Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
12
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 17:55link do post | comentar
Provando que eu já era meio ardoroso na defesa de minhas opiniões em 1999, vai uma correspondência por mim enviada à Prefeitura de um município do interior mineiro — com cópia para conhecido jornal de ampla circulação na região — após ter conhecimento do gabarito final de um concurso para provimento de vagas no magistério municipal, no meu caso para lecionar História. O concurso acabou anulado e eu, que havia sido reprovado por uma questão, tive a chance de fazer a prova de novo, mas da segunda vez o concurso estava em um nível no qual provavelmente nem o Eduardo Bueno, nem o Jacques Soustelle e nem o próprio Hobsbawn passariam — mas um número suficiente de candidatos obteve a pontuação necessária, claro.

Esta versão não é idêntica à que foi enviada à Prefeitura pois, além de remover todo dado que pudesse servir para identificar o município (e assim me precavenho contra um processo por calúnia e difamação), também removi alguns parágrafos que não tinham informação suficiente para que alguém sem acesso ao texto da prova pudesse entender do que eu estava falando. Removi também o endereçamento e o fecho.

Tendo me inscrito no último Concurso Público realizado pela Prefeitura para preenchimento de vagas de Professor de História, venho por meio desta pedir a V. Sª. providências referentes ao mesmo, cujas provas tiveram lugar no último domingo dia 16/06 do corrente ano. Faço-o nesta data pois, tendo sido o gabarito definitivo divulgado no dia 19/06, ainda me está facultado o direito de recurso.< Faço uso desta prerrogativa por julgar que o referido concurso sofreu de imperfeições de variada espécie, as quais prejudicaram-me (e acredito que também a inúmeras outras pessoas, embora eu me restrinja a abordar os aspectos referentes ao meu caso particular). Entre essas destacam-se o descuido na elaboração das provas e a existência de diversas incorreções tanto no enunciado quanto nas alternativas em várias questões.

Prova de Conhecimentos Específicos (História)


Em relação à esta parte, a primeira, e talvez a mais grave, das imperfeições foi ter exigido matéria diversa da originalmente definida no programa. O Manual do Concurso Público «Área de Educação, Nível Superior», cita em sua página 9 os «Conteúdos Programáticos» (sic) da Área de História:
  • Construindo o pensamento histórico: reflexões sobre os papéis do professor de História e do Historiador e sobre as suas relações com as grandes correntes da produção do conhecimento histórico;
  • Brasil contemporâneo: República Brasileira: aspectos da vida política; desenvolvimento de políticas públicas; momento atual;
  • Economia e sociedade no Brasil: O Brasil no contexto da globalização mundial; as políticas neoliberais e seus reflexos na economia e no desenvolvimento social (...); meios de comunicação e cultura de massa;
  • A questão agrária e o meio ambiente: uma visão histórica do processo: ocupação da terra e a questão indígena; concentração da propriedade rural, política agrária, (...) agricultura e degradação ambiental;
  • O ambiente urbano e a industrialização do Brasil: industrialização e crescimento urbano; (...) atividades econômicas e meio ambiente, educação e saúde.
A partir desta lista se pode supor que a prova seria centrada na realidade brasileira de hoje. O fato de ser justamente este o conteúdo do currículo do Ensino Fundamental dá sólidas bases a esta suposição. É importante ressaltar isto porque, ao delimitar desta maneira o conteúdo programático, não se está meramente dispensando o candidato do estudo de outras áreas, mas também condicionando-o a desenvolver todo um raciocínio histórico invertido a partir do presente e baseado na demanda do aluno. Não é apenas uma delimitação de conteúdo; é a afirmação de uma maneira de pensar e de ensinar a História. Não se está apenas pedindo do candidato que conheça os temas propostos, mas também que estruture seu raciocínio e o seu método em torno de um paradigma.

Analisemos agora os temas das questões da prova de conhecimentos específicos.
  • Questão 31: Feudalismo (no imaginário popular e na cultura de massas).
  • Questão 32: Absolutismo (características).
  • Questão 33: Significado da vinda da família real portuguesa ao Brasil.
  • Questão 34: O Século XIX na história dos Estados Unidos da América.
  • Questão 35: Contexto histórico do Brasil no pós-guerra.
  • Questão 36: Questão Palestina.
  • Questão 37: Transição do Mito à Razão na Grécia Antiga.
  • Questão 38: Características do Período Regencial.
  • Questão 39: Causas da Segunda Guerra Mundial.
  • Questão 40: Contexto histórico do Brasil nos anos 60.
Como se vê, nenhuma das questões está compreendida nos «conteúdos programáticos» enunciados no manual e poucas, de acordo com o currículo do Ensino Fundamental. Vale ressaltar que no Ensino Fundamental a História Universal é ensinada apenas como complemento à do Brasil.

Ainda que se possa argumentar que ao professor de História cabe conhecer todo o espectro da História Universal (uma afirmação discutível sob certos aspectos*), ao divulgar que o concurso exigiria certos setores da História e não outros, os organizadores do concurso inculcaram nos candidatos a percepção de que deveriam dirigir seus estudos exclusivamene às áreas que seriam tema da avaliação. Os que confiaram nas orientações oferecidas pela organização do concurso ficaram, portanto, em desvantagem em relação aos que, por quaisquer motivos, tenham desconfiado delas. É moralmente aceitável que seja prejudicado quem confia no poder público e recompensado quem dele desconfia?

Faço questão de ressaltar que não me furto a ser avaliado em qualquer área da História. Não tenho medo de submeter a prova os meus conhecimentos. Mas, por uma questão de honestidade, acredito que os candidatos a um concurso têm o direito de saber em que quesitos serão avaliados para que possam todos preparar-se em igualdade de condições. Um concurso deve avaliar os conhecimentos do candidato, não sua capacidade de prever o futuro.

No entanto, ainda que protestando veementemente contra o fato lamentável ocorrido, não deixo de analisar friamente as questões da prova de História, pois iludir as expectativas dos candidatos não foi o maior dos erros cometidos pela organização: na maioria das questões houve problemas em relação ao enunciado ou às alternativas.

Na questão 31, por exemplo, temos um texto que, segundo o enunciado, devemos tomar por base ao analisar as quatro afirmativas propostas. Ocorre que nenhuma das opções oferecidas alude ao texto. A título de ilustração, cito o enunciado da questão:
«Para o homem comum, não especialista, a expressão feudalismo possui um peso fortemente negativo, provocando associações imediatas com imagens colhidas em velhos manuais ou em romances mais ou menos ambientados numa vaga região do passado denominada 'Idade Média' ou 'Tempos Medievais'. Para as gerações mais novas, do cinema de massa e da TV, feudalismo remete para filmes 'de capa e espada', onde a violência, o fanatismo religioso, a fome e 'a peste' encontram-se lado a lado, com figuras melancólicas e românticas de 'cavaleiros e miladies'».*
Dentre as afirmativas que devemos analisar e assinalar a «correta» temos (os grifos são meus):
  1. a abordagem da época medieval pelo cinema e pela televisão, destaca a mobilidade e a flexibilização dos papéis sociais, característicos do feudalismo;
  2. O (sic) clero consolidou o prestígio da Igreja Medieval (sic), apoiando os movimentos heréticos religiosos;
  3. A (sic) intensificação da exploração sobre os camponeses, as crises de fome e a chamada 'peste' estavam associadas às rápidas transformações socioeconômicas (sic) em curso na sociedade européia medieval;
  4. A escravização (sic) dos camponeses nos temos medievais determinou a visão negativa sobre este período da História»
Ocorre que nenhuma das quatro afirmativas é verdadeira em razão de conterem, todas, palavras inadequadas que invalidam qualquer veracidade que ostentem.

A alternativa A menciona uma suposta «mobilidade» e uma «flexibilização dos papéis sociais», quando a Idade Média foi justamente um período caracterizado pela rigidez da estrutura social. A alternativa B incorre em falsidade ao declarar que a Igreja apoiava as heresias, quando ela as combatia a ferro e fogo. A alternativa C, tida como correta, alude a supostas «rápidas transformações socioeconômicas (sic) em curso na sociedade européia medieval», quando a época foi justamente caracterizada pela lentidão das transformações. Embora ao longo do período medieval a sociedade se tenha transformado profundamente, este processo foi tudo, menos rápido, já que levou mil anos! A alternativa D utiliza inadequadamente o termo escravização para referir-se à situação dos camponeses medievais e afirma que foi isso que determinou a visão negativa sobre este período da História, quando a visão negativa sobre a Idade Média foi determinada pela concepção Renascentista de que o período teria sido uma longa «noite» em que a cultura antiga esteve esquecida. Diante do fato de que todas as alternativas estão incorretas, reconheço que assinalei aleatoriamente uma delas na prova, já sabendo que haveria de polemizar depois.

A questão 36 mostra que o seu formulador tem uma concepção bastante superficial dos eventos internacionais contemporâneos. Depois de ter citado fragmentos de uma reportagem de jornal sobre a questão palestina, o enunciado indaga qual alternativa é correta, «sobre o tema» (não sobre o texto, portanto, o enunciado nos instrui a não considerar o texto ao analisar as alternativas. Ao afirmar que «A chamada Questão Palestina refere-se atualmente à situação dos cerca de quatro milhões de refugiados em áreas vizinhas ao estado de Israel;» o formulador mostra não compreender a magnitude do problema. Qualquer pessoa bem informada sabe que a Questão Palestina não é um problema de refugiados, mas uma questão nacional não resolvida. Talvez o erro se deva ao fato de a questão ter sido formulada com base em um artigo de jornal do ano passado mas, há quanto tempo foi formulada esta prova? Ainda que eu tenha assinalado esta alternativa como correta, eu o fiz pela mesma razão que na questão 31: as quatro contêm falsidades evidentes.

A questão 37 incorre num erro digno de um Erich von Däniken, pseudo-historiador célebre por misturar os fatos históricos e freqüentemente se perder no emaranhado de sua própria confusão ao tentar defender suas mirabolantes teorias. O enunciado da questão remete à passagem do Mito à Razão na Grécia Antiga, evento que teria ocorrido, segundo o formulador da questão, entre os séculos VII e VI a.C.* e que teria sido possibilitado, segundo a alternativa dada como correta, pelo surgimento da Filosofia e pelas invasões dos dórios. Em termos lógicos a afirmativa é um absurdo! Ora, é concebível que exista Filosofia sem que exista pensamento racional? Como pode a Filosofia preceder a razão, sendo ela o mais nobre fruto da mais nobre das faculdades humanas? Em termos cronológicos o desastre é ainda maior: como pode a invasão dos dórios haver sido um fato decisivo em um processo ocorrido entre os séculos VII e VI a.C. se ela ocorreu por volta do século XII a.C., 600 anos antes? A invasão dos dórios foi responsável, isto sim, pela destruição da civilização egeano-micênica (os «Tempos Homéricos») e lançou a Grécia em um período de confusão política que é conhecido como a «Época Arcaica» (séculos XI a VI a.C.) ao longo do qual surgiram e se consolidaram os elementos da posterior «Época Clássica». O surgimento da razão não foi fruto de outra coisa senão da urbanização grega, com o surgimento da pólis; motivo pelo qual eu assinalei a alternativa B, a única que menciona o fato mais notável ocorrido entre os séculos VII e VI, único evento capaz de produzir uma transformação radical, evento este que é semente de inúmeros outros. A colonização grega e a expansão da cultura helenística (mencionadas na alternativa C) também têm pontos de contato com a passagem do Mito à Razão. A primeira por ser contemporânea à última fase da «Época Arcaica» e a segunda por representar a «exportação» da cultura grega para o resto da área do mediterrâneo (mas em uma fase posterior ao período citado). Desta análise se conclui que a única alternativa correta é B, não C.

A questão 38 induz o aluno ao erro pois a alternativa tida como «correta» (D) afirma que os partidos surgidos no Período Regencial eram «democráticos». Ou o formulador tem um muito peculiar conceito de democracia, flexível a ponto de considerar democrático um sistema que excluía 99% da população brasileira da época, ou houve erro na correção desta questão. De resto, nenhuma menciona aquela que é, realmente, a principal característica do período regencial: o fato de o governo ter sido exercido por líderes eleitos. Esse é o motivo pelo qual a época foi conhecida como «experiência republicana», como aliás está mencionado no enunciado da questão!

A questão 39, em sua alternativa «correta» identifica como causa da Segunda Guerra Mundial a «ameaça expansionista da União Soviética, pretendendo a difusão da revolução socialista». Aceito que o formulador acredite que comunistas comem criancinhas, mas não aceito que agrida o fato histórico. No período anterior à Segunda Guerra a antiga União Soviética estava passando por um processo de reestruturação social e econômica. Ocorriam crises periódicas de fome, perseguições políticas e escassez de gêneros. O país ainda estava construindo uma infra-estrutura básica e a expansão da revolução era a última de suas preocupações. Não foi por outro motivo a célebre disputa entre Trotsky e Stalin pela primazia no PCUS. Enquanto este defendia a necessidade de uma pausa no ímpeto revolucionário para «consolidar as conquistas da revolução», aquele defendia uma «revolução permanente».

A vitória de Stalin representa o triunfo do pragmatismo e do isolacionismo sobre o idealismo revolucionário. A maior prova de que não havia uma política expansionista russa está no pacto Ribbentrop-Molotov (1939), em que a URSS cedeu territórios e áreas de influência à Alemanha nazista para evitar confrontar-se militarmente com ela: Stalin sabia que, em 1939, a União Soviética ainda não tinha condições de lutar. Pretender que um país que cede ao limite da covardia para evitar um confronto militar está em uma «política expansionista» é mais do que minha pouca inteligência consegue alcançar.

Duas alternativas aludem a fatos históricos coerentes com a origem da Segunda Guerra Mundial: B e D. A letra B, ao mencionar «as rígidas cláusulas dos tratados de paz da Primeira Guerra e a geração espontânea de novos países europeus surgidos com a fragmentação do Império Austro-Húngaro» (ainda que o termo geração espontânea seja inapropriado e o fato em si, de discutível importância na esteira de eventos que conduzem à Guerra). A alternativa B reúne as mais sólidas afirmações, ao aludir à «Política expansionista de regimes fascistas na Ásia e na Europa e à diplomacia do apaziguamento». Atribui, portanto, a culpa aos verdadeiros culpados: Alemanha, Itália e Japão (os tais regimes expansionistas) e Inglaterra, URSS e Estados Unidos (os que assinavam tratados com Hitler achando que ele um dia ficaria satisfeito e a guerra não aconteceria).

Mas é a questão 40 que mais suscita revolta contra os organizadores. O enunciado afirma que:
«No início da década de 1960, a grande novidade no mundo do cinema era a revelação da produção cinematográfica do Terceiro Mundo (do Oriente, da África e da América Latina), que expressava as condições internas dos países destas regiões e o contexto da conjuntura (sic) internacional. No Brasil, o Cinema Novo começava a ganhar expressão e voltar-se para as bases populares de nossa cultura. Como características no plano interno e externo do período, podem ser apresentadas, respectivamente:»
A alternativa correta, segundo os organizadores é a B, em que se lê: «o nacional desenvolvimentismo (sic) e o surgimento do realismo socialista no cinema». Ou seja, a questão afirma que, no Brasil, vivíamos um período «nacional desenvolvimentista» e que, no plano, externo, assistia-se ao surgimento do «realismo socialista». Claro, não?

Bem claro que quem acha que isto está certo deve ter tomado pau em História da Arte na faculdade e deveria voltar para ela para aprender de novo. Protesto contra a afirmação de que o realismo socialista no cinema surgiu nos anos 60. Querem que eu rasgue todos os livros de História da Arte e confie no que algum incompetente desconhecido acha que está certo? «Realismo Socialista» foi o estilo artístico característico da União Soviética -- e de alguns de seus satélites -- entre a década de 1930 e o final da década de 1970. O «Realismo Socialista», na literatura foi criado por escritores como Vladmir Maiakóvski (morto em 1925) e no cinema, por Sergei Eisenstein (cujas produções vão de 1923 a 1941).

Transcrevo a seguir o verbete «Realismo Socialista» da Enciclopédia Larousse:
«O princípio fundamental do Realismo Socialista é a captação da realidade com a visão partidarista, objetivando uma tomada de posição explícita a favor da construção do socialismo. (...) Salientou-se o «herói positivo» (do qual o próprio Stalin seria um arquétipo); adotaram-se as formas simplificadas, a exuberãncia decorativa e a comunicação fácil com o público leitor ou espectador. Foi justificado ideologicamente nos informes de Andrei Jdanov sobre a arte e a literatura e (...) foi a doutrina artística oficial na antiga URSS e em outros países socialistas.»
Note bem a menção a Stalin. Ainda que se discuta a época exata em que surgiu o «Realismo Socialista», é evidente que ele já existia enquanto Stalin e Jdanov ainda eram vivos. Como Stalin morreu em 1953 e Jdanov em 1948, ele não poderia estar surgindo nos anos 60, caramba! Para informar ao ignorante formulador desta questão, o movimento inspirador de nosso Cinema Novo foi o «Neo-Realismo» italiano e o seu protótipo foi «Roma, Cidade Aberta», de Roberto Rosselini (1948).

Prova de Português

Tendo expressada minha posição a respeito da Prova de História, passo a analisar a Prova de Português, a qual, ainda que em grau menor, também apresenta sérios problemas.

Logo na segunda questão temos uma grave razão para controvérsia. Tudo porque o enunciado da questão, citando parcialmente uma frase do texto, indaga o significado da oposição entre sermos «seres no mundo» e sermos «seres do mundo», segundo a ótica do autor. Vejamos o que diz a frase inteira no texto (os grifos são meus):
«A modernidade, com a influência cartesiana e também da física de Newton, nos legou a falsa ideia de que somos seres destacados da natureza, que somos seres no mundo. Quando somos, de fato, seres do mundo.»
A primeira parte da citação é evidente: o pensamento materialista nos apresenta como dominadores da natureza, dissociados dela. Ao afirmar que, na verdade, somos seres do mundo, Frei Betto está apenas querendo afirmar o contrário: nós também pertencemos ao mundo, somos parte de um sistema.

O gabarito apresenta como correta a afirmativa C, onde se lê: «Fomos feitos para habitar este mundo/somos apenas parte deste mundo». É uma afirmativa bastante semelhante à letra A, que afirma: «fomos feitos para reger o mundo/somos parte da natureza». Na verdade nenhuma das duas afirmativas está de acordo com o texto citado: a afirmativa C perde ênfase e coerência ao usar a palavra «apenas» pois o objetivo da exposição de Frei Betto é ressaltar o fato de que somos mais que simplesmente «habitantes» deste mundo. Concordo que trata-se de uma questão de estilo mas, o estilo deve estar a favor da clareza. A afirmativa A também está errada porque Frei Betto não afirma que devemos reger o mundo.

Prova de Conhecimentos Didático-Pedagógicos


Em relação à questão 23 fico perplexo pela possibilidade de a afirmativa D estar correta, uma vez que as três últimas afirmativas tangenciam pelo mesmo ângulo o trecho citado. Se uma delas está correta, todas as três obrigatoriamente estarão. Consequentemente a única afirmativa que as contradiz deve estar correta. Isso, é claro, numa análise simplista e a priori, sem ler com atenção o enunciado.

Quando Veiga afirma que «As novas formas têm que ser pensadas em um contexto de luta, de correlação de forças — às vezes favoráveis, às vezes desfavoráveis. Terão que nascer do próprio chão da escola, com apoio de professores e pesquisadores. Não poderão ser inventadas por alguém longe da escola e da luta de classes» estará ele pregando que deve haver «divisão entre ensinar e aprender»? Estará querendo dizer que deve haver «desvinculação entre sentir e agir»? Estará angariando adeptos para a necessidade de separar o pensar do fazer quando justamente afirma que aqueles que fazem (professores e pesquisadores) devem ser os responsáveis pela elaboração das teorias que os guiarão?! A única afirmativa que concorda com Veiga é A: «unidade entre teoria e prática», por eliminação através da lógica abstrata, mas também por evidente semelhança de idéias.

Na questão 26, creio haver um problema de natureza lógica na formulação da questão. O enunciado nos pede para considerar os «critérios para a verificação do rendimento escolar apresentados a seguir:» Acontece que as frases mencionadas não se referem todas a «critérios para a verificação do rendimento escolar», como se verá.

Ocorre que a afirmativa II declara: «obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar» enquanto a afirmativa III alude a «possibilidade de avanço nos cursos e nas séries, mediante verificação do aprendizado».

Ora, salta aos olhos do observador que as afirmativas II e III se referem, ambas, a eventos posteriores à verificação do rendimento: II define a possibilidade de recuperação em caso de sub-aproveitamento e III fala do avanço nos cursos e nas séries, «mediante verificação do aprendizado». O próprio enunciado de III já admite que a verificação do rendimento escolar é outra coisa, e uma coisa anterior.

Portanto a única alternativa que define critérios para avaliação do rendimento escolar é I: «avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.» Estes são critérios, os outros são atitudes a tomar diante dos resultados da aplicação destes critérios.

Ainda que a LDB mencione conjuntamente as três afirmativas, é evidente que a redação do enunciado está capenga e o torna obscuro e inverossímil. Parece ter faltado à mão do redator desta questão um pouco de amor à clareza.

Sumário

Do anteriormente exposto conclui-se que, entre as alternativas que «errei» no concurso, em várias o meu erro foi induzido pela existência de múltiplas alternativas corretas; pela má construção do enunciado, resultando em afirmações absurdas em seus próprios termos; ou pura e simplesmente porque se considerou certo o que está errado.

Causa-me profundo espanto que um concurso organizado por um órgão público incorra em tantas imperfeições. Que exames que levam o nome de «provas objetivas» contenham subjetividades. Que uma tarefa de grande responsabilidade, como a elaboração de um concurso público, seja levada a efeito de forma tão descuidada, temerária até. Que diante do alto valor da taxa de inscrição não se tenha providenciado um sistema de alta qualidade e à prova de falhas.

Não espero que meus protestos resultem em providências, pois estas deveriam incluir a anulação de muitas questões ou, preferencialmente, o próprio cancelamento deste fiasco em que se transformou o concurso; mas faço uso de minha liberdade de expressão para declarar meu repúdio a este. Diante da qualidade dos exames infere-se a qualidade dos que foram responsáveis pela sua elaboração e duvida-se da qualidade das pessoas que serão por tais critérios selecionadas para o serviço público.

Eu não aceito a nota que obtive neste concurso como a medida justa de meu valor, quer sob o aspecto meramente acadêmico, quer sob o aspecto profissional. Justa medida ele é da seriedade e da competência daqueles que o conduziram.

Há que se ter mais respeito pelo dinheiro alheio. Não se pode cobrar R$59,00 de taxa de inscrição e brindar os candidatos com folhas de respostas fotocopiadas. Não se pode ter duas versões do gabarito em uma mesma semana e não depõe a favor da lisura do processo seletivo a limitação do prazo para recursos a 48 horas, especialmente se levamos em conta o restrito horário em que atende o serviço público municipal. Tudo parece conspirar para dificultar uma análise minuciosa das questões e a elaboração de uma contestação efetiva em tempo hábil, para que os candidatos acabem sendo forçados a aceitar o resultado.

Uma administração comprometida com o bem comum não pode tolerar este tipo de falhas, especialmente quando o processo foi alvo de suspeita desde o início, com maldosos comentários à boca pequena aludindo ao seu caráter de mero «arrecadador de fundos para as eleições». Diante de tão graves suspeitas que o populacho levantou, rigorosas providencias de seriedade deveriam ter sido tomadas. Sua ausência decepciona os que, como eu, hipotecaram suas esperanças votando na atual administração e permitem suspeitar da veracidade dos comentários que o zé-povinho fez circular.

Espero que minha indignação motive correções futuras, que instigue os canais competentes a agirem em defesa da cidadania, uma vez mais ferida. Sinto-me ferido em minha dignidade, insultado em meu profissionalismo ao ser ele medido por critérios amadores.

22
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 21:24link do post | comentar
O texto a seguir, originalmente escrito e publicado por mim em 1997, na Revista Literária Trem Azul, representou a minha “Declaração de Princípios” literários, minha carta de alforria em relação aos autores que eu lia e imitava servilmente, em relação às opiniões dos críticos que eu lia e seguia sem questionar. A partir do instante em que entre para o projeto da revista, decidi romper essas amarras mentais e explicitar o que eu queria. Se foi bom ou foi ruim, o importante é que papel eu consumi.

Por que fazer literatura? Não há resposta bastante abrangente que resuma a experiência de escrever. A obra é um orgasmo — alguém já disse — mas orgasmo é um instante fugidio, é como tentar tocar o intangível e, após tê-lo vislumbrado muito perto, quedar esvaziado. Por que, então, amamos? Igualmente não há resposta. Todos se sentem tristes após o sexo, o orgasmo é um vazio que nos preenche inteiramente. Nem para o amor e nem para a literatura podemos encontrar uma explicação racional. A não ser o gozo do instante: a obra terminada é um amor que se acabou.

Qual a necessidade de se fazer literatura num mundo como o nosso? Simplesmente façamo-la como sempre foi feita: a partir da realidade e dos sonhos dos seres humanos. Buscando realizar a partir deste material comum alguma coisa nobre. Hoje em dia, no entanto, é quase impossível surpreender. Antigamente, ainda que fossem pedras, havia alguma reação à obra de arte. Para nós, porém, restou só a indiferença: tudo o que se faz cai no esquecimento como uma goteira dentro de um buraco fundo. A liberdade tornou ultrapassadas todas as rebeldias.

Talvez, então, seja uma forma de rebeldia tentar encontrar uma alternativa a esta dissolução em que vivemos. Não tenho medo de vir a ser chamado de piegas: quem tem um mundo de experiências para mostrar não precisa restringir seus sentimentos diante da exiguidade das possibilidades da moda, deve buscar quaisquer recursos que possam trazer o que tem dentro de si a uma forma palpável. Os defeitos do ser humano devem transparecer no que escreve: a perfeição fria é característica de quem não se importa com as imperfeições do mundo.

Sempre se deve olhar para o passado, pois é de lá que vêm as novidades. O futuro é provisório, e ser escravo dele é viver na incerteza. Os delírios futuristas de décadas atrás hoje nos parecem risíveis porque se tornaram despropositados. Ninguém é capaz de prever o futuro como será realmente. Por isso, uma literatura sem raiz é uma literatura que se torna rapidamente obsoleta: surfar nas predições do futuro sem um pé na terra é uma temeridade para quem tenta e uma perda de tempo para quem acompanha.

Ainda mais se considerarmos que mesmo um frágil poema tem um valor sólido se possuir alguma coisa de verdadeira humanidade agregada a si. É claro que a sinceridade não o salvará automaticamente para a arte, mas não é de Arte que eu estou falando:1 é da necessidade, inerente ao ser humano, de criar algo de que possa se orgulhar. Contemplar o que se fez é uma realização quase plena de uma forma de comprovar nossa humanidade. Por que, então, devemos pensar primeiro se o que estamos criando está contido e previsto nos cânones da arte formal?

Quem expressa o que pensa já se salva da multidão silenciosa e dá passos firmes rumo aos cinco estágios da reflexão consciente.  

Receber, sem preconceitos, o novo e o velho, sem a pretensão de já saber de véspera, afinal, a busca do homem não tem limites.  

Interiorizar o lido, não deixar que atravesse a mente sem deixar sinais. Significa a capacidade de recordar. Muitas pessoas são incapazes de dizer, minutos após a leitura, o assunto do texto lido.

Discernir, que é compreender o real sentido por trás das palavras do texto,2 vendo nele mais do que simplesmente palavras distribuídas num espaço.3

Discutir, ou seja, não aceitar pura e simplesmente tudo o que se lê. Ter algo a dizer, ainda que não muito apropriado. Articular o próprio pensamento em palavras desenvolve a inteligência, ainda que esse pensamento não valha muita coisa no princípio.

Produzir.  Eis o essenciol, o coroamento do lnteligência humana: saber dizer ou escrever porque concordo ou não.

É claro que nada disso pode ser obtido através de uma arte que exagera a forma exterior e pouca importância dá ao conteúdo.
O problema é que quem for capaz destes cinco estágios será um cidadão na mais complete acepção da palavra, e um cidadão consciente é uma ameaça a este estado de coisas em que vivemos. Deve ser por isso que tudo neste país propaga, intencionalmente ou por incompetência, a alienação. Certamente porque a liberdade de pensamento é a única liberdade a todo prova. A única cuja posse não nos podem revogar se não estivermos nos comportando direitinho.

E o que tudo isso tem a ver com o que eu quero produzir? Muito mais do que eu mesmo possa prever. A minha literatura quer falar do vida humano que nos tem sido roubada pelo mecânico quotidiano de nossos tempos. Eu quero abandonar a página impressa e recolocar o poema em suas fundações orais. E a clareza é essencial porque ainda não inventaram uma telepatia eficiente. E se fivessem inventado, seríamos todos boçais incapazes de racionalizar os pensamentos, confiantes na automática compreensão de nosso indefinido sentimento pelos outros.

É na literatura que o homem tem o seu sonho de Ícaro: escapar dos vermes que o aguardam transcendendo o breve e leve sopro dessa vida através de sua obra. No concretismo, no entanto, o homem está preso pelo rigoroso espaço da página impressa. O conforto dessa estética pouco nutritiva é que, sendo quase incompreensível , o escritor não corre o risco de sofrer reparos procedentes. 0 mais terrivel é que são tachados de arcaicas as pessoas que ainda sobem ler e escrever numa linguagem humana, enquanto se celebra a anarquia de fotos retocodos e colagens indefiníveis e a solidão de poucas palavras no meio de uma grande página quase em branco. Assim, lentamente, vão roubando do povo o acesso à cultura.

Curiosamente, a erudição valorizada hoje em dia não está mais baseada no conhecimento da literatura, mas no domínio de irrelevantes detalhes semióticos ou biográficos. Rebusca-se nas entrelinhas sentidos ocultos ao ponto de quase se esquecer o explicito e julga-se mais importante definir se Thomas Mann era homo ou hetero do que proporcionar ao publico a oportunidade de lê-lo.

Tenho dito, aguardo as pedras.

1 Precisamos escrever mais livros ruins para que o solo da literatura fique fértil para as obras primas nascerem. Esterilizar a terra a espera do fruto perfeito é uma futilidade.

2 Ou imaginar que existe um.

3 Esta frase é uma estocada no concretismo, que dá grande relevância justamente à distribuição visual das palavras.


10
Out 12
publicado por José Geraldo, às 21:38link do post | comentar | ver comentários (1)
Tradução de um trecho avulso de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (obra que se acha em domínio público, tradução feita por mim, ao improviso, já aviso). Com um título novidadoso, homenageante aos recentemente condenados. Dedicado aos que foram condenados, independente de serem ou não culpados, não pelo que fizeram, mas pelo que são.

Disse-lhe o gato
ao rato: «Venha
logo seu bobo
jogarmos
um jogo:
Vamos
ambos
à lei.
Eu lhe serei
promotor
e tu réu.
Venha agora
o tribunal
não demora.
Julgaremos
teu mal
no final.
É que
hoje estou
sentido
e vazio
e mal consigo
o que sirva
para fazer.»
Disse-lhe
o pobre rato
ao gato:
Um júri assim
de improviso,
companheiro,
sem juízo e
nem jurado,
tão sorrateiro
seria errado,
uma perda
de tempo.»
«Júri
e juiz
posso eu
mesmo ser»,
Explicou,
esperto,
o bichano.
«Farei
de tudo
no ato,
que a ti, rato,
réu nato,
condenará,
sem pena,
ao prato.»
Permita a reprodução em qualquer meio, com crédito ao tradutor, que soy yo, se possível sempre com link.

26
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 20:36link do post | comentar

Eduardo Galeano — jornalista, cartunista e escritor uruguaio — publicou uma série de coisas que sonhava acontecessem no mundo após a virada do século. Considerando a natureza da prosa deste autor, o tipo de coisa que ele sonhava não é inesperado; mas para muitos soará estranho, pois há os que pensam que este autor se limitou às Veias Abertas da América Latina, obra que a esquerda toma como bíblia e a direita renega como se fosse um grimório satânico. Por causa do peso deste livro (que tinha a intenção de realmente pesar) o resto da obra onírica de Galeano às vezes passa despercebida, ao meu ver imerecidamente.

No texto em questão, publicado ainda quando este século era distante, o autor uruguaio tentou nos pintar um mundo onde os sinais estivessem trocados, e de uma forma estranha o texto nos deixa com a sensação de que uma inversão total de valores nos faria mais felizes. Da impossibilidade de tal feito ter lugar, surge-nos a dúvida filosófica: afinal, somos felizes como somos?

O texto original de Galeano pode ser conferido aqui. De minha parte, resolvi fazer um aparte ao que ele escreveu, e adicionar alguns itens, remover outros, reescrever alguns, resultando no seguinte:

No meu mundo ideal os automóveis seriam atropelados pelas pessoas e teriam de refugiar-se, temerosos, nas ruas afogadas por calçadas que cada vez se alargam mais. O ar seria poluído apenas pelo perfume das árvores e pelo cheiro das moças. As pessoas não seriam possuídas por seus bens, nem programadas por seus computadores, nem compradas pelos mercados nem observadas pela televisão. Que, aliás, seria tão importante nas casas quanto o ferro de passar ou a lavadora de roupas. As pessoas não trabalhariam para ganhar o seu sustento, mas para sustentar os seus sonhos. Não se prenderia nunca aos que recusassem servir às Forças Armadas, mas aos que sonhassem servir. Prostitutos seriam apenas os que sentissem prazer na promiscuidade. Seria incompreensível mencionar que certos conceitos seriam incompreensíveis para certos povos. Loucos seriam chamados aqueles que negassem aos outros o direito de viver suas loucuras. Nenhuma pessoa teria crédito por dizer-se representante de Deus, a ponto de dizer aos outros o que fazer e o que não fazer. As pessoas sentiriam saudades apenas de coisas e seres que conheceram, e não de animais e seres extintos pela ganância humana. A polícia serviria para proteger ao povo, e não para proteger o governo do povo. E todos viveríamos cada dia como se fosse simultaneamente o primeiro e último.


09
Jun 11
publicado por José Geraldo, às 21:54link do post | comentar

Dando continuidade a nossa análise existencialista e filosófica das tirinhas do André Dahmer, eis outra que merece praticamente um ensaio...

Vemos aqui uma inversão irônica do antiquíssimo clichê da prostituta que se ilude em encontrar um homem que a tire da vida (tão bem explorado por nomes do quilate de Nélson Rodrigues, Manuel Bandeira, Eça de Queirós e Odair José). É verdade que, em alguns casos, como o do poema do Bandeira e do romance do Eça, o homem realmente cumpre a promessa. Mas em essência, a história de amor da prostituta sempre foi a de uma ilusão quase infantil com príncipe encantado. Isto, claro, porque na vida, como na arte, raras sãos as Surfistinhas que têm a chance de se tornarem próceres da cultura nacional e candidatas a cadeira na Academia Brasileira de Letras (de depender de sua campanha boca-a-boca de convencimento dos acadêmicos, será por unanimidade).

A prostituta literária é uma jovem ingênua que, poluída pela "vida", sonha com algum cliente que por ela se apaixone e a leve consigo para uma vida pelo menos relativamente respeitável. Nenhuma delas carregava gilete no bolso e nem cheirava cocaína. Eram tempos chiques, em que era finíssimo comer haxixe e morrer de tuberculose.

Mas nesse quadrinho sensacional, sintético, multireferenciado e todos os etcéteras que vocês queiram acrescentar, André Dahmer pega esse clichê e o transforma em pano de fundo para uma piada arrasa-quarteirão, da qual, evidentemente, só poderão rir desbragadamente os que forem dotados de uma cultura literária suficiente para saberem quem foi a Dama das Camélias ou, pelo menos, a Zezinha do Butiá. Bruna Surfistinha não serve de referência.

Normalmente vista como corrupta, decadente e doente, aqui é a puta que promete a redenção ao político. Essa é a sensacionalidade da piada. Em um nível mais básico, sugere-se que chegar ao nível de uma prostituta seria um progresso moral para o político (ainda que, em alguns casos, tal seja uma meta inatingível). Em um nível mais sofisticado, pode-se pensar que o político é iludido com a promessa de redenção, tal como as putas de alma limpa, posto que a prostituta não quer realmente salvá-lo, mas apenas continuar recebendo seu dinheiro (tal como os clientes não querem levar a puta para casa, mas apenas ter com ela encontros ocasionais). Além disso, a salvação fica impossibilitada pelo fato de que o político, tal como a puta nos tempos pré-camisinha, fica contaminado pela corrupção e doença derivada de seu contato com a sujidade, a prevaricação, o dolo e outras coisas. Males contra os quais não existe antibiótico.


04
Jun 11
publicado por José Geraldo, às 19:33link do post | comentar
Nas últimas semanas o Brasil foi assolado pela polêmica de um livro didático que supostamente toleraria o “erro de português” e, por consequência, provocaria o caos de nosso sistema educacional, corromperia nossa juventude, nos transformaria a todos em homens das cavernas dizendo uga-buga. Agora que esse assunto começa a cair no esquecimento merecido que o caso merece, ressuscitam a discórdia citando um suposto livro de matemática que ensinaria que 10-4=7 (olha que absurdo!).

Não li nenhum dos dois livros, embora tenha ousado atacar os argumentos dos que se insurgiram contra o primeiro, mas agora que o caso se repete eu começo a discernir um padrão. E se meu entendimento não estiver horrivelmente equivocado, o tema não vai sair da berlinda nunca — e já explico porque.


O problema não está isolado nesses livros didáticos (que podem ser bons ou podem não ser). Erros em livros didáticos não mereceriam tanta atenção se não houvesse uma abordagem característica do tema “livro didático”. Uma abordagem a que eu ouso qualificar de “fetichista”.


Segundo o Dicionário de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas1, fetiche é um “objeto de culto que é considerado intrinsecamente potente e/ou válido devido às suas associações simbólicas e/ou rituais, sem levar em conta a sua utilidade prática” (grifo meu).

Observe que o fetiche é, por definição, um repositório de reverência, ainda que não funcione. Tem-se reverência pelo fetiche de uma forma tal que são inventadas explicações ad hoc para justificar a continuidade de seu uso, mesmo que ele seja inócuo. As pessoas continuam usando pés de coelho como amuleto, ainda que não melhorem de vida. Elas inventam episódios de “sorte” ilusória para justificar seu arraigamento ao objeto.2

Por que estou dizendo que há um comportamento fetichista de algumas pessoas em relação ao livro didático? Porque em nossa cultura tradicionalista e autoritária (mais autoritária até do que tradicionalista) o livro é visto como um repositório de saber “certificado”, “autorizado”, “seguro”3. Alguém, em algum lugar, sob direção de pessoas devidamente habilitadas e diplomadas, com permissão do governo e imprimatur da Igreja, escreveu esse livro maravilhoso que contém todos os “pontos” que o aluno precisa aprender para crescer um cidadão de bem. O livro didático é uma bíblia do ensino. Tanto é assim que quando alguém quer passar num concurso uma das primeiras coisas que faz é comprar a “apostila oficial” ou pelo menos uma apostila que contenha o logotipo daquele concurso específico, bem na capa. Somente os compradores da apostila terão acesso ao conhecimento arcano que abre as portas do concurso. Bem poucos são os que leem o edital e ousam buscar aqueles conhecimentos listados em outros livros diversos ou apostilas soltas. Há até quem ache que uma apostila de conhecimentos bancários feita para o concurso do Banco do Brasil não serve para estudar para o concurso da Caixa Econômica Federal…

Dentro de sala de aula o livro-fetiche é uma forma de impor a “verdade” sobre o aluno inculto. Quando o aluno questiona alguma coisa, o professor triunfantemente aponta impresso lá em letras fáceis de ler e diz “tá aqui, ó!”. Com um bom livro didático na mão você nem precisa de professor, como sugerem os inúmeros cursos disto e daquilo “sem mestre” que já andaram pela moda, ou como evocam os cursos à distância (modinha tecnológica de agora), nos quais o professor é substituído por uma espécie de coordenador da turma, que apenas opera (literalmente) a infraestrutura que traz aos alunos o conteúdo produzido alhures pelas autoridades competentes. O livro didático emascula a autonomia do professor, mas há muito professor que gosta disso, porque junto dessa castração intelectual vem o alívio de muita responsabilidade: “eu não ganho o bastante para pensar tudo isso” (já deve haver alguém pensando).

Mas o problema do livro didático com erros é real. É preciso que seja analisado. Antigamente, em vez desse festival de novidades que aparece a cada ano, com centenas de novos títulos que nada acrescentam de novo, havia alguns poucos manuais, que costumavam ser usados durante décadas e cujo processo de edição era muito mais demorado do que o de hoje. Parece lógico que tais livros fossem mais isentos de falhas grotescas como 10-4=7.

Parece-me natural que haja mais erros nos livros de hoje. Primeiro porque há uma indústria do livro didático que cospe mais títulos do que o necessário: e não há tempo para revisar e aperfeiçoar os livros antigos. Segundo porque os livros são produzidos a toque de caixa, sem tempo para revisões cuidadosas. Existe, portanto, um problema grave na indústria do livro didático. Um problema que causa erros frequentes. Seria importante rever isso. Mas, será que tais problemas justificam tanta histeria?

Não justificaria se não houvesse o tal fetichismo. Esses erros minam a credibilidade do livro didático e, por tabela, de outros livros que também ditam regras e crenças e conhecimentos. Embora o ditado de que “papel aceita qualquer coisa” seja do tempo de minha saudosa “vó”, ainda há pessoas que enxergam o livro como uma espécie de ser místico (há muitos deles nessa comunidade de escritores, pessoas que se acham especiais porque estão escrevendo, até a ponto de mudar seu nick para “Fulano de Tal, Escritor” ou “Sicrano Poeta”).

Se o livro não fosse visto assim, as pessoas poderiam esperar que o professor simplesmente dissesse aos alunos que “há um erro de impressão na página X e o resultado correto é Y”. O medo é que os alunos comecem a se perguntar o que mais não poderia estar errado em outras páginas do mesmo livro ou de outros. Não que já não façam isso, mas há gente que vive em um mundo ideal, no qual os livros “educam” os jovens.

Fazia sentido isso, no tempo da ditadura. O livro era previamente censurado. Criar constrangimentos para que o professor mudasse ou acrescentasse “um jota ou um til” ao que estava “no livro” era muito útil aos interesses do poder. Hoje essa situação mudou um pouco, mas deveria ter mudado mais. Já não temos currículos engessados e “coordenadores pedagógicos” para manter os professores estreita e estritamente na linha. Aliás, nem temos mais uma ditadura prendendo dissidentes e nem uma Igreja que dê medo. Mas ainda há os que sentem saudades do poder do livro.

Esse estado de coisas durou muito tempo, e ainda dura. Há iniciativas tentando mudar isso, mas não é da noite para o dia que se muda uma cultura. Temos uma cultura autoritária, uma cultura de lavagem cerebral, uma cultura de reverência ao livro. Quando digo “reverência” não quero dizer que todos gostem dele, tal como nem todo mundo gosta de um gato preto... Reverência quer dizer reconhecer o poder místico que dele “emana”. Mesmo os que odeiam o livro não deixam de ter certo fascínio por ele enquanto objeto (daí haver estantes nas casas dos que ficam ricos, ainda que a leitura não faça parte do hábito: ter livros é distintivo de cultura, de status, de poder) ou pelas pessoas que dele se acercam (daí a lenda do “poeta” e tudo que se fala sobre os “literatos”).

Temos que ter o cuidado de não recairmos nessa crença irracional no “poder do livro” (que, aliás, ecoa em boa parte da literatura de fantasia moderna, inçada de grimórios, livros malditos, diários de falecidos etc.) quando debatermos sobre erros em livros didáticos. Livros didáticos são apenas livros. Alguns são bons, outros são ruins. Devemos, é claro, preferir os bons, mas devemos ter a capacidade de discernir o que há de bom nos ruins e o que há de ruim nos bons.

Nenhum livro é um pacote fechado. Sim, eu disse nenhum. É uma merda que um livro de matemática contenha 10-3=7, principalmente porque tal coisa tosca é fruto de um erro de digitação combinado com a falta de atenção de quem revisou e de quem avaliou para comprar e distribuir. Mas não é nenhuma grande tragédia. Professores de matemática são, supostamente, capazes de reconhecer esta bobagem, e até de a utilizarem de forma lúdica em sala de aula: “Olha, gente, essa página do livro tem uma pegadinha. Vamos ver quem é bom de subtração e vai reconhecer onde está a pegadinha?” Um bom professor é capaz de superar pequenos erros e dar uma grande aula. Mas um professor incompetente se desesperará ante a ideia de que não tem consigo um livro “seguro”.
1 Eu ia usar a Wikipédia como referência, porque lá tem uma definição mais sucinta e elegante do termo, mas não quero deixar brecha para que me desqualifiquem como mero "ledor de Wikipédia", então vou me embasar em referências apropriadas, mesmo que isso não seja compreendido ou aceito como um valor por alguns dos que lerão este tópico.
2 Na verdade esse não é o melhor exemplo de um comportamento tipicamente fetichista, mas se eu empregasse um exemplo mais adequado eu fatalmente desviaria o tema do debate sabe lá para que direção, visto que é considerado ofensivo, ainda, empregar na análise de nossa cultura “civilizada” categorias originalmente desenvolvidas para estudar os “selvagens”.
3 Não é à toa que as pessoas compram livros intitulados “Bíblia” disso ou daquilo para estudarem temas cabalísticos, como linguagens de programação ou códigos de leis. As pessoas se sentem confortáveis com a sensação de que o livro contém as respostas, o livro as liberta da obrigação de descobrirem as soluções por si mesmas.

29
Mar 11
publicado por José Geraldo, às 22:04link do post | comentar

Há um verso de profundo desencanto no [hoje maldito] hino dos “Anos Rebeldes” brasileiros. Ao criticar de forma velada o movimento hippie (e outros movimentos de paz e amor), Geraldo Vandré constatou: “pelas ruas marchando indecisos cordões que ainda fazem da flor seu mais forte refrão, e acreditam nas flores vencendo o canhão.”

Há uma poesia profunda no gesto de entregar flores aos agentes mandados pelo governo para matar você. Rende lindas imagens para os canais de notícias, rende heróis que serão lembrados por décadas ou séculos, mas raramente rende progressos reais — a menos que as flores sejam entregues dentro de um contexto favorável a flores. Há momentos históricos favoráveis ao canhão, e eles são a maioria. Na verdade é apenas por exceção que a flor adquire algum poder.

No seu romance “infantil“ intitulado “O Menino e o Presidente”, o escritor Wilson Rio Apa imaginou um perfume, inventado por acaso por um grupo de crianças, a partir de um laboratório de química deixado por seu falecido avô. Esse perfume tornava as pessoas “legais”, tornava-as empáticas, bem intencionadas, bondosas. Ao perceberem o efeito, as crianças resolvem dar o perfume, embebido em um buquê de rosas, ao Presidente da República. Deve ter custado muita coragem ao autor para escrever isso nos anos 70, plena época de ditadura e torturas. Ainda mais que no livro as crianças, identificadas como perigosos subversivos, são presas, separadas dos pais e mandadas para lugares diferentes do mundo (com a leve sugestão de que elas seriam, na verdade, mortas ou abandonadas para morrer). Linda história infantil, linda lição de moral. Cresci com o trauma de ter lido esse livro. Mas acredito que traumas assim fazem falta, ajudam as crianças e entenderem uma certa noção de valores, que é preciso ser “legal” nesse mundo.

Mas a história do livro, tal como na música, reflete a perplexidade daqueles que esperam vencer com botões de rosa o poder do canhão. Daqueles que acreditam que poder emana do povo e que os soldados são patriotas e não matarão aqueles a quem juram defender. Há momentos em que isso parece dar certo, há momentos em que decididamente isto dá errado. Para cada Gandhi comemorado em selos e idolatrado internacionalmente, há centenas de caras como o anônimo chinesinho de calça preta e camisa branca que enfrentou os canhões na Praça da Paz Celestial, em vão.

O poder do canhão é o de destruir sonhos, é o de implodir ideias. É graças ao canhão que as elites impõem sua vontade. Ninguém imagine que seria vontade do povo fazer certas coisas polêmicas, se o povo hoje internalizou “querer” certas coisas, foi a custa de muito canhão no passado. Como no filme famoso de Stanley Kubrick, chega um momento em que paramos de nos preocupar e começamos a gostar da bomba. É melhor amar à bomba do que ser morto por ela. Ditadores tem seguidores porque os mortos já não seguem ninguém.

Então um belo dia um lindo conto de fadas começa no Oriente: o povo nas ruas, com faixas e cartazes e gritos de guerra. O exército não atira, o governo acaba renunciando. Cria-se um exemplo, logo surge outro. Mas o canhão está lá, dormente. Cedo ou tarde alguém descobre que, afinal, os espinhos das rosas não são temíveis. Então vêm os tanques. Pode ser inútil desespero, como queria Gandhi, mas a violência pelo menos tem o poder de estragar a utopia. O canhão pode, a longo prazo, ser silenciado, mas ele tem pelo menos o poder de destruir o mundo novo que se sonhava e obrigar os sonhadores sobreviventes a uma realidade diferente da que esperavam: uma na qual muitos amigos morreram, muito prejuízo aconteceu e a expectativa de prosperidade evapora deixando atrás de si ruínas, dívidas e solidões.

Em homenagem às vítimas de todas as revoluções, principalmente daquelas que deram errado. Em especial aos mártires da Líbia, primeira classe de rebeldes a enfrentar de mãos nuas a Força Aérea de seu próprio país. Bons tempos aqueles em que se achava absurdo o opressor chamar a cavalaria contra os estudantes.


23
Mar 11
publicado por José Geraldo, às 23:11link do post | comentar | ver comentários (4)

Maria Bethânia atraiu uma grande reação quando “se soube” que ela teria apresentado ao Ministério da Cultura um projeto para desenvolver um blog de poesia e obtido uma licença para captar R$ 1.300.000,00 (coloquei assim, com todos os zeros, para que vocês possam tentar visualizar melhor a cifra). Seguiu-se grande indignação pilotada pela mídia amestrada (aquela que abana o rabo quando lhe mostram o osso de uma polêmica) e surgiram desmentidos e explicações. Parece, isto é, “parece” que tal cifra não se refere à “recursos federais” mas a uma “autorização para captação de recursos” junto a patrocinadores, usando a Lei de Incentivo à Cultura. Assim, tenho feito esta breve apresentação do caso, acompanhada das devidas considerações necessárias para que eu não recaia em qualquer afirmação que sim ou que não (palavras estas, ambas, inexistentes no vocabulário do legítimo mineiro político).

Mas o caso deste post não é comentário sobre a moralidade envolta no caso, ou possível falta disto. Não me julgo árbitro capaz da moral alheia, tanto que, aliás, nem acho que “moral” exista a não ser nos catecismos — e estes, vós todos sabeis, não fazem parte de minha biblioteca. O caso deste post é mais intangível porque, de fato, em toda essa história, o proverbial e metafórico buraco é muito mais embaixo.

No centro desta questão há um fato: não se dá valor nenhum à poesia nesse país. Tivesse Maria Bethânia se proposto a fazer um blog sobre política ou sobre viagens de férias e certamente muita gente teria protestado menos, ou até aplaudido. O que eu detectei em muitos dos mais venenosos comentários foi o escândalo pelo fato de alguém, em algum lugar em Brasília, ter considerado que poesia valha um milhão de reais.

De fato é surpreendente que em Brasília, cidade erguida em material anti-alérgico sobre uma superfície devidamente esterilizada, existam pessoas com tal consideração pela poesia. Cá de longe a maioria das pessoas não supõe que exista sensibilidade em Brasília, apenas políticos e filhos da classe média que queimam índios para passar o tempo. A notícia, portanto, traz embutido um alento: talvez Brasília não seja um caso perdido, pois a cidade onde há pessoas que acham que a poesia vale um milhão de reais é um lugar que certamente merece considerações.

Mas o espanto teria sido o mesmo se não tivesse vindo de Brasília. Porque o problema do povo não é com a capital, mas com a poesia. Onde já se viu alguém achar que poesia vale tanto. “Com tanta gente passando fome”, certamente em algum lugar algum boçal está pensando. Boçais são pessoas que mesmo sendo crentes de carteirinha ignoram que o próprio Jesus teria dito que “nem só de pão vive o homem”. Vive o homem também de poesia.

Mas as pessoas, algumas devidamente providas de suposta cultura que lhes capacitaria a não pensar de forma tão automática e de forma tão alinhada com os preconceitos automáticos do vulgo, se surpreenderam com isso: “Ora, bolas, um milhão de reais para declamar poesia? Que absurdo!”

Essa gente, decerto, não acha errado que um jogador de futebol iletrado e não necessariamente talentoso ganhe mais que o Presidente da República ou que um ogro sem dicção e sem cultura musical enriqueça berrando palavrões a que certo tipo de “gente” chama de “música”. O problema não está em receber um milhão de reais, é receber tal soma em troca de poesia. Se fosse em troca de cocaína haveria quem abrisse a boca admirado. Se fosse em troca de fazer um filme pornô, haveria quem achasse “sensato”. Mas ganhar dinheiro com poesia? Onde já se viu isso? Poeta não tem que morrer louco e faminto?

Na mente de muitas pessoas não há lugar para a poesia — e consequentemente não lhe dão valor. Se Betânia estivesse pedindo seu milhão de reais para fazer um desses “projetos sociais” com crianças carentes não haveria uma só voz de crítica. É com demagogia assim que as pessoas sem talento infundem complexo de culpa nos menos espertos: “como você ousa criticar o Vadico do Cavaco assim, ele tem um projeto social com crianças cancerosas e você não faz nada pelos outros.” Foda-se quem pensa assim, as pessoas devem ganhar dinheiro fazendo o que se propõem a fazer. Maria Bethânia faz música, faz poesia, faz cultura. Ela não precisa beijar criança ranhenta para mendigar patrocínio. Pessoas como ela são (ou deveriam ser) um patrimônio da cultura nacional. Maria Bethânia sequer precisaria pedir esse dinheiro: em um país sério isso lhe seria espontaneamente ofertado.

É incrível como as pessoas chegam a pensar que fazer e distribuir poesia nesse mundo tão carente dela seja “absurdo”. Talvez se houvesse nesse país um pouco mais de poesia haveria um pouco menos de fome. Quando matam a poesia, vai junto a consciência de um povo, e daí se pode impunemente resvalar na superficialidade e no egoísmo. Daí se pode chegar ao ponto de vivermos de aparências e de fingimentos. Quanta gente famosa por aí não finge que canta, que atua, que escreve… A cultura passa a ser mercadoria, passa a ser uma maneira de canalizar dinheiro, uma indústria. Mas a poesia, nas mãos de uma pessoa cuja vida construiu a dignidade que deveria ser suficiente para estar acima destas línguas sujas que a vituperam, não vale um milhão de reais.


22
Mar 11
publicado por José Geraldo, às 23:08link do post | comentar

Para mais aforismas, cliquem na categoria “aforismas”…

  • Não há maneira controlada de fazer uma grande mudança. Saia batendo a porta, queime a ponte depois de cruzar o rio e só depois pense no caminho. De muito juízo o inferno da inércia está bem alimentado.
  • O dinheiro compra tudo, mas quem faz a lista é você.
  • A lógica do mercado de trabalho moderno se baseia no simples princípio milenar a que um romano clássico chamaria Lex silvestris. Em essência funciona assim: existe algo a ser feito e pessoas que devem fazê-lo. Alguns que terão contratempos e outros que não os terão. Os primeiros concluirão o trabalho e os segundos e para os segundos não há esperança: o mundo é de quem realiza e não de quem teve os motivos mais justos do mundo para ficar a 1% de realizar.
  • Existem homens neste país ganhando salários superiores a dez vezes o do Presidente da República apenas porque sabem chutar uma bola. Se alguém neste país estivesse ganhando um milhão de reais para fazer poesia seria um consenso na sociedade o absurdo de tal situação.
  • Não confio em pessoas que acham que eu devia gastar mais dinheiro. Se a tecnologia torna possível gastar apenas determinado valor, então qualquer preço superior a ele se torna uma exploração e quem o paga é um idiota ou um oprimido.
  • Deve ser algo terrível o poder absoluto. Apesar de todas as tentações e da possibilidade de satisfazê-las, sempre existe a possibilidade de que você o obtenha como Kadhafi e se torne no fim alguém como Kadhafi. Eu não desejo isso para mim nem para ninguém.
id="BLOGGER_PHOTO_ID_5587106204629907458" />id="BLOGGER_PHOTO_ID_5587105735120479186" />
Muammar Kaddhafi, de jovem coronel bonitão a velho decrépito com cara de múmia e alma de bicho-papão. O poder absoluto não apenas corrompe absolutamente como transforma um cara aparentemente normal em um bundão brocha que anda cercado por quarenta mulheres guarda-costas e manda matar todo mundo que não o ame. Teria sido melhor continuar coronel, Sr. Kaddhafi.

21
Fev 11
publicado por José Geraldo, às 13:09link do post | comentar

Estou chegando à conclusão de que a literatura tornou-se a principal inimiga da educação. Esses livros de são perigosos demais para serem manuseados por nossas crianças, eles portam a pestilência de um passado que não foi perfeito, de uma história que foi feia. E isso traumatiza as crianças, não podemos contar-lhes que o mundo é feio, elas precisam crescer sem esse confronto para não se transformarem em cidadãos como eu e você, que crescemos em contato com essa sujeira existencial. O acesso deve ser cuidadosamente controlado, sabe-se lá que estrago um Machado de Assis, um Monteiro Lobato ou um Euclides da Cunha pode causar num jovem impressionável!

Nenhum literato do passado ou do presente é um modelo desejável para nossa juventude. Oswald de Andrade era mulherengo e alcoólatra. Machado de Assis era um negro que não pegava em armas contra a polícia para combater o racismo e nem processava o governo pedindo cotas —- e ainda por cima cometeu o acinte de se casar com uma branca! Euclides da Cunha era um machista empedernido que morreu num episódio mal esclarecido. Monteiro Lobato era racista, manipulador e adepto de várias outras ideias ultrapassadas. Jorge Amado traiu o comunismo e foi escrever novelas para a Globo.

Deixar que esses homens depravados e suas obras decadentes continuem influenciando gerações de jovens é um crime. A literatura burguesa e seus valores representam a perpetuação do atraso de nosso país. Somente poderemos progredir educacionalmente se abolirmos estas leituras sórdidas e evitarmos o contato de nossos jovens com o preconceito e os valores antiquados por elas representados. Onde já se viu construir um romance inteiro em cima do tema da “honra” da mulher e de uma suposta traição. Aquele porco chauvinista do Bentinho não pode inspirar nenhum jovem de hoje a achar que tem direito exclusividade sobre sua mulher. Imagine o efeito catastrófico que “O Alienista” pode ter! Imagine uma geração inteira de jovens desconfiados da autoridade e da ciência! E “Os Sertões”, então? Com sua perigosa sugestão de que as forças do atraso (superstição, monarquismo) estavam “certas” em sua luta contra a República e os valores modernos. Como permitir que nossas crianças leiam as obras do cínico racista, o Monteiro Lobato? Como deixar que tão precocemente tenham contato com o preconceito de cor? O que se quer com isso? Será que nossas crianças precisam de saber certas coisas?

Acredito que está mais do que na hora de levarmos adiante o que começou Rui Barbosa. O ilustre jurisconsulto baiano mandou queimar os documentos sobre a escravidão que havia no Arquivo Nacional. Acho que está na hora de banir — e se possível queimar — os livros de nossa literatura que contenham qualquer traço indesejável, inclusive racismo. Somente assim poderemos assegurar que as futuras gerações, limpas das sujeiras do passado, poderão crescer puras e saudáveis. Uma nova raça brasileira para uma nova pátria, livre dos males passado e mirando em um futuro grandioso.

Claro que para o lugar desta literatura banida deverá ser criada uma outra, pois sem obras literárias não se mantém um sistema educacional. Mas estas novas obras não podem surgir deste acaso criminoso que, no passado, permitiu que homens desequilibrados e doentes com os preconceitos e superstições de sua época produzissem excrescências como “Caçadas de Pedrinho” ou “Gabriela, Cravo e Canela”. Estas novas obras precisam seguir padrões pedagógicos progressistas e realistas. Padrões que incluam a igualdade de gênero, a igualdade racial, toda uma série de igualdades em substituição ao caos de categorias e hierarquias que caracterizava os valores do passado.

Os autores que aceitarem produzir segundo estes cânones, evidentemente, serão sempre os preferidos para inclusão nos currículos. Os prêmios literários oficiais serão dirigidos a eles também. Como não estamos em uma ditadura, obras divergentes serão toleradas, mas apenas para adultos e de forma nenhuma terão curso no sistema educacional. Como o governo não tem condição de fiscalizar toda a produção literária nacional, seria ideal que os próprios autores interessados nas diretrizes literárias do MEC se organizassem para controlar entre si mesmos a adesão aos referidos princípios, recomendando as necessárias adequações, quando possíveis, antes que o livro tenha que passar pelo crivo do Ministério.

Assim agindo, conseguiremos remover definitivamente de nossa sociedade a influência funesta de obras literárias inçadas de preconceitos e valores retrógrados, abrindo caminho para a criação de uma nova safra de obras, orientada ao futuro e produzida de acordo com os valores de sociedade que almejamos.


mais sobre mim
Março 2013
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10

17
18
19
20
21
22
23

24
25
26
27
28
29
30

31


comentários novos
Ótima informação, recentemente usei uma charge e p...
Muito bom o seu texto mostra direção e orientaçaoh...
Fechei para textos de ficção. Não vou mais blogar ...
Eu tenho acompanhado esses casos, não só contra vo...
Lamento muito que isso tenha ocorrido. Como sabe a...
Este saite está bem melhor.
Já ia esquecendo de comentar: sou novo por aqui e ...
Essa modificação do modo de ensino da língua portu...
Chico e Caetano, respectivamente, com os "eco...
Vai sair em inglês no CBSS esta sexta-feira... :)R...
Posts mais comentados
pesquisar neste blog
 
arquivos
blogs SAPO