Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
16
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 11:33link do post | comentar | ver comentários (1)
Este é um texto que eu gostaria que todo mundo copiasse e compartilhasse, com ou sem atribuição de autoria.

O copiador de conteúdo trabalha contra o objetivo maior do novato, que é o de tornar-se conhe­cido. Aquilo que ele semeia, o copiador vem e arranca. Se você é um escritor novo e des­co­nhe­cido, o seu maior inimigo não é o editor vampiro, porque ele não pode invadir o seu bolso a menos que você o convide a entrar. Com alguma dose de bom senso e bons conselhos, você pode até conseguir utilizar em seu proveito os serviços de uma editora ruim. Mas você não pode fugir do copiador de conteúdo, a menos que evite blogar.

Esta é uma solução inaceitável, porém. Como não blogar se justamente o blogue é o meio pelo qual o escritor anônimo pode esperar chegar a um público e ser reconhecido? As gavetas não avaliarão o seu texto e as quatro paredes de seu quarto nunca lhe oferecerão um contrato. Eis, então, a monstruosidade do copiador de conteúdo, e eis porque os estou convidando a entrarem comigo nessa luta.

É legítimo que o jovem autor, ou o autor amador, jovem ou não, crie blogues para compartir os seus textos com o mundo. A internet oferece essa via para aqueles que não têm mídia. Muitos autores começaram blogando, lá fora até mais do que aqui. Quando cria um blogue para compartilhar os seus textos, o que espera é que pessoas venham ler e retornem caso gostem. Você quer que memorizem o seu nome para que adquiram seu livro, se futu­ramente aparecer numa prateleira de livraria, material ou virtual. Acessoriamente você pode esperar ganhar algum dinheiro com anúncios. Cada um desses objetivos é frustrado pelo copiador.

O copiador de conteúdo cria um blogue ou saite, mas o utiliza para republicar textos escritos por outras pessoas, retirados de outros blogues ou saites, em vez de populá-lo com os seus pró­prios textos, ou de autores exclusivos. Isto pode ser feito com o consentimento do autor e con­forme con­di­ções negociadas (podendo ou não envolver valores). Neste caso, não há sacanagem envolvida. Se, por acaso, houver erro nos procedimentos, é caso para se corrigir. No máximo, pedir desculpas. A sacanagem começa quando a transferência ocorre à revelia do autor e/ou desrespeitando as condi­ções propostas.

Idealmente, não deveria haver nenhuma cópia de conteúdo porque, como disse acima, o autor coloca seu texto na internet para se promover. O autor “gosta de aparecer”. Se não gostasse, não criava blogue, não fazia Facebook, não participava de antologia, nada disso. Então, quando tira o texto do blogue e o leva para outro lugar, você está desaparecendo um pouco com a promoção que o autor queria fazer para si. No entanto, se você faz um bom tra­balho de divulgação do seu grande meta-blogue ou saite, o autor não vai se importar com isso porque a visibilidade que ele terá com o seu texto, mesmo entre dezenas, em um saite muito visitado pode ser maior do que a de seu obscuro blogue original. Por isso, esse “idealmente” é muito relativo. E ninguém deve ter vergonha de copiar texto de blogue para pôr no seu saite, pelos motivos acima expostos.

É justamente essa visibilidade que traz a "remuneração" metafórica que o autor busca. Você deve permitir que o autor usufrua do benefício de ter um texto no seu grande meta-blogue ou saite, através do aumento da exposição de seu blogue original e de seu nome. Caso você crie obstáculos para essa visibilidade do autor você está sendo canalha com ele. E esse texto é contra você. Você é parte do que está errado no mundo. Você é um vampiro de conteúdo.

O primeiro passo da vampiragem é não notificar o autor. Esse simples aviso já é uma remu­ne­ração para um autor amador. Dependendo do renome de seu saite, o autor mandará e-mail a muita gente para gabar-se que foi selecionado (o que não deixa de ser publicidade gratuita para você). É um estímulo, também, para que ele continue produzindo.

Em seguida está a não atribuição de um link recíproco (backlink). Esse link direcionará os leitores do texto para o endereço de onde foi retirado. Quem gostar daquele texto procurará ler outros do mesmo autor. Esse aumento de tráfego poderá gerar receita de publicidade para o autor (através de AdSense ou outro serviço) ou pode servir como outro estímulo.

O último nível em que ainda dá para supor a boa fé está na remoção do crédito da autoria. Ainda é possível pensar que foi apenas erro (caso tenha sido um caso isolado) ou um mero desconhecimento da etiqueta (especialmente no caso de traduções). Mas a remoção da autoria já é uma ação perniciosa, que trabalha contra o reconhecimento do trabalho do autor, cer­ta­mente já lhe causando grande frustração. Muitos textos acabam se tornando apócrifos por causa disso, negando crédito a quem realmente os escreveu.

Saindo do terreno dos incautos e caindo firmemente na área da picaretagem amadora, existe gente que se atribui (ou a outrem) a autoria dos textos copiados. Isso nem sempre é aparente, basta uma simples notícia de copyright no rodapé da página (frequentemente adicionada por padrão a todas as páginas do blogue ou saite) para configurar uma reivindicação de autoria. Picare­tas um pouco mais mal-intencionados vão mascarar a autoria original introduzindo pequenas altera­ções no texto (adição ou subtração de palavras, mudança da configuração de parágrafos). Alterações que não resistem segundos a uma análise em um programa de diff. Se o picareta for ainda mais sofisticado, tentará forjar uma prova de anterioridade da autoria, blogando com data retroativa (algo fácil de se fazer na maioria das plataformas de blogue).

Picaretas realmente profissionais tentarão impedir que o autor identifique o roubo de seu texto e suprimirão suas tentativas de protesto caso ele apareça reclamando em grupos do Facebook, comunidades do Orkut/Plus, clãs do Netlog, blogues coletivos, fóruns, etc. Esses são mais perigosos, porque não agem sozinhos: conseguem parceiros para ajudá-los a mode­rar comentários ou até mesmo para hackear o blogue do autor, ou fazer-lhe um ataque DdoS. Com a ajuda desses parceiros, e também de sockpuppets (perfis falsos em redes sociais e fóruns), produzirão uma campanha
de ofuscamento do feito, difamação do autor e obstaculi­za­ção de toda tentativa de esclarecer o que aconteceu.

Caso o ataque continue por bastante tempo e seja efetivo para apagar a vida online do autor (dele­ção de blogue, expulsão de comu­ni­dades/grupos), o copiador poderá impedir defi­ni­ti­va­mente que se reivindique sua pro­priedade original do texto. Porém, como são poucos os auto­res que identi­fi­cam tais abusos e "correm atrás" de seus direi­tos, o esforço dispendido pelos copi­a­dores é pequeno. O objetivo desta campanha é torná-lo maior, para que seja menos lucra­tivo (em termos de remuneração monetária ou subjetiva).

Nem todo copiador de conteúdo tem a intenção de prejudicar o autor do texto original. Todos, porém, pensam em ganhar alguma coisa (dinheiro ou reconhecimento) com o seu projeto. Quando esse ganho não impede que o autor também ganhe alguma coisa por si, temos uma relação justa e até desejável. A coisa só se torna imoral quando o copiador, além de ganhar, impede (intencionalmente ou não) que o autor também ganhe.

Algumas destas práticas descritas são “benignas” (na mesma acepção de “tumor benigno”) porque é pos­sível supor que não houve intenção. Outras são malignas justa­mente por­que a suposição é improvável. Mas algumas são muito malig­nas pois, além da intenção ser evi­dente, ainda fica evidenciado um trabalho persistente de manutenção ou extensão do dano.

Acredito que uma boa prática para saites ou blogues que publicam conteúdo alheio deveria envol­ver os seguintes passos:
  1. Contactar ao autor, informando-lhe que um texto seu foi selecionado para publicação. Mesmo que o contato não seja possível, se o autor tiver publicado sob uma licença que pres­supõe auto­riza­ção de cópia, como a Creative­Commons usada no meu blogue, ainda se poderá fazer a publi­cação, desde que respeitados os passos seguintes, mas sem autorização não se deverá nunca republicar texto algum.
  2. O contato deve sempre perguntar ao autor se ele autoriza a publicação do texto tal como está no blogue ou se deseja fazer alguma revisão.
  3. A publicação sempre deverá incluir atribuição de autoria visível (no cabeçalho, nunca no rodapé) e deverá ser oferecido um link para o endereço de onde o texto foi retirado (preferencialmente vinculado ao nome do autor ou, menos elegantemente, no rodapé).
  4. Para valorizar os autores, especialmente os que tiverem mais de um texto republicado, é boa ideia criar uma página de perfil, com foto, minibiografia e lista de seus textos constantes no local.
Agindo desta forma, os meta-blogues ou saites que reproduzem conteúdo estarão oferecendo aos autores uma compensação justa pelo trabalho que realizam e manterão esses autores moti­vados a continuar escrevendo e compartilhando textos na internet. Agindo de outra forma, será cada vez mais frequentes que os escritores tenham receio de colocar o seu texto na rede (como eu já deixei de fazer), o que reduzirá a longo prazo a quantidade e a qualidade dos textos livremente dispo­níveis para leitura on-line. A menos que esse seja o seu objetivo, acre­dito que você será sensi­bilizado por este manifesto e adequará suas práticas.

18
Fev 13
publicado por José Geraldo, às 11:00link do post | comentar
Semana de Carnaval animada e acabo de tomar conhecimento da mais nova travessura do blogue LitFanBR, que costuma esculachar o mercado literário brasileiro, especialmente o voltado para a chamada «Literatura Fantástica» — esse termo genérico para toda obra que inclua coisas que não existem, sejam elas sobrenaturais ou não. Alguém, com o pseudônimo de Super Choque (imediatamente me veio à cabeça a imagem de um nerd negão com óculos de fundo de garrafa e uma fascinação por uniformes) publicou lá um texto que me evocou quatro opiniões que se parecem bastante com as minhas.

À parte o que é opinião exclusiva do anônimo autor, o texto me fez chegar a quatro conclusões com as quais ele talvez concordasse.
  1. A literatura brasileira precisa de mais profissionais.
  2. Autores e editores amadores se desgraçam mutuamente.
  3. É preciso respeitar mais os autores amadores.
  4. Essa situação se deve ao tamanho pequeno de nosso mercado e à colonização cultural, que restringe ainda mais o público leitor.

A Literatura Brasileira Precisa de Mais Profissionais

Venhamos e convenhamos, não existe nenhum glamour em ser amador. Embora eu já tenha dito, em outra ocasião,  que via o amadorismo como uma espécie de liberdade (citando até Clarice Lispector), de fato eu acho que me enganei. O Super Choque disse algo realmente chocante e que me fez reavaliar meus conceitos:
[…] no Brasil são muito raros os autores profissionais, aqueles que não precisam de outra profissão para seu sustento, que podem dedicar-se integralmente a escrever, que podem respirar literatura em cada hora de seu dia. O amadorismo […] cobra um preço grande na qualidade das obras e na capacidade do autor para atingir seus objetivos propostos, inclusive pela dificuldade de dedicar-se à divulgação.
Pensando desta forma, o amadorismo não liberta, mas limita. O amador, ao precisar de outra profissão para o seu sustento, acaba tendo restrito o tempo que pode dedicar-se à literatura. Isto significa que ele não pode aproveitar livremente o fluxo da inspiração e nem destinar suas melhores energias à sua formação e desenvolvimento como autor. De certa forma, podemos dizer que o amador dificilmente conseguirá produzir uma obra de grande fôlego e, se ocasionalmente uma obra amadora possui qualidade, não é sem propósito supor que teria uma qualidade ainda maior se o autor tivesse podido pesquisar mais e poli-la melhor.

Um autor amador, preso ao seu emprego, não tem agenda livre para viajar a eventos de divulgação, para receber repórteres porventura interessados em entrevistá-lo e nem para buscar contatos. Fica como um avestruz, de cabeça enterrada na metafórica areia de sua rotina laboral, enquanto o mundo lá fora muda e cresce.

Por essa razão eu acredito que faz sentido o desejo expresso pelo Super Choque de que a nossa literatura tivesse mais profissionais. Uma literatura com mais profissionais é uma literatura que coloca objetivos estéticos e formais um pouco mais altos, desestimulando aventureiros toscos com suas fanfics irrelevantes. Profissionais não apenas se dedicam a escrever as próprias obras, mas também a ler e comentar as obras dos outros, o que cria um ambiente favorável à crítica (e justamente uma das reclamações babilônicas de nossos literatos é que a crítica literária não existe).

Ora, bolas, não existe porque faltam autores profissionais que a pratiquem e que a exijam. Não existe porque, sem autores profissionais para impulsioná-la, imperam as resenhas encomendadas pelos que se interessam em promover as obras. Propaganda apenas. E propaganda não enxerga os defeitos. Em um ambiente sem crítica profissional, porque não há nomes profissionais de peso na academia e de reputação na mídia que possam ousar romper o círculo de palmas compradas, toda e qualquer tentativa de apontar defeitos será recebida com pedras e tochas. Todos querem ser louvados, e qualquer coisa inferior a uma canonização é insatisfatória para quem precisa recuperar seu «investimento» na publicação.

Não quero, com isso, menosprezar os amadores (como eu mesmo). Não se trata de negar o valor do amador, mas de dizer que, se houvesse mais profissionais, até mesmo a vida do amador seria melhor. Um ambiente cheio de profissionais, e favorável à crítica isenta, geraria oportunidades melhores de desenvolvimento para o amador, lhe imporia desafios mais difíceis (e também mais gratificantes) e deixaria afastados os apedeutas que colocam vírgula entre o sujeito e o predicado mas querem publicar trilogias inspiradas nas lendas célticas sem nunca terem ido sequer a Seropédica.

Pode ser ingenuidade minha, mas quem quer aprender algo novo a cada dia precisa de um mundo com mais professores e profissionais.

Autores e Editores Amadores se Desgraçam Mutuamente

Quando um país se caracteriza tanto, como o nosso, pelo amadorismo, quando ele se generaliza e se cristaliza de tal forma, começa a produzir paradigmas em todas as demais partes do sistema. Estamos aqui falando de literatura, por isso deixemos outras áreas de fora e nos limitemos à outra parte deste sistema: o mercado editorial: Temos muitos editores que são tão amadores quanto os autores, ou ainda mais.
[…] deveria ser parte do ofício do editor oferecer assessoria ao autor. Começando pelo reconhecimento do potencial das obras que tivessem potencial, diferenciando-as das obras meramente derivativas, tolas, egocêntricas ou irrelevantes. Continuando por uma revisão competente, encontrando as contradições e os erros e sugerindo seus consertos. Terminando por fazer um livro bacana e entregá-lo ao autor conforme contratado. E depois de terminar, a assessoria deveria continuar, oferecendo feedback sobre a recepção da obra no mercado, informando ao autor eventuais menções na mídia, etc.

A verdade é que ficou meio fácil fazer uma editora. Há cinquenta anos você precisaria comprar uma máquina de composição tipográfica caríssima, utilizar os equipamentos de uma gráfica para verificar as provas, fazer dezenas de testes com os fotolitos se quisesse botar uma reles ilustração. Ficava caro, muito caro. Então era natural que os envolvidos no mercado editorial fossem pessoas muito preparadas. Era preciso planejar bem, saber onde gastar. Aventureiros faliam em poucos anos.

E havia todo esse trabalho descrito acima pelo Super Choque, porque cada publicação era um investimento, cada autor era uma fonte de recursos. O dinheiro vinha da venda das obras ao grande público, o que significava que era preciso promover o autor.

Daí veio a revolução informática e o desktop publishing. Hoje em dia praticamente qualquer um consegue formatar um livro, gerar uma prova em PDF de alta resolução, corrigir todos os erros antes de gastar uma única folha de papel e encomendar os exemplares de uma gráfica eletrônica, que usa máquinas a laser de alta resolução, capazes de imprimir corretamente até mesmo fotografias. Ficou tão mais barato que aumentou a tolerância ao erro. Pequenas tiragens, que antes eram inviáveis, se tornaram factíveis. Então o apelo comercial de uma obra deixou de ser tão relevante e, se um autor conseguir vender duzentos exemplares para sua família e amigos então ele já está «no mercado», então proliferam editoras para atender a esse nicho.

Publicar um livro virou algo bem fácil e comum porque o autor é o próprio mercado. Entendeu? Vou explicar. A editora não precisa vender o autor, ele que se venda. Agente literário para que se o babaca, digo, o autor, pagará antecipadamente pelos exemplares? Assessoria para quê, se, depois de entregue o livro, fodam-se os erros tipográficos, que o cheque já compensou?

Esse sistema amador de edição, voltado para o autor amador e sem noção, é uma desgraça para ambos — principalmente para o autor. Para o editor eu suponho que o efeito negativo seja a possibilidade de que futuramente se mate a galinha dos ovos de ouro (desvalorizando o livro, em breve ele não será tão lucrativo). Mas o editor amador ou picareta vai fechar seu «selo editorial» e abrir um açougue, porque tudo é só negócio. A pica fica para o editor sério, em um mercado destroçado, e para o autor sério, com cara de idiota em um mundo onde todo mundo publicou sua tetralogia sobre Nárnia.

Os Amadores Precisam Ser Tratados com Respeito

O que ninguém parece enfatizar é que o autor amador não é só um bolso a ser ordenhado, ele é o futuro da literatura. Não se conhece nenhum autor profissional que se tenha «amadorizado» (pelo menos não em países onde existe uma massa crítica de profissionais), mas todo profissional é um amador que se profissionalizou. A profissionalização ocorre quando alguém, que escrevia por esporte ou por terapia, passa a poder sobreviver do que escreve.  Não se trata apenas de uma mudança de profissão e de status social, mas também de modo de pensar e de sentir a literatura.

Então, quando você maltrata o amador você está chutando aquele que poderia se tornar futuramente um profissional. Em países onde impera o amadorismo, esse chute costuma ser dado por inveja, por receio de que aquele «insolente» cresça e adquira poder para influenciar. Numa literatura saudável (e a nossa não está), o amador é tratado com profissionalismo para que aprenda a ser profissional ou, mesmo continuando amador por opção, aprenda a conviver com cobrança de nível profissional.

«Respeitar o Amador» não quer dizer ordenhar o seu ego. Não quer dizer amamentá-lo com elogios para que ele não chore. Respeitar quer dizer tratar como adulto. O profissionalismo é a idade adulta do escritor. Tratar o amador com profissionalismo é respeitá-lo. Dar-lhe carinho, afeto e um ombro amigo para chorar é infantilizá-lo.
Não tenho culpa se a qualificação de profissionalismo para uma editora foi rebaixada desde os anos 60, a qualidade da nossa literatura atual deve significar que eu não tenho razão, não é mesmo?

A literatura é como o pão. Para que a massa cresça é preciso batermos nela. Bons livros podem se tornar ótimos livros formos rigorosos com seus erros. Bons autores podem ser tornar ótimos autores se forem confrontados com suas deficiências. Isso é respeito.

Precisamos xingar mais os nossos autores para que eles criem casca grossa contra críticas invejosas. Precisamos chamá-los mais de ignorantes, apedeutas, semianalfas e rasos; para que eles aprendam que cultura se faz com cultura, e não imitando a primeira porcaria que leram. Precisamos chamá-los mais de idiotas, para que reflitam sobre o absurdo de seus argumentos furados e seus personagens sem noção. Precisamos fazer com que tenham medo de publicar precocemente suas obras, para que se dediquem mais a escrevê-las bem, aparar suas arestas, polir suas asperezas. Precisamos conscientizar as pessoas de que não se faz poesia rabiscando chorumelas depois de levar um pé na bunda da namoradinha. Nossos poetas adolescentes são umas crianças bobas, se comparados com Rimbaud, Manuel Bandeira, Arnaut Daniel e Pushkin. Não merecem ser xingados por isso, mas sim porque se recusam a ler a poesia do passado e querem ser respeitados pelas trovas de pé quebrado que escrevem (e quem escreve uma trova de pé quebrado merece quase ter quebrado o próprio pé). Precisamos que os nossos autores saibam que escrever é algo grande, é algo que pode levá-los longe. E os que não quiserem ir até lá, que se contentem com as sobras e sombras, e não atrapalhem a conversa dos adultos na sala.

Tratar os amadores com respeito significa dar-lhes um propósito, em vez de permitir que chafurdem no sentimentalismo barato, na literatura alienada de fácil consumo e no egocentrismo.

Precisamos Combater a Colonização Cultural

Esses problemas todos que foram postos acima resultam da colonização cultural a que somos submetidos — e os nossos autores têm parte da culpa por isso. Não digo que têm a culpa toda, sequer a maior parte da culpa, mas parte da culpa. Gastamos tempo demais imitando a cultura pop norte americana e deixamos morrer muitas tradições e lendas que não só são importantes para a nossa identidade, mas poderiam ser igualmente interessantes como elementos renovadores da ficção de terror que nós servilmente imitamos. Temos nossas próprias lendas, mas nos maravilhamos com as lendas célticas que já estão mais manjadas que batata doce em fogueira de São João (se bem que esta é outra tradição que se perdeu).

Quando falo em colonização cultural eu me refiro ao problema que ela impõe: a restrição de mercado. Com tanto livro estrangeiro sendo republicado aqui (em traduções cada vez piores, pois a demanda é tanta que não dá tempo de traduzir direito) e com tanto autor nacional se fingindo de ianque, o espaço que sobra para quem realmente tenta fazer literatura brasileira fica pequeno. Um mercado pequeno limita  a profissionalização. Sem profissionalização a literatura nacional não tem voz na mídia. Combine isso com o egoísmo de nossos «profissionais», que costumam usar os prêmios literários para trocarem condecorações entre si, em vez de destiná-los para estimular os novos autores, e você tem um cenário no qual o amador, além de ser continuamente desrespeitado pelo amadorismo de muitos editores e do próprio mercado, ainda vê uma cerca eletrificada entre sua realidade e a ribalta na qual os nomes consagrados detêm todos os trunfos para colherem reciprocamente os lauréis literários.

Parece natural que o jovem autor procure imitar os estrangeiros, não só porque foi programado desde criança com os «enlatados dos USA, de nove às seis» mas porque tem a ilusão de que a única forma de escapar do beco sem saída da literatura nacional é conseguir agradar a um editor estrangeiro, e publicar lá, lá longe do alcance da Academia Brasileira de Letras, de Chico Buarque e seus Jabutis, dos professores da USP e suas descobertas de obscuros poetas baianos do século XIX, dos diversos teólogos (sic) literários e suas teogonias.
Se temos um mercado que lambe o saco de tudo que é estrangeiro, um establishment literário que estabelece capitanias hereditárias e troca honras entre si, é natural que o amador ambicione passar por cima de tudo isso e, se conseguir o Santo Graal de ficar famoso lá fora primeiro, mostrar o dedo para tudo isso e dizer toda a sua frustração em palavrões. Paulo Coelho fez mais ou menos isso. A literatura brasileira teve de engoli-lo inteiro, com casca e tudo, e está engasgada até hoje.

27
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 14:40link do post | comentar
Esta página registrará atualizações na disponibilidade da versão impressa da minha tradução do romance “A Casa no Limiar”, de William Hope Hodgson.
  • Compre de Lulu.com: US$ 5.95 (atualmente R$ 12,08). Formato US Trade (13,97 cm x 21,59 cm).
  • Compre da AGBook.com.br: R$ 30,95. Formato A5.
  • Compre da Livrorama.com.br: R$ 30,95. Formato A5 
Agradeço sugestões de outros sites onde possa cadastrá-lo.
    assuntos: ,

    20
    Jan 13
    publicado por José Geraldo, às 11:21link do post | comentar | ver comentários (1)
    Conforme já havia prometido na época em que terminei a tradução desse romance fantástico escrito pelo britânico William Hope Hodgson e publicado em 1907, estou finalmente disponibilizando um e-book oficial com o texto completo. Demorei todo este tempo porque, como não estava enxergando nenhuma reação do público ao meu trabalho, não supus que houvesse demanda por isso. Porém, ao descobrir recentemente que a obra estava ganhando pernas na internet, resolvi cumprir a promessa e ei-lo: o e-book.

    ATENÇÃO: Disponibilizada edição impressa do texto corrigido.


    Por enquanto está sendo disponibilizado apenas o formato ePUB, mas até o final da próxima semana deverei providenciar o livro também em PDF e MOBI. Tentarei colocá-lo na Amazon e na Barnes & Noble (Kindle e Nook, respectivamente) e certamente o colocarei na Lulu.com, onde tenho uma conta.

    Aqueles que baixaram as versões não autorizadas, em lugares como o site ebookbr.com.br, aviso que ainda vale pena deletar e baixar de novo, agora a versão oficial, por várias razões:
    1. Correção segundo a nova ortográfica do português. Mais de 420 erros de digitação (ou de ortografia mesmo) foram corrigidos em todo o texto.
    2. Apresentação melhor. Como eu limpei o código HTML antes de gerar o e-book, o resultado é um visual mais agradável, organizado e limpo.
    3. Correção do título. A obra teve o título corrigido para «A Casa no Limiar», que é mais correto de acordo com o sentido do original («The House on Borderland»). 
    4. Texto Completo. O novo e-book contem um poema de Hodgson a seu pai (incluído na edição original como dedicatória). Alguns parágrafos acidentalmente excluídos também foram recuperados.
    5. Licenciamento correto. Imagem de capa devidamente licenciada do Creative Commons e conteúdo distribuindo respeitando a licença do meu blogue.
    6. Embora muita gente não dê importância a isso, você estará apoiando meu trabalho e me estimulando a contribuir mais traduções. Respeite o esforço de quem compartilha conteúdo livre.
    O licenciamento desta tradução é, e sempre será, gratuito. Minha remuneração é a divulgação do trabalho, e deste blogue.

    02
    Dez 12
    publicado por José Geraldo, às 16:35link do post | comentar | ver comentários (1)
    Semanas depois de protagonizar o terceiro escândalo sucessivo relacionado ao Prêmio Jabuti, o “Jurado C”, o crítico paulista Rodrigo Gurgel, finalmente deu a sua versão dos acontecimentos. Foi justo a imprensa dar-lhe voz, depois das semanas que passou sendo malhado como judas em Sábado de Aleluia. O crítico teve sua oportunidade de dar suas opiniões, justificando-se ou não. Muita coisa ficou esclarecida, mas em outros casos a emenda foi maior estrago que o pé quebrado do soneto. Com a autoridade de ser a nulidade literária que sou, atrevo-me a comentar o que ele disse, mais uma vez me esmerando em meu trabalho de queimar todas as possíveis pontes que me fizessem cruzar o Rubicão literário.

    A entrevista de Gurgel começou, como não poderia deixar de ser, com a justifica de seu voto. Continuo dizendo que a justificativa não convence, considerando que nenhum trabalho literário sério merece zero, porém, se não é convincente em relação à necessidade das notas zero, ou próximas de zero, Gurgel pelo menos explica seus critérios para alinhar os romances de acordo com a sua preferência:
    Quando eu abri o papel, a primeira coisa que me chamou a atenção [na lista de finalistas] foi o livro do Wilson Bueno ["Mano, a Noite Está Velha", ed. Planeta], que eu havia colocado em último lugar, apesar de ter dado uma nota de oito e pouco. Se um livro que você colocou em último lugar está em primeiro na lista, a primeira reação é dupla: você pensa em reler alguma coisa do livro, para ver se o julgamento continua de pé.
    Gurgel poderia ter continuado a pôr o livro em último lugar, sendo coerente com o que votara na primeira fase. Porém, mais do que classificar os livros de acordo com a sua preferência, o que é, na minha humílima e ignorante opinião, o papel de um jurado, o jurado resolveu ir além e confessa ter explorado deliberadamente as regras do concurso de forma a decidir o resultado segundo os seus critérios.

    Ocorre que existe uma falha do processo de escolha do Prêmio Jabuti: ao permitir que os jurados, na segunda fase, tenham acesso à ordem de classificação obtida pelos finalistas, segundo a nota obtida na fase anterior, o sistema de escolha acaba induzindo os jurados a avaliar, na segunda fase, de uma forma subjetiva, atribuindo notas segundo sua “estratégia” para influir na classificação, em vez de imparcialmente atribuir conceitos conforme sua opinião a respeito de cada livro. Neste sentido, Gurgel se assume como o “malandro” que explora as falhas do sistema para seus próprios objetivos. No caso, objetivos que significam usar o seu voto para, isoladamente, determinar o resultado final. Não sou eu que estou dizendo, foi ele quem disse:
    Essa mudança das notas deveria ter sido pensada. Quem estabeleceu a nova regra não fez as contas. Não pensou: “bom, quais são as situações que podem ocorrer?” Ou então acreditou que todos os jurados votariam sem compromisso.
    A falha da organização do prêmio Jabuti foi, segundo o jurado, acreditar na imparcialidade dos jurados, acreditar que os jurados votariam sem compromisso. Esta também é a falha dos que não eletrificam as cercas de suas casas, dos que não põem trancas nos seus carros, dos que contam segredos para amigos, das namoradas que se deixam filmar por seus namorados. É, enfim, a velha fraqueza humana de confiar na confiabilidade do próximo. Em um mundo ideal ninguém precisaria se preocupar, porque as pessoas agiriam sempre com ética. Mas Gurgel não se prende a esses limites: “se me pedem para julgar e me dão os critérios, eu uso os critérios.”

    O “jurado Carminha”, como chegou a ser apelidado nas redes sociais, estranha que escritores tenham estranhado as notas estranhas que ele atribuiu (sic):
    O que, aliás, é o que mais me chama a atenção nas críticas que recebi. E as mais violentas foram de escritores. Eu acho interessante. Em nenhum momento passa pela cabeça deles que eles poderiam ser um dos livros escolhidos por um jurado que luta pelos livros de que gosta. Um jurado que não teme se comprometer.
    Como Gurgel não é escritor, sua capacidade imaginativa é relativamente limitada. Se escritor fosse, saberia que por nossas cabeças certamente passou este cenário, de sermos beneficiados por um jurado como ele. Bem, eu já disse qual seria a minha gratidão a uma escolha segundo tal critério. Mas a questão é que a maioria de nós imagina, com nossa fértil criatividade, uma possibilidade muito mais interessante para o uso da “Estratégia Gurgel” (que entrará para a história com a mesma notoriedade da “Lei de Gérson”).

    Imaginemos, apenas hipoteticamente, que a “editora fulana”, usando de argumentos exclusivamente artísticos e éticos (claro), “convença” algum jurado a induzir a escolha do livro “sicrano” do escritor “beltrano”. Neste caso, claro, em vez de usar seus poderes para justiçar os fracos e oprimidos da literatura, o hipotético jurado estaria apenas fazendo o jogo bruto das grandes casas literárias e seus “nomes de peso”. É por causa disso que os escritores estranharam o que houve, é por causa disso que eu repudiaria um prêmio assim escolhido, mesmo que fosse eu o escolhido, e é por isso que tenho a firme opinião de que concursos literários não avaliam o mérito das obras, mas apenas revelam os movimentos tectônicos da luta pelo poder no sistema editorial. Briga de cachorro grande, onde um vira latas provinciano como eu dificilmente entra, a menos que concorde em fantasiar-se de palhaço, segundo o estereótipo que se impõe das capitais.

    A questão, seca e simples, é que, a partir do momento em que se detecta a existência de uma falha no sistema, e de alguém que a utilizou com sucesso para obter o que queria, não há como fechar a Caixa de Pandora. Ou a regra muda, ou ano que vem todos os jurados votarão com estratégia, mesmo aqueles que não pensam que a sua opinião deva prevalecer acima das demais. A falha não está na permissão de se usar qualquer nota, de zero a dez, mas, sim, em revelar aos jurados os livros escolhidos na primeira fase segundo uma ordem de classificação, que revela a tendência de voto do júri como um todo.

    Mas Gurgel, como todo ser humano, não é totalmente uma coisa só. Se se revela limitado no aspecto ético, ele parece ter algumas opiniões sobre o sistema literário brasileiro que acabam sendo parecidas com as minhas. O meu medo é que elas também estejam erradas, e eu as vá elogiar aqui somente porque os preconceitos dele conferem com os meus.

    A primeira destas opiniões ele expressa ao comentar, com desdém, a reação dos escritores às suas notas: “Os nossos escritores não estão acostumados a serem julgados. O nosso sistema literário está doente.”

    Esta é uma afirmação que parte de um senso comum difícil de negar. Isto, claro, se vê a todo momento, até nos blogues. O autor brasileiro é “estrelinha”, sim. Desde o iniciante amador que escreveu um pastiche pobre de Crepúsculo até um medalhão acadêmico. O primeiro confunde crítica à obra com um desmerecimento de sua dignidade pessoal, argumenta com as suas limitações e o seu esforço para que lhe sejam perdoadas as falhas e a falta de imaginação. O segundo reage com prepotência, move seus “pauzinhos”, anota no seu caderninho, dá seus telefonemas e eventualmente até desce do Olimpo, tonitroante, para reduzir o ousado crítico “ao seu lugar”. Faz isso porque não se sente seguro de seu lugar. Alguns de nossos grandes luminares sabem muito bem que sua glória é postiça, que seu mérito é mais curto que seus casacos e, na hora do “vamos ver”, deixa suas quadradas bundas de fora. Sabem que estão sentados, mas não assentados, na imortalidade. Ou melhor, saberiam, se seu talento lhes permitisse compreender a diferença que faz uma letra “a”.

    Sim, o escritor está desacostumado a ser julgado. Talvez até seja necessário que, ocasionalmente, alguém lhe dê um zero. Mas a escolha do Prêmio Jabuti não foi exatamente o melhor lugar nem circunstância para dar essa lição de moral nos medalhões. Porque por mais moral que a lição fosse, perdeu-a pela manipulação aética do resultado, com o pretexto diáfano de que os critérios permitiam. Nem tudo que é legal é justo.

    Existem três parágrafos na entrevista de Gurgel que estão de tal forma coincidentes com as minhas opiniões que eu, que comecei este artigo criticando com dureza o jurado, já estou, neste ponto, querendo dar-lhe as mãos e convidar para um chope. Cito-os nos pedaços que mais me interessam:
    Essas pessoas [que] têm a hegemonia ideológica nos cadernos culturais, nas poucas publicações literárias que nós temos, nas editoras de livros. Quando eles escrevem uma crítica, as preocupações deles são, primeiro, a questão formal, linguística. Há um exagero de preocupação em relação a isso.

    Se você não inovar em termos linguísticos, se você não tentar recriar o Finnegan's Wake o livro já não é bom, ou é um livro tímido, que revela insegurança. O que nós poderíamos chamar de narradores tradicionais já são repudiados por princípio. […]

    Em termos de crítica literária, a preocupação desses críticos, na verdade, não é primeiro com relação à forma: é exclusivamente com relação à forma. Porque eles partem do princípio de que a obra é autossuficiente. A obra não tem que dialogar com a realidade. A literatura não tem que dialogar com o mundo. Tem que dialogar com ela própria.
    Eu acho muito bom que um crítico literário cutuque esse tumor, que eu, com minha ridícula atiradeira de raquítico Davi, já havia cutucado em 1997, aos 24 anos, na ingênua revista literária que fiz em Cataguases. Qualquer dias desses obterei acesso ao único exemplar restante dela, e republicarei aqui o meu ensaio “Literatura e Consciência”. Que contém parágrafos quase iguais a esses. O que eu não tinha, nem tenho hoje, é o conhecimento teórico suficiente para detectar a origem desse fenômeno:
    O [crítico literário] Antonio Candido fala que o nosso sistema literário, no início, era assim: as pessoas que produziam eram as pessoas que consumiam. Esse é o nosso grande problema, nós não temos leitores. O escritor escreve para agradar o crítico, pra agradar o professor de teoria literária e para agradar os seus amigos.
    Então ele precisa ser politicamente correto, precisa fazer experimentos linguísticos, esconder o narrador, abusar da metalinguagem. Precisa fazer do texto dele um resuminho daquilo que a vanguarda fez nos últimos anos, para agradar as pessoas. Se você não tem uma crítica que está disposta a agradar o público, numa linguagem que ele compreenda por que aquele livro é bom ou não é, você não forma leitores.
    Eu já sabia que este tipo de literatura que frequenta os cadernos culturais tem um caráter esotérico, já sabia que não são formados leitores a partir de romances da chamada “alta literatura”. Sabia também que existe um lugar para esta literatura excelsa. O que eu disse na época, e repito hoje, é que essa forma de literatura não pode ser a única, porque ela não é porta, ela é esfinge. As pessoas não se atraem por esfinges. Alunos em fase de alfabetização não querem palavras cruzadas. Tanto quanto alunos de primeiro ano do conservatório não querem tentar tocar Tom Jobim ou Yngwie Malmsteem.

    Ocorre que nosso país possui uma ideologia dominante que aspira ao pensamento único. Ao partido único, ao estilo único. Se você discorda de mim, então você está errado, você é um imbecil ignorante, você tem de ser suprimido. Não sabemos conviver com a diferença. Não temos um histórico de filósofos adversários que, depois de se xingarem pelos jornais, se encontravam à tarde nos cafés para jogar dominó e rir das polêmicas criadas em torno de si. Nossa tradição é de autores criticados xingarem os críticos, de críticos questionados fulminarem os autores, de autores experimentais criticarem os narradores “primários”, dos narradores primários pretenderem derrubar do Olimpo os acadêmicos. Nossa sociedade tem um espírito de rinha, não de disputa. Nossa ideologia é o MMA, que vença o melhor, o vencedor é quem ficar de pé. Não concebemos um tipo de vitória no qual o adversário permaneça digno.

    Com isso não convivemos com a diferença, por isso nossa democracia é frágil, por isso nossa imprensa tende ao golpismo, por isso nossas instituições se corrompem, por isso nossos partidos almejam perpetuar-se a qualquer custo.

    Por isso nossos críticos, incapazes de conceber que outros críticos possam dar valor àquilo que eles escolheram desprezar, se prestam a “usar os critérios” para determinar o resultado, tal como um político que se alinha com forças ocultas para dar um golpe de estado e impedir a vitória iminente de um adversário no pleito seguinte. Por isso Gurgel continua errado, mesmo dizendo coisas com que concordo. As coisas certas, quando convivem com um mal evidente, tornam-se instrumentos a serviço desse mal.

    Portanto, quando Gurgel diz coisas que são obviamente verdadeiras, o que ele está fazendo é criar uma cortina de fumaça sobre o ato aético que perpetrou, abusando de sua condição de jurado.

    Mas então chegamos ao fim da entrevista, e aí compreende-se finalmente, porque Gurgel cometeu o ato que cometeu. Ele se revela aluno de Olavo de Carvalho, o que é uma coisa inconfessável para uma pessoa de cultura. As peripécias de Olavão são inúmeras, desde provar que Newton estava errado em sua física até negar a validade da Teoria da Relatividade de Einstein (sendo que o dito filósofo não é nem físico e nem sequer possui um grau acadêmico de exatas). Some-se a isso o horror mórbido à mudança, sua rejeição à novidade, sua agressividade contra as utopias de esquerda e sua crítica paranoica ao “esquerdismo” e  temos provas suficientes de que ele não pode ser levado a sério por uma pessoa de cultura mediana. Olavão pertence ao seleto clube das pessoas que nunca erraram (pelo menos nunca o vi retratar-se de uma opinião ou expressar qualquer ideia sua de maneira menos enfática do que uma certeza absoluta). Não erra porque se coloca como verdadeiro Oráculo, veículo da verdade divina. “A hegemonia da esquerda foi lentamente construída”, diz Gurgel. Olavo traz a verdade súbita, o golpe da verdade, o golpe.

    Golpe que o jurado C desfere contra seus desafetos literários, contra o “sistema” que rejeita. Olavo e Gurgel, cada um em seu papel, Dom Quixote e Sancho Pança, lutando contra os moinhos de vento do mal, para salvar o mundo, ou pelo menos a literatura, da unanimidade burra do esquerdismo.

    E então me lembro que, no texto introdutório da entrevista, Gurgel revelara ao repórter seu novo projeto: Atualmente, desenvolve um projeto ambicioso: reler todo o cânon da literatura brasileira e submetê-lo a seu crivo em textos publicados no jornal “Rascunho”. O primeiro fruto, o volume de ensaios “Muita Retórica, Pouca Literatura - de Alencar a Graça Aranha” (Vide Editorial), foi publicado em agosto. 

    02
    Out 12
    publicado por José Geraldo, às 00:14link do post | comentar | ver comentários (1)

    Às vezes a palavra que dizemos corta inadvertidamente quem está perto. É como brandir uma espada longa1 em círculo sem saber que alguém chegou pelas nossas costas. Culpa da espada? Do espadachim? Da vítima? Ou mero acaso.

    Anteontem ofendi seriamente um amigo facebookiano por causa de minha postagem aqui.

    Postei pensando num hábito irritante de dois ou três debatedores em um grupo político onde participo, sujeitos pedantes que gostam de pontuar suas frases com barbarismos léxicos achando que assim se mostram descolados. Essa fato me puxou o fio de muitas memórias, desde os tempos de Orkut, quando me cansei de ver garotos de 16 anos que tinham ido à Disneylândia achando que tinham cabedal para escrever um romance ambientando nos States.

    Este amigo facebookiano me escreveu pedindo meu voto em uma espécie de concurso que está sendo promovido pelo Clube de Autores.

    Mal sabia que o amigo facebookiano justamente me pedira para opinar num caso desses. Ele é o autor amador de um romance que começa por um título em inglês, que está ambientado em algum lugar dos Estados Unidos e tem uma história chupada diretamente dos filmes de terror americanos. Eu ainda não opinara, afinal o pedido era recente e eu tinha motivos razoáveis para supor que teria bastante tempo para analisar o livro e decidir se merecia ou não o meu voto. O fato de eu passar os fins de semana longe de meu computador pessoal era motivo suficiente para eu esperar pela semana.

    Porque eu jamais daria meu voto sem ler a obra. A função de um concurso não é votar por amizade e nem pela beleza da capa: se esse era o tipo de voto buscado, buscou com a pessoa errada.

    Então, inocente do conteúdo da obra que eu deveria avaliar, postei o que postei e segui com a vida. Hoje ao abrir o facebook me deparei com um irônico «agradecimento» do meu amigo e senti cheiro de coisa errada. Cliquei na ligação para o voto e detectei na hora de que se tratava.

    Imagino que o meu amigo tenha razão para estar ofendido. Receber uma crítica é sempre ruim, porque de certa forma é como se alguém nos contasse que não somos geniais. E todo mundo se acha especial, genial. Mesmo uma crítica enviesada como essa, que só o atingiu na base do efeito colateral e da carapuça espontaneamente vestida.

    Ao meu amigo só posso dizer que se acostume, e que aproveite. Viver para a arte é assim. Você se esforça e depois vem um idiota e diz que o seu trabalho é uma porcaria. Às vezes você passa a vida inteira sendo desvalorizado por idiotas e vira gênio depois que morre. Mas em muitos casos os idiotas têm razão e as pessoas ficam pensando porque você insistiu tanto, como o motorista da piada do barbeiro na contramão da Via Dutra.2

    No fim das contas é muito difícil quem escreve, compõe ou faz qualquer coisa artística conseguir ter uma visão clara e definida da qualidade do que escreve. Em geral esta visão só se consegue com o tempo. Com cabelos brancos que nos embaçam os olhos e nos fazem enxergar o valor real do que fazíamos aos vinte anos. Para sorte da literatura nós só adquirimos a sabedoria tarde demais, e temos tempo de ser ousados antes, para o bem e para o mal — mais frequentemente para o mal, mas os fracassos se perdem no esquecimento, então não há nenhum grande prejuízo, a não ser para quem se ilude.

    Muito Nero morre tangendo sua lira, sem nunca entender porque as plateias não aplaudiam. Em alguns casos eram platéias estúpidas, mas esse é um julgamento feito pela posteridade, então o melhor que o artista faz é não se matar por causa disso, nem perder suas amizades.

    Diz um ditado piegas que «com as pedras que me atiraram fiz o meu castelo». Você não precisa fazer um castelo, mas se ficar jogando de volta não ganhará nada. Infelizmente esse tipo metafórico de pedras não serve para fazer castelos, o que é uma grande pena, mas serve para construir metafóricos muros mentais dentro dos quais o grande artista se isola com as pessoas que gostam do que ele faz.

    Não sei se isso é errado, sei que não gosto. Queria que mais gente viesse me insultar aqui, enfiar o dedo nas feridas, gritar os meus defeitos.

    As poucas coisas que aprendi na vida incluem uma constatação: se fazemos uma escolha certa desde o início é por mera sorte. Em geral deixamos de cair nos buracos porque alguém grita. Mas alguns têm a perseverança de ignorar a gritaria e seguir. Alguns são gênios, mas a maioria só fica teimando em coisas que ninguém quer, e que não sabe fazer direito.

    Quem sou eu para julgar qual é o caso, mas reservo-me o direito de gostar do que escolho gostar. Quem vem me pedir que goste de outra coisa deve estar atento: não se pede a um atleticano que torça pelo Cruzeiro «só para ajudar».

    1 O nome em português da longsword conhecida dos jogadores de RPG, Skyrim e outros jogos de guerra. O nome inglês evoca apenas o fato de ser comprida, em português se evoca o fato de ela ser tão grande e pesada que normalmente era usada apenas por cavaleiros (daí «montante», a espada que se usa montado a cavalo). Guerreiros excepcionalmente grandes e fortes costumavam lutar usando montantes a pé para intimidar seus inimigos com sua força, mas isso era só uma exibição gratuita de ignorância, sem muito efeito bélico.

    2 A piada do motorista barbeiro na Via Dutra. Um motorista seguia pela Via Dutra, enquanto ouvia o rádio e xingava os outros motoristas por suas barbeiragens. O rádio deu a notícia: «Atenção motoristas que trafegam pela Via Dutra no sentido São Paulo/Rio, há um maluco dirigindo pela contramão na altura de Resende.» O motorista ouviu isso e comentou consigo mesmo: «Nossa, eles não sabem de nada! Um só!!!? Ahahah!»


    09
    Mai 12
    publicado por José Geraldo, às 22:30link do post | comentar | ver comentários (1)

    Uma verdade sobre a qual pouco se reflete é que existe, de fato, uma diferença abismal entre ter a capacidade de fazer alguma coisa e saber fazê-la bem. Em geral as pessoas estão mais preocupadas em conseguir fazer do que em passar além disso e fazer bem. É um tipo de «estética punk» que valoriza mais a «atitude» do que a habilidade. Os punks, como se sabe, eram músicos que tinham inveja do dinheiro que ganhavam bandas como o Led Zeppelin e o Yes mas, não sabendo tocar nem a décima parte do que o Steve Howe fazia com o pé esquerdo enquanto via televisão, fizeram um ataque calhorda a esses grupos acusando-os justamente de terem se afastado da juventude por tocarem uma música «elitista» e ganharem rios de grana com ela. No fundo o que eles chamavam de «elitismo» era a capacidade de tocar bem os seus instrumentos.

    Os punks não foram os inventores do despeito — apenas os seus mais conhecidos e bem sucedidos praticantes nas últimas décadas — mas uma ideia, quando solta no mundo, ganha asas e cresce até chegar a lugares onde o seu criador original nem sonhava. Imagino que alguns músicos dos primórdios do movimento punk tenham aprendido a tocar melhor desde então e passaram a respeitar sujeitos como o Jimmy Page; ao mesmo tempo em que devem sentir arrelia nos dentes ao ouvir boa parte da música de hoje — e que só existe porque muita gente entrou pelo buraco que os punks arrombaram no muro que separa a mediocridade do sucesso. Exemplos dessa evolução não faltam lá fora: Robert Smith, do The Cure, não suporta ouvir o primeiro disco de sua banda, e David Byrne, do Talking Heads, largou a música e virou produtor (sendo responsável pela divulgação nos EUA do trabalho de gente como o nosso Tom Zé).

    Estes dois parágrafos iniciais, que certamente só farão pleno sentido para quem entende algo de música, servem de introdução para uma constatação que me sobreveio hoje ao receber mais uma «revista eletrônica» (recebo umas seis ou sete por semana, algumas anexadas ao e-mail, outras com uma educada hiperligação me convidando a baixá-la de um servidor na internet). A constatação de que, no ramo das publicações amadoras, ninguém mais se importa em fazer bem feito. Pode-se fazer feio, que é falta de educação dizer isso. Só que eu sou mesmo mal educado e não me acanho de dizer: a maioria das publicações independentes padece de uma feiura que dói nos olhos.

    Claro que eu não espero que alguém que faz uma revista amadora tenha capacidade de dar-lhe um acabamento do nível de uma revista semanal publicada por uma grande editora. Não há tempo para isso e certamente os editores amadores não têm grana para comprar os programas profissionais necessários para tanto (e mesmo que os obtenham pela via da pirataria, não terão tempo para aprendê-los até chegarem ao mesmo nível de um profissional gráfico). Mas existem certos erros básicos, que poderiam ser evitados com sensibilidade (para observar como são feitas as revistas profissionais), alguma pesquisa sobre o tema (para conhecer o bê-a-bá da formatação de documentos) e uma certa dose de talento (que nem todo mundo tem). Sem sensibilidade, talento e conhecimento; o resultado é que as revistas eletrônicas amadoras são frequentemente feias, e feias de doer, e ficam mais feias ainda se o leitor resolver imprimir para ler em papel ou distribuir (o que algumas delas chegam a implorar que o leitor faça). Eu acho que não existe desculpa para isso: basta pensar no que significa «amador». Se o amador é alguém que «ama» fazer aquilo que se propõe a fazer, então é de se esperar que o amador se dedique. Quem ama se dedica. E quem se dedica procura o conhecimento, trabalha a sua sensibilidade, aprimora o talento. Com bastante conhecimento e alguma sensibilidade, compensa-se bastante a insuficiência do talento, por exemplo. Portanto, ainda que seja desculpável a falta de talento, nada desculpa a ignorância. Nada. Principalmente nos dias de hoje, em que se pode achar informação sobre quase tudo na internet.

    Eu mesmo já abordei em vezes anteriores (Formatando Páginas com a Medida Áurea e Medida Áurea e Páginas Confortáveis) alguns temas relacionados à formatação, sempre ressaltando que as «regras» de formatação de documentos não são arbitrárias, mas baseadas em boas práticas que resultam em textos mais agradáveis de ler. Por exemplo: existe uma ciência na quantidade máxima de letras por linha e de linhas por página, uma ciência que, inclusive, se baseia na fisiologia, que explica o funcionamento do olho humano. Mas o amador dirá que essas «firulas» não são importantes, que o importante é ter realizado algo. É um raciocínio que seria respeitável em um mundo onde poucos fizessem alguma coisa. Com tantas facilidades oferecidas hoje pelos computadores, realmente parece haver muita gente fazendo e-zines amadores. Diante desta realidade este raciocínio é uma condenação à mediocridade. Por favor não incluam textos meus neste tipo de publicação. Nos fanzines de antigamente, penosamente xerocados, muitas vezes escritos à mão por falta até de máquina de escrever, havia lugar para a feiura e eu não me importava de ser publicado ali. Mas nesses de hoje, produzidos aos montes usando qualquer editor de textos, a feiura é apenas falta de vontade de evoluir. E me importa aparecer em um trabalho feito por alguém que não se importa com a qualidade.

    A estética do «faça você mesmo» impede que o amador evolua. O simples ato de fazer parece bastar. Não há um objetivo ulterior, de superar, de melhorar, de fazer algo que simplesmente faça a diferença em um mundo tosco, onde cada vez mais as pessoas pensam menos em realizar e mais em «fazer». Um mundo no qual os amadores não amam o que fazem, pois não estão ganhando nada com isso. Um mundo, em suma, no qual o amor verdadeiro só é oferecido por aqueles que cobram por isso. Triste mundo esse, em quesó as prostitutas fazem amor direito. Esta frase final eu dedico ao meu amigo Ronaldo Roque, que a inspirou.


    07
    Jan 12
    publicado por José Geraldo, às 00:11link do post | comentar

    Esta foi uma pergunta que me fiz durante um bom tempo. Esta postagem pretende esclarecer a resposta, com números frios e inquestionáveis. Mas antes de passar aos números gostaria de, primeiro, colocar na mesa as cartas que vou jogar, para que fique clara a linha de raciocínio que pretendo seguir.

    Tipos de recompensa que o blogueiro pode esperar

    Entendo que há três tipos de recompensa a que pode aspirar quem publica conteúdo na internet, a saber: notoriedade, remuneração e autossatisfação. Acredito que os termos são de uso corrente e é quase desnecessário defini-los para o público em geral. Mesmo assim, para que não reste sombra de dúvida de meu caminho, vou defini-los segundo o meu entendimento.

    O blogueiro busca notoriedade quando pretende que o conteúdo de seu blogue repercuta e lhe franqueie acesso a editoras, imprensa ou algo assim. Quer remuneração quando pretende ganhar os caraminguás do AdSense ou fazer contratos de publicidade. Estas são as duas principais formas de recompensa a que um blogueiro aspira. Ambas estão interligadas, unha e carne entre si, embora não de forma automática. Quem atinge notoriedade costuma obter remuneração. Não necessariamente ocorre o mesmo na situação inversa: blogue pode render dinheiro e ser irrelevante. Não necessariamente ocorre uma coisa como consequência da outra: blogues relevantes podem não render dinheiro, ou render menos do que o blogueiro espera. A relação que ocorre é que dificilmente se ganha dinheiro com um blogue irrelevante, desconhecido.

    Sobre a terceira forma de recompensa eu não vou falar porque ela já está superada para mim. Já não faço coisa alguma pensando em apenas «mostrar para os amigos» ou obter algum tipo de prazer narcisístico em «estar na web». Desta forma, deixo claro aqui que minha análise sobre «valer a pena» se refere exclusivamente aos dois primeiros aspectos.

    Os blogues não são todos iguais, nem os blogueiros

    Não pretendo me comparar livremente com qualquer outro cidadão da blogosfera. Tenho consciência de minhas limitações, inclusive geográficas. Não espero ter o mesmo tipo de repercussão que um blogueiro da moda que frequenta as festas das capitais, tem amizades em jornais e está perfeitamente antenado com o momento. Especialmente tenho consciência de que blogues de literatura não são como blogues de humor, de informática ou mesmo de contos eróticos. A literatura atinge um público menor e específico. Obviamente não criei meu blogue esperando ter vinte mil visitas diárias e ganhar três mil reais por mês só com AdSense. Suponho até que casos assim — no Brasil — são invenção de blogueiro boquirroto que gosta de gabar-se.

    Existe um segundo aspecto de diferença envolvido: o já citado elemento geográfico. Uma vez que a maior parte do público da internet se localiza nas grandes cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo, parece-me natural que blogueiros ali também localizados tenham mais facilidade de acesso ao público, por falarem de assuntos que dizem respeito a esse público. Reza a lenda, porém, que a internet tem o poder de derrubar estas barreiras culturais e apresentar o nosso trabalho ao mundo, e que blogues são úteis para isso. Meu blogue foi, de certa forma, um experimento nesse sentido.

    O que eu realmente esperava obter

    Sendo verdade a ideia de que a internet remove barreiras culturais e franqueia acesso ao mundo para quem está isolado no interior — e eu acredito que isto seja verdade — meu objetivo era avaliar em que medida este efeito se sente, e se vale a pena confiar nele para, através de um blogue, romper a casca de indiferença com que a capital olha para o interior. Então, de forma simplista, poderia dizer que meu objetivo era, com o blog, obter um público, pequeno que fosse.

    Delimitação do experimento

    O blogue «Letras Elétricas» foi criado em 19 de agosto de 2010 a partir de um blogue anterior, chamado «Maldição Eletrônica», no qual eu escrevia sobre a utilização de ferramentas específicas de linha de comando, como o LaTeX, para produzir lay-outs profissionais de livros e revistas. Com o tempo foi rareando meu interesse no tema e, com os problemas que meu antigo site estava tendo desde que o serviço de hospedagem fizera upgrade de seus servidores, acabei começando a postar textos literários nele. Então, no dia 19 de agosto de 2010, mudei o nome e a URL do blogue, acrescentando-lhe também contador de visitas (oculto) e AdSense.

    Os dados utilizados para as estatísticas que vou analisar foram coletados entre 01 de setembro de 2010 e 31 de dezembro de 2011, um total de 487 dias. Optei por não considerar os dados referentes ao mês de agosto de 2010. Não apenas por ser um mês incompleto, mas também porque acredito que não havia, ainda, tendências estabelecidas que valesse a pena analisar.

    Resultados

    Ao final do artigo há um gráfico contendo uma visualização dos dados que passarei a analisar. Você pode consultá-lo para compreender melhor as tendências que detectei. Eis uma tabulação dos dados coletados junto ao Analytics:

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    10
    Nov 11
    publicado por José Geraldo, às 08:30link do post | comentar | ver comentários (1)

    Se as editoras conseguirem o que querem, implantarão suas “equipes cocriadoras” e tentarão amestrar todo jovem autor que as procurar querendo divulgação. Muitos talentos serão castrados. Para os corajosos, como a porta da rua é serventia da casa, restarão os desertos da independência. Meu Deus, a horrível liberdade.

    Uma “equipe cocriadora”, no contexto da literatura, é um conceito tão monstruoso que foi preciso mais de um século para ele tomar corpo, desde que as editoras começaram a contratar revisores que iam além dos erros tipográficos. Tratamos aqui da suprema alienação da humanidade.

    Com a Revolução Industrial o artesão se viu alienado do controle da produção, tornando-se proletário. As “equipes cocriadoras”, tomarão do autor o controle de sua obra e tornarão as editoras fábricas de livros, transformando os escritores em “proletários das letras”, produzindo obras sobre as quais não possuem voz definitiva, e cujos direitos são difusos por causa das muitas mãos envolvidas.

    É possível até que surjam, na literatura, tal como já existem na música, “marcas” que não representam indivíduos, mas “equipes de criação”. Na música tivemos casos como o Technotronic e o C&C Music Factory, grupos cujos “intérpretes” eram contratados por “produtores”. Quando os músicos tentaram sair fora do esquema perderam o direito de interpretar “suas” músicas, porque estavam sob o controle das “equipes cocriadoras”. Para tais equipes, o esquecimento daquelas músicas não era um prejuízo: bastava criar outro sucesso no mês seguinte. Para os intérpretes, significava que eles não tinham um repertório.

    Eu digo que é possível que esta excrescência se transmita à literatura porque, a partir do momento em que estiver estabelecido o conceito de que o escritor não sabe escrever e é preciso que a “equipe cocriadora” o ensine, nada impedirá que as editoras simplesmente produzam através destas equipes o conteúdo de que precisam. Isso já aconteceu com a música: não há mais ninguém procurando descobrir artistas, pois eles podem ser hoje produzidos em série.

    Mas quem se importará em escrever livros se não tiver nem ao menos a expectativa da fama? Todos sabemos que é muito difícil ganhar dinheiro escrevendo livros, a maioria o faz pelo orgulho de fazê-lo, e de pôr o nome na capa. Coloque o autor em uma “equipe cocriadora” que desindividualizará o seu trabalho e justamente aqueles que mais desejam fazer trabalhos criativos e inovadores ficarão desestimulados.

    Eu vou mais longe, correndo o perigo de ir reiterando o que disse em outros parágrafos. Já sabemos muito bem que muitas obras são rejeitadas por polêmicas ou por “não são comerciais”. Mas pelo menos elas são rejeitadas “in totum”, o que é melhor do que serem aceitas e mutiladas pelo trabalho de tal “equipe cocriadora”, de tal forma desfigurando o original que o autor nem mais tenha orgulho dele. Sim, as crianças iludidas que sonham em “escrever um livro” não se importarão, mas os autores mais maduros e com mais ambições do que mostrar para os amiguinhos, esses ficarão de pelos eriçados, como eu.

    E eu ainda estou supondo que as crianças iludidas ainda terão o direito de ter seu nome na capa, mas para que a editora precisará da figura difícil e cheia de ego, um autor estranho, se já tem a seu serviço pago uma “equipe cocriadora” capaz de “melhorar” as obras que recebe? Para que correr o risco de investir no novo se a “prata da casa” já faz o trabalho? O resultado disso: algo semelhante ao que houve com as gravadoras. Artistas fabricados, cantando obras compostas por profissionais, tocadas por músicos de estúdio. Artistas que não têm controle algum sobre o que cantam, de forma que quando perdem o contrato com a gravadora eles sequer podem continuar a carreira cantando seus sucessos.

    Não estou aqui discutindo se isso vai acontecer ou não. Sei muito bem que os que ficam no caminho do “futuro” encontam a Paz Celestial. Mas se tem algo que devo lhe dizer é que eu sou um desses, senhor motorista do tanque. É melhor ser derrotado na luta em defesa de nossos ideais, do que viver rendido aos objetivos alheios.


    08
    Nov 11
    publicado por José Geraldo, às 08:30link do post | comentar | ver comentários (1)

    A era eletrônica, o paraíso do editor. Ou melhor, do censor. Antigamente se poderia bem dizer que “livro é como passarinho”, depois que saiu da prateleira da livraria ninguém mais controla. Hoje em dia é possível revogar a publicação do livro, apagar do dispositivo chique o arquivo ofensivo que não deveria ter saído. Mas, acima de tudo, hoje em dia é possível fazer as “correções” na redação do escritor-aluno até que seja aceitável no contexto da edição-escola. Onde foi que esqueceram pelo caminho a ideia de que o escritor é um adulto livre para ousar, diante de quem a sociedade reverente espera? Ah, bem.

    Os editores celebram no livro eletrônico justamente isso que ele tem de monstruoso: a facilidade de um trabalho colaborativo. Trabalho colaborativo é o meu … de óculos. O nome dessa colaboração é censura prévia: você só chega a ser aceito se você se tornar do jeito que o “mercado” quer. Vimos isso ao vivo na televisão, em um programa chamado “Fama”. Cantores de diversos estilos e personalidades foram amestrados durante semanas até que todos passassem a cantar de forma curiosamente parecida. O mercado quer produtos em série, embalados a vácuo, todos de formato igual. Parabéns a você que tem o formato certo ou que é maleável o suficiente para entrar na forma e ficar parecido. Eu pretendo endurecer aqui de meu lado.

    As mutilações digitais não deixam marcas. Os originais nunca existiram mesmo! São apenas arquivos vagos, nuvens de elétrons circulando por circuitos. Esse trabalho colaborativo é uma ferramenta quase stalinista, mas está usada pelo capitalismo. No fundo, os totalitarismos se servem dos mesmos instrumentos, variando a dose, ou a maneira como são consorciados.

    Não me acusem de estar preso ao século XX, de ser um arauto do passado. Prefiro ser arauto de coisas que entendo, do que papagaio de palavras vagas, cujo impacto ainda está além de minha ideia. Oh, não, lamento dizer que vocês talvez não entendam o que acham que entendem. Hoje em dia as pessoas são muito curtas e superficiais. Hoje em dia os intelectos são pontos. Ninguém faz análises de longo prazo, afinal o ano fiscal termina em dezembro. Com o tempo começam a achar que o mundo começou em janeiro.

    O novo não é sempre bom. Certas coisas horríveis que aconteceram no passado foram novidade quando apareceram: o amianto, a sífilis, o comunismo, a peste negra, os aditivos à base de chumbo para a gasolina. Precisamos ser críticos em relação ao novo, talvez mais até do que em relação ao velho. Ser profeta do passado é muito fácil: esticar um longo dedo para os erros de nossos pais e avós é algo que não custa muita ousadia, pois os resultados, muitas vezes, são conhecidos. Difícil é ser cético em relação ao canto da sereia do futuro. Todos temos a ingenuidade de crer que o nosso futuro é a redenção de todos os nossos pecados.

    Mas o futuro é perigoso.

    Hoje existem tecnologias fantásticas, inimagináveis há quarenta anos. Ferramentas fantásticas, mas com dois gumes. Certamente fazem coisas inimagináveis em 1971, mas temo que nem todas estas coisas sejam, além de inimagináveis, desejáveis. Ferramentas que nos dão a impressão de que no futuro não haverá nenhuma forma de arte, e muito menos de artista, um futuro que me parece desinteressante. Um futuro de informação precarizada, controlada e impessoal. Nesse futuro tampouco haverá liberdade de informação.

    Hoje, se algum autor deseja ser dono exclusivo de sua obra, tem ferramentas para publicação independente — dizem os editores, sugerindo que somente os que topam abrir mão de parte de sua autoria poderão deixar de ser “independentes”. Os editores querem matar o autor, ao que parece.

    Acontece que a publicação independente sempre foi a exceção na história da literatura. Relegar a ela todos os que não aceitem conformar-se significa fechar as portas do grande mercado aos que não desejam submeter-se a imposição do coletivo. E pensar que houve uma época em que as pessoas achavam a URSS monstruosa porque impunha a coletivização de fazendas, a serviço "do povo". Hoje as editoras, que desejam coletivizar a criação literária, a serviço do lucro, são “cool”. Sabemos, mas, porém, no entanto e todavia, que o mercado é ditador. Portanto, “a porta da rua é serventia da casa” para quem acha que pode escrever o que quer. Tal como é serventia da casa para o repórter que não quer difundir a agenda do patrão, para o político que se filia na legenda sem querer se render às “práticas normais” do meio.

    Se você quer ser um autor “muderno” precisa “reconhecer que faz parte de uma equipe cocriadora, na qual cada um contribui com o que sabe fazer melhor e trabalha em consenso com os demais”. Imagino que reação teriam os membros de uma “equipe cocriadora” dessas diante dos ícones de nossa literatura. “Consenso”, teu nome é “censura”. Estes conceitos revelam que para a maioria das editoras, livro é como pão de forma, cortado e ensacado e vendido a peso exato. O pão do espírito em formato adequado para armazenar em prateleira, e com prazo de validade compatível.

    E é por causa disso que nós, os criadores de conteúdo, não podemos ter ilusões quanto às intenções de quem capitaneia esse barco avariado. Eles chamam aos outros de piratas apenas porque eles têm cartas de corso. É por isso que nós, os criadores de conteúdo, devemos ansiar e até trabalhar, para que vá abaixo todo esse edifício, que se destrua toda a atual estrutura de comando e controle do conteúdo, com seu arcabouço legal e suas práticas corriqueiras. Somente destruindo essas empresas de forma definitiva e irreparável haverá possibilidade de salvar o futuro. Certamente não conseguiremos salvar um futuro parecido com o passado que havia, quarenta anos atrás, mas numa hora dessas não podemos ser egoístas: se pensarmos apenas em nossos direitos autorais podemos terminar com uma sociedade na qual não teremos quase direitos.


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