, que resulta em um universo fantástico original, muito diferente do padrão tolkieniano de elfos, dragões, feiticeiros e frágeis civilizações perdidas ambientadas numa idade média imaginária. Apenas para atiçar a curiosidade dos leitores, a inspiração de Hodgson não é um passado decadente, mas um futuro inevitável.

Hodgson não é um autor habilidoso com as palavras. Sua narrativa nunca soa redonda, devido à frequência irritante com que repete expressões e palavras, devido à pouca variedade da sintaxe e asperezas diversas. Os seus defeitos ainda foram exacerbados por sua tentativa de ir além dos limites de sua cultura, imitando canhestramente a linguagem de autores barrocos e neoclássicos sem ter vocabulário ou conhecimento filológico para isso. Tais defeitos são bem menos pronunciados em “A Casa no Fim do Mundo”, que está vazada numa linguagem mais chã e quase estudantil, mas prejudicam de modo terrível o seu melhor e mais relevante romance, “Terra Noturna”, a ponto de muitos críticos recomendarem que capítulos inteiros sejam saltados durante a leitura, ou que seja lido em versões resumidas. No entanto, uma tradução cuidadosa, enxugando um pouco dos defeitos da prosa de um autor que pouco interagia com a crítica ou com outros autores, revela a força imaginativa de um homem à frente de seu tempo em uma variedade de aspectos, que, porém, ainda assim, de outras maneiras, era preso a convenções e ideais do passado, como a castidade pré-nupcial, o romance cortês, os valores cavalheirescos e a força de uma religiosidade heterodoxa (Hodgson era espiritualista) que parecia, naquela era de fascínio pela ciência, uma sombra do medievo a repousar sobre seu caráter.

E tal tradução nos permitirá apreciar, em Hodgson, um gênero literário que estava ainda em sua infância, uma época em que ainda não havia se fixado na repetitividade que o caracterizou depois.


Uma lista de conceitos que fazem parte do universo ficcional de William Hope Hodgson

  • Ameaça Alienígena
  • Amor cortês
  • Arcologia
  • Armas misteriosas
  • Deuses Astronautas
  • Energias místicas
  • Fisiculturismo
  • Perigosos Trópicos
  • Poder das Pirâmides
  • Portais Dimensionais
  • Reencarnação
  • Romantismo da Pirataria
  • Terra Oca
  • Valores cavalheirescos
  • Viagem no Tempo
  • Virtude da Virgindade

Se você se interessou, saiba que a tradução terminou e estou preparando já o e-book. Confira os detalhes aqui.


11
Abr 11
publicado por José Geraldo, às 18:25link do post | comentar | ver comentários (6)
Inicio hoje um projeto de longo prazo, de traduzir para o português o romance “The House on the Borderland”, publicado em 1907 pelo inglês William Hope Hodgson. Trata-se de uma obra obscura da literatura gótica britânica (a meu ver imerecidamente esquecida), que está de certa forma relacionada a dois outros textos do mesmo autor, merecedores ambos de mérito literário: “The Night Land” (A Terra Noturna) e “The Boats of the Glen Carrig” (Os Botes do Glen Carrig) — uma obra de ficção científica e um romance de capa e espada mesclado com fantasia e piratas.

Acredito que as três obras tenham grande potencial de atrair leitores modernos, especialmente porque, ao traduzi-las para o português, tenho a oportunidade de remover o principal defeito do original: o estilo excessivamente arcaizante e empolado que o autor empregou naquelas duas, ou a relativa falta de polimento que caracteriza “A Casa no Fim do Mundo”. Tais defeitos fazem com que muitas pessoas que se interessariam pelo tema em si destas histórias acabem se afastando. Mas uma tradução é sempre uma oportunidade de recriação do original. Embora não me julgue à altura de um Eça de Queirós, proponho-me a fazer pelas obras de Hodgson algo análogo ao que o genial autor de “Os Maias” e “A Relíquia” fez com “As Minas do Rei Salomão”, do obscuro H. Ridder Haggard.

Esta postagem servirá de índice para que os interessados na leitura possam acompanhar o progresso, em estilo folhetim, de meu trabalho de tradução.
Introdução do Manuscrito pelo AutorCapítulo I — A Descoberta do ManuscritoCapítulo II — A Planície do SilêncioCapítulo III — A Casa na ArenaCapítulo IV — A TerraCapítulo V — A Coisa no AbismoCapítulo VI — As Coisas SuínasCapítulo VII — O AtaqueCapítulo VIII — Depois do AtaqueCapítulo IX — Nos PorõesCapítulo X — Os Tempos de EsperaCapítulo XI — A Busca nos JardinsCapítulo XII — O Abismo SubterrâneoCapítulo XIII — O Alçapão no Porão MaiorCapítulo XIV — O Mar do SonoFragmentos [continuação do capítulo XIV]Capítulo XV — O Ruído na NoiteCapítulo XVI — O DespertarCapítulo XVII — A Redução da RotaçãoCapítulo XVIII — A Estrela VerdeCapítulo XIX — O Fim do Sistema SolarCapítulo XX — Os Globos CelestesCapítulo XXI — O Sol EscuroCapítulo XXII — A Nebulosa EscuraCapítulo XXIII — PimentaCapítulo XXIV — Passos no JardimCapítulo XXV — A Coisa da ArenaCapítulo XXVI — O Ponto LuminosoCapítulo XXVII — ConclusãoLuto
Algumas Palavras Sobre a Obra de William Hope Hodgson
O romance inicia com a seguinte nota:
A partir do Manuscrito descoberto em 1877 pelos Srs. Tonnison e Berreggnog nas Ruínas ao Sul do Povoado de Kraighten, no Oeste da Irlanda. Aqui transcrito, com Notas.
ATUALIZAÇÃO: A versão definitiva, que disponibilizarei em formato e-book, terá o título «A Casa no Limiar», conforme sugerido por um leitor. 

ATUALIZAÇÃO em 20 de janeiro de 2013: Disponibilizado e-book em formato ePUB.

30
Out 10
publicado por José Geraldo, às 22:59link do post | comentar | ver comentários (1)

Era uma noite escura e sem estrelas. Estávamos em uma calmaria no Pacífico Norte. Nossa exata posição eu não sei porque o sol tinha estado oculto, durante toda uma semana cansativa de trabalho, por uma névoa fina que parecia flutuar acima de nós, pouco acima da altura de nossos mastros, às vezes descendo e envolvendo o mar em torno de nós.

Como não havia vento, tínhamos prendido o leme e eu era o único homem no tombadilho. A tripulação, que consistia de dois homens e um garoto, estava dormindo em suas cabinas enquanto Will, meu amigo e capitão de nossa pequena embarcação, estava em sua tarimba, à bombordo de sua pequena cabina à popa.

De repente, saído da escuridão que nos cercava, veio uma saudação:

— Olá, escuna!

O grito foi tão inesperado que eu não lhe respondi de imediato, tanta minha surpresa.

Ele soou de novo — uma voz curiosamente gutural e inumana, que chamava de algum lugar sobre o mar escuro a bombordo:

— Olá, escuna!

— Alô! — eu declamei, depois de recuperar minha presença de espírito — O que é você? O que quer?

— Não precisa ter medo — respondeu a estranha voz, provavelmente por notar algum sinal de confusão no tom de minha voz — eu sou apenas um… homem… velho.

A pausa soou fora de lugar, mas foi só depois que eu percebi seu significado.

— Então por que não vem a bordo? — indaguei, um tanto grosseiramente, por não ter gostado de tal sugestão de que eu pudesse ter sido assustado, mesmo que só um pouco.

— Eu… eu não posso. Não seria seguro. Eu… — a voz se deteve e houve silêncio.

— O que quer dizer? — perguntei, mais atônito ainda — Quem não estaria seguro? Onde está você?

Eu ouvi por um momento, mas não veio nenhuma resposta. Então, movido por uma súbita e indefinida suspeita de algo que não sabia o que era e que vinha até mim, eu fui rapidamente até a bitácula e peguei a lâmpada acesa. Ao mesmo tempo, bati no tombadilho com o calcanhar para acordar Will. Logo em seguida, eu estava na beirada, derramando o cone de luz amarelada na imensidão silenciosa além do parapeito. Ao fazer isso, ouvi um grito baixo, abafado, e depois o som de um chapinhar, como se alguém tivesse deitado remos abruptamente. Mesmo assim eu não sei dizer com certeza se eu vi alguma coisa, exceto que, ao que me pareceu, com a primeira luz da lanterna havia algo sobre as águas, onde pouco depois nada havia.

— Alô, você aí! — chamei — que palhaçada é essa?

Mas só se ouvia os sons indistintos de um bote sendo remado para longe na noite.

Então ouvi a voz de Will, vinda da direção das escotilhas da proa:

— O que está havendo, George?

— Vem cá, Will — eu disse.

— O que é? — ele perguntou, atravessando o tombadilho.

Contei-lhe a estranha coisa que havia acontecido. Ele então fez várias perguntas e, após um momento de silêncio, levou as mãos aos lábios e saudou:

— Olá, você do bote!

De muito longe nos veio uma resposta quase inaudível e o meu colega repetiu seu chamado. Então, depois de um curto período de silêncio, começou a crescer em nossos ouvidos o som de remos abafados, e então Will saudou novamente.

Dessa vez houve uma resposta:

— Desliguem a luz.

— O diabo é que eu vou… — resmunguei, mas Will me convenceu a fazer o que a voz pedia, e eu a ocultei sob a armurada.

— Vou me aproximar — ele disse, e o som dos remos continuou. Então, aparentemente a uma distância de doze braças, eles pararam outra vez.

— Venha para cá! — exclamou Will — não há nada para ter medo aqui a bordo.

— Promete que não vai mostrar a luz?

— O que aconteceu com você — eu interrompi — que tem um medo tão infernal da luz?

— Porque… — começou a voz, e logo parou.

— Porque o que? — logo perguntei.

Will pôs sua mão no meu ombro:

— Fique em silêncio, um pouco, camarada — ele disse numa voz baixa — deixa que eu cuido dele.

Então ele se inclinou mais sobre a borda:

— Veja aqui, senhor — ele disse — esse é um negócio bem esquisito, você chegar até nós desse jeito, bem no meio do bendito Oceano Pacífico. Como podemos saber que não é um tipo de trapaça para nos enganar? Você diz que está sozinho. Como vamos saber se não pudermos dar uma olhada, hem? Qual é o seu problema com a luz, por falar nisso?

Quando ele terminou, ouvi o ruído dos remos outra vez, e então a voz do homem, mas então a uma distância maior, e soando extremamente desesperada e patética.

— Desculpem-me, desculpem-me! Eu não devia ter perturbado vocês, mas eu só estou faminto, e também… também ela.

A voz sumiu, e o som dos remos, irregularmente agitando a água, chegava até nós.

— Pare! — gritou-lhe Will — Não queremos espantar você. Volta aqui! Vamos ficar com luz abaixada, já que você não gosta dela!

Will se dirigiu a mim:

— É um trato muito esquisito esse, mas eu acho que não há nada do que ter medo?

Havia uma indagação em seu tom de voz, e eu respondi:

— Não. Eu acho que o pobre diabo naufragou perto daqui e ficou louco.

O som dos remos se aproximava.

— Enfia aquela lampa de volta na bitácula — disse Will, e então se inclinou sobre a armurada e ouviu. Eu recoloquei a lâmpada e voltei para o seu lado. O bater dos remos parou a cerca de doze jardas de distância.

— O senhor não vai se aproximar agora? — perguntou Will, numa voz calma — eu pus a lâmpada de volta na bitácula.

— Eu… não posso — repetiu a voz. Eu não ouso chegar mais perto. Não ouso nem mesmo pagar-lhes pelas… provisões.

— Tudo bem — disse Will, e hesitou. Você pode pegar o quanto quiser levar.

— Vocês são muito bons! — exclamou a voz. Que deus, que a tudo compreende, recompense-os…

E ele parou subitamente de falar.

— A… a senhora? — perguntou Will abruptamente — ela está…?

— Eu a deixei lá na ilha — respondeu a voz.

— Que ilha? — eu perguntei.

— Não sei o nome dela — respondeu a voz — e eu queria que Deus… — ele começou, mas logo parou de novo.

— Não podemos mandar um bote ir buscá-la? — perguntou Will nesse ponto.

— Não! — exclamou a voz, com extraordinária ênfase — Meu Deus, não!.

Houve um momento de pausa e então ele acrescentou, em um tom que parecia uma reprimenda de si mesmo:

— Foi por causa de nossa necessidade que eu me aventurei, porque a agonia dela me tortura.

— Sou um brutamontes desmemoriado! — exclamou Will — Espere um minuto, seja quem for, e eu vou lhe trazer alguma coisa já.

Alguns minutos depois ele retornou, trazendo uma braçada de comida. Ele parou na armurada:

— Você não pode vir até junto da armurada para buscar? — ele perguntou.

— Não… eu não ouso — respondeu a voz, e me parecia que, em sua entonação, se podia detectar um sinal de desejo reprimido.

Então eu entendi que a pobre criatura lá na escuridão estava realmente sofrendo a falta daquilo que Will tinha em seus braços mas, por algum temor ininteligível, se recusava a abordar a nossa escuna e recebê-lo. E com essa percepção instantânea, veio a noção de que o Invisível não era um louco, mas alguém muito são que enfrentava algum horror intolerável.

— Foda-se, Will! — eu disse, cheio de consternação e de uma vasta simpatia pelo ser na noite. Busque uma caixa e vamos deixar isso flutuar até ele.

Assim fizemos, propelindo-a para longe do nosso barco, para dentro da escuridão, por meio de um gancho.

Em um minuto ouvimos a voz quase inaudível do Invisível chegar até nós, e soubemos que ele tinha apanhado a caixa.

Pouco depois ele se despediu de nós com uma bênção tão emocionada que eu tenho a certeza de que nos sentimos muito melhores por causa dela. Então, sem mais tardar, ouvimo-lo remando através da escuridão.

— Muito rápido — observou Will, com uma certa intenção de ofender.

— Espere — eu respondi — eu acho que de alguma forma ele vai voltar. Ele parecia estar mesmo precisando muito daquela comida.

— E a mulher? — disse Will, parando por um momento em silêncio, antes de continuar — é a coisa mais esquisita com que trombei desde que comecei a pescar.

— É — eu disse, e fiquei pensando.

Então o tempo passou. Uma hora, logo outra, e Will continuava comigo, porque a estranha aventura tinha acabado com toda sua vontade de dormir.

Já haviam passado quase três quartos da terceira hora quando ouvimos de novo o som de remos no oceano silencioso.

— Ouça! — disse Will, com uma discreta nota de excitação em sua voz.

— Está voltando, como eu pensei — eu murmurei.

O bater dos remos foi se aproximando, e eu notei que o rimo era mais firme e mais amplo. A comida tinha sido bem aproveitada.

Os remos pararam de bater a uma distância bem pequena de nossa armurada, e a estranha voz nos veio forte através da escuridão:

— Olá, vocês da escuna!

— É você? — perguntou Will.

— Sim — respondeu a voz. Eu os deixei muito rápido, mas… era porque a necessidade era grande.

— A mulher? — perguntou Will.

— A… a mulher lhes está muito grata neste momento aqui na Terra. Mas ela lhes será ainda mais grata dentro em breve… no Céu.

Will começou a tentar responder, com uma voz perplexa, mas ficou confuso e parou. Eu não disse nada. Estava pensando nas curiosas pausas e, além de meu espanto, estava cheio de certa simpatia.

A voz continuou:

— Nós… ela e eu… nós conversamos, enquanto dividíamos o resultado da graça de Deus e da bondade de vocês…

Will interrompeu, mas incoerentemente.

— Eu lhes peço que não… não subestimem seu ato de caridade cristã esta noite — disse a voz — e estejam certos de que este feito não escapará ao julgamento dEle.

Ele parou, e houve um minuto inteiro de silêncio. Então começou de novo:

— Nós conversamos sobre isso… isso que nos sobreveio. Tínhamos pensando em partir, sem contar a ninguém do terror que aconteceu em nossas… vidas. Ela concorda comigo em que os fatos dessa noite são parte de uma decisão especial de Deus, e que ele deseja que contemos a vocês tudo quanto sofremos desde… desde…

— Sim — perguntou Will, suavemente.

— Desde o naufrágio do Albatroz.

— Ah! — eu exclamei involuntariamente — Ele saiu de Newcastle para Frisco uns seis meses atrás e não se ouviu falar dele mais.

— Sim — respondeu a voz — mas, alguns graus ao norte da Linha, ele encontrou uma tempestade terrível e perdeu os mastros. Quando o tempo acalmou, percebemos que estava fazendo muita água e então, por causa da calmaria, os marinheiros pegaram os botes, deixando uma… uma jovem senhora, minha noiva, e eu, sozinhos no barco.

“Nós estávamos no porão, pegando alguns de nossos pertences, quando eles saíram. Eles ficaram totalmente insensíveis, por causa do medo, e quando nós subimos ao tombadilho nós só os vimos como pequenas sombras, longe no horizonte. Mesmo assim nós não perdemos a esperança: fizemos uma pequena jangada e sobre ela pusemos tudo que ela podia carregar, inclusive uma boa quantidade de água e alguns biscoitos de marear. Então, já com o navio bem afundado na água, pulamos para a jangada e demos impulso.

Mais tarde eu observei que nós parecíamos estar no caminho de algum tipo de corrente, que nos afastava do navio em diagonal, de forma que após três horas, pelo meu relógio, o casco dele ficou fora de nossa visão, embora os seus mastros quebrados ainda pudessem ser vistos por um pouco mais. Então, caindo a noite, ficou nebuloso e continuou assim durante a noite. No dia seguinte ainda estávamos envoltos na névoa e o tempo continuava calmo.

Por quatro dias nós flutuamos por entre a estranha bruma, até que, no anoitecer do quarto dia, começamos a ouvir o murmúrio de ondas que quebravam à distância. Gradualmente ele ficou mais claro e, pouco depois de meia noite, parecia soar tanto a bombordo como a estibordo, e à pequena distância. A jangada foi erguida por ondas de arrebentação várias vezes, e então entramos em águas calmas e o barulho das ondas quebrando ficou para trás.

Quando amanheceu nós descobrimos que estávamos em um tipo de grande lagoa, mas nós só notamos isso depois, porque diante de nós, em meio àquela neblina opressora, assomava o casco de uma embarcação enorme. No mesmo ato nós caímos de joelhos e agradecemos a Deus, porque imaginamos que tinham acabado os nossos perigos. Tínhamos muito a descobrir.

A jangada aproximou-se do navio e nós lhe gritamos para que fôssemos levados a bordo, mas ninguém respondeu. Então a jangada tocou o lado do navio e, vendo uma corda pendurada, eu agarrei e comecei a subir. Mas eu tive muito trabalho para subir, por causa de um tipo de fungo ou líquen que tinha crescido na corda e que também manchava o casco do navio.

Eu cheguei à amurada e a saltei, chegando ao convés. Ali eu vi que o tombadilho estava coberto de grandes manchas de massa cinza, algumas delas criando nódulos de metro de altura; mas naquele momento eu não dei tanta importância a isso quanto à possibilidade de haver gente a bordo do navio. Eu chamei, mas ninguém respondeu. Então eu fui até a porta abaixo do convés da popa, e a abri para olhar lá dentro. Havia um grande cheio de podridão, de forma que soube no mesmo instante que não havia nada vivo lá, e tendo descoberto isso eu fechei a porta rápido, porque me senti subitamente só.

Eu voltei para o lado de onde tinha subido. Minha… minha querida ainda estava sentada quieta na jangada. Ao ver-me olhando para baixo ela me perguntou se havia alguém no navio. Eu respondi que a embarcação parecia estar há muito deserta, mas que se ela pudesse esperar, eu procuraria alguma coisa que pudesse servir de escada, para que ela pudesse subir ao convés, a fim de que pudéssemos fazer uma busca por todo ele juntos. Um pouco depois, no lado oposto do convés, eu achei uma escada de corda. Levei-a ao outro lado e minutos depois ela estava lá comigo.

Juntos exploramos as cabinas e apartamentos da popa do navio, mas em parte alguma havia qualquer sinal de vida. Aqui e ali, até dentro das cabinas, encontramos aquelas manchas incomuns daquele fungo estranho; mas isso, minha querida disse, poderia ser limpo.

Por fim, tendo nos assegurado que a popa do navio estava vazia, nós nos dirigimos à proa, por entre os feios nódulos cinzentos daquela infestação estranha, e ali fizemos outra busca, que nos mostrou que não havia mesmo ninguém a bordo, além de nós mesmos.

Como isso estava estabelecido além de qualquer dúvida, voltamos à popa do navio e começamos a tentar nos acomodar como possível. Juntos nós desobstruímos e limpamos duas das cabinas, e depois disso eu investiguei se havia qualquer coisa comestível no navio. Isso eu logo confirmei, e agradeci a Deus por Sua bondade. Além disso, eu descobri uma bomba de água doce e, tendo-a consertado, vimos que a água era potável, apesar de ter um gosto um pouco desagradável.

Por vários dias nós ficamos no navio, sem tentar chegar à margem. Nós estávamos ocupados tentando fazer o lugar habitável. Mas mesmo assim nós logo notamos que nosso lugar era bem menos desejável do que tínhamos imaginado, pois embora tivéssemos, inicialmente, arrancado todas as manchas de infestação que tinham coberto o chão e as paredes das cabines e do salão, elas sempre retornavam, em seu tamanho original quase, no espaço de meras vinte e quatro horas, o que não apenas nos desmotivava, mas nos dava uma vaga sensação de desconforto.

Mesmo assim nós não nos dávamos por vencidos e recomeçávamos o serviço, e não apenas arrancávamos os fungos, mas ensopávamos os lugares onde eles tinham estado com ácido carbólico, de que eu tinha achado um latão cheio no armazém. Mas, ao final da semana, a infestação tinha crescido com toda força e tinha se espalhado para outros lugares, como se ao tocá-la tivéssemos permitido que esporos dela viajassem pelo ar.

Na sétima manhã, minha querida acordou e achou uma pequena mancha de mofo crescendo em seu travesseiro, bem perto de sua face. Com isso, ela veio até mim, tão rápido quanto ela pôde se vestir. Eu estava então na cozinha, acendendo o fogo para o desjejum.

“Vem cá, John”, ela disse, e me levou à popa. Quando vi a coisa no seu travesseiro, estremeci e naquele momento e lugar nós concordamos em sair do navio e ver se podíamos achar um lugar melhor em terra.

Rapidamente reunimos nossos poucos pertences e entre eles vi que o fungo tinha estado trabalhando, pois uma de suas mantilhas tinha uma pequena bolha dele perto da bainha. Eu atirei a coisa pela amurada sem nem dizer-lhe nada.

A jangada ainda estava ao lado, mas ela era desajeitada de guiar. Então eu baixei um pequeno bote que ainda estava na popa e por ele nós fizemos nossa viagem à terra firme. Mas quando nos aproximávamos dela, eu percebi gradualmente que o fungo maligno, que nos havia expulsado do navio, ali estava crescendo descontroladamente. Em alguns lugares ele se erguia em montes fantásticos, horríveis, que pareciam quase mover-se, como se houvesse neles uma silenciosa inteligência, quando o vento soprava neles. Aqui e ali ele tomava a forma de vastos dedos, e em outra ele se espalhava pelo chão plano, suave e traiçoeiramente. Em outros lugares, parecia árvores grotescamente enfeitadas, extraordinariamente curvadas e contorcidas. A coisa toda parecia tremer malignamente às vezes.

A princípio nos pareceu que não havia sequer um trecho da costa que não estava escondido pelas massas do horrendo líquen, mas nisso logo vi que estávamos enganados, porque a seguir, margeando a costa a pouca distância, discernimos uma mancha clara do que parecia ser areia fina, e ali desembarcamos. Não era areia. O que era, eu não sei.

O que observei foi que sobre aquilo o fungo não crescia, embora em todo o resto, exceto onde a coisa que parecia areia chegasse, em meio à desolação cinzenta do líquen, não houvesse nada além de nojentos fungos.

É difícil fazê-los entender o quanto eu fiquei feliz de achar um lugar que estava absolutamente livre da infestação, e nele depositamos os nossos pertences. Então nós voltamos ao navio para pegar coisas que pareciam necessárias. Entre outras coisas, eu consegui trazer à margem comigo uma das velas do navio. Com ela construí duas pequenas tendas que, embora muito mal feitas, serviam aos propósitos para os quais haviam sido feitas. Nelas vivemos e guardamos nossas posses, de forma que, por um espaço de quatro semanas, tudo correu calmamente e sem nenhuma infelicidade. De fato, eu posso até dizer que foi com grande felicidade, porque… porque ficamos juntos.

Foi no polegar direito dela que a infestação apareceu pela primeira vez. Era só um pequeno ponto circular, como uma pequena verruga cinza, meu Deus! Como o medo saltou sobre meu coração quando ela me mostrou o lugar. Nós o limpamos, juntos, lavando-o com ácido carbólico e água. Na manhã do dia seguinte ela me mostrou sua mão outra vez. A coisa verrugosa e cinza tinha voltado. Por um momento nós nos entreolhamos em silêncio. Então, ainda sem palavras, começamos a removê-la de novo. No meio da operação, ela disse subitamente:

“O que é isso na sua face, querido?”

A voz dela saiu aguda de tanta ansiedade. Eu levei a mão para sentir.

“Aí, debaixo do cabelo, perto de sua orelha. Um pouco mais à frente.”

Meu dedo pousou sobre o lugar, e então eu soube.

“Vamos cuidar do seu polegar primeiro”, eu disse. E ela se submeteu, apenas porque tinha muito medo de me tocar até que estivesse limpo. Eu terminei de lavar e desinfetar seu polegar, então ela começou em minha face. Depois que terminamos nós nos sentamos juntos e conversamos um pouco sobre muitas coisas, porque haviam sobrevindo às nossas vidas pensamentos súbitos e verdadeiramente terríveis. Estávamos, de repente, temerosos de algo mais grave que a morte. Falamos em carregar o bote com provisões e água e sair para o mar, mas estávamos sem esperança, por várias razões, e… e a infestação já tinha nos atacado. Decidimos ficar. Que Deus fizesse de nós o que fosse Sua vontade. Esperaríamos.

Um mês, dois meses, três meses passaram e os lugares cresceram um pouco, e surgiram outros. Mas nós lutamos tão incansavelmente por causa do medo que o seu crescimento foi lento, comparativamente falando.

Ocasionalmente nos aventurávamos no navio para buscar as provisões de que precisávamos. Ali notamos que o fungo crescia persistentemente. Um dos nódulos no convés principal logo ficou tão alto quanto a minha cabeça.

Nós tínhamos abandonado todo pensamento de abandonar a ilha. Compreendêramos que seria inadmissível ir para o meio de humanos sãos levando a coisa de que estávamos sofrendo.

Com esta determinação e conhecimento em mente, soubemos que deveríamos cultivar nossa comida e água, pois não sabíamos, àquela altura, quantos anos ainda poderíamos viver.

Isso me lembra que eu lhes disse que sou um velho. A julgar pelos anos isso não é verdade. Mas… mas…”

Ele interrompeu, mas depois continuou, de forma um tanto abrupta:

“Como estava dizendo, descobrimos que deveríamos usar de economia em relação à comida. Mas não tínhamos nenhuma ideia de quão pouco restava para economizar. Não foi senão uma semana depois que eu descobri que todos os outros tanques de pão — que eu achava que estavam cheios — estavam vazios e que, a não ser por algumas latas de vegetais e carne e coisas assim, não tínhamos nada de que depender a não ser o tanque que já tínhamos aberto.

Depois de descobrir isso eu me esforcei para fazer o que pudesse e comecei a pescar na lagoa, mas sem sucesso. Com isso eu fiquei um pouco inclinado ao desespero, até que tive a ideia de tentar fora da lagoa, no mar aberto.

Aqui, às vezes, eu pego um peixe, mas tão raramente que eles provaram ter pouca utilidade para nos salvar da fome que nos ameaçava. Pareceu-me, então, que nossas mortes deveriam ocorrer mais provavelmente por causa da fome do que pela infestação da coisa que tinha surgido em nossos corpos.

Pensávamos assim quando o quarto mês passou. Então eu fiz uma descoberta horrível. Uma manhã, um pouco antes do meio-dia, eu voltei do navio com uma porção dos biscoitos que sobravam. À entrada de sua tenta eu vi minha querida sentada, comendo algo.

‘O que é isso, meu amor?’ Eu perguntei ao saltar para a praia. Mas, ao ouvir minha voz, ela ficou confusa e, ao voltar-se, sutilmente jogou alguma coisa na direção da margem da clareira. Ela caiu perto e uma vaga suspeita tinha surgido em mim, então eu fui até lá e a recolhi. Era um pedaço do fungo cinzento.

Quando fui até ela com aquilo na mão, ela ficou mortalmente pálida, e então vermelha.

Eu fiquei estranhamente atordoado e amedrontado.

‘Meu amor, meu amor!’ eu dizia, e não podia dizer mais nada. Mas com as minhas palavras ela se descontrolou e chorou amargamente. Gradualmente, enquanto ela acalmava, eu soube que ela tinha experimentado no dia anterior e… e tinha gostado. Eu a fiz prometer de joelhos que ela nunca o tocaria outra vez, por maior que fosse nossa fome. Depois da promessa ela me disse que a vontade de comê-lo tinha aparecido subitamente, e que antes do momento de desejo ela nada tinha sentido em relação ao fungo, senão a mais extrema repulsa.

Mais tarde naquele dia, sentindo-me estranhamente inquieto e muito abalado pelo que havia descoberto, eu seguia por um dos sinuosos caminhos formados pela substância branca e arenosa que seguia por entre a infestação fungosa. Eu já tinha me aventurado uma vez por ali, mas não muito longe. Daquela vez, porém, muito distraído com um pensamento perturbador, eu acabei indo mais longe do que tinha ido antes.

Então a minha atenção voltou quando ouvi um som estranho e áspero à minha esquerda. Virando rápido, eu vi que havia movimento em meio a uma massa de fungos de formato extraordinário bem perto de meu cotovelo. Ela estava se agitando descontroladamente, como se possuísse uma vida própria. Abruptamente, ao olhar, me sobreveio o pensamento de que a coisa tinha uma semelhança grotesca com a figura distorcida de uma criatura humana. Ao mesmo tempo em que a ilusão percorria o meu cérebro, houve um suave e doentio ruído de coisa se rasgando e eu vi que uma das ramificações parecidas com galhos se destacava das massas em torno. A cabeça da coisa, uma bola cinzenta e amorfa, inclinou-se em minha direção. Eu fiquei estupefato, e o braço maligno percorreu minha face. Dei um grito assustado e retrocedi alguns passos. Havia um sabor adocicado em meus lábios, onde a coisa me havia tocado. Lambi e fui imediatamente preenchido por um desejo inumano. Eu virei e arranquei uma massa do fungo.

Então mais, e… mais. Eu era insaciável. Enquanto devorava, a lembrança da descoberta da manhã apareceu em meu cérebro atordoado. Foi enviada por Deus. Eu atirei ao chão o fragmento que segurava. Então, totalmente desgraçado e sentindo uma culpa terrível, eu voltei para o acampamento.

Eu creio que ela soube, por uma intuição maravilhosa que o amor nos dá, tão logo pôs os olhos em mim. Sua silenciosa solidariedade tornou mais fácil para mim, e eu lhe contei de meu súbito fraquejar, mas lhe omiti a coisa extraordinária que tinha acontecido antes. Eu desejava poupar-lhe de todo terror que não fosse necessário.

Mas em mim mesmo eu tinha adicionado um conhecimento intolerável, que criava um terror incessante em meu cérebro, pois eu não duvidava que tinha visto o fim de um daqueles homens que tinham chegado à ilha no navio da laguna, e naquele monstruoso fim tinha antevisto o nosso próprio.

Desde então evitamos o alimento abominável, embora a fome dele tivesse entrado em nosso sangue. Mas a nossa lúgubre punição estava sobre nós, pois dia a dia, com monstruosa rapidez, a infestação fungosa tomava conta de nossos pobres corpos. Nada que tentássemos conseguia retirá-la materialmente e então… e então nós que… que tínhamos sido humanos nos tornamos… bem, isso importa cada vez menos a cada dia. Somente que… que fomos um homem e uma donzela.

Cada dia a luta é mais terrível para resistir à tentação da fome do terrível líquen. Há uma semana nós comemos o último biscoito e desde então conseguimos pescar três peixes. Eu estava aqui pescando hoje quando sua escuna apareceu sobre mim no meio da neblina. Eu os saudei. O resto vocês sabem, e que Deus, do fundo de Seu grande coração, abençoe-os por sua bondade para com… um pobre par de almas perdidas.”

Houve o bater de um remo, depois outro. Então a voz veio outra vez, e pela última vez, soando através da bruma que nos cercava, fantasmagórica e lamentosa.

— Deus os abençoe! Adeus!

— Adeus! — nós gritamos juntos, desajeitadamente, com os nossos corações cheios de muitas emoções. Então eu percebi que a aurora estava caindo sobre nós.

O sol penetrou com um raio solitário o mar oculto, perfurando o nevoeiro precariamente, e brilhou sobre o barco que se afastava com um fogo tenebroso. Indistintamente eu vi algo balançando entre os remos. Eu pensei em uma esponja — uma grande e cinzenta esponja que balançava. Os remos continuaram a bater. Eles eram cinzentos assim como o barco, e meus olhos procuraram em vão onde era a separação entre mão e remo. Meu olhar se dirigiu, então, à nuca. Ela se movia para frente quando os remos vinham para trás. Então os remos bateram, o bote avançou, saindo do raio de luz e a… coisa, a coisa seguiu balançando através do nevoeiro.

Devido ao autor ter morrido em 1915, este texto em sua versão original encontra-se em domínio público.


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Muito bom o seu texto mostra direção e orientaçaoh...
Fechei para textos de ficção. Não vou mais blogar ...
Eu tenho acompanhado esses casos, não só contra vo...
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