Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
16
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 11:33link do post | comentar | ver comentários (1)
Este é um texto que eu gostaria que todo mundo copiasse e compartilhasse, com ou sem atribuição de autoria.

O copiador de conteúdo trabalha contra o objetivo maior do novato, que é o de tornar-se conhe­cido. Aquilo que ele semeia, o copiador vem e arranca. Se você é um escritor novo e des­co­nhe­cido, o seu maior inimigo não é o editor vampiro, porque ele não pode invadir o seu bolso a menos que você o convide a entrar. Com alguma dose de bom senso e bons conselhos, você pode até conseguir utilizar em seu proveito os serviços de uma editora ruim. Mas você não pode fugir do copiador de conteúdo, a menos que evite blogar.

Esta é uma solução inaceitável, porém. Como não blogar se justamente o blogue é o meio pelo qual o escritor anônimo pode esperar chegar a um público e ser reconhecido? As gavetas não avaliarão o seu texto e as quatro paredes de seu quarto nunca lhe oferecerão um contrato. Eis, então, a monstruosidade do copiador de conteúdo, e eis porque os estou convidando a entrarem comigo nessa luta.

É legítimo que o jovem autor, ou o autor amador, jovem ou não, crie blogues para compartir os seus textos com o mundo. A internet oferece essa via para aqueles que não têm mídia. Muitos autores começaram blogando, lá fora até mais do que aqui. Quando cria um blogue para compartilhar os seus textos, o que espera é que pessoas venham ler e retornem caso gostem. Você quer que memorizem o seu nome para que adquiram seu livro, se futu­ramente aparecer numa prateleira de livraria, material ou virtual. Acessoriamente você pode esperar ganhar algum dinheiro com anúncios. Cada um desses objetivos é frustrado pelo copiador.

O copiador de conteúdo cria um blogue ou saite, mas o utiliza para republicar textos escritos por outras pessoas, retirados de outros blogues ou saites, em vez de populá-lo com os seus pró­prios textos, ou de autores exclusivos. Isto pode ser feito com o consentimento do autor e con­forme con­di­ções negociadas (podendo ou não envolver valores). Neste caso, não há sacanagem envolvida. Se, por acaso, houver erro nos procedimentos, é caso para se corrigir. No máximo, pedir desculpas. A sacanagem começa quando a transferência ocorre à revelia do autor e/ou desrespeitando as condi­ções propostas.

Idealmente, não deveria haver nenhuma cópia de conteúdo porque, como disse acima, o autor coloca seu texto na internet para se promover. O autor “gosta de aparecer”. Se não gostasse, não criava blogue, não fazia Facebook, não participava de antologia, nada disso. Então, quando tira o texto do blogue e o leva para outro lugar, você está desaparecendo um pouco com a promoção que o autor queria fazer para si. No entanto, se você faz um bom tra­balho de divulgação do seu grande meta-blogue ou saite, o autor não vai se importar com isso porque a visibilidade que ele terá com o seu texto, mesmo entre dezenas, em um saite muito visitado pode ser maior do que a de seu obscuro blogue original. Por isso, esse “idealmente” é muito relativo. E ninguém deve ter vergonha de copiar texto de blogue para pôr no seu saite, pelos motivos acima expostos.

É justamente essa visibilidade que traz a "remuneração" metafórica que o autor busca. Você deve permitir que o autor usufrua do benefício de ter um texto no seu grande meta-blogue ou saite, através do aumento da exposição de seu blogue original e de seu nome. Caso você crie obstáculos para essa visibilidade do autor você está sendo canalha com ele. E esse texto é contra você. Você é parte do que está errado no mundo. Você é um vampiro de conteúdo.

O primeiro passo da vampiragem é não notificar o autor. Esse simples aviso já é uma remu­ne­ração para um autor amador. Dependendo do renome de seu saite, o autor mandará e-mail a muita gente para gabar-se que foi selecionado (o que não deixa de ser publicidade gratuita para você). É um estímulo, também, para que ele continue produzindo.

Em seguida está a não atribuição de um link recíproco (backlink). Esse link direcionará os leitores do texto para o endereço de onde foi retirado. Quem gostar daquele texto procurará ler outros do mesmo autor. Esse aumento de tráfego poderá gerar receita de publicidade para o autor (através de AdSense ou outro serviço) ou pode servir como outro estímulo.

O último nível em que ainda dá para supor a boa fé está na remoção do crédito da autoria. Ainda é possível pensar que foi apenas erro (caso tenha sido um caso isolado) ou um mero desconhecimento da etiqueta (especialmente no caso de traduções). Mas a remoção da autoria já é uma ação perniciosa, que trabalha contra o reconhecimento do trabalho do autor, cer­ta­mente já lhe causando grande frustração. Muitos textos acabam se tornando apócrifos por causa disso, negando crédito a quem realmente os escreveu.

Saindo do terreno dos incautos e caindo firmemente na área da picaretagem amadora, existe gente que se atribui (ou a outrem) a autoria dos textos copiados. Isso nem sempre é aparente, basta uma simples notícia de copyright no rodapé da página (frequentemente adicionada por padrão a todas as páginas do blogue ou saite) para configurar uma reivindicação de autoria. Picare­tas um pouco mais mal-intencionados vão mascarar a autoria original introduzindo pequenas altera­ções no texto (adição ou subtração de palavras, mudança da configuração de parágrafos). Alterações que não resistem segundos a uma análise em um programa de diff. Se o picareta for ainda mais sofisticado, tentará forjar uma prova de anterioridade da autoria, blogando com data retroativa (algo fácil de se fazer na maioria das plataformas de blogue).

Picaretas realmente profissionais tentarão impedir que o autor identifique o roubo de seu texto e suprimirão suas tentativas de protesto caso ele apareça reclamando em grupos do Facebook, comunidades do Orkut/Plus, clãs do Netlog, blogues coletivos, fóruns, etc. Esses são mais perigosos, porque não agem sozinhos: conseguem parceiros para ajudá-los a mode­rar comentários ou até mesmo para hackear o blogue do autor, ou fazer-lhe um ataque DdoS. Com a ajuda desses parceiros, e também de sockpuppets (perfis falsos em redes sociais e fóruns), produzirão uma campanha
de ofuscamento do feito, difamação do autor e obstaculi­za­ção de toda tentativa de esclarecer o que aconteceu.

Caso o ataque continue por bastante tempo e seja efetivo para apagar a vida online do autor (dele­ção de blogue, expulsão de comu­ni­dades/grupos), o copiador poderá impedir defi­ni­ti­va­mente que se reivindique sua pro­priedade original do texto. Porém, como são poucos os auto­res que identi­fi­cam tais abusos e "correm atrás" de seus direi­tos, o esforço dispendido pelos copi­a­dores é pequeno. O objetivo desta campanha é torná-lo maior, para que seja menos lucra­tivo (em termos de remuneração monetária ou subjetiva).

Nem todo copiador de conteúdo tem a intenção de prejudicar o autor do texto original. Todos, porém, pensam em ganhar alguma coisa (dinheiro ou reconhecimento) com o seu projeto. Quando esse ganho não impede que o autor também ganhe alguma coisa por si, temos uma relação justa e até desejável. A coisa só se torna imoral quando o copiador, além de ganhar, impede (intencionalmente ou não) que o autor também ganhe.

Algumas destas práticas descritas são “benignas” (na mesma acepção de “tumor benigno”) porque é pos­sível supor que não houve intenção. Outras são malignas justa­mente por­que a suposição é improvável. Mas algumas são muito malig­nas pois, além da intenção ser evi­dente, ainda fica evidenciado um trabalho persistente de manutenção ou extensão do dano.

Acredito que uma boa prática para saites ou blogues que publicam conteúdo alheio deveria envol­ver os seguintes passos:
  1. Contactar ao autor, informando-lhe que um texto seu foi selecionado para publicação. Mesmo que o contato não seja possível, se o autor tiver publicado sob uma licença que pres­supõe auto­riza­ção de cópia, como a Creative­Commons usada no meu blogue, ainda se poderá fazer a publi­cação, desde que respeitados os passos seguintes, mas sem autorização não se deverá nunca republicar texto algum.
  2. O contato deve sempre perguntar ao autor se ele autoriza a publicação do texto tal como está no blogue ou se deseja fazer alguma revisão.
  3. A publicação sempre deverá incluir atribuição de autoria visível (no cabeçalho, nunca no rodapé) e deverá ser oferecido um link para o endereço de onde o texto foi retirado (preferencialmente vinculado ao nome do autor ou, menos elegantemente, no rodapé).
  4. Para valorizar os autores, especialmente os que tiverem mais de um texto republicado, é boa ideia criar uma página de perfil, com foto, minibiografia e lista de seus textos constantes no local.
Agindo desta forma, os meta-blogues ou saites que reproduzem conteúdo estarão oferecendo aos autores uma compensação justa pelo trabalho que realizam e manterão esses autores moti­vados a continuar escrevendo e compartilhando textos na internet. Agindo de outra forma, será cada vez mais frequentes que os escritores tenham receio de colocar o seu texto na rede (como eu já deixei de fazer), o que reduzirá a longo prazo a quantidade e a qualidade dos textos livremente dispo­níveis para leitura on-line. A menos que esse seja o seu objetivo, acre­dito que você será sensi­bilizado por este manifesto e adequará suas práticas.

15
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 23:48link do post | comentar
Ó, meu Deus! Deixo-vos um conselho. Nunca tentem cremar seu animalzinho de estimação falecido usando um forno doméstico. Não apenas se produzirá o pior cheiro imaginável, mas ele não virará cinzas e apenas queimará. Tentei isso hoje. Este não tem sido um dia bom para mim.

Cristina.
 

Querida amiga, você não estava totalmente enganada a respeito do uso de fornos domésticos para a cremação de animais. É claramente uma boa ideia fazer isso, mas apenas com animais um pouco maiores do que um porquinho da índia, um camundongo ou um gatinho. Quanto menor o bicho, menos gordura ele tem para a ignição do processo, daí a baixa intensidade das chamas obtidas, insuficientes para uma cremação efetiva. Tente com animais um pouco maiores, como leitões, cães, pôneis, javalis, ursos. Focas e leões marinhos têm o tamanho ideal e a melhor relação gordura/peso. Animais muito grandes são, porém, desaconselháveis, pelo risco à vizinhança. Uma baleia, por exemplo, pode obliterar o quarteirão se você tentar.

Fonte: madrugadas do Facebook.

13
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 11:00link do post | comentar
Um dos problemas de se ter um blogue na internet é que as pessoas ainda não se deram conta de que o direito autoral existe e, pior, não distinguem entre o abuso de direito autoral cometido por uma multinacional que chega a pagar propina a congressistas para estender os prazos de seus direitos, e os de um pobre autor amador e desconhecido que só os quer usar para obter reconhecimento pelo seu trabalho.

Tive dois casos desagradáveis esse ano, de utilização não creditada de trabalhos meus. O primeiro eu ainda estou correndo atrás, para ver se compenso o estrago (que é enorme para as proporções de meu blogue) e o segundo acabou de ocorrer, mas foi tudo deletado já, sem ter causado estrago maior, porque percebi rápido.

No primeiro caso fizeram um e-book com a minha tradução do romance “A Casa no Fim do Mundo” (de William Hope Hodgson) sem incluir link nos créditos (condição exigida pela licença Creative Commons que aplico a tudo no meu blogue) e colocaram na blogosfera e na comunidade brasileira de e-books sem nenhuma menção a não ser uma, minúscula, dentro do arquivo epub. Ou seja, trabalhei mais de 180 horas nesta tradução e não estava tendo nem mesmo o retorno em visitas (e consequentemente AdSense) ao meu blogue. Que tipo de estímulo você pode ter para fazer uma tradução e compartilhá-la com a comunidade blogueira se esta comunidade, em vez de cumprir a condição que você estabelece visando ao seu reconhecimento, prefere “fuzilar” o seu direito como se você não devesse esperar nenhuma remuneração e nenhuma retribuição (sequer moral) pleo seu trabalho?

Quando reclamei, os responsáveis se fizeram de ofendidos, me chamaram de estrelinha, ficaram de mal etc. e só um se comprometeu a modificar os arquivospara incluir  os links. Os demais simplesmente removeram (ao menos temporariamente) os arquivos eletrônicos e se calaram sobre a minha existência. Existem centenas ou até milhares de cópias dessa tradução em e-book que não contém informação correta do responsável pelo trabalho. E o crédito vai para os criadores desses sites de distribuição de conteúdo, que nada pagam e nada se esforçam para traduzir. Vampirizam o trabalho dos amadores para seu ganho pessoal (que, de qualquer forma não deve ser grande). Algumas dessas pessoas certamente devem até estar falando mal de mim por aí, dizendo que sou difícil, irascível.

A causa de tudo isso: o responsável pela criação do e-book jamais teve a ideia de me contactar para sequer me dar um “oi”, nunca me disse que estava distribuindo o meu trabalho e nem me pediu qualquer opinião sobre, talvez, a necessidade de mais uma revisão. Certamente, ao visitar meu blogue, ele se sentiu como quem faz compras. Quem compra um queijo não liga para o supermercado para avisar que o está comendo. Só que o comprador do queijo pagou por ele, e adquiriu o direito de comê-lo sem dar satisfações. No meu blogue é diferente: há um claro aviso, repetido três vezes na página, de que você pode levar o meu queijo de graça, desde que todos saibam que você pegou ele de mim.

Isso é parte de uma mentalidade comum na internet. As pessoas acham revolucionário fuzilar o direito autoral. Adquirimos uma naturalidade no pensar que existe uma classe de pessoas que trabalha de graça. Não peça a um jardineiro que pode sua grama em troca de um sorriso. Mas há quem imagine que se deve traduzir um livro de 160 páginas em troca de nada, nem mesmo o sorriso. E quando você reclama, errado está você com seu “mimimi”, com seu estrelismo. O carinha simplesmente copiou o meu texto e formatou um epub. Teve certo trabalho para isso, porque estava tudo distribuído em 28 páginas do blogue, o que lhe deu bastante tempo para ver alguma das três notícias de licenciamento que há em cada página. Agora existem centenas de pessoas que leram esta tradução e gostaram mas não sabem que fui eu que fiz. Algumas destas pessoas podem ter gostado do livro e gostariam de ler mais coisas do autor, ou poderiam ficar curiosas em saber que outros textos o meu blogue tem, já que gostaram desse. Isso foi negado a esses leitores. Quem reproduziu sem autorização a minha tradução não lesou somente a mim: lesou aos leitores igualmente.

Além de lesados no seu direito de satisfazer uma possível curiosidade por mais conteúdo da mesma fonte, esses leitores foram lesados na possibilidade de conhecer mais sobre a obra de William Hope Hodgson, porque eu não me sinto nem um pouco estimulado a continuar enfrentando a dura tarefa de trazer para o português “The Night Land” sendo que minha primeira grande investida não me trouxe nenhum benefício. Como não parece haver nenhuma editora interessada no autor (que é menos que uma nota de rodapé na história da literatura anglo-americana que se ensina no Brasil), esses leitores não lerão nunca a obra prima de Hodgson porque eu não vou traduzi-la. E os responsáveis pelos sites plagiadores também não vão.


O segundo caso foi ainda pior: um site "de autores" de literatura fantástica publicou sem dar crédito nenhum a minha tradução de "Uma Noite em Malnéant", conto de Clark Ashton Smith. Nem mesmo mencionaram que o tradutor fora eu. Os que violaram a licença de meu trabalho, no primeiro caso, pelo menos tiveram a decência de deixar o meu nome em algum lugar, ainda que sem destaque. Para adicionar insulto à ofensa, o site plagiador é um desses que inclui notícia de copyright nas suas páginas, provavelmente sem ter a mínima ideia do que isto significa.

Ainda estou tentando criar coragem para começar a averiguar que outros textos meus (originais ou traduções) podem ter sido apropriados sem autorização e à revelia da licença. E não sei se fico alegre, pelo interesse que meu trabalho está despertando, ou triste por ver que não tem sido dado valor ao meu esforço, e que a qualidade de meu trabalho, que o leva a ser compartilhado, não importa nada diante da “ofensa” do dono do site, que passa a me boicotar como se eu tivesse exigido a lua em troca de um beijo.

Sim, reitero. Estas pessoas, quando lêem a minha reclamação, em vez de simplesmente admitirem o erro, acham que errado estou eu, que sou o mal educado, o estrelinha, o complicado. Vários sites de e-books preferiram remover o ebook "A Casa no Fim do Mundo" a republicá-lo com as modificações que sugeri. Algo semelhante foi feito no caso da "Noite em Malnéant", o responsável pelo site preferiu despublicar a me dar a atribuição. Se ofendem por eu reclamar meus direitos, mas acham que eu não devo me ofender por se apropriarem do meu trabalho. Comportam-se como se escritores e tradutores fossem uma classe pessoas que não merece ser paga pelo que faz. E não importa que você cobre pouco, numa perversidade de parábola, aquele que tem pouco, mesmo isso lhe será tirado. Uma amiga, de vida nada fácil, certa vez me disse que é melhor cobrar, e caro, porque é muito mais fácil negar os pequenos pagamentos do que os grandes. Muitas vezes ninguém cobra vinte centavos, mas a cidade inteira fica sabendo quando você deve cem mil. Pois eu estou cobrando apenas um link e um nome no pé da página. Mesmo isso me é negado.

Coisas assim me fazem perguntar se ainda vale a pena blogar ficção fantástica. O retorno financeiro é nulo e o meu único objetivo concreto, que é o de obter visibilidade através do meu trabalho, é inviabilizado por esses compartilhamentos sem respeito ao meu ÚNICO PEDIDO que é o de incluir atribuição com link.

"Acabei cometendo um erro de não dar os devidos créditos ao tradutor, mas acho que isso poderia ser resolvido sem carnaval, teria dado os crédito sem problema se me falasse ou despublicar se assim desejasse, mas... Algumas pessoas gostam de aparecer."

É difícil explicar para as pessoas que eu não tenho que lhes pedir crédito. Elas vieram ao meu site e, se se interessaram pelo meu conteúdo, caberia a elas saber como usá-lo de uma forma legal (não somente no sentido jurídico, mas no popular). Quando você faz algo desrespeitando a vontade de alguém, é natural que ela reclame. Não na cabeça dos donos desses sites. Eles acham errado o escritor querer aparecer. 

Mania essa que escritor tem, né? Mania de querer aparecer.

26
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 00:24link do post | comentar | ver comentários (7)
Uma das maiores dificuldades que há no mundo é a de se ensinar. Quem tenta ensinar geralmente se expõe. Não raramente surge a cobrança da legitimidade: Como você quer me ensinar a falar inglês sem ser nativo? Como vai me ensinar música se toca toscamente esse violão? Como vai me ensinar a dirigir se tem carteira de motorista e seguro de automóvel há dez anos e o seu bônus é zero? Como vai me ensinar a desenhar se os seus personagens parecem tortos no papel?

Mas os questionamentos não acabam junto com a fase da falta de legitimidade (que chega ao fim por preguiça do aprendiz, que se conforma em não achar instrutor melhor, ou porque aceita que, afinal, nem é preciso saber fazer para ensinar a fazer). Depois que as pessoas resolvem ouvi-lo surge o desafio do poder, e você pode começar a escrever besteiras, desnudando-se de uma forma que não queria. Infelizmente o mundo já não é mais tão escasso de crianças de cinco anos dispostas a apontar que o rei desfila peladão.

Esta semana está bombando nas redes sociais o caso de uma editora que teria postado em seu saite, sob o título de «Dicas Para Escrever um Romance», uma curiosa peça, de autoria de uma certa Thayane Gaspar (quem?) que incluía conselhos polêmicos, como:
Seja original, e para isso fique longe de outros livros. Em total abstinência literária. Será como se só existisse seu romance no seu mundo, do mesmo jeito para o mocinho, só existe a mocinha.
Inspiração é o estado de sintonia entre sua alma e você, é o momento em que a alma consegue se expressar verbalmente. Por isso, busque coisas que evoquem esta sintonia: uma música, um lugar, uma foto que mexa com você. Fique perto dessas coisas, e dê voz à sua alma, e não a force, ela só fala o necessário e quando necessário.
Descreva o mínimo possível a aparência dos personagens. É como se eu fizesse apenas o contorno de seus desenhos e passasse a tarefa adiante, para o leitor. Esse é o trabalho deles. O meu é dar vida a sentimentos, sonhos e histórias. E o nosso trabalho é, que juntos, façamos essas pessoas reais dentro de nossas mentes.
Esses três parágrafos (transcritos ipsis litteris) nos revelam muita coisa sobre Thayane Gaspar, sobre a Modo Editora (que muito antes de ter publicado esse texto havia endossado a autora) e sobre o tipo genérico de escritor que tem procurado as nossas editoras. Mas revela também sobre o arquétipo de literato que vem sendo transmitido em nosso país, de geração a geração. Um dos muitos arquétipos nocivos (ou seja, «preconceitos») que expressam o nosso atraso mental coletivo.

O que Thayane está expressando neste texto é o que ela, certamente, tem dentro de si: a concepção da literatura como o resultado de uma inspiração superior, e não um trabalho com as palavras, algo que exige «inspiração», mas não «transpiração» (não force muito), e que não dialoga com o mundo real (como se só existisse seu romance no seu mundo), mas com um mundo de fábula, uma torre de marfim onde o escritor, este oráculo dos deuses, produz sua obra. Dentro de sua torre de marfim o autor não precisa dialogar com a cultura na qual está imerso (ou não, isso depende de cada um), mas com um plano mais elevado (fisica e espiritualmente) de onde misteriosamente vem a tal «inspiração» (ela só fala o necessário e quando necessário).

Esta personificação da inspiração como algo alheio ao autor, e independente de sua vontade, busca, claro, valorizar o produto obtido como algo que não estaria ao alcance de «qualquer um». Faz parte da mitologia literária nacional imaginar o autor como uma espécie de Escolhido, portador de um dom gratuito de Deus ou da natureza (ou de Satanás, se tiver fechado um pacto numa sexta feira numa encruzilhada sacrificando um bode).

Tão importante é esse trabalho (quase no sentindo umbandista do termo) a que se dedica o Autor (com letras maiúsculas, pois ele é um ser iluminado), que ele não deve perder tempo com detalhes trabalhosos, como descrições. Não é trabalho do autor descrever narizes, imaginar cores, catalogar características, saber tamanhos. O trabalho do Autor é «dar vida» (tal como um Dr. Frankenstein que lida com memórias e inspirações, cadáveres de emoções e sensações) a «sentimentos, sonhos e histórias». 

A autora, apesar do desastroso modo como apresenta o conceito, está, de fato, buscando ser moderninha, ao ecoar a tese da obra literária como um processo aberto, do qual o autor não tem controle, e no qual cabe ao leitor um processo de co-criação durante a leitura. Conheço apenas vagamente o conceito, que meu amigo João Francisco diz originar-se em Roland Barthes (autor de que li um excelente livro certa vez e depois esqueci benditamente cada linha). O que ela não sabe é que ninguém razoavelmente culto ousaria dizer que o autor devia se abster de criar, confiando que o leitor criaria o que faltasse. Parece óbvio que, se o leitor estivesse dispostos a tanto, e soubesse tanto, não haveria necessidade de se valorizar tanto o Autor e sua Inspiração (que o diabo os carregue se eles não servem para produzir bons livros). Thayane não percebe que seus conselhos se chocam uns contra os outros, porque ela tenta harmonizar seus preconceitos arquetípicos com doutrinas filológicas modernas e um pouco de justificação das próprias limitações.

Por fim, a abstinência literária (sic) recomendada pela autora ecoa este privilégio, ao negar a importância, ou o valor, da influência de uma obra sobre outra. Mais que isso, supõe a autora que, por não ter lido outros romances, você não os imitará. Esta afirmativa revela uma profunda ignorância dos mecanismos da literatura, pois ela desconhece a existência de modelos mentais que condicionam a estruturação narrativa até mesmo de pessoas iletradas: os causos contados pelos pitorescos matutos do interior não são menos estruturados do que os bons romances, apenas estão vazados numa linguagem não padronizada e padecem, devido ao contexto oral e informal, de uma série de elementos «poluidores» que desviam seu foco e seu fluxo, dificultando uma linearidade maior. Desconhece, ainda mais, essa continuidade estrutural entre a literatura oral e a literatura escrita, visto que mesmo os que não leiam livros terão acesso à primeira através mesmo de fatos prosaicos, como a repetição de notícias de jornais. E o mais curioso é que justamente esse conceito vem corroborar uma antiga tese provocativa que circulava nas redes sociais: a de que o autor brasileiro não vende porque não escreve bem, e não escreve bem porque é um bronco sem cultura (mais sobre isso no final).

Evidentemente uma postagem tão desinformada acaba por lançar fortes dúvidas sobre quem a escreveu. Eu nunca tinha ouvido falar de Thayane antes (isso não é problema, visto que ela dificilmente terá ouvido falar de mim), mas agora que a conheci por este texto, terei muita dificuldade para levá-la a sério. Se não por suas contradições e erros oriundos de desinformação ou falta de jeito, certamente por não conseguir pontuar corretamente um texto de três parágrafos.

No começo eu dizia que a postagem também revela algo sobre a Modo Editora. Refiro-me ao fato de que a Editora tenha não apenas aceitado difundir um conselho tão tosco, mas que não tenha sequer corrigido o uso de vírgulas no texto. Obviamente a Editora Modo não acha importante corrigir vírgulas, tanto quanto a autora não acha importante descrever personagens, ou ter uma bagagem literária. Imagino que, se não corrigiu vírgulas em três parágrafos, não as terá tampouco corrigido nas dezenas ou centenas de páginas de «Princesa de Gelo», a obra que Thayane produziu.

O problema não está em haver uma editora que dá vez e voz a depoimentos como esse, se fosse uma voz isolada isso não teria nenhum problema. O problema está em haver uma massa crítica de pessoas que acredita nesses conselhos e os põe em prática. Porque Thayane não inventou isso. Por mais que se esforce em «ser original» enterrando a cabeça na areia para não conhecer o resto da literatura universal, a verdade é que esses conselhos são a condensação de um estado de espírito amorfo que vem se formando nas redes sociais há pelo menos uns seis anos. A ideia de que ler outras obras «contamina» o talento do autor é antiga, e eu mesmo já escrevi aqui, há dois anos e meio, sobre o mito do autor genial que não lê.

O caso me faz lembrar a parábola cristã do Guia Cego. “Porventura pode um cego guiar outro cego? Não cairão ambos no barranco?” (Lucas, VI, 39). Se Thayane padece destas deficiências (mais do que o uso das vírgulas, a crença em preconceitos infundados e um conhecimento porco de teoria literária), como pode ensinar a seus leitores como produzir romances perfeitos? A questão da legitimidade urra aqui com uma força ensurdecedora. É aceitável que o professor não saiba fazer, mas saiba ensinar. O técnico de futebol ensina o jogador a jogar sem que ele mesmo saiba dar um drible num cone. Mas é inaceitável que um mestre não tenha nem a prática e nem a teoria. Esse mestre é um guia cego, e todo aquele que o segue vai para o barranco junto com ele.

E para o barranco segue uma multidão de jovens autores brasileiros, que publicam por editoras que os iludem com capas bonitas, noites de autógrafos e estandes em feiras, que afagam seus egos e ordenham seus bolsos enquanto desperdiçam belas árvores. Autores que acham que serão originais caso se tranquem num quarto, de preferência antes de terem lido qualquer coisa.


Quando a polêmica se instalou, a Modo Editora removeu de seu site o arquivo de imagem que continha os conselhos da Thayane, mas continuam lá outros conselhos igualmente inacreditáveis. Tamara Ramos, por exemplo, dá os seguintes conselhos:
Um bom autor precisa conhecer os grandes clássicos da literatura nacional e internacional e deve estar atento às tendências do mercado literário.
Parece ser um conselho sensato, ainda mais em comparação com o de Thayane, mas não tem a mais remota base factual. Porque se tal conhecimento amplo fosse «preciso» para um bom autor, a grande maioria dos clássicos não teria razão para ser lida. Os autores clássicos não conheciam os grandes clássicos (o próprio conceito de «clássico» é uma invenção bastante recente) e até muito recentemente inexistia um «mercado literário» para se prestar atenção.

É certo que conhecer os clássicos não faz mal, mas é errado imaginar que somente um douto literato sabe fazer boa literatura. Esse é, aliás, o motivo pelo qual a acusação de que o autor brasileiro escreve mal porque é inculto não passa de uma trollagem tosca. Há bons autores que tem uma cultura imensa, mas há tantos outros que adquiriram a cultura apenas na forma de uma biblioteca, enquanto que alguns autores genuinamente incultos produziram livros interessantes. A falha está em enxergar uma relação de causalidade entre quantidade e qualidade. Algumas pessoas precisam ler alguns bons livros para conseguirem escrever alguns bons livros, outras precisam ler muitos, e muitas não escreveram bons livros nem que leiam cada página jamais impressa, em cada língua do mundo. A chave está em aproveitar o que se tem, tal como é impossível gastar um bilhão de reais, também é impossível tirar proveito de ter lido dez mil romances clássicos.

Mais do que recomendar o conhecimento dos clássicos como uma estratégia para buscar um nicho de mercado, Tamara acredita que exibir cultura cativa o leitor:
Para começar o processo da escrita de um romance, um autor necessita de uma grande bagagem literária e cultural. Isso enriquece o texto e conquista os leitores.
Novamente ela confunde quantidade com qualidade. Exibir uma grande bagagem cultural não necessariamente enriquece o texto, na maioria das vezes apenas o torna pesado, intimidador. Depende do talento do autor para dosar e apresentar essa bagagem. Porque, definitivamente, não é a bagagem literária do autor que conquista o leitor. O que conquista o leitor é o livro ser bom, ou, pelo menos, atender às suas expectativas do que seja «bom» (e tanto há quem goste do olho como da remela).

O caso é que Tamara sabe disso. Tanto que escreveu em outra postagem sua «não tente um estilo forçado ou literato». Ora, então por que escreveu que uma grande bagagem literária e cultural enriquece o texto e conquista os leitores? A resposta é simples: também Tamara está divida entre a teoria que aprende na faculdade (onde lhe ensinam sobre literatura, mas não ensinam literatura) e os seus antigos preconceitos. A faculdade lhe diz que o autor culto produz uma obra mais densa e de qualidade, mas ela sabe, instintivamente, que a maior parte das obras citadas como exemplo na faculdade são verdadeiros soníferos, do tipo que, como disse Millôr Fernandes, «quando você larga não consegue mais pegar.»

Entre Thayane e Tamara eu acredito que a segunda tenha escrito um livro melhor. Não só porque não levou rasteira das vírgulas, mas também porque ela me passou um conflito mais profundo entre o que lhe dizem e o que ela quer. Um conflito que pode levá-la a uma reflexão de valores mais amadurecedora do que uma abstinência literária para preparar o corpo para o nascer do pão do espírito.

Mas ambas, ambas, são vítimas de uma Editora que atira seus autores aos leões, sem dar-lhes nenhuma assessoria. As duas viraram vítimas das redes sociais porque se expuseram com opiniões caracterizadas, respectivamente, pela ignorância e pela incoerência. Uma editora que realmente cuidasse da carreira de seus contratados não permitiria que elas postassem aqueles conselhos, possivelmente não permitiria nem que publicassem os seus livros. Mas o que fazer se há tantos jovens iludidos pela cobiça do distintivo duvidoso de «escritor» a ponto de justificar o florescimento do mercado de «fábricas de fábulas» que temos visto acontecer? Se a Modo não publicasse, haveria alguém para publicar, e outro lugar onde as duas pudessem guiar rumo ao barranco quem as quisesse seguir.


EM TEMPO: Contrariamente ao que muitos podem pensar, eu não sou nenhum guia cego porque não estou aqui ensinando ninguém a escrever. Como não tenho essa proposição, não tenho o ônus de justificar minhas ideias. Esse ônus pertence a quem pretende ensinar “como”. E se alguém segue minhas ideias, lamento dizer que tal atitude só poderá levar meu seguidor pelos caminhos que trilhei e ao destino a que cheguei. Parágrafo adicionado em 26/01/2013 às 21h00.

15
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 01:18link do post | comentar | ver comentários (1)
Você certamente não lembra, porque hoje este blogue tem muito mais leitores do que no começo de 2012, mas há aproximadamente um ano eu me perguntava se valia a pena manter um blogue literário. Minha conclusão foi de que não valia, pois o trabalho divulgado aqui não estava atendendo a nenhum dos objetivos que eu tinha em mente: não estava aumentando a minha notoriedade, não me estava gerando receita e nem me angariando elogios. Entretanto eu não me dava ainda por vencido e, apesar da sensível queda na quantidade de postagens ao longo do ano de 2012 (uma queda de mais de 50% em relação ao ano anterior), segui tentando encontrar meios de atrair visitantes e me estabelecer como um “blogueiro de sucesso”, mas, de fato, não tinha muita esperança de ir longe.

Esta relativa desatenção fez com que eu acabasse não concluindo o projeto de formatar e publicar o e-book da tradução do romance «A Casa no Fim do Mundo», de William Hope Hodgson. Fui deixando no limbo porque não via resultados decentes em termos de visitas ou receita.

Qual não foi a minha surpresa ao descobrir, porém, neste fim de semana, que alguém havia preenchido esta lacuna e feito o e-book da tradução. Com uma capa até bonita, e ele havia “caído na rede”, sendo distribuído por vários sites e blogues literários nacionais.

Foi um misto de espanto, supresa e frustração. Porque, afinal, este fato demonstrou a qualidade da obra original, a solidez de minha tradução e o interesse do público pelo trabalho. E eu já nem esperava mais por isso. Mas frustração também, porque as mesmas pessoas que haviam criado o e-book, retirando o conteúdo deste blogue, haviam-no feito sem respeitar a única condição imposta por mim à cópia de conteúdo. Como está no rodapé: Permitida a reprodução exclusivamente mediante citação da fonte, com link. Para maior clareza eu ainda incluí no menu de navegação à esquerda o link da licença Creative Commons que eu aplico a todo o conteúdo que publico aqui, que é a CC-BY-NC-ND. Explicando:
  • CC = Creative Commons, esta é uma licença padrão, que permite a reprodução sem custo do conteúdo aqui divulgado.
  • BY = quer dizer que eu estou pedindo que minha autoria seja mantida, e que isto seja feito cumprindo condições que eu posso especificar.
  • NC = permito o uso, mas não permito que sejam criadas obras comerciais, ou auferido lucro de qualquer forma, sem negociação prévia comigo.
  • ND = non-derivative, quer dizer que eu não autorizo a apropriação de minha obra como parte de uma obra alheia.
Essencialmente isto quer dizer que todos os e-books que foram feitos estão em violação da licença que aplico ao meu trabalho. Certo, eles estão copiando algo que eu permito que seja copiado. Certo, eles estão mantendo a menção de minha autoria; mas apenas internamente no arquivo, e não incluem o link, que eu exijo como vinculação da autoria. Certo eles não estão ganhando dinheiro com os e-books, pois me consta, até agora pelo menos, que toda a distribuição é gratuita. Mas, porém, no entanto, todavia… 

A licença CC-BY-NC-ND proíbe a criação de obras derivadas sem a minha autorização. O e-book (seja mobi, seja e-pub, seja pdf) é uma obra derivada. Ainda mais porque nas “propriedades” do e-book quem aparece como “autor” do arquivo é um tal de Augusto. Então Augusto criou o e-book a partir do texto por mim publicado. Pronto, criou uma obra derivada. Violou a licença Creative Commons.

Ao fazer isto, o “Augusto” me roubou da única remuneração que eu peço em troca de meu trabalho, que é a divulgação do link de meu blogue, para que todos que gostem do trabalho venham aqui procurar outros trabalhos meus. Veja bem, o que eu estou pedindo não é muito, é quase nada, eu estou praticamente mendigando um link que me ajude a difundir meu nome e que me atraia alguns caraminguás em AdSense. Mas nem isso me foi dado.

As pessoas que fizeram este e-book nunca imaginaram que, talvez, possivelmente, o cara que gastou mais de duzentas horas traduzindo esse livro poderia querer alguma coisa em troca? Dificilmente, eles pensaram, sim. Mas preferiram ignorar, preferiram pegar o meu texto, formatar  e distribuir sem nem perguntar o que eu achava. Que não tenham posto o link é um erro desculpável, afinal nem todo mundo lê letras miúdas, mas que tenham feito a publicação e a divulgação sem sequer me avisarem é de uma falta de elegância muito grande. Há quanto tempo a minha tradução anda rolando na internet sem eu saber?

Como quantificar o prejuízo que me foi causado? Se tudo o que eu queria era que a minha tradução divulgasse o meu nome e o meu blogue, como quantificar o que eu deixei de ganhar desde que o e-book saiu? É impossível dizer quanto foi (foi pouco, mas foi alguma coisa). O que importa é que, em essência, a atitude do criador do e-book foi uma violação da licença (muito permissiva, mas ainda assim uma licença) que eu pus em meu trabalho. Violação de licença e falta de respeito. Mas parece que o autor não merece respeito, né? Se tá num blogue então tá liberado para copiar e usar à vontade, não é?

Depois de horas regurgitando a minha decepção, resolvi reclamar em alguns dos blogues que me citavam. Não todos, só alguns. Porque já era tarde da noite e eu estava com sono. Reclamei da ausência do link, fui meu grosso em dois ou três casos, mas não fui exatamente articulado, e não me expliquei tão bem.

O resultado foi alguns dos blogueiros me responderem, recebi resposta por e-mail, por comentário neste blogue, por Facebook. Todos se isentando de responsabilidade por distribuírem o e-book, alguns me chamando de grosso, embora dois ou três afirmassem entender a minha frustração.

Devo dizer que me arrependo de algumas das coisas que escrevi ontem, sim. Pensando bem, a culpa dos blogueiros que divulgam esse e-book pirata é menor do que a do seu autor original, o tal “Augusto”. É certo que os blogueiros deveriam, ou pelo menos, poderiam, ter verificado alguma coisa a respeito da tradução, pesquisado no Google pelo nome do tradutor, etc. Com pouco esforço chegariam até este blogue, e até mim como o tradutor. Mas é certo, também, que estão de tal forma acostumados a “passar adiante” o que pegam, e muito do que pegam é pirata, que perderam o hábito, se um dia o tiveram, de considerar a situação dos autores das obras que divulgam.

Talvez, para alguns deles, “autor” seja uma figura abstrata, morta ou morando no estrangeiro, que só se representa através de agentes e advogados, figuras detestáveis por si. Não lhes ocorre, talvez, que o “autor” possa ser um cara como eles, que eles poderiam encontrar na rua, que eles poderiam adicionar no Facebook e que um dia poderia chamar-lhes e dizer: “ei, cara, você se apropriou indevidamente do meu trabalho”.

Reservo para o final a última afirmação: como a licença CC-BY-NC-ND foi violada, o resultado é que as condições que permitiam a cópia gratuita, não tendo sido atendidas, não vigoram. Portanto, a utilização deste conteúdo de forma não autorizada recai sobre a velha lei do direito autoral. E, desta forma, o e-book passa a ser um e-book pirata. Não é preciso que a obra original seja vendida caro para que uma cópia não autorizada mereça este adjetivo. Pode-se fazer cópias piratas daquilo que é gratuito também. Neste caso, foi feito.

Todo aquele que está de posse deste e-book está, na verdade, com um trabalho derivado de uma obra minha, derivação esta que não é autorizada e é, portanto, ilegal segundo a legislação brasileira de direito autoral, que segue os termos da Convenção de Berna. Trata-se de uma apropriação indevida e desrespeitosa de um trabalho feito com desprendimento e com carinho, cuja única remuneração esperada era um link para este que vos escreve.

Um link.

Somente um mísero link. E o Augusto não foi capaz de atender isso.

Se ele pelo menos tivesse me escrito para contar do que pretendia fazer, eu lhe teria esclarecido sobre como fazer certo. Talvez até o ajudasse a fazer.

Mas, ah, um link é muita coisa. O autor não tem o direito de exigir tanto, é falta de educação reclamar por causa disso. Afinal, o que vale uma porra de um link? O que vale essa merda desse seu trabalho, afinal, quem você acha que é, José Geraldo, seu grosso, seu caipira convencido!

05
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 23:40link do post | comentar
Uma das afirmativas mais recorrentes nos debates políticos e culturais que ainda ocorrem dentro e fora da internet é justamente que não é possível fazer uma crítica qualificada de um autor cujo trabalho não conhecemos o suficiente. À primeira vista é uma posição inatacável, mas eu não gosto de posições inatacáveis em um debate, a menos que elas sejam fundamentadas em fatos. Inatacável é a realidade. Argumentos são apenas argumentos. Ao longo da vida tenho tido a oportunidade de verificar que argumentos inatacáveis nada mais são do que argumentos revestidos de respeitabilidade para ocultar suas fraturas lógicas.

Esta afirmação, em especial, é uma legítima «faca de dois gumes» e é muito perigoso aceitá-la como verdadeira sem um pouco de discussão. Por um lado, é verdade que é preciso embasamento para poder comentar (a favor ou contra) uma determinada proposição. Por outro lado, no entanto, é sempre muito fácil desqualificar uma crítica com o argumento de que o autor dela não leu o bastante do autor criticado. Quanto é o bastante?


Ninguém nunca terá lido toda a obra de um autor, provavelmente nem mesmo os seus fãs. Raros marxistas terão lido todo «O Capital», por exemplo, e dos que leram uma parte grande terá entendido bulhufas. Além disso, o que nos obriga a ler toda a obra de um autor que nos causa repulsa apenas para termos o direito de criticá-la? Será que uma pessoa que deteste o mago manda-chuva só pode criticá-lo depois de ter lido cada um de seus textos, até aquelas bostinhas que ele publica diariamente em alguns jornais? Penso que não. Assim como é possível analisar eficazmente as características gerais da sociedade a partir de estatísticas originárias de pesquisas por amostragem, é perfeitamente possível analisar as ideias ou a qualidade de um autor conhecendo uma parte de seus textos e algumas de suas ideias.

Exigir um conhecimento total (ou pelo menos muito abrangente) é um tipo de apelo às lacunas, e não é justo. Envolve um tipo de crença no poder da obra “revelada” do “mestre”. A resposta sempre está no livro que o crítico não leu. “Fulano de Tal não gostou do Magnífico, mas se pelo menos tivesse lido o livro beltrano poderia ter finalmente entendido as ideias extraordinárias dele.”

O que se tem aqui é a esperança de que, se o crítico por acaso ler todos os livros do autor, a convivência com o pensamento do Profeta obrará a conversão de mais um adepto. Mises certamente não leu toda a obra de Marx para escrever sua desqualificação dele, mas os marxistas são convidados a ler quase toda a obra de Mises antes de poder criticá-lo: podemos considerar justa esta exigência? Será que é necessário ler toda a obra de um autor para ter um bom ou pelo menos razoável entendimento dela? As contradições só estão visíveis para quem conhece cada jota e cada til?

Penso que se uma obra é tão complexa que só pode ser de fato compreendida pela sua leitura completa ou muito abrangente, então o autor é falho em seus objetivos. Por mais que os detalhes possam se perder nas resenhas, se a obra não sobrevive nelas, pelo menos enquanto conceito, o autor claramente falhou em alguma coisa. Resenhas não são tuítes. De fato “Guerra e Paz” é “sobre a Rússia”, mas uma resenha honesta diria bem mais que isso. E se da resenha não pudermos inferir a qualidade da obra original, a falha está na resenha. Há resenhas escritas para louvar, e outras para danar.

Comece a ler uma obra literária, se até a quinquagésima página ela não conseguiu  lhe fazer gostar, por que a obrigação de ler até a quingentésima? Por masoquismo? Existem livros que, como famosamente disse o Millôr Fernandes, “quando a gente larga não consegue mais pegar.” É justo criticar acerbamente estas obras, mesmo tendo lido só até a vigésima página; mesmo porque não seria necessário todo este esforço para fazer um elogio à mesma obra.

Fica ainda mais fácil se a obra não for literária, mas técnica. Leu alguns artigos do autor expondo suas teses e conseguiu detectar “bullshit”? Por que supor que a leitura de mais artigos mudará o efeito? Quantos dedos do gigante precisamos puxar para dirimirmos a suspeita de que é um gigante mesmo, em vez de um anão?

03
Nov 12
publicado por José Geraldo, às 15:03link do post | comentar

Não é preciso explicar a piada, se você tenta é porque ela é ruim, ou então quem ouviu é um idiota. E não se esqueça que contar uma piada boa para um idiota é prova de idiotice também: o bom piadista adequa o chiste à capacidade do ouvinte, pois uma piada sobre queijos exóticos e filósofos alemães não funciona se você contar para o frentista do posto de gasolina enquanto ele calibra o pneu do seu carro.

Dito isto, é preciso acrescentar que, se não precisa de explicação, a piada também não precisa de desculpas. Se o seu ouvinte se ofendeu com a piada, então é porque você não soube adequar-se ao público. Antes de xingar o ouvinte de intolerante, infantil ou revoltado profissional, lembre-se que o incompetente foi você: se a função do humor é fazer rir, e você ofendeu em vez de alegrar, então os xingamentos todos são para você que contou para uma beata uma piada sobre Jesus e os apóstolos jogando pôquer.

Ambas estas coisas, por fim, devem ser ditas para que as pessoas pensem, porque parece que hoje em dia o humor perdeu um pouco o rumo. Antigamente a gente julgava a piada, e o piadista, pela capacidade de fazer rir. Se a piada fazia rir, então era uma piada. Se eventualmente ofendia alguém, pelo menos a piada era boa. Hoje em dia isso mudou, ninguém nem liga se a piada tem graça ou não, mas se você se ofende, mesmo que não se ofenda sozinho, mas acompanhado de uma multidão, mesmo assim ninguém culpa o piadista de ser incompetente: querem culpar o público, por supostamente ser «intolerante» ou levar o humor a sério demais. A essa gente que parece que pegou procuração para defender o humor idiota do Zorra Total ou piadistas preconceituosos como os «proibidões» do humor, um conselho: vão aprender o que é humor de verdade antes de saírem ofendendo o público. Humorista é artista, humorista cativa seu público porque precisa dele. Humorista se adapta aos tempos, porque se o povo não acha graça ele fica com cara de babaca em cima do palco, rindo da própria piada e tentando explicar. E não há xingamento que resolva, não adianta chamar o público de burro, de intolerante, de carola, de politicamente correto, de nada. Se ninguém acha graça é porque a piada é ruim. Se além de ninguém achar graça você ainda coleciona um monte de gente ofendida, além de contar piadas ruins você ainda é um mala, do tipo que ofende os outros. E não adianta se esconder atrás da desculpa do humor para continuar destilando sua intolerância, seu racismo, sua idiotice genérica.

Piada não é escudo para babaquice. Tanto quanto a licença poética não desculpa péssimos versos. Se você conta boas piadas, ou faz boa poesia, adquire um crédito que lhe permite ofender algumas pessoas, ou quebrar algumas regras. Mas se a sua piada é um saco, se o seu verso é uma porcaria, então você não tem porra de crédito nenhum, tem mais é que aguentar calado as críticas. E sabe por que? Por que os bons humoristas e os bons poetas AGUENTAM. Eles aguentam as críticas calados porque sabem que seu trabalho os redime. Se milhões de pessoas riem de uma ótima piada, então os dez ou vinte que se ofenderam ficam com vergonha de criticar. Você não precisa defender uma boa piada: se está precisando defendê-la, ou defender-se, é porque a piada é ruim e você é um péssimo humorista.

Tendo dito isto, encerro recomendando a esses molequinhos criados com leite de pera e ovomaltine que acham que são engraçados porque ofendem aos outros: vocês precisam assistir muito humor de qualidade. Monty Python, Trapalhões, Três Patetas, Hermes e Renato, Jô Soares (do tempo do «Viva o Gordo»), George Carlin, Chris Tucker, Bill Cosby e muita gente mais (até o TV Pirata, o Dóris Para Maiores e o Casseta e Planeta dos primeiros anos).

Achar que as piadas fazem rir quando ofendem é como achar que as pessoas riem mais quando as piadas são contadas aos berros e relinchos, como fazem os atores do Zorra Total, que atuam gritando, como se assim pudessem forçar as pessoas a rir. É como achar que acrescentando palavrões ao texto ele fica mais humorístico, como fazia o Ary Toledo em seus shows dos anos 80, em que cada piada era pontuada por um palavrão cabeludo. Mas isso não é verdade: palavrões, gritos e ofensas são apenas instrumentos, que podem estar presentes, mas que, por si só, não fazem rir, a menos que sejam usados com economia.

E tendo dito tudo isso, finalmente peço que pensem um pouco (se bem que «pensar dói») e redefinam suas prioridades. Porque vocês não estão defendendo o humor, estão defendendo a ofensa e a vulgaridade usando o humor como desculpa. Ao fazerem isso, abrem caminho para justamente que se ataque o humor, usando a ofensa e a vulgaridade como justificativa. Não reduzam o humor à estatura de sua cultura e de sua inteligência.


23
Set 12
publicado por José Geraldo, às 21:31link do post | comentar
Um poema satírico inspirado por uma postagem de minha amiga Ana Feijó da Cruz no Facebook.

Eu juro
Sou de um tempo passado,
em que cupcake se chamava bolinho,
blush se chamava ruge,
van era furgão
sale era liquidação.

Nunca me ocorreu
chamar meu amor de love,
nem referência de benchmark,
nem interessado em stakeholder,
nem artigo de paper
e nem discurso de keynote.

Hoje vivo perdido
comendo cigarrette em vez de enroladinho.
Nunca mais vi jogarem bola ao cesto
e nem futebol de salão.

Acho estranho quando chamam
stickers de adesivos e
entrega em domicílio de delivery.
Especialmente se houver alguma coisa free
nos cookies que compro no shopping.

11
Ago 12
publicado por José Geraldo, às 19:39link do post | comentar | ver comentários (3)
Esta semana, enquanto discutia a opinião de Paul Rabbit sobre James Joyce, acabei, sei lá como, psicografando Clarice Lispector. Se eu fosse espírita, esse seria um dos momentos em que eu me orgulharia de minha mediunidade. Com a vantagem de que o texto que escrevi expressa, praticamente sem ressalvas o pen­samento da autora — muito diferente das psicografias da moda, que em geral tem tanto a ver com a obra do autor espiritual quanto o proverbial ânus com as calças. Refiro-me a esta declaração de Clarice, numa de suas últimas entrevistas (agra­decimento a Victor de Toledo Stuani por me repassar o link e a transcrição):
"Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. Ou então com o outro, em relação ao outro. Agora eu faço questão de não ser uma profissional para manter minha liberdade."
Clarice estava se referindo ao papel que todos esperam que o profissional exerça, não só em relação ao nicho literário em que foi inserido ao longo do tempo, mas também em relação às opiniões e imagem que precisa manter em relação ao sistema. As mesmas ideias de Clarice eu expressei assim:

Equal é exatamente a diferença entre um escritor amador e um profissa? Pode parecer pouca, mas pare e pense, pense muito bem. Um autor amador como eu é um franco atirador. Eu escrevo o que quero, como quero. Publico no blog por­que quero, procuro editora na medida do possível e vou levando. Não preciso da litera­tura para nada além de satisfação pessoal (o que inclui o sonho de alguém algum dia notar que sou um gênio incompreendido e assinar comigo um con­trato de milhões de dólares e me dar um título honoris causa da Sorbonne).

Por isso eu posso ousar. Se ficar ruim, é porque é um trabalho amador. Se ficar bom, tapinhas nas costas e nem um centavo de reconhecimento. Posso também cri­ticar quem quiser, o quanto quiser (e bobo é quem se achar atingido por estas crí­ti­cas a nível pessoal), sabendo que minhas críticas «valem quanto pesam», ou seja, serão julgadas pela sua propriedade e não pelo meu currículo inexistente.

Não é a mesma coisa para um profissional. Ao se dedicar a literatura como meio de vida, como fonte permanente da grana que compra seu feijão (ou seu caviar, depen­dendo de quanto venda) o autor profissional passa a depender de vendas regu­lares. Isso inclui definir seu estilo, encontrar seu nicho, cativar seu público, etc. Não espere que um autor de FC, por exemplo, dê uma veneta de escrever poesia erótica, ou que um autor regionalista se meta a fazer FC hard. Eles até podem querer isto, mas o mercado não quer, o público leitor preconceituoso não quer. Poucos leitores de Stephen King leriam contos românticos de sua autoria. Pou­cos fãs de FC levariam a sério uma space opera de autoria de Rachel de Queiroz.

O mesmo se aplica às críticas: quando um autor famoso e profissional fala sobre lite­ratura as pessoas imaginam um mestre falando ex cathedra. Esse peso extra que as pessoas dão às opiniões dos profissionais faz com que elas não valham ape­nas o quanto pesam, valem o peso da vendagem, dos contratos, da publi­cidade, dos diplomas (mesmo honoris causa). Uma estupidez dita por um acadê­mico é estudada na imprensa. Uma crítica muito apropriada feita por um amador como eu será sempre entendida como uma ousadia inadequada. «Quem é você, seu bosta, para falar mal do livro do fulano?»

Isso significa que o autor que deseja ser profissional precisa começar a censurar-se. Precisa começar a enquadrar-se. «Erotismo demais para uma obra juve­nil», «ficção científica ambientada no interior de Minas Gerais é uma coisa ridícula», «ninguém está interessado em sua autobiografia». E o que já conse­guiu precisa policiar-se: «não fale mal de fulano, porque ele é um editor impor­tante», «faça algumas críticas elogiosas a sicrano e aumente suas chances de ir para a Academia»,«não diga uma coisa dessas, que isso pode ofender os res­pon­sáveis pelo sistema educacional».

Paul Lapine tem, entre suas raras qualidades, a liberdade de atacar o sistema. Porque o sistema foi lamber suas botas para dar um sopro de vida a uma Aca­demia caquética, cada vez menos relevante culturalmente e inflada de autores de nulo valor (como José Sarney (devidamente posto em seu lugar por Millôr Fer­nandes), Ivo Pitanguy (enquanto literato é um ótimo médico), Merval Pereira, Marco Maciel, Nélson Pereira dos Santos (apesar de ser um bom cineasta) e Eva­risto de Morais Filho. A verdade é que, por mais que eu deteste o trabalho de Pavel Krolik, ele é mais importante para a literatura do que todos esses juntos, e com um nariz de vantagem. Isso lhe dá a ousadia de falar mal de um dos santos do cânone ocidental, traduzido ao português por ninguém menos que Antônio Houaiss.

Minha opinião sobre Joyce, idêntica à de Paul Kaninchen, jaz amparada no sagrado direito de dizer bobagens que assiste aos amadores. Nós somos livres para não gostar do que não gostamos, não temos a obrigação de elogiar o que nos enfastia. Não somos maridos da grande literatura para suportá-la a todo custo.

Continuo, porém, mantendo a minha opinião sobre Ulysses, e não é um crítico britânico especialista em Joyce que vai me intimidar. Certamente há pessoas que gostam de Ulysses, tanto quanto há quem goste de vela quente e chicotada nas costas. De gustibus non eramus disputandum.

Há, porém, uma diferença fenomenal entre a opinião do Paolo Coniglio e a minha: eu desgosto de Joyce enquanto leitor, pois esse não é o tipo de literatura que me comprazo em ler (mas reconheço que Ulysses possui boas ideias, mistu­radas com outras horríveis e outras medíocres). Já o Pablo Conejo desgosta dele com a «otoridade» de um acadêmico, e um acadêmico precisa entender que nem todas as obras foram feitas para serem lidas pelo grande público, nem todo autor é assunto para se conversar na padaria. Se alguém me desancar pela minha opinião eu aguento o tranco sozinho e me refugio, acuado, na desculpa de que sou só um leitor, que também amadoristicamente escreve e palpita, mas o desancamento do Paul Konijn pelo crítico inglês salpica na Academia que o elegeu porque sugere que o mago é um simplório, um tosco, alguém que se iguala ao leitor de tabloides. Para vender ao leitor de tabloides, diga-se de pas­sa­gem. Um mercenário.

Na qualidade de não acadêmico e de amador, eu ainda tenho tempo de dizer boba­gens e não tenho assessoria que me impeça. O mesmo não se pode dizer de Paul Lapine, o prestidigitador. Que está começando a enfrentar, lá fora, o mesmo nível de rejeição nos meios literários de que já desfrutava por aqui. A ABL ainda se arrependerá de tê-lo eleito, mas não antes de arrepender-se de ter eleito o Merval.

URUBUSERVAÇÕES: Não é curioso que a ABL eleja com tanta facilidade polí­ti­cos e personalidades de direita, mesmo com nulo valor literário (além dos cita­dos, a Academia também já agraciou um general da Junta, o Aurélio Lira Tava­res, mas ignorou solenemente o Carlos Drummond de Andrade, que, afinal, era comunista).

Utilizei pseudônimos poliglotas para o autor em questão por duas razões. Pri­meiro porque ele é mais reconhecido por vender no mundo inteiro do que pelo valor de suas obras. Segundo que ele disse as bobagens que disse para se pro­mo­ver, obviamente, e eu não quero ajudar a encher a sua bola, nem mesmo se isso encher a minha também. Na qualidade de amador, reservo-me o direito disso.

08
Ago 12
publicado por José Geraldo, às 00:40link do post | comentar | ver comentários (4)
Sempre tive reações indecisas diante de cada concurso literário de que ouvi falar em toda a minha vida. Uma das primeiras coisas que li a respeito de meu poeta favorito, Fernando Pessoa, foi que ele tirou o segundo lugar no único concurso de poesia de que participou em vida. Eu tinha meus dezesseis anos quando li isso numa biografia do Poeta. De lá para cá as notícias de concursos que dão errado não param de me perseguir, como a recente polêmica sob a premiação de Chico Buarque com (mais um) Jabuti, que acabou fazendo com que muitos autores e críticos relevantes botassem na imprensa o que, provavelmente, se diz na surdina: que os prêmios literários mais famosos servem mais para manter o interesse pelos autores consagrados (em um país onde a literatura concorre com peças de cultura pop válidas apenas por um verão) do que para identificar e estimular novos talentos.

Essa persistente percepção se aguça cada vez que leio o regulamento de um novo concurso, a ponto de eu já ter perdido qualquer interesse em participar de algum (porque participar envolve custos integralmente absorvidos pelo autor). Em geral, pelo que percebi, os concursos parecem dividir-se em quatro categorias:

  1. Os que não são concursos de fato, mas apenas pretexto para atrair autores que tenham dinheiro, mas não experiência, a publicarem por editoras que possuem muita experiência, algum dinheiro e nenhuma competência.
  2. Os que são obscuros demais para acrescentarem alguma coisa ao currículo do autor, fazendo-me pensar que se algum dia eu ficar famoso, os organizadores se promoverão dizendo que um dia me premiaram.
  3. Os que não estão interessados em identificar autores originais, mas autores capazes de cumprir as tarefas predeterminadas pelos objetivos comerciais da editora, como, por exemplo, produzir um conto com tantos mil caracteres sobre o tema fulano.
  4. Os que possuem regulamentos tão draconianos que explicitamente excluem a maioria dos autores que pretendem identificar e premiar.
Sobre os primeiros é melhor que não fale muito, e que sequer sugira nomes, embora os nomes sejam sussurrados nos fóruns da internet, porque não tenho dinheiro e nem disposição para enfrentar um processo por difamação. Especialmente porque alguns dos sussurros podem ser boatos movidos por interesses tão escusos quanto aqueles.

Sobre os segundos eu até poderia falar alguma coisa sem medo, mas sinceramente esses concursos são tão obscuros que eu precisaria gastar um bom tempo procurando informações sobre a sua existência a fim de poder tecer tais comentários. Mas se você conseguiu acompanhar a minha linha de raciocínio não precisa que eu dê exemplos.

Sobres os terceiros eu faço questão de falar, mesmo sabendo que perderei alguns amigos e fecharei algumas portas (mas fodam-se essas portas, pelas quais eu não quero entrar). Não citarei nomes (é verdade), mas as cabeças nas quais as carapuças servirem não ficaram felizes.

Sobre os últimos, por fim, é preciso que eu diga muita, mas muita coisa. Mas antes quero explicar esse negócio de «cumprir tarefas».

Acredito que a maioria das pessoas dotadas de talento literário teve problemas com seus professores de português e literatura. Millôr Fernandes orgulhava-se dizer que tirava notas horríveis em redação. Machado de Assis declarou-se um incompetente em língua portuguesa ao tentar ajudar um sobrinho a fazer os deveres escolares. Carlos Drummond de Andrade foi ridicularizado pela professora por ter escrito um conto fantástico (inspirado em Jules Verne), de forma não muito diferente do «Pink», personagem narrador da ópera rock The Wall, do Pink Floyd, que foi humilhado pelo mestre-escola por ter escrito um poema.

Não quero me ombrear com os autores famosos — no máximo com o Pink, que era um sujeito problemático e egocêntrico, com uma certa dificuldade com as mulheres e uma tendência a fazer péssimos poemas (rimando «jag-uar», «new car» e «ca-viar») — mas também já tive a minha cota de notas baixas em português e muita gente já ridicularizou o que escrevo. Se eu soubesse tocar guitarra ou liderasse meu próprio bando de skinheads, talvez eu atirasse em uma televisão, depilasse as sobrancelhas e enxergasse roedores nas paredes. Como o Pink, para você que não é fã de rock progressivo e não entenderia a piada.

O problema que as pessoas supostamente dotadas de «talento» têm com os professores de português é que, quando você acredita que está acometido desta condição literária você passa a ter o desejo de expressar-se, do seu jeito. Obviamente este desejo não combina com as tarefas que os alunos têm de cumprir para obter a nota. A redação que foi pedida era sobre «Como Viveríamos Sem Eletricidade», e não sobre o seu medo do escuro, filho. No meu caso eu digo com orgulho pueril que quase fui expulso da escola porque, para o dia da criança de 1984, ainda no ocaso da ditadura, eu entreguei à minha escandalizada professora de português, uma redação sobre controle populacional. Que era uma bosta, obviamente, como tudo que um aluno de 11 anos escreve, mas pelo menos tinha ousadia e originalidade. Inclusive por ter chamado a pílula pelo interessante eufemismo de «anticegonha».

Quando um escritor sai da escola, eu imagino, sente um bafejo de liberdade no ar. Não está mais obrigado a escrever respeitando limites de tamanho e ditames de assunto. Tanto quanto quem se forma em desenho não precisa mais usar papel quadriculado ou empregar o pantógrafo para calcular perspectivas. Finalmente vou escrever o que quero, do jeito que quero. Infelizmente o mundo não quer ninguém do jeito que cada um é, o mundo quer todo mundo devidamente harmonizado. Cada um no seu quadrado, uma música estúpida, mas que tangibilizou a ideologia conservadora de uma forma irrepreensível. Eis o que o mundo quer: Ado, a-ado, cada um no seu quadrado.

É que, depois de ter conquistado a maioridade e de ter a própria máquina de escrever (eu já celebrei isso, uma vez), você descobre que a sua liberdade de escolher o tema e determinar o tamanho é totalmente irrelevante porque o mundo não está procurando nada disso: o mundo tem um sapatinho de cristal e sai calçando por aí, se seu pé for do tamanho certo você sai do borralho e recebe seu grande prêmio. Para quem tem pés bonitos, mas do tamanho errado, o lugar continua sendo a cozinha.

Esses são os concursos que determinam tema e tamanho. Cada vez mais os seus editais se tornam específicos. Não basta que seja um conto do gênero «histórico», por exemplo, tem que ser histórico ambientado no interior do Espírito Santo na década de 1820. Não basta ser fantástico, tem que ser fantástico com um estilo prattchettiano, voltado para o tema dieselpunk e adaptado à realidade brasileira (ou búlgara, tanto faz, visto que nenhuma das referências culturais tem a ver com o ambiente onde tudo deve ser adaptado).

Não estou generalizando. Provavelmente o concurso promovido pela sua editora é diferente, não há necessidade de me processar. Eu estava me referindo apenas aos seus concorrentes, é claro.

O caso é que eu não tenho nenhum tesão para fazer composições de acordo com o tema «sugerido». Aliás, sugerido é o meu … de óculos: todas as vezes em que não optei por nenhuma das sugestões o meu texto foi rejeitado e tive que fazer outro. Só que, como não estou mais na escola e não tenho a necessidade de obter uma nota para passar de ano, não me importa se o meu texto não serve para a sua coletânea. Provavelmente sua coletânea não serve para mim também.

Mas chego, enfim (sim, sou prolixo e uso pontuação em excesso), ao assunto que me moveu a escrever esta diatribe: os famosos editais excludentes.

Imagino que as pessoas que escrevem tais editais imaginam que o Brasil seja a pátria da literatura e que exista um autor talentoso em cada quarteirão desse país, fora os que não são talentosos, mas sabem agradar o júri. E como existem tantos, é necessário que o edital, já de cara, se encarregue de inabilitar o maior número possível deles.

Há várias maneiras de se fazer isso. A mais comum é exigir o ineditismo. Dependendo do concurso, o ineditismo pode ser exigido para a obra apresentada ou até mesmo para o autor. A regra é clara:
Somente serão aceitas, no presente processo de seleção, obras literárias rigorosamente inéditas e que não tenham sido publicadas, mesmo parcialmente, de forma impressa ou virtual.
Não entendeu? Vou explicar.

Nesta nossa idade digital, em que todo autor obscuro que almeja alguma forma de divulgação pode encontrar leitores (ou até um editor) divulgando seus textos em redes sociais, fóruns ou blogues, os redatores deste edital ainda imaginam que exista o rigoroso ineditismo de uma obra literária. Qual autor escreve uma obra genial, digna de receber um prêmio relevante, e a mantém rigorosamente inédita, sepultada em uma gaveta, esperando um concurso?

Trata-se de uma regra tão absurda que me vejo forçado a imaginar que a) serão apresentadas, e eventualmente premiadas, obras não rigorosamente inéditas ou b) alguém, já predeterminado para ganhar, possui uma das raríssimas obras rigorosamente inéditas. A primeira hipótese é bastante plausível, especialmente se a obra em questão foi postada apenas em fóruns privados (não indexados pelas ferramentas de busca) ou redes sociais, ou publicada em revistas impressas de baixa tiragem e nenhuma relevância. A segunda hipótese é acintosa, mas eu nunca me esqueço de que vivo no Brasil.

Sobre a segunda hipótese, há que se ter em conta que a exigência de rigoroso ineditismo, obviamente, impede que alguém questione a decisão do júri. Seja qual for a escolha dos jurados, ninguém poderá argumentar que outra obra merecia mais o prêmio. Os editais de concursos literários aprenderam com os festivais musicais — e com o fiasco do concurso português que preteriu Fernando Pessoa. Hoje em dia o poeta não ganharia e talvez nem tivesse como provar que participou.

É por causa do rigoroso ineditismo que eu não posso participar de nenhum concurso literário. Ou pelo menos não me dou ao trabalho de fazê-lo para gastar dinheiro cumprindo as exigências e depois ser desclassificado sem nenhum aviso sequer (porque os concursos literários só dão satisfação aos premiados e você, que se inscreve, na maioria das vezes nem recebe uma confirmação de que sua inscrição foi aceita). Mas tem mais. Existem outras formas de excluir autores que não devem ganhar.

Uma delas é impor ao candidato uma peregrinação para inscrever o seu trabalho. Apesar de todo o avanço das comunicações, da confiabilidade do correio e da existência da internet, nada mais apropriado do que fazer um concurso aberto à participação de qualquer cidadão brasileiro, mas obrigá-lo a comparecer, em horário comercial, em algum escritório qualquer da cidade onde o concurso é sediado, para entregar pessoalmente sua obra.

Outra é determinar regras explícitas para a formatação do original. Claro que eu imagino que pessoas que terão de ler dezenas de livros de autores desconhecidos não ficarão felizes de lê-los impressos em cores, com fonte Comic Sans ou em formato de papel não padronizado. Mas há concursos que chegam às raias do absurdo no detalhismo, determinando a tipologia, o tamanho da fonte, as margens da área impressa, a localização da numeração de página, o espaçamento entre linhas, etc. Poderiam simplesmente solicitar o arquivo em formato digital e determinar o tamanho por uma simples contagem de palavras e caracteres. Mas dão-me a impressão de que algum estafeta, em alguma escrivaninha abarrotada, estará contando linhas e palavras com uma régua.

A tudo isto se junta a lenta constatação, compartilhada com a amiga Ilka Canavarro, de que a partir de uma certa idade as pessoas não se interessam mais pelo que nós temos a dizer, a não ser que tenhamos ficado ricos ou famosos. Algo que o Ronaldo Roque também já havia detectado.

Então, se já sei que não serei aceito nem premiado, se já sei que não estão mais interessados em um Novo Escritor que fez 39 anos, se já sei que ridículo ficar buscando a aprovação de um mundo que objetivamente já me rejeitou como autor; por que me desgastar formatando originais para concursos cujos editais parecem talhados para justamente excluir não a mim, pessoalmente, mas o tipo de pessoa que eu sou, no mundo de hoje?

Ah, me poupem de formatar meu romance de forma aceitável. Quer dizer que eu não tenho o direito de pegar um conto meu e expandir para um romance, pois isso não se enquadra no rigoroso ineditismo que o concurso exige? Para que vou me preocupar em viajar trezentos quilômetros para perder horas em uma fila, a fim de poder «protocolar» meu humilde edital, nas mãos de um/a recepcionista que não escreve? Provavelmente ele/a estará se sentindo incomodado/a com o volume inesperado de trabalho e o peso de tanto livro (para que esse pessoal escreve livro tão grosso, meu Deus?).

É muita humilhação para um autor amador, que realmente ama o que faz. É muita exigência para um assalariado que ousa escrever (isso não é coisa de trabalhador, quem tem que escrever sobre o povo é o rico que se interesse pelo tema). É muito obstáculo para quem divulga seu trabalho em busca de atenção, contatos e reconhecimento em vez de pedantemente pô-lo na gaveta à espera de um concurso. Isto é coisa de gente que vê a literatura como um ornamento na biografia, não como um objetivo pessoal.


Então, mais uma vez, declino de participar. Não que me julgue «acima» de concursos. Na verdade gostaria muito de estar neles. Mas julgo inútil tentar, visto que nos próprios editais estão estabelecidas condições que me excluem, de forma que eu só poderia participar mentindo (e expondo-me à humilhação de ser achado na mentira) ou submetendo obras feitas por encomenda. Só que não se encomenda, em trinta dias, oitenta páginas de prosa digna de ganhar um concurso.

Não fico, porém, prejudicado. Nunca tive grandes ambições com a literatura. Escrevo porque gosto e, embora goste da ideia de um dia fazer sucesso, não me sinto diminuído por não ganhar concursos. Fernando Pessoa nunca ganhou um.

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