Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
15
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 23:48link do post | comentar
Ó, meu Deus! Deixo-vos um conselho. Nunca tentem cremar seu animalzinho de estimação falecido usando um forno doméstico. Não apenas se produzirá o pior cheiro imaginável, mas ele não virará cinzas e apenas queimará. Tentei isso hoje. Este não tem sido um dia bom para mim.

Cristina.
 

Querida amiga, você não estava totalmente enganada a respeito do uso de fornos domésticos para a cremação de animais. É claramente uma boa ideia fazer isso, mas apenas com animais um pouco maiores do que um porquinho da índia, um camundongo ou um gatinho. Quanto menor o bicho, menos gordura ele tem para a ignição do processo, daí a baixa intensidade das chamas obtidas, insuficientes para uma cremação efetiva. Tente com animais um pouco maiores, como leitões, cães, pôneis, javalis, ursos. Focas e leões marinhos têm o tamanho ideal e a melhor relação gordura/peso. Animais muito grandes são, porém, desaconselháveis, pelo risco à vizinhança. Uma baleia, por exemplo, pode obliterar o quarteirão se você tentar.

Fonte: madrugadas do Facebook.

19
Dez 12
publicado por José Geraldo, às 22:33link do post | comentar
Na "praça de alimentação" de um grande shopping em uma cidade razoavelmente grande as pessoas, de vários tamanhos e cores, se amontoam em torno de mesas e competem pela atenção dos garçons. Termino de comer um sanduíche, sem me sentar e vou saindo daquela aglomeração opressiva quando percebo um diálogo divertido acontecendo numa das mesas. Aparentemente uma moça pedira licença a um desconhecido para se sentar em sua mesa, e ele aproveitara a oportunidade para apresentar-se e tentar alguma coisa.

A moça, de cabelos pintados de roxo/rosa/burro quando foge, parece mais preocupada em mastigar trocentas vezes os talos e folhas insossos pelos quais está pagando o preço de um prato gordo e nutritivo. Só ele, o estranho, fica sintonizado em outro canal. Enquanto ela ataca outro naco de brócolos com o garfo, fingindo-se interessada na parede pintada de curioso amarelo, o homem gesticula devagar, mas com amplitude, como se quisesse que ela acompanhasse cada dedo.


— Pois sou eu — ele explica. Nunca ouviu aquela minha música que estourou ano passado? Eu estou muito diferente da imagem no vídeo?

Ela o observa rapidamente. Está claro que não se lembra, que acha que o estranho de sotaque cantado e cabelos compridos é só um maluco que se acha celebridade.

A cena me captura a atenção. Simpatizo-me com o homem. Ele não é nem um pouco bonito, a sua fala denuncia uma cultura rudimentar, os seus modos são tímidos, a sua roupa não parece ser a de um astro da música. Mas ele tem um difuso ar "artístico" e os seus olhos contemplam a cabeleira afogueada da garota com um fascínio que o justifica.

Ela, porém, nem parece digna da atenção do pobre cantor anônimo. Embora bonita, ela tem um jeito comum, esquecível, anódino. Uma beleza que vai passar, e sem ela não ficará muita coisa digna de nota. Só que, enquanto jovem e com a tintura fresca na cabeça, ela se acha melhor do que ele, ou eu acho que ela se acha. Por isso ela o contempla com enfado, com um certo arrependimento de não ter comido em pé como eu, junto ao balcão. Pelo menos o funcionário do restaurante tem uma aparência mais moderna e descolada que o cantor, exibindo um cabelo armado e alguns brincos pelas orelhas e cara.

Resolvo traduzir minha simpatia num gesto. Aproximo-me da mesa, faço a melhor cara de surpresa que consigo fingir e digo, imitando uma certa alegria que eu não tenho muito:

— Não acredito! Mas você!… Você, aqui?

O cantor ergue os olhos dos peitos murchos de sua musa e me vê, diante dele, com uma caneta e um bloquinho de notas. Deve ser o primeiro autógrafo que dá nesta cidade, onde não o conhecem ainda. Ele estende a mão como quem tateia o futuro. Treme e treme mais. Mas quando se apossa da caneta, é como se tivesse pego uma espada mística para se transformar em um super herói. Enrijece a coluna, firma os dedos e perpetra os rabiscos que eu esperava.

— Muito bacana o seu novo DVD. Vai cantar na cidade hoje?

— V-vou, vou sim! — ele responde, positivamente embasbacado. Ali tem um cartaz.

Olho na direção indicada e vejo um pequeno anúncio em poucas cores, perdido numa pilastra.

— Vou estar lá para te ver, matar saudades do verão passado, sua música bombava lá na praia.

Despeço-me educadamente e saio de perto dos dois, com a certeza de que não compraria ingressos para vê-lo cantar, nem se fosse o último espetáculo da terra. Mas antes de sumir da vista, olho para trás e vejo o cantor, de óculos escuros, abraçado à garota de cabelos roxo/ruivos enquanto uma outra registra o momento para a posteridade.

26
Nov 12
publicado por José Geraldo, às 20:22link do post | comentar

  • Em astronomia: “Mire na lua. Se errar, pelo menos estará entre as estrelas.”
  • Em política: “Cada povo tem o governo que merece.”
  • Em física: “Os opostos se atraem.”
  • Em economia: “Não me inveje. Trabalhe.”
  • Em matemática: “Vou rezar 1/3 para achar 1/2 de levá-la para 1/4 e ficar 1/1 com você.”
  • Em história: “Deus dá o frio conforme o cobertor.”
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09
Nov 12
publicado por José Geraldo, às 00:12link do post | comentar

O poetinha desceu do ônibus já suado e despenteado. O óculos empenado na cara, a camisa amassada pela viagem desajeitada, a umidade incomodando por debaixo da roupa, o hálito amargo devido ao nervoso e ao fígado. Bateu no peito para ter certeza de que seu poema, copiado com capricho na velha máquina de escrever, se encontrava ainda intacto. Não estava: tanto suor o amolecera. Retirou-o do bolso e desdobrou com cuidado, quase com lágrimas. O mesmo calor que o molhara não o secaria. Xingou algum palavrão absoluto, mas timidamente o fez. Preferiu cruzar a rua em direção ao humilde teatro onde teria lugar o concurso municipal de poesia, para o qual se inscrevera com aquelas gotejantes exalações das chagas de sua alma torturada. Esperava a glória, não meros três mil reais de prêmio. Mas na falta da glória, o dinheiro cairia bem. Não é verdade que se compra a glória com dinheiro, dinheiro é só uma desculpa que a gente usa, o consolo da glória inatingida, inatingível, definitivamente deixada em outra esquina, numa rua diferente da que tomamos, possivelmente noutro bairro, cidade ou planeta. Quando ganhamos dinheiro a saudade da glória dói um pouco menos, mas ainda dói.

Tinha “vinte e cinco anos de sonho, de sangue e de América do Sul” e “por força desse destino” ouvia o som dos gringos e lia a poesia dos mortos. Julgava-se inteligente o bastante: conhecia as antologias. Estava muito bem informado, de tudo que tocava no rádio ou saía no jornal. Estava na moda, em perfeita simetria com com a televisão e o cinema. Sei que, assim falando, dá para pensar que esse jeito era o óbvio de 93, mas de fato o poetinha era especial de uma maneira: não conseguira ser igual a todos os demais, então restava-lhe o destino de ser diferente. Não por escolha — que teria preferido uma cara mais bonita, uma família rica ou um pinto bem maior.

E estava ali diante do teatro municipal como se fosse receber um prêmio internacional.

Quando chegou ao outro lado da rua, já estranhando que houvesse tão pouca gente, percebeu que Isaura estava sob a sombra de um oiti, vigiando sua chegada como quem tocaia sua caça. Ele não a convidara, claro. Não supusera que poesia lhe interessasse mais do que a vida sexual das tarântulas. Mas ela soubera do concurso, de alguma forma, e viera. Sua primeira esperança foi o engano: talvez só fosse alguém parecida. Esperança falha:

—Boa noite, Isaura. Que surpresa vê-la por aqui?

—Boa noite, Cacai. Você não me convidou, mas eu vim.

—Desculpa não convidar, mas eu não sabia que você gostava de poesia.

—Eu gosto de você.

Então Isaura não viera atrás de poesia, viera mesmo para vigiá-lo, como imaginara.

—Veio sozinha?

—Desculpa não trazer plateia, querido, mas fiquei sabendo muito em cima da hora.

Tomou-a pelo braço e foi entrando. Isaura não era exatamente bonita, mas tinha um corpinho jeitoso, uma voz que não era excessivamente doce e uma dose cavalar de ciúmes injetada nos olhos.

Dentro do teatro fazia uma temparatura que agradaria a Lúcifer. Os ventiladores pareciam maçaricos e as janelas, bocas de fornalhas. Algumas senhoras da sociedade padeciam de leques fora de moda e de uma vontade impossível de falar, tão custoso o esforço de qualquer músculo naquelas circunstâncias. Por sorte anoitecia já, e logo aquele ambiente saariano melhoraria. Demoraria só o suficiente para sua camisa terminar de ficar molhada, seu cabelo arrepiado, seu rosto engordurado de transpiração, o papel ainda mais molengo e os óculos embaçados escorregando no nariz, querendo cair.

Sentaram-se o mais perto possível da porta, pois aquela parede do teatro ficava pelo menos meio oculta pelas copas gordas das árvores. Alguns loucos haviam se sentado junto à parede que acabara de receber o sol de toda a tarde. Mas eles não suavam tanto: não tinham vindo de ônibus e os tecidos caros de suas roupas eram mais porosos à temperatura.

O mestre de cerimônias subiu ao palco, fazendo o teste dos microfones e convidando quem ainda tivesse que entrar. Então apareceu gente de todos os lugares inimagináveis, bem poucos entrando pela porta frontal. Só faltou alguém entrar pela janela lateral, a que se debruçava sobre o fétido riacho, porque pelo menos de uma outra janela entrou alguém. Uma moça de vestido verde, cafona a ponto de parecer cortado de uma cortina velha, tomou a palavra e convidou os autores presentes a se dirigirem aos bastidores, para identificarem-se e tomar conhecimento do protocolo. O poetinha se levantou, pernas bambas e óculos quase caindo da ponta do nariz, e acompanhou-a, juntamente com vários outros, por uma porta ao lado do pequeno palco.

Os bastidores estavam razoavelmente frescos, graças a um aparelho de ar condicionado e ao isolamento termoacústico. Naquele ambiente tão controlado e silencioso o poetinha pôde contemplar os que, com ele, lutariam pela glória das musas.

Era um grupo bastante heterogêneo, com tantas idades, sexos e cores quanto possível. Havia um velhinho de terno que declamava em cochichos, parecendo ensaiar-se, uma garota que não parecia ter mais de quinze anos, um senhor gorducho que usava uma estranha camisa azul estampada de flores psicodélicas, um rapaz que aparentava algum tipo de deficiência mental, uma senhora empertigada, que olhava a todos com um jeito de professora, um sujeito cabeludo, desarrumado e de olhos tristes… e a moça de vestido azul voltou, pedindo a atenção de todos antes que o poetinha tivesse conseguido fixar-se mentalmente em cada um.

— Senhoras, senhores. Venham comigo.

Acompanharam-na até a orquestra, onde foram convidados a sentar-se.

— Permanecerão aqui aguardando a vez. Cada um se levantará quando chamado e se dirigirá ao palco, juntamente com os seus parceiros. Durante as apresentações, pedimos que os que estiverem aguardando, e os que já tiverem se apresentado, permaneçam em silêncio.

O palco, enfeitado de flores de plástico e papel crepom, tinha uma larga mesa para abrigar sete jurados. “Para que tantos?” — pensou o poetinha. Sentou num lugar tão obscuro quanto possível. Deu uma olhada para trás, para ver Irene lá, sentada e acenando. Os demais foram se aboletando cada um a seu gosto.

Resolveu que não os olharia. Fixar-se neles o faria nervoso. Abriu o papel e recomeçou a repetir os versos, que ele mesmo escrevera, mas que pareciam fugidios como se tivessem sido extraídos de uma bíblia marciana.

Não há um número de 0900para encomendar o que lhe falta,mas mesmo então mantenha calmae não quebre ainda o telefonese a noite conseguir inquietar-lhe.Ele é só uma máquina sem culpa,que por dinheiro você pode usar.Não há nenhum comando própriopara desligar da alma essa dor,mas ainda assim mantenha a calmae não quebre o seu computador.Se você lhe perguntar aonde irele não terá resposta para dar:ele é só uma máquina estúpidaque não mente para lhe agradar.Desligue a tomada da paredee todo o perigo vai passar.Não há nenhuma lata que contenhasabores similares ao amor que houve,mas não deprede nunca o mercadose o que mais lhe falta em casanão pode ser comprado lá.Ali é só um refúgio de consumo,templo de quem come em vez de amar.Está tudo certo se você sair,desde que não saia sem pagar.Mas não creia no que dizem esses rótulos,esqueça tudo, tudo está errado:nem prateleiras nem teclados lhe respondemse você lhes perguntar pelo passado.

Tinha receio de ter sido uma má escolha. Cada vez que olhava para trás, nos olhos do público pingado que comparecera, tinha menos certeza de que seus versos inquietos causariam bom impacto. A glória que lhe sorria em sonhos parecia rir-lhe então, e ria dele.

Chamaram a senhora com cara de professora. Ela subiu ao palco desvencilhando-se de uma bolsa que não teve aonde pôr, senão sobre a mesa do júri — pretexto para cumprimentar cada um, vários deles aparentando ser colegas seus na profissão. Postou-se como uma cantora de ópera, abriu os braços como uma estranha ave depenada que ainda quer voar, e começou a declamar versos duros, cortados a martelo e talhadeira, no material eterno da pedra: versos de soneto, mais perfeitos em suas rimas do que claros no que diziam. Terminou deixando em todos a convicção de que sua obra não tinha sequer um hemistíquio deslocado ou um hiato, essa indecência, mas ninguém conseguiu saber exatamente do que falara seu poema.

O rapaz que aparentava deficiência mental foi o segundo. Subiu ao palco ajudado por um bando de crianças e duas professoras de música com violões. As professoras dedilhavam peças pseudoflamencas enquanto as crianças, pelo menos aparentemente, tentavam cantar a Bachina número cinco de Villa-Lobos. Passado um minuto disto, o rapaz deu um desnecessário boa noite e uma criança descalça entrou no palco para lere o poema dele, alguma coisa singela que falava sobre andar descalço na grama. A ideia era piegas ao extremo, os versos eram de uma banalidade total. A menina que lia parecia tropeçar na falta de pontuação. Mas no fim ouviu-se uma salva de palmas ensurdecedora. O poetinha olhou para trás e viu umas dezenas a mais de pessoas: certamente parentes, conhecidos, professores, vizinhos, colegas do moço. Todos gritavam “Jair! Jair! Jair” como se os pés das musas tivessem tocado aquele palco.

Em seguida subiu o velhino de terno, que desfiou, no melhor estilo pregador de praça, uma chorumela religiosa que parecia interminável. E de fato era: ele extrapolou os cinco minutos dados a cada concorrente e, mesmo avisado duas vezes, ainda continuava. Por fim, pegaram-no pelo braço e o ajudaram a descer até seu lugar. Mesmo assim ele ainda andava olhando para trás, em direção ao microfone como a mulher de Ló sentindo saudades de Sodoma, e ainda defenestrando versos que já ninguém ouvia.

Seguiu-se uma sucessão de apresentações mais comedidas, umas duas ou três, todas tão sonolentas que o poetinha cochilou mesmo. Acordou com as palmas dadas à menina de quinze anos, que se curvava diante da platéia, imensamente agradecida, exibindo a bunda para os jurados, por causa de sua saia muito curta. O poeta maconheiro, que ainda não se apresentara, cometeu um ato de terrorismo poético que foi o melhor momento da noite: gritou à garota que agradecesse também aos jurados.

Talvez por vingança, ou sei lá o que, chamaram-no a seguir. Ele subiu ao palco acompanhado de um violão e de uma moça tatuada que lhe levou uma vara de incenso. Deixou-a acesa no chão e dedilhou o instrumento. Começou a declamar, deixando espaços compridos entre os versos, durante os quais as notas percutidas em cada sílaba ficavam reverberando misticamente no ar. Era um poema sobre natureza, discos voadores, sonhos, anjos, coisas psicodélicas e também sobre cogumelos e flores.

Então chamaram o poetinha. Subiu ao palco, amarfanhado e já malcheiroso de suor. Enquanto passava pelos bastidores deram-lhe uma cópia nova do poema, talvez por misericórdia. Mas ainda no caminho até o palco percebeu que haviam “corrigido” algumas coisas com que não concordava, então resolveu ignorar e lere mesmo a sua cópia molhada de suor, escondendo-a atrás da folha nova e rija que lhe haviam entregado.

Fechou os olhos e se imaginou sozinho no próprio quarto. O silêncio geral o ajudou. Olhou para os papéis, que tinha à mão esquerda, ergueu-os no ar e soltou. De repente teve a confiança de que precisava. As duas folhas, nova e velha, caíram dançando pelo ar enquanto ele declamava os versos devagar, parando nas ênfases, exaltando as metáforas, até as que não pusera lá. Como sempre, lembrou-se de fazer duas correções em trechos que soavam mal. Quando terminou, suando sobre as luzes fortes que iluminavam o palco, abriu os braços e se curvou, em agradecimento prévio aos aplausos que não vieram. Veio um silêncio quente, denso, úmido.

Ergueu-se meio eletrificado, mas embebido de uma decepção tranquilamente grande. Uma lágrima brotou escondida num canto do rosto, disfarçou-a limpando a testa e se vingou da moça de verde dando-lhe a mão suada para sair do palco.

O último a subir foi o senhor gorducho de camisa estampada. Este apareceu no palco verdadeiramente transfigurado. Durante o breve trânsito pelos bastidores, desabotoara a camisa e deixara ver sob ela uma outra, de malha, com uma estampa berrante que os óculos embaçados do poetinha não lhe deixaram ver direito. Ouviu-se música: um samba tocado com cuidado no piano do teatro, e o gorducho sapateou no ritmo justo.

O samba foi ralentando, adquirindo um outro andamento, ficando esvaziado como uma chuva que vai emagrecendo no fim da tarde. O homem abriu o peito que soou cavo e potente como um canhão, sua voz rasgou o teatro, com pouca ajuda do fraco microfone. E foi declamando uma série de trovas simples, com rimas do segundo verso com o quarto. Não parecia haver muito nexo entre elas, mas a última foi “matadora”, ao conseguir uma “improvável” rima do nome da amada Ivete com a necessidade de, por causa da distância, namorá-la pela internet. Uma onda de gargalhadas atravessou o teatro, dezenas de vozes de pessoas que achavam surpreendente alguma rima que não fosse do tipo “amor e dor”.

Os jurados, então, deram por encerrada a fase de apresentações e convidaram os presentes, autores inclusos, para o coquetel que estava servido na sala contígua. Após o coquetel seria feita a premiação.

O poetinha foi o último a deixar seu lugar. Não tinha vontadede comer ovo de codorna com fios de ovos, nem salaminho ao limão, nem azeitonas pretas no vinagre. Não beberia nada além de água com gás, possivelmente aceitaria uma rodela de limão no fundo.

Não aconteceu nada de extraordinário no coquetel, além do desfile de frivolidades simples. Meia hora apenas e os salgados se acabando quando finalmente anunciou-se o fim das deliberações dos jurados, que aparentavam a gravidade de quem vai condenar alguém à forca.

— Para o terceiro lugar— anunciou o mestre de cerimônias — Fabiana Lima, com seu poema “Amor aos Pedaços”.

O poetinha achou graça de darem um prêmio à menina. Valera a pena mostrar a bunda aos jurados, afinal.

— Para o segundo lugar, Ana Vicentina Gonçalves, com o poema “Face ao Estige”.

A professora conseguira impressionar aos jurados, afinal, com seu meticuloso exercício de versificação. Devia alguma coisa de genial naquele poema, apesar de soar tão duro. Era uma professora, afinal, e os jurados eram professores. Alguém devia representar a classe naquele concurso.

— Antes de anunciarmos o poema vencedor, gostaríamos de entregar um prêmio realmente especial, pelo conjunto da obra.

O poetinha olhou em torno, tentando adivinhar quem mereceria uma honraria tal. Haveria inadvertidamente entre os pretendentes ao prêmio algum que fosse acadêmico, ou que tivesse já vários livros publicados? Não, não era isso:

— Ao poeta Jair de Sousa Lima, que é um exemplo para todos nós.

Era o rapaz que aparentava deficiência mental. Ele subiu ao palco sorrindo meio abobado, acompanhado de várias outras pessoas, certamente parentes e amigos. Deram-lhe um bonito troféu, maior que os outros dois que já haviam sido entregues.

O poetinha, ainda se sentindo perdido no assunto, resolveu pedir ajuda ao único entre os candidatos que lhe parecia acessível, o poeta maconheiro:

— Quem é esse cara do prêmio especial? Não vi nada de extraordinário na obra dele hoje — perguntou em um cochicho.

— Ora, é só um portador de necessidades especiais que inscreveu alguma coisa no concurso. Para não serem crueis com ele patrocinaram esse prêmio.

— Mas isso não faz sentido, que espécie de concurso é esse em que a gente concorre contra alunos da APAE?

— É um concurso como qualquer outro, ou você acha que é melhor do que o garoto? Você só não tem uma APAE para estudar e uma família para lhe pagar um troféu.

O poetinha quis revidar, mas subitamente deu-se conta de que era aquilo mesmo. Quanto poeta do mundo se empresta a glória da escola onde comprou seu diploma, ou é propelido pelo dinheiro da família até as salas dos melhores revisores, aos selos das melhores editoras e às listas dos mais vendidos? Mais honesto aquele rapaz, que não o fazia por querer, e aquela família que tinha plena consciência de que estava apenas comprando horas de felicidade para ele. Melhor isso que a ilusão de ser um novo gênio literário só porque nasceu no lugar certo e estudou com pessoas influentes. Ou talvez estivesse ressentido, e o ressentimento nos conta mentiras para justificar nossa insignificância.

Por fim o mestre de cerimônias pediu a palavra para o grande momento da noite.

— Senhoras e senhores, neste momento gostaria de pedir uma salva de palmas para o nosso vencedor, com sua obra inovadora e surpreendente, Antônio Gomes e suas “Trovas para Ivete”.

O poetinha quase engasgou com a própria língua. O poeta maconheiro apenas ria.

— Como é isso? “Inovadora”? O cara escreveu umas trovas em redondilha!

— Fica calmo, rapaz, tudo é parte do jogo.

— Como assim, “surpreendente”? A única coisa diferente em todo o poema era a palavra “internet” no final, rimando com o nome da suposta amada dele, que ele só batizou assim por causa da rima!

— Não seja despeitado, o poema dele pelo menos todo mundo entendeu.

O poetinha se levantou para aplaudir, junto com os outros, e os foi acompanhando para fora, mortificado de sair do concurso sem prêmio nenhum, apesar da “obra prima” que arrancara das entranhas de sua própria alma enquanto o sambista gorducho amealhava três mil reais graças a cinco trovas simples sobre amar de longe uma tal de Ivete. Sentia-se ultrajado, esbulhado, feito de palhaço. Apenas o poeta maconheiro o ajudava a ter perspectiva:

— Você esperava o que, rapaz? Um concurso de poesia no interior, com um juri formado pela pequena burguesia local? Queria que dessem o prêmio a um forasteiro como você? Queria que dessem o prêmio a um pobre como um de nós? Que premiassem um poema inconformista, como o seu, ou como o meu?

— Olha, o problema não é eu ter perdido. O problema é “ele” ter ganhado.

— Foda-se isso, você ainda não entendeu para que você e eu servimos aqui? Nós somos só a escada em que eles sobem para ganhar seus certificados inúteis. Estamos aqui para dar brilho à cerimônia deles.

Mesmo assim, eu tenho a certeza de que meu poema era bom. Como não ganhei nada?

O poeta maconheiro o levou à janela que dava para o riacho fétido, o canto onde ninguém queria ir, mostrou-lhe as luzes da cidade e disse:

— Veja só, rapaz, tudo isso é ilusão. Ilusão, ilusão, tudo é ilusão. Eles fazem cerimônias, trocam certificados e títulos, dão-se prêmios, batizam ruas com os nomes de seus parentes. Mas depois eles morrem e fica só a placa na esquina, sem que ninguém saiba quem foi. Tudo é poeira no vento. Esse concurso, esse prêmio, até o dinheiro que o cara ganhou. E não pense que lhe adiantaria alguma coisa se você ganhasse. Adiantaria menos do que adiantou para o gorducho: ele vai beber esse dinheiro em uísque e deixar o troféu num canto da área de serviço. Mas você, faria o que com o troféu, o certificado e o dinheiro? Três mil não consertam sua vida, o certificado não lhe abre nenhuma porta, o troféu é um monstrengo horrível. Fique feliz de ter perdido, e aprecie a companhia.

— Que companhia?

— Você perdeu em ótima companhia nesta noite. Você perdeu em companhia de Augusto Frederico Schmidt, entremeado com versos de Péricles Eugênio da Silva Ramos, Rui Ribeiro Couto, Raul de Leoni e Alphonsus de Guimaraens.

— Você está falando do seu poema?

— Sim, claro. Uma colagem de versos absolutamente lindos, de poemas obscuros de autores absolutamente incontestáveis. E eles nem perceberam e nem premiaram.

O poetinha sorriu:

— Acho que ano que vem tentarei participar com umas traduções de Evgeni Evtushenko que estou tentando a partir do francês.

— Esse é o espírito, cara. Se você não pode ser rei, seja um bom bobo da corte, que é o único com permissão para rir do rei.

O poeta maconheiro recebeu o abraço de sua mulher e convidou:

— Vamos afogar esse seu ressentimento em uma copada generosa de vinho com catuaba?

O poetinha lembrou-se de Irene, acenou-lhe, e, claro, disse que aceitava.


03
Nov 12
publicado por José Geraldo, às 15:03link do post | comentar

Não é preciso explicar a piada, se você tenta é porque ela é ruim, ou então quem ouviu é um idiota. E não se esqueça que contar uma piada boa para um idiota é prova de idiotice também: o bom piadista adequa o chiste à capacidade do ouvinte, pois uma piada sobre queijos exóticos e filósofos alemães não funciona se você contar para o frentista do posto de gasolina enquanto ele calibra o pneu do seu carro.

Dito isto, é preciso acrescentar que, se não precisa de explicação, a piada também não precisa de desculpas. Se o seu ouvinte se ofendeu com a piada, então é porque você não soube adequar-se ao público. Antes de xingar o ouvinte de intolerante, infantil ou revoltado profissional, lembre-se que o incompetente foi você: se a função do humor é fazer rir, e você ofendeu em vez de alegrar, então os xingamentos todos são para você que contou para uma beata uma piada sobre Jesus e os apóstolos jogando pôquer.

Ambas estas coisas, por fim, devem ser ditas para que as pessoas pensem, porque parece que hoje em dia o humor perdeu um pouco o rumo. Antigamente a gente julgava a piada, e o piadista, pela capacidade de fazer rir. Se a piada fazia rir, então era uma piada. Se eventualmente ofendia alguém, pelo menos a piada era boa. Hoje em dia isso mudou, ninguém nem liga se a piada tem graça ou não, mas se você se ofende, mesmo que não se ofenda sozinho, mas acompanhado de uma multidão, mesmo assim ninguém culpa o piadista de ser incompetente: querem culpar o público, por supostamente ser «intolerante» ou levar o humor a sério demais. A essa gente que parece que pegou procuração para defender o humor idiota do Zorra Total ou piadistas preconceituosos como os «proibidões» do humor, um conselho: vão aprender o que é humor de verdade antes de saírem ofendendo o público. Humorista é artista, humorista cativa seu público porque precisa dele. Humorista se adapta aos tempos, porque se o povo não acha graça ele fica com cara de babaca em cima do palco, rindo da própria piada e tentando explicar. E não há xingamento que resolva, não adianta chamar o público de burro, de intolerante, de carola, de politicamente correto, de nada. Se ninguém acha graça é porque a piada é ruim. Se além de ninguém achar graça você ainda coleciona um monte de gente ofendida, além de contar piadas ruins você ainda é um mala, do tipo que ofende os outros. E não adianta se esconder atrás da desculpa do humor para continuar destilando sua intolerância, seu racismo, sua idiotice genérica.

Piada não é escudo para babaquice. Tanto quanto a licença poética não desculpa péssimos versos. Se você conta boas piadas, ou faz boa poesia, adquire um crédito que lhe permite ofender algumas pessoas, ou quebrar algumas regras. Mas se a sua piada é um saco, se o seu verso é uma porcaria, então você não tem porra de crédito nenhum, tem mais é que aguentar calado as críticas. E sabe por que? Por que os bons humoristas e os bons poetas AGUENTAM. Eles aguentam as críticas calados porque sabem que seu trabalho os redime. Se milhões de pessoas riem de uma ótima piada, então os dez ou vinte que se ofenderam ficam com vergonha de criticar. Você não precisa defender uma boa piada: se está precisando defendê-la, ou defender-se, é porque a piada é ruim e você é um péssimo humorista.

Tendo dito isto, encerro recomendando a esses molequinhos criados com leite de pera e ovomaltine que acham que são engraçados porque ofendem aos outros: vocês precisam assistir muito humor de qualidade. Monty Python, Trapalhões, Três Patetas, Hermes e Renato, Jô Soares (do tempo do «Viva o Gordo»), George Carlin, Chris Tucker, Bill Cosby e muita gente mais (até o TV Pirata, o Dóris Para Maiores e o Casseta e Planeta dos primeiros anos).

Achar que as piadas fazem rir quando ofendem é como achar que as pessoas riem mais quando as piadas são contadas aos berros e relinchos, como fazem os atores do Zorra Total, que atuam gritando, como se assim pudessem forçar as pessoas a rir. É como achar que acrescentando palavrões ao texto ele fica mais humorístico, como fazia o Ary Toledo em seus shows dos anos 80, em que cada piada era pontuada por um palavrão cabeludo. Mas isso não é verdade: palavrões, gritos e ofensas são apenas instrumentos, que podem estar presentes, mas que, por si só, não fazem rir, a menos que sejam usados com economia.

E tendo dito tudo isso, finalmente peço que pensem um pouco (se bem que «pensar dói») e redefinam suas prioridades. Porque vocês não estão defendendo o humor, estão defendendo a ofensa e a vulgaridade usando o humor como desculpa. Ao fazerem isso, abrem caminho para justamente que se ataque o humor, usando a ofensa e a vulgaridade como justificativa. Não reduzam o humor à estatura de sua cultura e de sua inteligência.


10
Out 12
publicado por José Geraldo, às 21:38link do post | comentar | ver comentários (1)
Tradução de um trecho avulso de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (obra que se acha em domínio público, tradução feita por mim, ao improviso, já aviso). Com um título novidadoso, homenageante aos recentemente condenados. Dedicado aos que foram condenados, independente de serem ou não culpados, não pelo que fizeram, mas pelo que são.

Disse-lhe o gato
ao rato: «Venha
logo seu bobo
jogarmos
um jogo:
Vamos
ambos
à lei.
Eu lhe serei
promotor
e tu réu.
Venha agora
o tribunal
não demora.
Julgaremos
teu mal
no final.
É que
hoje estou
sentido
e vazio
e mal consigo
o que sirva
para fazer.»
Disse-lhe
o pobre rato
ao gato:
Um júri assim
de improviso,
companheiro,
sem juízo e
nem jurado,
tão sorrateiro
seria errado,
uma perda
de tempo.»
«Júri
e juiz
posso eu
mesmo ser»,
Explicou,
esperto,
o bichano.
«Farei
de tudo
no ato,
que a ti, rato,
réu nato,
condenará,
sem pena,
ao prato.»
Permita a reprodução em qualquer meio, com crédito ao tradutor, que soy yo, se possível sempre com link.

11
Jul 12
publicado por José Geraldo, às 22:07link do post | comentar
Debate no Facebook sobre o caso dos mendigos que devolveram 20 mil reais. Alguém, não podendo crer que exista gente honesta no mundo, comentou que havia visto a primeira entrevista deles e que eles haviam devolvido por medo: estavam cobrindo o rosto e falavam com a voz trêmula. Outro respondeu que isso não provava nada, pois o Brasil é mesmo um país onde para se fazer algo ético você precisa ter muito receio, fica de vez trêmula e às vezes tem até que esconder o rosto para evitar represálias. Faz sentido.

20
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 16:35link do post | comentar | ver comentários (1)

O narcisista é alguém que se mira em um espelho turvo e prefere mudar a si mesmo para ajustar o reflexo, em vez de trocar de espelho.

As mulheres não sabem disso: mas os homens que elas querem conquistar são muito menos exigentes do que a opinião de suas amigas.

Piada fresquinha recebida via Google Plus, de um americano preocupado com a economia:

A economia vai tão mal que eu recebi pelo correio um cartão de crédito previamente cancelado. Os empresários estão jogando mini-golfe. As grandes empresas já demitiram mais de 25 deputados. Angelina Jolie adotou uma criança estadunidense. A casa da luz vermelha apagou a lâmpada. Agora uma imagem vale apenas 800 palavras. Mudaram o nome de Wall Street para Wall Mart. Desesperado, comecei a pensar em suicídio, e então liguei para o cvv. O call center ficava no Paquistão e quando eu disse que estava pensando em me matar o sujeito do outro lado ficou excitado e começou a me perguntar se eu sabia dirigir caminhão…

Se uma mulher reclama que o homem nao viu o que ela fez com o cabelo, isso deveria ser um ótimo sinal (para ela) de que nós não estamos assim tão interessados em mulheres perfeitas quanto elas acham que estamos.

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20
Mai 11
publicado por José Geraldo, às 21:54link do post | comentar

Manézim era a maior preocupação dos pais. Já tinha quatro ano o moleque e não falava nada ainda, só ficava quieto no seu canto com os brinquedos. Mas ele tinha um jeito assim estranho de olhar. Mirava nas pessoas os seus oinhos e abria um pouco a boca, como se tivesse bebendo o que falavam. Mas naquele tempo a gente pobre da roça não tinha muito recurso de médico, então o tempo ia passando e Manézim não falava e a família só se preocupava.

Era um dia qualquer, nem feriado nem domingo. Tava todo mundo almoçando em volta da mesa, com se fazia antigamente, antes da televisão. Manézim comia distraído, olhando pros destroços da galinha frita na travessa, talvez pensando que um dia antes a coitada ciscava distraída no quintal. O irmão mais velho, guloso como ele só, já tinha terminado seu prato e pedia mais:

— Mãe, me dá mais dois ovo cozido.

Manézim então, pro espanto da família, interrompeu seu silêncio que vinha desde o nascimento para falar uma palavra solitária:

— “Ovos”.

O pai engasgou com a asa da galinha e a mãe deixou cair o garfo que espetava um ovo. Todo mundo levantou e foi pegar no menino, dizendo:

— Meu filho, ocê falou.

— Olha, Rosa, que o moleque não é retardado não.

— Esse bostinha começa a falar já me corrigindo!

Foi tanto falatório que Manézim foi se encolhendo na cadeira, com os olhinhos arregalados. Até que a mãe, percebendo que ele já tava demorando a falar outra palavra, tratou de provocar:

— Vai, meu filho, fala para mim!

Manézim olhou em volta a família toda reunida espiando o que ele fazia. Pensou e falou:

— Não falo mais.

E mais não falou. Por fim, cansado daquilo tudo, o pai resolveu tomar providências. Vendeu um novilho e foi à cidade levando o garoto para uma consulta com um pediatra. O doutor examinou o garoto durante um bom tempo, mas por fim declarou-se impotente para resolver o problema:

— Acredito que os senhores não tenham muito com que se preocupar. A capacidade cognitiva de seu filho não me parece afetada, ele apenas é lacônico.

— Isso tem cura, doutor.

O médico sorriu, e tentou tranquilizar o preocupado pai.

— Acredito que deve melhorar com o tempo, sem precisar de remédio. Mas ele parece não gostar muito mesmo de falar, embora entenda tudo que dizemos. De toda forma, volte daqui a alguns meses para acompanharmos como vai o menino.

Naquela tarde um arrasado pai chegou em casa, muito preocupado, e trancou-se no quarto com a esposa.

— E então, Manél, o que tem o moleque?

— Parece, Rosa, que nós temos um filho lacônico.

Rosa ficou mortificada. Vários fios de cabelo brancos devem ter nascido em sua cabeça naquela tarde.

— Ó meu Deus! O que vai ser de nosso meninim?

— Temos que ser fortes, Rosa. Pelo menos o doutor falou que melhora com o tempo.


28
Abr 11
publicado por José Geraldo, às 21:32link do post | comentar | ver comentários (1)

Se as pessoas gostasem de pagar, não precisaria ser imposto.

Os funcionários do Imposto de Renda escolheram o leão como símbolo não foi à toa: é um bicho que mete medo, mas que vive somente a comer a carne dos outros. Mais do que isso: o leão macho come a carne que lhe entregam as leoas ou que ele rouba de outros animais caçadores. Raramente o leão macho sai à caça. A caça do leão macho é como a inspeção que a Receita Federal faz nos suspeitos de sonegar.

O Imposto de Renda é a única instituição na qual é violado o princípio da presunção de inocência: você deve, até que consiga provar que não. Mais do que isso, viola-se outro princípio sagrado: a Declaração Anual de Ajuste lhe obriga a produzir provas contra si mesmo.

É sintomático que a história esteja cheia de heróis que se insurgiram contra os impostos, como Robin Hood, Gandhi, Lady Godiva, Tiradentes e até São Nicolau (que pagou os impostos de uma família para que não tivesse de vender suas filhas como escravas, e assim virou Papai Noel). Jesus Cristo pagou o imposto de César, mas deixou claro que impostos não eram coisa de Deus: Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Nenhum assunto rendeu tanta guerra quanto a vontade de deixar de pagar, ou a ambição de passar a cobrar impostos. Os americanos fizeram a sua independência em cima da revolta contra algo parecido com um icms e a Suécia entrou na Guerra dos Trinta anos esperando conquistar territórios a fim de arrecadar mais impostos.

Nunca houve um país com um sistema de impostos justo, porque não é justo pagar impostos ao governo, tanto quanto não é justo pagar proteção à Máfia. A gente paga, e fazendo boca boa, porque o governo (geralmente) é preferível à Máfia. Em certos casos, porém, faz pouca diferença — e em outros a Máfia parece que faria menos mal ao povo que o governo. O ideal seria não haver nem governo e nem Máfia, mas enquanto esta não acabar, é melhor não acabar com o governo. O governo apenas multa quando eu atraso o pagamento.


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