Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
15
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 23:48link do post | comentar
Ó, meu Deus! Deixo-vos um conselho. Nunca tentem cremar seu animalzinho de estimação falecido usando um forno doméstico. Não apenas se produzirá o pior cheiro imaginável, mas ele não virará cinzas e apenas queimará. Tentei isso hoje. Este não tem sido um dia bom para mim.

Cristina.
 

Querida amiga, você não estava totalmente enganada a respeito do uso de fornos domésticos para a cremação de animais. É claramente uma boa ideia fazer isso, mas apenas com animais um pouco maiores do que um porquinho da índia, um camundongo ou um gatinho. Quanto menor o bicho, menos gordura ele tem para a ignição do processo, daí a baixa intensidade das chamas obtidas, insuficientes para uma cremação efetiva. Tente com animais um pouco maiores, como leitões, cães, pôneis, javalis, ursos. Focas e leões marinhos têm o tamanho ideal e a melhor relação gordura/peso. Animais muito grandes são, porém, desaconselháveis, pelo risco à vizinhança. Uma baleia, por exemplo, pode obliterar o quarteirão se você tentar.

Fonte: madrugadas do Facebook.

23
Nov 12
publicado por José Geraldo, às 21:46link do post | comentar | ver comentários (4)
Ontem, já no comecinho da madrugada, terminei de assistir, via YouTube, o filme “Stalker”, dirigido Andrei Tarkovsky, filmado em 1979, a partir de roteiro escrito pelo próprio diretor, baseado no romance “Piquenique na Estrada”, dos irmãos Bóris e Arcádio Strugatsky, gênios da ficção científica soviética. Romance este que eu já havia comentado elogiosamente aqui, não faz muito tempo.

Desde que lera o romance e ouvira falar do filme, minha obsessão foi encontrar uma forma de assisti-lo. Ficção científica soviética é algo que me interessa muitíssimo (aliás, toda a cultura soviética me interessa demais). Tanto a escrita quanto a que for filmada, cantada ou declamada em versos. Gosto de ficção científica, e mais ainda da que se fazia por detrás da cortina de ferro. Acontece que filmes de arte não passam na televisão brasileira, essa autêntica máquina de fazer doido, o que não dizer, então, de um filme de arte soviético de 1979! Felizmente a produtora estatal soviética Mosfilm, que ainda existe, fez um favor à humanidade e está digitalizando e remasterizando todo o seu catálogo e colocando no YouTube. Eu já tivera a oportunidade de assistir um filme de terror soviético chamado “Viy”, de 1967 (futuramente falarei sobre ele) e a experiência da estética da Mosfilm me impressionara muito.

Eu não estava preparado, porém, para encontrar o que Tarkovsky entrega neste filme. Duvido que alguém esteja — e é difícil explicar exatamente que tipos de impactos o filme causa em quem leu o livro, sem estragar o prazer de quem se proponha a assistir o primeiro ou ler o segundo. Não quero estragar este prazer, por isso tentarei ser econômico em minhas descrições.

Começo falando da trilha sonora, que é uma atração à parte.  Eduard Artemiev compôs a música, tocada em sintetizadores e instrumentos étnicos, e também compôs os ruídos ambientes do filme.  Sim, todo o som do filme, exceto as vozes dos atores, foi “composto” e “tocado” por Artemiev em estranhos sintetizadores artesanais ou usando métodos primitivos mesmo, como tambores, metais, pedras e canos. E muita água. Não tem uma cena seca no filme inteiro. Todo mundo molhado, úmido ou mofado, o tempo todo. Na sequência de abertura ouve-se música, no resto do filme a “trilha” sonora, totalmente atonal e sem seguir nenhum ritmo musical específico, se dedica a acompanhar a ação, fazendo-se presente nos ruídos incidentais (nem uma pedra cai no chão com um som natural), na respiração dos personagens e em interferências sonoras distorcidas que lembram os momentos mais experimentais do Pink Floyd em “Ummagumma”. O fato de Artemiev também ter feito os ruídos (em vez de o sonoplasta capturá-los no ambiente, ou coisa assim) faz o filme ter uma atmosfera surreal, irreal. Um filme no qual os únicos sons naturais são as vozes dos atores é algo que soa “de outro mundo” — e esta foi exatamente a impressão que Tarkovsky quis causar: dentro da “Zona” os sons são surreais porque ali as leis naturais estão afetadas por algo que o homem não entende. É preciso falar, então, deste fenômeno.

No filme de Tarkovsky se fala muito menos da natureza da “Zona” do que no romance dos irmãos Strugatsky, que já não fala quase nada dela. Apenas um diálogo entre os protagonistas, no qual o “professor” explica ao “escritor” que a “Zona” é resultado de um fenômeno inexplicado, que originalmente se pensara ter sido a queda de um meteorito. Não tendo sido encontrado nenhum meteorito, e com as mortes de centenas de pessoas curiosas que a exploravam, o governo tentou destrui-la, mas não conseguiu, pois seus tanques e aviões não funcionaram bem, e foram abandonados por soldados apavorados. Desde então o governo cercou toda a “Zona” com arame farpado eletrificado e muros de cimento e a protegeu com uma patrulha de soldados com ordens de atirar para matar em todos que tentem entrar. Neste sentido, a “Zona” do filme se parece muito com Berlim Ocidental durante a Guerra Fria (um pensamento que não me ocorreu em momento algum durante a leitura do livro). Tarkovsky realmente tinha “cojones” se isso procede, e ainda os teria de qualquer forma, pois a semelhança, mesmo que involuntária, é evidente. Mesmo porque, no filme parece haver a sugestão de que a “Zona” é única.

No romance a “Zona” não é única: existem várias, todas elas alinhadas de maneira curiosa, no sentido da rotação da terra, segundo um padrão que é chamado de “Radiante de Pilman” (leia o livro e caia na gargalhada com a explicação desta expressão e com a história de sua descoberta). Além do mais, o seu caráter é bem menos ambíguo que o do filme: as “Zonas” são mesmo o produto de uma visitação alienígena (daí o título “Piquenique na Estrada”, que é outra ótima piada de humor ultra-negro que você entende lá pela vigésima página). Não existe qualquer sentido de que a “Zona” seja um lugar desejável para se entrar e quase ninguém quer ir lá: somente os “stalkers”, que são pessoas que adentram lá de forma semi profissional.

Muda também a motivação dos “stalkers”: no livro eles fazem por dinheiro, visto que em cada “Zona” podem ser encontrados objetos os mais diversos que alcançam alto preço porque são completamente inexplicáveis, como as garrafas que nunca enchem e as que nunca esvaziam (ambas chamadas de “ânforas”), entre outros. No filme eles levam pessoas desesperadas até o “Quarto”, um local dentro da “Zona” no qual os mais íntimos desejos de cada pessoa são realizados. O “Quarto” também existe no livro, mas não domina a ação da forma como ocorre no filme.

A ação do filme, aliás, é totalmente diferente do livro. A começar pelas visitas à “Zona”. No livro ocorrem duas: na primeira o “stalker” conduz o “professor” em uma busca por artefatos que serão estudados pelo Instituto Internacional para Pesquisas Extraterrestres (note que a afirmação de que as “Zonas” são o produto de uma visitação alienígena é explícita) e na segunda ele conduz o “escritor” (que é um personagem bem diferente) até o “Quarto”. A primeira visita ocorre quando o “stalker” ainda é jovem (aos 23 anos) e a segunda, quando ele já está envelhecido precocemente (aos 31 anos). O filme parece mesclar as duas visitas em uma só, transferindo o “professor” para a segunda e mudando o seu objetivo.

O tipo de ação também é diferente. O livro tem um ritmo de aventura, apesar da narrativa lenta — cheia de paradas para trocadilhos, piadas de humor negro sutilmente disfarçadas no subtexto ou meramente para descrições precisas dos arredores. O filme não tem nada disso. No livro há muitos personagens, ocorrem mortes trágicas, perseguições, prisões, brigas. No filme só vemos seis personagens e ação é toda concentrada em torno deles. Um filme fiel ao livro teria que ser cheio de efeitos especiais, para conseguir representar os inúmeros fenômenos e objetos existentes nas “Zonas”, como o “moedor de carne”, o “leito dos mosquitos” ou o “véu das fadas” (todos nomes que evocam a aparência, não a essência desses fenômenos). No filme nenhum destes fenômenos sensacionais ocorre: não há efeitos especiais quase, mas há sim, certos fenômenos claramente sobrenaturais, embora os personagens, às vezes, se recusem a admitir isso. Entre estes fenômenos está a voz sob a árvore, que amedronta o “escritor”, os morcegos na sala de sal e a brincadeira da filha do “stalker”. A grande diferença está no foco. O livro, apesar de ser feito com palavras, foca na evocação de imagens sensacionais, de outro mundo. O filme, apesar de feito com imagens, prefere evocar palavras. Os personagens do livro andam, pensam, agem, reagem. Os personagens do livro dialogam sobre seus dilemas existenciais, sobre a “Zona”, sobre suas expectativas, sobre seus medos.

Para alguém que busca um filme de ação, "Stalker" é uma decepção total. Mas para alguém que busca um filme realmente intrigante, que faça pensar e que mude seu modo de pensar, então não há filme melhor. As metáforas políticas e artísticas são constantes. Os personagens dialogam sobre temas universais. O diálogo entre o "professor" e o "escritor", à beira do "túnel seco" (uma ironia) é de um impacto profundo, especialmente se você também escreve.

Também é preciso mencionar a pequena "Macaca", a filha do Stalker. No livro ela é uma mutante de olhos negros (no sentido de "totalmente negros") e corpo coberto de pelos dourados, exceto pelas mãos, pés e rosto. Por isso, e também porque ela é extremamente ágil e muito lacônica, foi que a chamaram de "Macaca". No filme, paradoxalmente, ela é paralítica, tem olhos normais e não fala — embora ande o tempo todo coberta por véus, luvas e calçados, que só deixam de fora o seu rosto. Acho que a diferença entre as duas resume as diferenças entre o livro e o filme. O primeiro descreve muito, para trazer o leitor para dentro da história. Os personagens são explícitos, abertos. No filme, porém, que já tem o leitor no cenário e na história, os personagens se fecham, se protegem, revelam o mínimo. O livro procura convencer sobre a existência de coisas que não existem. O filme, partindo do pressuposto de que você acredita na existência de tudo, controla (ou melhor, sonega) as informações e ataca suas certezas, até que você comece a pensar uma coisa, e depois outra, e depois uma terceira. E quando termina, você não sabe se está realmente decepcionado ou se jamais esquecerá as imagens que viu e os diálogos que ouviu.  E se você acha que foi M. Night Shyamalan que inventou o final surpreendente, com "O Sexto Sentido", espere até ver a cena final de "Stalker", que contraria e decompõe boa parte do que foi dito pelos personagens e das conclusões que você foi tirando ao longo da narrativa!

Um último e macabro detalhe a respeito do filme é que ele foi todo rodado dentro das instalações abandonadas de uma indústria química estoniana, à beira do Mar Báltico. Uma região incrivelmente úmida, verdejante e bela. Ali, fábricas poluidoras e usinas nucleares em péssimo estado criavam uma paisagem de natureza semidestruída. Os lugares haviam sido abandonados porque eram imprestáveis para a vida humana — tal como a "Zona". Foi lá que Tarkovsky escolheu filmar. Entre rios cobertos de grossas capas de espuma marrom, pântanos pútridos, fumaças densas e chuvas ácidas. Uma "Zona" criada pelo desastre do homem, não pela interferência dos céus. E Tarkovsky submeteu seus atores, sem o uso de dublês, ao clima intratável  e à insalubridade do lugar, fazendo-os vadear por rios sujos, tatear por túneis por onde sabe Deus o que fora bombeado. Anos depois Tarkovsky, os três atores que interpretaram os personagens perambuladores pela "Zona" e vários técnicos de filmagem morreram de tumores os mais diversos. Posteriormente o governo russo divulgou documentos que evidenciavam que o lugar estava contaminado por plutônio de uma usina nuclar desativada e por produtos químicos altamente cancerígenos de uma fábrica de pesticidas que ainda estava em funcionamento parcial.

03
Set 12
publicado por José Geraldo, às 08:27link do post | comentar

Esta noite sonhei com o meu melhor amigo. Não, não foi a primeira vez, apenas foi um sonho estranho o suficiente para merecer que eu o lembrasse. Um dia imagino que um semiólogo ou crítico queimará pestanas tentando decifrar-me a partir de textos como esse, então escrevo para dar-lhe trabalho. Ou para apenas me divertir lembrando.

Estávamos em uma fábrica, uma fábrica que estava prestes a fechar, mas os trabalhadores não sabiam disso. O ritmo de produção era tão frenético como sempre, os contramestres andavam de um lado a outro pondo na linha quem estivesse morcegando e caminhões chegavam e saíam trazendo ou levando matéria prima e mercadorias. Então, subitamente o Kid Abelha apareceu, com um palco montado sobre uma estrutura de aço, talvez um guindaste, e tocou os operários um rock denúncia que tinha uma letra mais ou menos assim:

Vocês que continuama vida sem saberLogo vão compreenderque as máquinas os usame o dono só quer ter.Mas um dia tudo passa,vai a máquina parar.A quem vão perguntar o que fazer,vocês que seguem sem ouvir.Surfar fora da ondanão é loucura nem azarFora da onda porque háum momento de prazer.Fora da onda, fora da onda,ou a onda vai passare deixar você pra trás.Crie sua onda, fora da onda.

Enquanto eu contemplava a cena perplexo pela ideia de o Kid Abelha fazer uma canção de conteúdo político-filosófico-existencialista (o que equivaleria ao Pink Floyd regravar Jorge Benjor), apareceu o meu amigo dizendo que a fábrica estava prestes a ser vendida para um ferro-velho chinês e que devíamos sair dali porque os empregados organizariam uma arruaça. Ante a menção de uma arruaça organizada eu decidi que precisava comprar pão.

Com o painel do carro cheio de pães das mais variadas espécies eu dei uma carona ao meu amigo, que disse que precisava ir para a terra colorida de cinza e rosa. Eu lhe dei a carona dizendo que ia passar por lá a caminho de Kashmir.

Enquanto atravessávamos uma ruela de casas todas velhas e parecidas, meu amigo pediu que eu parasse o carro para ele fazer uma visita. Desci com ele e encontrei três avós deitadas em três camas em um quarto nos fundos de uma das casas. A avó dele era uma delas (não avó real, mas uma arquetípica) e pediu-lhe pão.

Então eu lhe disse que era muito tarde para comprar pão e lhe dei um pacote dos que eu havia comprado, provando que nos meus sonhos mais estranhos eu planejo com antecedência as coisas que eu nem sei se vão acontecer.

 Saímos daquela casa nos sentindo um pacote de pão mais pobres, porque sabíamos que apesar de tudo a senhora ia morrer, e ainda nos culpariam por ter-lhe dado pão.

— Foda-se o que pensem — protestou o meu amigo. Eu não ligo para as convenções malucas desta sociedade decadente. Minha avó pode ter oitenta anos de idade, mas vou lhe dar pão se ela quiser.

A última coisa que me lembro era de ver a velhinha revirando os olhos enquanto passava manteiga num pão.

No minuto seguinte eu acordei com vontade de urinar. Fui ao banheiro aliviar-me e vi Gregor Samsa recolhido, com medo, atrás do cesto de roupas. Notei que suas anteninhas tremiam de medo de meus pés, então prometi que não o esmagaria: deixaria que minha filha fizesse isso de manhã quando o visse.

Deitei de novo, ainda com o pescoço doendo de ter datilografado uma carta testamento antes de pôr a gravata. De repente lembrei do rosto do padre e pulei da cama como se estivesse acordando.  Minha mulher disse que me chutou, mas eu só me senti caindo através de um céu cheio de travesseiros e me recolhi de novo até a manhã.


01
Mai 12
publicado por José Geraldo, às 10:39link do post | comentar | ver comentários (1)

O bloqueio criativo é um dos fantasmas que assombram os que se pretendem escritores. Amadores ou profissionais, todos já se viram algum dia cheios de vontade — ou de necessidade — de escrever e não podiam porque a coisa simplesmente «não fluía». Alguns culpam a falta da «inspiração», outros a falta de talento, outros a falta de assunto. O que é certo é que ninguém pode se gabar de «sentar para escrever» quando quer — não entre os que escrevem coisas que prestam para ler.

Como todo autor eu atravesso essas fases também, mas o que mais me dói não é atravessar dias ou semanas sem ter nenhuma ideia interessante para transformar em conto, crônica, romance ou poesia: é no meio desta seca ter uma ideia genial, porém irrealizável diante de minhas limitações. Foi o que me ocorreu ontem.

Vocês que acompanham o blogue devem ter percebido que 2012 tem sido um ano de relativa seca criativa para mim. Não apenas tenho postado pouco, mas não tenho postado nova ficção — e ficção era o carro-chefe desse blogue até fins de novembro passado. Numa fase dessas a gente fica sensível a qualquer coisa que se ouça, qualquer sonho que se sonhe, qualquer letra de canção. Em algum lugar pode estar enterrada uma ideia que, devidamente ordenhada, resultará em uma nova e interessante obra. Qual a decepção, então, de encontrar esta ideia e não estar a altura de desenvolvê-la?

Refiro-me ao meu sonho de ontem. Como andei conversando recentemente com o Gianpaolo Celli, que é um editor que tem feito coletâneas de fantasia «steampunk» (não considero o gênero como ficção científica nem se apontarem um revólver para a minha cabeça), acabei tendo uma ideia ligeiramente relacionada. Uma ideia ótima, diga-se de passagem — e muito adequada para a próxima coletânea que será publicada pelo Gian, mas… oh, merda! Uma ideia que está além de minha capacidade.

Sonhei com um Brasil atual descendente de um Brasil «steampunk», conservando dele ainda boa parte de sua tecnologia retrofuturista atrasada em relação aos grandes centros. Um país arcaico, governado por uma espécie de ditador caricato, habitado por uma população ignara, mergulhada em superstições e em mau gosto musical e artístico. Um país em que os monumentos públicos são de gesso pintado, as festas são regadas a caminhões de cachaça barata doada pelo governo e a elite vive em palácios isolados por muros e canhões, comunicando-se por cartas e telefones e viajando em dirigíveis pesados e lentos. O meu herói, um vendedor de salgadinhos, que vive amasiado com um poeta louco e uma mãe de santo baiana, sonha em fugir para a Rússia, por alguma razão, e constrói para si um aparelho esquisito, em forma de roda d'água, movido por uma motocicleta, com o qual acredita que atravessará o mar. Preso durante sua tentativa de fuga, por atrapalhar a diversão dos turistas gringos, é levado até uma fortaleza tosca, onde o torturam a tapas e xingamentos e onde aguarda ser executado ou não. Seus amantes entram na fortaleza durante a madrugada, subornam os guardas e ajudam-no a sair, mas acabam na caçamba de um caminhão que levava mercadorias importadas para uma depósito do palácio e subitamente se veem no meio da festa de eleição do novo monarca. Confundido com um príncipe europeu, o poeta louco é eleito e inicia um governo ainda mais louco, e meu sonho termina com galeras atômicas russas apontando no litoral para exigir que ele se retrate de algumas atitudes e pronunciamentos.

Eis um resumo das imagens e sons caóticos e supercoloridos que atravessaram a minha mente durante esta noite. Alguns detalhes eu tive de suprir porque o original estava confuso demais, mas creio que 80% do que aí está descreve o que realmente sonhei, embora, como sempre, o sonho tenha sido em sua maior parte esquecido.

Com um material desses na mão um autor dotado de bom humor e de razoável capacidade de síntese produziria uma obra genial, satirizando alguns aspectos de nossa cultura, aproveitando o mote do «steampunk» ou do «dieselpunk» e resultando em um livro certamente aprovado pelas editoras que publicam esses gêneros no Brasil. Existem, porém, dois problemas que me impedem de realizar isto.

O primeiro é que eu não quero entrar nesses gêneros «*punk» porque acredito que esse tipo de cruzamento entre fantasia e ficção científica acaba sendo trabalhoso demais, diante da minha formação e de minhas referências. O segundo é que eu não me sinto capacitado a dar a esta obra o tratamento de farsa que ela precisa ter, devidamente dosado com violência e promiscuidade. Sem essa mistura a obra não é crível. E retornando ao primeiro motivo: esta mistura não me interessa.

Porém, como sou um cara do tipo «gente boa», resolvi compartilhar o meu sonho com os meus leitores. Aqueles que desejarem pegar a ideia e desenvolver, sintam-se à vontade para isso. Apenas gostaria que tivessem o bom caráter de me recompensar com um agradecimento na edição e/ou um link em seu blogue. Claro, bom caráter não é todo mundo que tem e no Brasil é quase irreal exigir isso, mas vamos ver no que dá. Eu não vou fazer nada com a ideia mesmo, quem sabe não consigo ajudar outro que esteja com bloqueio criativo e ainda faço um novo amigo virtual?


14
Fev 12
publicado por José Geraldo, às 21:45link do post | comentar | ver comentários (1)

Dei-me conta disso por causa de um desses movimentos literários altruístas e anticapitalistas que surgiram por aí. Acho que o nome é «Doe um Livro», ou coisa parecida. Eu estava esperando em uma fila de banco, ocasião em que o bom gosto fica seriamente comprometido e você pode se pegar lendo com interesse o verso de sua fatura de cartão de crédito ou uma brochura publicitária esquecida por um cliente que foi embora. Estava eu justamente desesperado em busca de letras para ler quando uma moça bonita, apesar do estranho piercing negro em seu nariz, que parecia um troço de catarro, me ofereceu um livro.

— Não, obrigado — recusei educadamente como minha mãe me ensinou a fazer da primeira vez para toda e qualquer oferta.

— Por favor — insistiu a garota com um sorriso de teclado de piano, ou melhor, de sanfona, porque o seu rosto não parava quieto em cima do pescoço.

— Mas… você está… me dando o seu livro…

— Oh, sim. Por favor, não estranhe.

Então ela me falou uns três ou quatro minutos sobre seu movimento de difusão da leitura, sobre a ideia de comprar o livro, ler e depois dar para alguém ler. Acho que era «Esqueça um Livro», ou algo assim, esqueci…

Recebi o livro, cuidadosa e femininamente encapado em plástico vermelho, com uma falta de jeito provinciana. Acho que jamais na minha vida um estranho me dera qualquer coisa além de motivos para desconfiança.

Mas enquanto o recebia notei o olhar fuzilante do segurança em nossa direção, verdadeiro agente da repressão ignara, pronto para confiscar a obra ou para dizer que tínhamos de consumi-la em leitódromos cuidadosamente controlados. Ele veio andando em nossa direção, deixando balançar na cintura o grosso cassetete preto, mais volumoso que os braços de cigarra da garota sorridente e irriquieta. Que se levantou apavorada, uma traficante surpresa pela visita da viatura. Ela se misturou entre os clientes, aproveitando-se de sua estatura de ninfa, e nunca mais a vi.

O guarda chegou perto demais, e me abordou com uma voz de tuba:

— Aquela garota estava incomodando o senhor?

— De forma alguma, ela só me deu iss…

Ainda estava com metade de «isso aqui» dentro da boca e ele já arrancara o livro de minha mão.

— Eu fico muito revoltado mesmo com esse tipo de coisa. É um absurdo completo!! A barbárie tá tomando conta do país, a imundície se alastra pelas ruas e qualquer cidadão de bem está exposto.

— Mas ela só…

O guarda arrancou a capa do livro com violência, usando seus dedos de elefante. Só então percebi do que ele me salvara, quase em lágrimas, agradeci-lhe efusivamente como se ele fosse um irmão que eu não vira por vinte anos:

— É mesmo vergonhoso que a gente não possa esperar em paz na fila do banco sem correr o risco dessa violência — eu lhe disse.

O mundo de Farenheit 451 seria terrível. Baixos espíritos literários são mais memorizáveis do que o Grande Sertão: Veredas, e para malus1 adicional a presença de um declamador de romance de auto-ajuda na sua vizinhança é mais agressiva do que a presença de um romance do Mago na estante, presente da namorada que acha lindo você ser escritor e pensou que lhe estava agradando muito com aquela obra cheia de verdades.2

1 Um «neolatinismo» inventado para ser o antônimo de «bonus».

2 O autor sugere que este conto seja lido de forma iterativa, retornando ao começo depois de ler o último parágrafo, e assim sucessivamente até o leitor ter a certeza de que realmente passou a odiar o autor.


17
Nov 11
publicado por José Geraldo, às 22:29link do post | comentar

No feriado saí para uma caminhada em companhia de mim mesmo e, como eu sempre faço nessas ocasiões, desfrutei de uma animada prosa que ninguém ouviu e cujo registro inicial, aliás, se perdeu graças aos desígnios arcanos dos arcanjos que regem a literatura. Hoje, aqui mais tranquilo, apesar de ainda sofrendo a perda daquelas palavras apagadas para sempre, sofrendo o aborto daquele texto como o de um filho aos oito meses e meio, relembro vagamente os raciocínios que me passaram pela mente.

Escrevia eu, antes de ser tão bruscamente interrompido pelo destino, que no dia me sentira tão à vontade para falar de poesia que até mesmo tivera ideias sobre isso. Ideias causadas pela sensação de conversar com o meu alter ego, cuidadosamente sem mover os lábios, para que as pessoas em volta não pensassem que, afinal, eu era mesmo louco como se diz que os poetas são.

Era como estar numa roda literária, dizendo todas estas coisas vazias e sem sentido que os intelectuais dizem quando não estão ocupados pronunciando os nomes de outros intelectuais estrangeiros ou dizendo como o mundo antigamente era melhor. Antigamente os intelectuais não eram tão metidos a bestas, como se pode ver nas obras de Foucault, Kierkgaard e Rímsky-Korsakov.

O meu interlocutor era poeta, ou assim se dizia.1 Estava falando sobre simplicidades muito complicadas que me faziam a cabeça doer e eu me sentia meio alheio àquele ninho tão culto, eu que bebi leite de vaca quando menino e sei qual é o cheiro que tem o capim gordura. Olhei em volta de mim mesmo, imaginariamente, vi a multidão de gente e de carros transformar-se na plateia classuda, mas rala, de um evento cheio de grife, e tive medo de não saber o que dizer. A minha sorte é que toda vez que o desconforto piorava eu abria os olhos, apertava o passo, suava mais e me confortava estar tentando atingir o quinto quilômetro, jogando as pernas em um forte passo lipolítico.

Quando meu deram a vez de falar eu já estava mais calmo e gentilmente pedi desculpas a todos por não mais fazer poesia. Contei que havia um vizinho nosso, nos meus tempos de infância na roça, que zombava de sua lustrosa careca e de seu peito preto de pelagem alta dizendo que na vida dera o azar de crescer demais e passar do cabelo. Ele não era tão alto, mas sempre completava dizendo que na sua família o cabelo também não era. E tendo arrancado alguns risos complacentes com esta história, contei-lhes que cresci demais e passei da poesia. Vinda de mim a frase soou pretensiosa, pois eu cresci até um metro e noventa, mas os poetas devem ter gostado, pois ficou implícito que a poesia não está ao alcance do cocuruto de qualquer um.

Mas sempre que um ser folclórico, como este ogro que aqui escreve, tem a chance de dizer alguma coisa, os presentes, mesmo que imaginários, se sentem à vontade para rir, pois ogros sempre são engraçados, em seu exotismo tão complacente e adequado. Tudo aquilo que eu dissera aos meus interlocutores inexistentes eu já dissera outras vezes, para diversos ouvidos atentos, mas as frases espedaçadas ao longo da vida, quando reunidas com uma pretensa coerência resultaram num atestado autenticado de óbito da poesia, da minha pelo menos.

Mas me perguntou então o meu alter ego se eu não poderia dar à plateia que eu não via, ou que não havia, o prazer de explicar como eu tivera a infelicidade, ou a felicidade, dependendo de quem diga, de ter crescido demais e ultrapassado a poesia. Lembro-me de ter, então, dito alguma coisa mais ou menos assim.

Tudo começou quando começou, eu tinha dezoito anos. Tinha também nenhum plano, doía na alma uma coisa que eu bem sabia o que, mas que poeticamente não convém dar um nome. Então, expulso da realidade, achei meu conforto no amor perfeito, o de uma morta, e escrevi-lhe trinta e nove versos cortantes que, se não eram afiados no romantismo, pelo menos continham lágrimas suficientes para lavar deles a tinta nova do século vinte e fazê-los parecidos com desbotados faqueiros de museu. Quando eu terminei estava quase chorando, todos os meus poemas tinham esse calor que só se tem quando ainda é cedo. Eram versos dispensáveis e melados, do tipo que nem a minha mãe leria, mas eu não tinha escrito uma Ilíada, apenas confessara meus pecados ao papel e para mim aqueles rabiscos tinham mais valor do que o Paraíso Perdido.

O poeta estremeceu-se ao me ouvir dizer um número tão grande. “Trinta e nove”, quase uma blasfêmia. Imagino que se eu estivesse em um debate de verdade haveria alguns vates que recuariam os seus troncos, pasmos, como eu exalasse uma pestilência.

— Trinta e nove versos! Eis aí um exagero! Não me admira que lhe tenha morrido a poesia. Você a afogou em uma torrente de vocabulário, como um padre que afoga a criança em um lago no dia do batizado, em vez de apenas molhar-lhe a cabeça.

Tive de explicar ao poeta que eu creio noutra poesia. Há muitos poetas que pretendem um poema vácuo, brevíssimo, relampejado. Eu porém, prefiro que seja intenso (mesmo que precise ser extenso) e sem nenhum pejo de uma voz que grite o que penso. Não deixo flor branco nas minhas paisagens, para que os leitores usem seus lápis de cores. Que o leitor recubra com sua tinta a cor que escolhi, gerando outro matiz, que encontre ele mesmo onde enfiar a sua flor, que arranque alguma minha se necessário.

Fazer a poesia é como sair pelo mundo a catar poedras. Eu não procuro poedregulhos. Há quem aceite até fezes secas, sementinhas secas. Eu procuro o que nunca foi úmido, porque o ressecado me entristece. Não importo de carregar um: não vou polir grãozinhos de granito para fazer um colar que ninguém use.

Pois nisso morreu minha poesia. Não morreu quando escrevi meus trinta e nove versos de amor à minha amada morta, mas quando terminei de lapidar a obra que lhe dedicava. Eu comecei com uma poedra generosa e tanto martelei e meditei que encontrei dentro dela, timidamente, a semente de outra poedra. E então descobri, na poedrinha ali oculta desde o início, não apenas uma coisa nova, mas a coisa original, perdida, eterna, que eu sempre quisera ter dito. Os versos que achei não apenas eram, e são, o resumo do conjunto de todos os outros mas, muito mais importante do que isto, são a expressão exata de tudo.2 Foi tão chocante a experiência disso que eu não tenho mais escrito nenhuma poesia desde o dia em que me acertou aquela poedra.

Meu interlocutor imaginário ficou tão surpreso quanto eu, exatamente tanto quanto eu. Porque de fato, naquele instante de um feriado cívico que eu nem tenho razão para comemorar, enquanto eu suava penosas calorias numa manhã que prometia chuva, eu descobri uma coisa que eu não sabia. Até segunda feira eu sabia que não escrevia poesia. Desde terça feira eu sei porque.

O que acontece é que, instintivamente, eu não tenho guardada em gaveta alguma a versão colhida, a versão comprida, a versão cheia, a versão original destes trinta e nove versos. Mas tenho duas versões mais completas, verdadeiramente poedras:

Minha morte, tua morte
Outras que virão.
O pássaro morre
Apesar da canção.

E uma versão ainda mais completa:

O pássaro morre
Apesar da canção.

Quando dei-me conta do processo inteiro, que tardou para extrair uma poedra de uma massa disforme de versos, morri com a minha poesia. Não havia como continuar tentando, ou estaria fadado a produzir um livreto de quarenta e nove páginas — e ele talvez fosse mais relevante do que os outros que ainda poderei escrever. Hoje prefiro usar o meu talento para erguer frases mais cheias. Gosto de poluir o mundo com muitas palavras, cresci demais, passei da poesia.

1 Dizemos que são poetas os escritores quando eles se ocupam em fazer livros fininhos, sem um assunto definido, muitas vezes tipograficamente compostos de uma forma estranha, cheios de desvios propositais de ortografia (que são sempre bons para fazer com que os involuntários se percam no meio) e com prefácios, dedicatórias, sumários e biografias que, juntos, perfazem mais palavras que todo o conteúdo.

2 Eu devo dizer que não acredito em resumos tanto quanto não acredito em beijos breves, em pequenas doses, em “rapidinhas” ou em livros que não parem de pé na estante.


27
Ago 11
publicado por José Geraldo, às 17:40link do post | comentar

Amanheci com náuseas. Não é infrequente que isso aconteça comigo: mesmo depois de ter removida a vesícula eu ainda passo por esses perrengues ocasionais. Especialmente depois de comer chocolate, ou frituras. Mas quem disse que eu vou deixar de comer um belo pastel de queijo só por causa de um fígado? Pois é, rendi-me à gula e amanheci mareado como um marujo de primeira viagem.

Só não vomitei. Talvez tenha sido o meu azar: os males materiais, tanto quanto os espirituais, nos deixam de atormentar quanto “postos para fora”. Uma confissão de culpa, um pedido de perdão, uma diarreia ou um berro pelo Juca. Todas são formas de purificação.

Mas melhorei um pouco depois de tomar um sal de fruta e um comprimido para enjoo e fui trabalhar. Má ideia, má ideia. Passei a manhã com calafrios, uma ligeira dor de cabeça, dificuldade para ficar de pé sem tontear e uma vaga vontade de algo que eu não sabia o que poderia ser. Lá pelas onze e quarenta da manhã eu desisti. Antes de sair para almoçar comuniquei ao gerente que eu positivamente não estava bem e que estava indo ao médico.

Sexta-feira, puxa vida! Coisa mais difícil é achar médico hoje! A não ser pelos que estão nos plantões, os outros certamente já estão viajando ou então com consultórios lotados. Mas tudo bem, para isso existe o pronto socorro e eu não estou exatamente morrendo neste momento. Depois de me certificar que a carteirinha do plano de saúde estava no bolso, encarei a subida.

Disse “subida” porque o hospital é conveniente situado no alto de um morro bem alto. Quem não tem dinheiro para táxi só chega lá se for de ambulância ou a pé, subindo uma escadaria maior que a que Jacó sonhou que levava ao céu. Pelo menos é o que você sente quando está passando mal e tentando galgar aqueles malditos degraus. Eu poderia ter ido de táxi, mas meu orgulho macho me impedia de pagar oito reais para um deslocamento de apenas duzentos e vinte e metros, ainda que fosse praticamente na vertical.

Meu primeiro desafio foi adivinha onde deveria me apresentar para o atendimento. Cada vez que venho aqui me indicam uma porta diferente. São apenas duas entradas, mas eu consigo sempre escolher da primeira vez a porta errada. Não é curioso isso? Parece que, como a maioria dos humanos, eu só faço a coisa certa depois de esgotadas as outras possibilidades. Pensando bem o mundo seria um lugar melhor se não houvesse tantas opções…

Eu já mal conseguia falar quando entreguei meus documentos para a recepcionista. Por sorte ela conseguiu compreender os meus grunhidos. Ou talvez ela apenas tenha tido a inteligência de imaginar que eu estava ali procurando atendimento. Digo “inteligência” porque houve outras vezes e lugares em que eu não tive a sorte de ser compreendido com tanta facilidade.

Esperei cerca de duas revistas semanais inteiras. Duas vezes me apresentei de novo ao balcão, para espanto da recepcionista: “Mas você não foi atendido ainda? Aguarde só mais um momento que eu vou verificar se o Doutor já pode recebê-lo”. Mesmo com vontade de vomitar no saguão eu conseguia achar estranho que ela colocasse os pronomes com tanta competência.

Por fim me vi diante do médico. Imagino que ele deve encarar umas trinta pessoas por semana sentindo o mesmo que eu. Para um médico experiente certos males devem quase deixar uma etiqueta na testa do paciente. Pálido, esverdeado, reclamando dor de cabeça, querendo vomitar mas não conseguindo, zonzo.

— Muito bem, meu filho, você comeu alguma coisa estranha ontem?

— Lembro vagamente de ter comido um pastel de queijo, doutor.

Ele me recriminou com um olhar penetrante:

— Foi só isso?

Diante da argúcia quase sacerdotal daquele homem eu tive de confessar:

— Também uns biscoitos recheados de chocolate. Mea culpa, mea grandissima culpa.

— Você devia saber que não deve abusar. Seu fígado não aguenta tudo isso, meu filho.

Ele rabiscou seus hieróglifos nos formulários e me indicou a uma enfermeira. Ela, porém, se limitou a me instalar em uma cama na enfermaria. Deitei-me ainda calçado de sapatos, com a gravata afrouxada, a carteira no bolso da camisa, o relógio no braço, o celular no bolso esquerdo da calça e o chaveiro no direito.

Longos minutos depois apareceu um enfermeiro para me pôr no soro. Não gostei. De alguma forma sempre acho que as agulhadas dadas pelas enfermeiras doem menos. Ele até que tentou facilitar as coisas, contando umas piadinhas e tentando fingir que me conhecia de algum lugar, mas eu quase lhe mandei para aquele lugar quando ele enfiou a agulha no dorso da mão. Detesto agulhas, detesto injeção, detesto soro, detesto coleta de amostras, detesto tudo isso. E não detesto por frescura, mas por excessivo costume.

Ele queria também que eu mijasse num potinho para fazer o exame de urina. Confesso que nunca na minha vida mijei na frente de um homem. Deve ter tido uma vez ou duas em que fiz isso diante de uma mulher — e nem assim gostei. De qualquer forma eu não tinha nada na bexiga ainda, porque meu estômago andava tão embrulhado que até água me fazia enjoar. Ele então me disse que voltaria quinze minutos depois para colher sangue e eu teria uma segunda chance. Não me empolguei com essa perspectiva.

Não foi ele que voltou, foi um enfermeiro com cara de lutador de jiu-jitsu. O tamanho do braço do cara me fez tremer mais do que o meu fígado empesteado. Só de pensar que seria ele a colher amostra do meu sangue eu tive vontade de levantar da cama, dizer que já estava bom e rolar morro abaixo até em casa.

Meu braço esquerdo estava com o soro, por isso ele resolveu fazer a coleta no direito. Como a cama ficava encostada na parede e a posição ficava meio desajeitada, ele resolveu o problema simplesmente eguendo-a, comigo em cima, e deslocando um metro para o lado, sem sequer fazer careta. Depois disso pegou a seringa e se preparou para coletar o sangue. Eu devia estar passando mal a ponto de estar fora de meu juízo, pois nesse momento ao escrever eu tenho mais medo do que senti na cena ao vivo. Mas ele tinha uma mão surpreendentemente leve, e colheu o sangue sem que eu quase sentisse. Muita mocinha bonita de sorriso meigo me causou mais dor do que aquele homem que erguera uma cama de ferro com meus cem quilos em cima. Mesmo assim, quando ele me perguntou se eu já estava pronto para a amostra de urina eu disse que não. Jurei que não. Por nada nesse mundo admitiria que sim.

O soro estava previsto para vinte minutos. Durou quarenta e cinco. Em parte porque eu mesmo, prevendo que iam demorar a me visitar de novo, fui ajustando as gotas para diminuírem de ritmo. Mas acabei cochilando e quando acordei o meu sangue havia subido até a metade do tubo. Não havia campainha ali, nem qualquer meio para chamar socorro. Fechei rapidamente o torniquete e levantei da cama para buscar alguém. O corredor da enfermaria estava vazio, a não ser por dois pedreiros fazendo uma reforma. Alguns pacientes e seus acompanhantes murmuravam nos outros quartos.

Deitei de novo, por alguns minutos, e então a bexiga começou a me incomodar. Olhei no relógio, já eram quase duas horas da tarde, o soro tinha acabado quase quarenta minutos antes. Peguei o potinho de plástico e me arrastei até o banheiro carregando o poste do soro. Urinei uma amostra e tentei acertar o resto no vaso, mas molhei a mão, o pote, o tubo de soro e o meu sapato. E ainda sobrou um pouco para a cueca. Sempre sobra. Lavei as mãos na pia, tentei limpar a calça e não me incomodei nem com o inalcançável sapato e nem com o tubo do soro.

Então me dirigi ao balcão, onde a enfermeira distraída preenchia uma ficha. Eu tinha chamado tantas vezes e ela não me ouvira. Por sorte meu caso não era grave, ou ela só teria ouvido o choro da família no dia seguinte. Entreguei-lhe o pote todo molhado de urina, com a metade de um sorriso no rosto. Uma doce vingança. Ela me fuzilou com os olhos e eu comecei a ter dificuldades para segurar o resto do riso.

No meio do caminho até o quarto encontrei o primeiro enfermeiro, o que me pusera no soro. Ao ver minha situação ele me pediu calma e disse que iria logo me tirar daquela situação. O “logo” demorou quase um quarto de hora. Mas enfim ele tirou a agulha da minha mão, não sem outro xingamento abafado de minha parte.

O doutor estava ocupado. Me pediram que aguardasse, pois o exame de sangue ficaria logo pronto. Dentro de uma hora mais ou menos eu saberia se não estava com dengue ou alguma “virose” e poderia ir para casa. Ainda estava enjoado, bastante enjoado, e sentia uma forte dor de cabeça. Mas tudo isso acompanhado de uma sonolência intensa, e a cabeça não doía quando eu fechava os olhos. A consequência natural desse conjunto de sintomas foi eu dormir logo, tão logo me vi sem soro no braço para me incomodar. Aninhei-me no leito em posição fetal e dormi de babar na fronha do travesseiro.

Quando acordei a luz mortiça do entardecer entrava obliquamente pela janela. Pardais chilreavam nas árvores próximas à janela. Assustei-me com a hora. Será que me fariam passar a noite? Saí ao corredor em busca de respostas e fiquei ainda mais estupefato de saber que ninguém da turma que me atendera estava ainda por lá. O médico era outro, inclusive um velho conhecido meu, as enfermeiras eram outras. Eles me viram até com certa surpresa, como se eu fosse uma espécie de aparição. Por um momento eu tive a vaga impressão de que eles não sabiam quem eu era e o que eu estava fazendo ali. Se eu não estivesse amarrotado da soneca eles talvez achassem que eu estava chegando. Ou talvez ainda assim achassem, pois bêbados costumam chegar amarrotados.

Depois que me expliquei com o médico, quase pedindo desculpas, ele finalmente achou meu prontuário, mas não conseguiu saber o que fazer comigo. Não sei se foi porque não leu os hieróglifos do outro ou se os registros estavam incompletos. Os exames ainda não estavam prontos àquela hora, ou estavam, não sei. Ele tampouco. Chamou-me ao consultório, mediu-me a pressão e a temperatura e me fez algumas perguntas, sempre insistindo em perguntar se eu estava me sentindo bem, afinal. Respondi que sim em duas das três vezes e ele concluiu, então, que eu devia ir embora.

Saí pela porta da frente do hospital, cambaleando como quem sai de uma festa sozinho. Desci o morro com cuidado para não tropeçar e enfim cheguei em casa. Houve um tempo em que morar perto do hospital já foi considerado um conforto. Tomei um banho rápido, porque ainda me sentia tonto de ficar em pé, e caí na cama para dormir ainda mais. Quem me curou foi o tempo: amanheci melhor no dia seguinte.


23
Abr 11
publicado por José Geraldo, às 13:47link do post | comentar | ver comentários (1)

Vocês que acompanham este blog devem ter notado que iniciei um projeto de tradução do romance “The House on the Borderland”, a que intitulei “A Casa no Fim do Mundo” (o título significaria, literalmente, “A Casa Sobre a Fronteira”, mas isto faria pouco sentido para o leitor, razão porque preferi mudar). Como a obra é desconhecida no Brasil (apesar de ter sido escrita no início do século XX e até já estar, inclusive, em domínio público), alguns podem estar perguntando o que motivou a minha decisão de traduzi-la — e qual a relevância literária de um tal trabalho. Este artigo pretende responder, ao menos em parte, este tipo de questionamento.

Antes de mais nada devo dizer que não devemos nos limitar unicamente a fazer aquilo que é grande e que é relevante. Não devemos ler somente o que é clássico, nem devemos ouvir apenas a música que faz mais sucesso atualmente. É na diversidade que se acha o prazer da vida, como diz um sábio ditado: o que seria do azul se todos gostassem do amarelo. Minha decisão de traduzir a obra de William Hope Hodgson; ainda inédita em português, pelo que me consta; motiva-se principalmente pelo desejo de trazer o autor ao conhecimento de um público maior. Seria tolice minha afirmar que Hodgson é um clássico esquecido ou um gênio incompreendido da literatura: não tenho gabarito para tais afirmações. O que afirmo é que se trata de um autor que vale a pena ler, mas que quase ninguém no Brasil já leu, pelo simples fato de não ter acesso à sua obra em nossa língua. Traduzindo-a, permitirei que mais pessoas a conheçam e possam achar motivos próprios para gostar dela.

Um segundo motivo importante é a relevância deste autor para um gênero literário que está em voga atualmente: a literatura “fantástica” (aqui um rótulo abrangente para incluir ficção científica, fantasia, terror, mitologia, ficção histórica e outros temas que se cruzam facilmente na obra de seus maiores expoentes). Hodgson foi um pioneiro do gênero que hoje é chamado de “new weird”, que consiste em justamente empregar com liberdade os temas acima mencionados, e outros inclusive. Há cem anos, este inglês (aparentado com irlandeses) mesclava reencarnação, piratas do Caribe, cosmologia, histórias de marinheiro, romances platônicos, literatura gótica, lendas célticas, arquétipos mitológicos, teorias de psicologia e outras coisas, resultando em um universo caótico e rico.

Hodgson foi autor de uma obra extensa, caracterizada pela virilidade e autoconfiança de seus personagens, que no entanto não são sempre meros homens de ação. De sua obra, dois romances saltam à vista, pela grande qualidade de sua concepção e por estarem intimamente relacionados pelo tema: “A Terra Noturna” (The Night Land) e “A Casa no Fim do Mundo” (The House on the Borderland). Embora, à uma primeira vista, ambos sejam muito diferente (quanto à linguagem e à construção dos personagens, principalmente), os dois se complementares no aspecto da cosmogonia envolvida: uma cosmogonia pessimista que reflete muito o estado de espírito dos homens da Belle Époque.

“A Casa no Fim do Mundo” narra a história de um nobre irlandês, o nome nunca é dito, que se isola em uma antiga e estranha mansão, no extremo oeste do país, o chamado Gaeltacht — a região onde todo mundo falava (pelo menos na época em que a história se passa) apenas a língua irlandesa céltica. A casa, ele comprara por um preço irrisório, devido à fama de mal-assombrada, que lhe havia deixado sem morador por quase um século.

Nesta casa encontramos o narrador, cuja história nos chega através do “manuscrito” achado pelos senhores Tonnison e Berreggnog (uma estranha dupla de ingleses que, sabe-se lá por que motivo, resolveu acampar bem no meio do nada, em uma região da Irlanda cujo povo nem sabia inglês). Ele está diante de um mistério: a aparição de misteriosas criaturas de aparência suína, que passaram a atacá-lo desde que teve um transe que durara um dia inteiro, durante o qual obteve um vislumbre do universo. Acompanhamos este irlandês sem nome, que ali vive sozinho com uma irmã mais velha, chamada somente de “Mary”, enquanto enfrenta os tais caras de porco. Depois o seguimos em suas explorações do terreno, juntamente com ele fazemos interessantes descobertas sobre sua casa até, por fim, mergulharmos com ele em um gigantesco pesadelo cósmico que vai além de tudo quanto podemos imaginar e cujas consequências fogem não apenas às leis básicas da ciência, como vão até contra os princípios mais comuns da lógica narrativa. Tão poderosa e estranha é a narrativa da segunda parte do romance, cujo tom quase psicodélico deixa o leitor quase todo o tempo “sem chão”, que não são poucos os leitores que a rejeitam, não são poucos os que dizem que o romance “teria sido melhor” caso tivesse somente a primeira parte.

Gosto é gosto, uma afirmação tautológica até inútil, mas é verdade que sem a segunda parte “A Casa no Fim do Mundo” mereceria menos atenção, seria apenas uma história de horror bem material, sobre um esquisitão recluso enfrentando porcos espertos (ou algo assim). Certamente menos interessante do que o redemoinho de ideias a que a segunda parte tenta nos levar. Mas é justamente nesse redemoinho que está a parte que mais interessa a respeito de Hodgson: ali está sua singular concepção de um universo fantástico que mescla cosmologia clássica (pré-relativística) com elementos da mitologia grega, teorias de reencarnação, engenharia militar, ideais esportivos (fisiculturismo) e ideologia nacionalista. Uma senhora barafunda, que resulta em um universo fantástico original, muito diferente do padrão tolkieniano de elfos, dragões, feiticeiros e frágeis civilizações perdidas ambientadas numa idade média imaginária. Apenas para atiçar a curiosidade dos leitores, a inspiração de Hodgson não é um passado decadente, mas um futuro inevitável.

Hodgson não é um autor habilidoso com as palavras. Sua narrativa nunca soa redonda, devido à frequência irritante com que repete expressões e palavras, devido à pouca variedade da sintaxe e asperezas diversas. Os seus defeitos ainda foram exacerbados por sua tentativa de ir além dos limites de sua cultura, imitando canhestramente a linguagem de autores barrocos e neoclássicos sem ter vocabulário ou conhecimento filológico para isso. Tais defeitos são bem menos pronunciados em “A Casa no Fim do Mundo”, que está vazada numa linguagem mais chã e quase estudantil, mas prejudicam de modo terrível o seu melhor e mais relevante romance, “Terra Noturna”, a ponto de muitos críticos recomendarem que capítulos inteiros sejam saltados durante a leitura, ou que seja lido em versões resumidas. No entanto, uma tradução cuidadosa, enxugando um pouco dos defeitos da prosa de um autor que pouco interagia com a crítica ou com outros autores, revela a força imaginativa de um homem à frente de seu tempo em uma variedade de aspectos, que, porém, ainda assim, de outras maneiras, era preso a convenções e ideais do passado, como a castidade pré-nupcial, o romance cortês, os valores cavalheirescos e a força de uma religiosidade heterodoxa (Hodgson era espiritualista) que parecia, naquela era de fascínio pela ciência, uma sombra do medievo a repousar sobre seu caráter.

E tal tradução nos permitirá apreciar, em Hodgson, um gênero literário que estava ainda em sua infância, uma época em que ainda não havia se fixado na repetitividade que o caracterizou depois.


Uma lista de conceitos que fazem parte do universo ficcional de William Hope Hodgson

  • Ameaça Alienígena
  • Amor cortês
  • Arcologia
  • Armas misteriosas
  • Deuses Astronautas
  • Energias místicas
  • Fisiculturismo
  • Perigosos Trópicos
  • Poder das Pirâmides
  • Portais Dimensionais
  • Reencarnação
  • Romantismo da Pirataria
  • Terra Oca
  • Valores cavalheirescos
  • Viagem no Tempo
  • Virtude da Virgindade

Se você se interessou, saiba que a tradução terminou e estou preparando já o e-book. Confira os detalhes aqui.


28
Dez 10
publicado por José Geraldo, às 23:01link do post | comentar

Gabriela era uma menina comum, filha de pais bem comuns, que morava numa casa bem comum numa cidade qualquer. Como quase todas as meninas ela gostava muito de histórias e não passava uma noite sem pedir que seu pai ou sua mãe lhe contassem uma antes de dormir.

Infelizmente os pais de Gabriela não sabiam muitas histórias. Eles eram pessoas ocupadas e sem paciência, passavam seus dias trabalhando e reclamando da vida — não tinham muito tempo para divertir-se e muito menos para ler livros e aprender histórias. Por causa disso foram muitas as noites em que Gabriela teve de dormir sem história, ouvindo história repetida, ou tendo de contentar-se com uma historinha sem graça qualquer.

Mas Gabriela era uma menina estudiosa e logo aprendeu a ler. Quando percebeu que já sabia juntar as letras e formar palavras ela ficou muito curiosa para saber o que havia escrito nos livros que enchiam as prateleiras da biblioteca da escola. Ah, eram tantos livros! com capas feias ou bonitas, com páginas branquinhas ou amareladas, cada um contendo uma ou muitas histórias!

A partir desse dia Gabriela começou a ler os livros da biblioteca. Todo dia ela voltava para casa com algum debaixo do braço e só o devolvida depois de ter lido tudo, tudinho. Começou com os livros fininhos, que tinham histórias curtinhas e muitas figuras. Depois começou a pegar livros mais grossos, que tinham menos espaço desperdiçado com figuras e muito mais história para ler. Quando Gabriela chegou na quinta série já tinha lido quase todos os livros da biblioteca.

Então ela já estava grandinha e foi transferida para outra escola. Nessa escola havia uma biblioteca maior, com muito mais livros. Gabriela andou por entre as imensas estantes de aço, cheias até não caber mais, e pensou: “vou ter que ler cada vez mais depressa para ter tempo de ler isso tudo até a oitava série”…

E assim ela começou. Todos os dias ela pegava dois livros, lia o mais grosso à tarde e deixava o outro para a noite, antes de dormir. Havia alguns que eram tão grossos que era preciso duas tardes de leitura, mas Gabriela não tinha problemas com isso: quando o livro era bom ela sempre ficava triste quando a história acabava, pois não tinha nenhuma graça ler de novo, cada livro ficava como uma alegre lembrança que nunca mais seria vivida.

Com o tempo ela percebeu que os melhores livros nem sempre eram os mais bonitos, percebeu também que não eram só os livros de histórias que eram bons de ler. Havia também livros de várias matérias que eram tão bem escritos que faziam o estudo virar um prazer: foi assim que ela aprendeu a História do Mundo, que descobriu como é o universo, como surgiu e evoluiu a vida, como funciona o corpo humano. Essas histórias eram tão boas quanto os romances de capa-e-espada e os contos de fadas.

Havia também alguns livros de histórias que eram diferentes dos outros, pois contavam histórias que haviam acontecido mesmo, alguns tinham até as fotos das pessoas que haviam vivido a história. Esses eram geralmente livros tristes, que nem sempre tinham um final feliz — mas Gabriela gostava de ler histórias que tinham acontecido, porque assim ela sentia que o mundo real também era interessante.

Um dia ela achou que não havia mais nada interessante na biblioteca para ler e ficou triste. Foi aí que ela percebeu, lá no alto e no cantinho da última prateleira, um livro que parecia ser muito velho, mas que ela nunca tinha visto antes. “Deve ser alguma doação” — ela pensou. E fez questão de ler.

O curioso é que o livro não tinha título na capa, e nem por dentro. Não tinha nome do autor, nem índice, nem endereço de editora. Também não tinha números nas páginas e nem estava dividido em capítulos. A história começava no alto da primeira página após a capa e continuava até o último espaço da última página. Ou pelo menos era o que parecia, pois Gabriela não deixou de pensar que poderiam estar faltando páginas, tanto no começo quanto no fim.

As letras eram letras grandes, maiores que os tipos dos outros livros, mas menores que as letras dos livros para crianças pequenas. Eram letras estranhas, que à primeira vista não pareciam diferentes das letras de livros comuns, mas cada vez que você olhava de novo era como se percebesse um detalhe diferente. Era como se cada letra fosse diferente da outra, faltando um ponto ou sobrando, com uma curva diferente, uma perna mais comprida ou algum defeito do papel deformando um canto. Parecia até que alguém havia caprichosamente desenhado à mão cada palavra daquele livro estranho e sem figuras.

Gabriela tentou folheá-lo para ver o que havia por dentro, mas não conseguiu. As páginas eram grossas, úmidas, meio mofadas ou afetadas pela poeira. Grudavam-se, eram pesadas, algumas pareciam definitivamente pregadas nas outras ou até com dobras não cortadas. Como se o livro nunca tivesse sido lido ou como se tivesse ficado fechado por muitos anos. “E como deve ser triste, quando se é um livro, ficar tanto tempo fechado, sem passar pelas mãos de ninguém, sem contar sua história a nenhum leitor”.

Gabriela foi até a entrada para registrar o empréstimo. A bibliotecária lhe sorriu e lhe deu boa-tarde e Gabriela foi embora feliz, levando o livro.

Em casa ela passou toda a tarde lendo. A história era do tipo que prendia mesmo. Cada página aparecia outro personagem — ou saía algum da história de alguma forma. Parecia que eram muitos os personagens principais, tantos que Gabriela logo começou a perder a conta de seus nomes. A história era cheia de voltas, idas e vindas. Diferentes histórias que se cruzavam a todo o momento e depois se separavam de novo. Falava de uma terra estranha onde havia uma rainha viúva e uma princesa solteira que não queria casar. De dragões que eram mansos e de fadas que eram más — e também do contrário. De tanta coisa que Gabriela tinha de parar para pensar e organizar-se.

Os dias seguintes foram dias de aventura. A história do livro ocupou sua mente quase que sem parar, era como ela nem tivesse mais tempo para a escola ou para amigos. Mas era tão bom ler aquela história, ouvir falar da língua estranha do povo Pt que só conhecia uma vogal e setenta e nove consoantes, ou do povo Ao, cuja língua só tinha vogais (trinta e duas). Haviam os príncipes ladrões e o elefante magro que ensinava o tigre a comer alface — e tantas outras coisas absurdas que faziam rir. Mas havia também coisas tristes demais, mortes e mistérios e separações.

Gabriela levou exatamente sete dias para ler o livro inteiro, a contar da hora exata em que saiu da biblioteca. No exato momento em que deram nove horas e quarenta minutos da manhã, durante os dez minutos de intervalo que ela aproveitara nos cinco dias anteriores para continuar a leitura, ela chegou à última palavra da última página.

Foi um momento de muita alegria, mas também de muita tristeza. Foi como terminar uma tarefa longa, mas foi também como parar de fazer a melhor coisa do mundo. O fim da história também era sem graça. Nada foi resolvido ou terminado. Era como se houvesse mais páginas no livro, muitas mais, mas somente aquelas tivessem sido encadernadas.

Então Gabriela se levantou, foi até a biblioteca, mostrou o livro à bibliotecária e o pôs de volta em seu lugar.

Nos dia seguintes ela continuou pensando naquele livro, naquelas histórias desencontradas — tristes e alegres ao mesmo tempo, naquelas lendas mal contadas. Então criou coragem e resolveu trocar idéias com os colegas. E foi aí que ela descobriu a coisa mais extraordinária de sua vida: ninguém nunca lera aquele livro. Ninguém nunca vira o livro na estante da biblioteca. A própria bibliotecária não soube dizer que livro era: “Quando vi aquela capa toda amassada eu pensei que fosse um dos livros velhos que foram doados, esses imprestáveis que a gente ia acabar jogando fora mesmo…”

Gabriela teve quase raiva — “nenhum livro é imprestável” — mas estava preocupada demais com o livro em si.

Uma colega lhe disse que o livro era obra do demônio, que ela devia orar e esquecer. Mas a professora de redação, que era uma mulher muito doce e que tinha uns olhos enormes e muito negros, muito bonitos, lhe disse algo bem diferente: “Minha querida, você não vê? Esse livro é você mesma? Esse livro são as histórias de que você gosta, as histórias que você queria que alguém tivesse contado. Mas eu vou te falar uma coisa muito bonita: ninguém pode contar as suas histórias a não ser você.”

Gabriela demorou alguns dias para entender. Ela só entendeu numa noite em que estava deitada na cama, sonhando com as histórias do estranho livro, quando de repente percebeu que algumas das histórias de que estava se lembrando eram diferentes das histórias do livro. “Sim, agora eu sei” — pensou Gabriela.

Então ela se levantou, escolheu um caderno bem grosso e uma caneta bem macia. Sentou-se na escrivaninha e começou, devagar e com muito carinho, a contar uma história nova, uma história sua. Uma história que ela queria que tivesse sido contada, mas que ela finalmente percebera que ninguém contaria — a não ser ela mesma.

Originalmente escrito em 14/05/2007


22
Dez 10
publicado por José Geraldo, às 13:29link do post | comentar

Teobaldo tentava esquecer. Poderia ser na próxima golada de cachaça, ou na quinquagésima; tinha medo que não fosse nunca. Por via das dúvidas, entornava para dentro da goela a décima oitava enquanto ouvia Sílvio Luiz esculachando algum centro avante que perdia um gol: “Pelo amor dos meus filhinhos, esse até a minha sogra fazia!” As imagens vacilavam com a interferência da geladeira, o som vacilava com a interferência da gritaria, sua mente vacilava com a interferência de uma arma fria que levava no bolso. Ninguém a vira, ninguém morrera, ninguém morria. Sua vida estava atada ao nada, era uma poça estancada, de alma e de hálitos. Estava sozinho, humilhado e não matava ninguém, nem a si mesmo.

O teto do boteco começava a caçoar de sua determinação de derrotar a memória. Girava em gargarejos súbitos que empurravam suas costas para trás e o seu queixo para a frente. Como um malabarista Teobaldo tentava mergulhar no negrume da noite etílica, mas as lâmpadas teimavam em machucar nos seus olhos a certeza do dia. Então ouvi, como se fosse uma buzina de trem no meio da cerração, a voz gosmenta de alguém.

— Para com isso, homem. Cachaça não dá abraço para curar chifre de coitado.

Teobaldo braguejou prandindo os praços belo ar, guerendo sogar um gicante gualguer, mas gaiu de guatro no gongreto ácido e levou uma balda de áqua vrea na vuza e tesmaiou.

Acordou com o rebimbalhar dos sinos de uma ressaca assassina, a sede de um crucificado lá pela tarde do segundo dia. Estava encostado na parede de fora do boteco e fedia a muito mijo. Um anjo o contemplava, com olhos esperançosos como são os dos mensageiros de Deus. E lhe falou:

— Teobaldo, homem. Levante-se dessa calçada imunda e vá para casa. Tome um banho e tome dignidade. Fazer esse papel não combina com você.

Teobaldo começou a chorar como criança e teve vergonha de ouvir aquilo. Teve vergonha também porque o anjo tinha nojo de seu cheiro enjoativo de enxofre e fósforo — o cheiro de um demônio, ou melhor, cheiro de alguém que dormiu na calçada e urinou na calça. Talvez pior, cheiro de alguém que sofreu a troça de jovens impiedosos.

Nem mesmo a mão ousou erguer. Apoiou-se na parede sentindo-se inferior a tudo, até mesmo à cadela de tetas graúdas e caídas que trotava pelo concreto levando a solidão de muitas maternidades e as cicatrizes de muita fome. Quando conseguiu se erguer, nem teve coragem de passar as mãos no rosto. Teve nojo das próprias mãos. Teve nojo do seu próprio corpo, e tinha uma sede de camelo. Mas não pediu água, não pediu apoio. Última dignidade que lhe restava: ficar sozinho, ir para casa com as próprias pernas. “Chega de anjos”.

Mas o anjo o seguia, lento e calado, como devem ser esses pestes. Não serviam nem para ajudar, e Teobaldo caía muitas vezes — e nem tinha trocados no bolso para um bendito copo de água mineral que aliviaria o inferno. Ver as pessoas bebendo nos bares era como ver o pobre Lázaro no paraíso, tão longe e tão perto. Ao contrário do rico, morreria sem pedir. O desespero é uma coisa para a vida póstuma.

Nem sabia se tinha a chave de casa. Ou uma casa ainda. Andava a esmo, talvez estivesse seguindo para um cemitério ou simplesmente acompanhando a cadela, coitada, que só fazia ser o que era por obra de Deus.

Achou-se em frente a um portão. O anjo acenou que sim. Mesmo Teobaldo gritando “suma da minha vida, eu não preciso de nenhum anjo da guarda”; a criatura permaneceu próxima, apenas cerrou o cenho e maquinou nas mãos um gesto agitado e rude que rompeu a santidade insincera que manipulava.

O sol estava melhor, a sede também — ele é que estava a ponto de morrer ou matar por uma simples garrafa de água com gás. E tinha um revólver, a bala era mais cara, mas não salvava sua vida. Apesar disso, covardemente, preferiu entrar em casa; descobrindo que a porta andava aberta, ou fora aberta miraculosamente — maldito sol matinal.

Foi direto para o banheiro. Beberia água no chuveiro. Para a sede, qualquer água serve. Só pensamos em detalhes quando não é questão de morte. Abriu a torneira fria mesmo, precisava acordar, matar alguém, mesmo de terno. Sorveu daquele líquido clorado, deixou aquele frescor banhar suas orelhas, molhar o seu cabelo, acordar o seu sexo. Perdeu a conta do tempo, felizmente ele não tinha futuro para se preocupar. Felizmente as crianças estavam na escola.

Só descobriu que estava vestido ainda quando foi se ensaboar. Ouviu o teto rir, lembrando ainda a noite. Quanto álcool bebera, puta merda! Era álcool ainda ou ficara no cérebro alguma sequela? Despir-se molhado é uma desgraça.

Pode ter sido meia hora ou oitenta minutos, poderia ter sido o dia. Mas quando saiu do banheiro não estava mais fedido a mijo, próprio nem alheio, tinha feito a barba, esfregado bicarbonato nos dentes até estragar a escova e raspado meio quilo de saburra da língua entorpecida. Penteara o cabelo para trás, como fazia na adolescência, imitando ídolos de um século partido. Saíra restituído em alguma dignidade, mas quem tem passado não tem isso: todo mundo já foi besta um dia, e só sofre mais quem foi besta ontem, porque todo mundo ainda lembra. Malditos os que têm memória longa, sempre se acha um bosta desses quando você está feliz. O melhor amigo é o cachorro que se esquece até dos chutes que você lhe dá.

Margarida estava sentada à mesa da cozinha. Tinha um prato de sopa de fubá com alho diante de si — e um saudável copo de água gasosa, cuja presença por si indicava que a mesa era posta para Teobaldo. “Meu Deus, sou uma minhoca, um mosquito, uma lombriga...” Ali estava Margarida, na cabeceira da mesa, silenciosa com seus olhos enigmáticos, poços pretos profundos impermeáveis à pesquisa de um desesperado como ele. E Margarida olhava para o jornal do dia, que o carteiro trouxera outra vez. “Devia cancelar essa merda”.

Sentou-se na cadeira ao lado. Pegou a colher como se fosse um revólver. Levou sopa à boca como se estivesse enfiando uma bala no lobo temporal. Infelizmente a arma fria no bolso da calça era só o telefone móvel. E o único crime que com ele cometia era ainda ter o telefone de Maria. As orelhas lhe queimavam.

Enquanto sorvia a sopa, em um silêncio cadavérico, via Margarida folheando o jornal, interessada. O ruído das folhas sendo viradas soava na cozinha como os remos de Caronte no Estige. Quando virou a última folha, antes de Teobaldo virar a última colherada, finalmente lhe deu na cara, com aqueles olhos que pareciam redemoinhos de raiva, ou uvas inflamadas.

— Não dormi essa noite pensando em você, seu bosta!

Teobaldo continuou quieto. Queria que ela o xingasse de cada palavra, que ela pisasse em seus ovos usando um tamanco de madeira, que ela pegasse seu coração entre os dedos e espremesse até o músculo virar sangue também. Queria que ela fosse uma assassina, uma mula-sem-cabeça, uma messalina.

Mas não, aquela inútil o olhava com uma expressão amante no rosto, pronta para resignar-se, esperando as explicações, quaisquer que servissem, querendo resgatá-lo, regá-lo com suas lágrimas e recuperá-lo. Ele queria morrer, mas não queria isso, não merecia isso, não queria isso, não merecia isso, repetia isso, estava perdendo de novo o controle. Bebeu o resto da água de um gole só, sofreu com isso, continuou quieto.

— E você não me fala o que está havendo? O que acha que sou, Teobaldo? Acha que sou seu anjo da guarda? Como quer que o ajude se não sei nem o que há com você? Eu o amo, quero ajudar, mas você é uma esfinge. Você é… um alcoólatra? Que depressão o jogou nessa fossa? Você não era assim antes, você nem bebia, você tonteou de beber martíni na primeira vez que saímos, falando coisas engraçadas. Eu gostava tanto de você daquele jeito simples, mas gosto de você de qualquer jeito, quero poder ajudar você de algum jeito…

As palavras saíam, meio sem sentido, repetitivas, na lenta imprecisão do destempero controlado. Maria lhe vinha à cabeça: aquela sim, jamais se rastejava por um homem como Margarida lhe fazia. Mas Maria tinha ido embora e ele nem sabia onde jazia. Era Margarida que ali estava, amando-o, implorando apenas que ele permitisse. Mas Teobaldo era um crápula, tinha que ser. Margarida não o merecia, ela precisava odiá-lo enquanto ainda era tempo, precisava deixá-lo, destruí-lo, esquecê-lo, casar-se com um que não fosse verme, lento, poça, lama.

“Chega de anjos” — berrava a sua mente. Mas a boca boboca babava, balbuciava. Repetia-se em colisões de consoantes, ou talvez em gaguejar garatujado de alguém que não rascunha as frases que diz. Ficava lá em silêncio, possesso, doloroso, querendo Maria e tendo Margarida. Maria, a amada. Margarida a amante. Não, amante de Maria, marido de Margarida. Por amor, por dinheiro. Abandonado, uma fuga para o estrangeiro. Ele ali, jogado no subúrbio, joguete de uma mulher como ele, não de uma exótica princesa. O vazio que ficara na saída de Maria era uma treva que quase o recobria, que destruía seu casamento e anestesiava sua vida. Bebia. Não porque o álcool o chamasse, mas porque morria, ou melhor, porque era o que queria. Não buscava torpor, mas o choque, ou um escroque que o cobrisse de pancada durante a anestesia.

Quando finalmente sentiu o efeito do alho nos pulmões, o calor do mingau se espalhando pelos intestinos vazios, recobrou os sentidos. Pela terceira vez em dois anos. Estava vazio, mas não estava mais embriagado, só doía.

— Eu não mereço isso que você fez comigo, Margarida — foi o que disse.

— P-perdão — foi a estranha, tímida, resposta.

— Estou dizendo que eu não sou digno de você!

— Ah…

Por um momento ele não percebeu. Mas depois teve uma sensação de estar olhando para aqueles exercícios de xadrez que apareciam no jornal. O silêncio naquela cozinha continuava cavernoso, só um pouco mais denso. Ouvia-se o jornal estalar sozinho, com o peso do ar que o apertava na mesa. E os olhos de Margarida, mesmo tão negros quanto antes, mesmo ainda parecendo poços de piche, enigmas esféricos, jabuticabas, todas essas coisas poéticas e precárias que se usa para dar dignidade à simplicidade de um corpo de carne, precário e decadente, que abriga esses sonhos nossos, única coisa diferente, motivo solitário de existirem versos, indústrias, guerras, todas essas coisas grandes e bonitas que duram para depois.

— Que diabo está falando, Margarida?

— Que diabo está falando, Teobaldo?

Teobaldo levantou da mesa bem devagar. Movendo cada músculo tão leve que parecia um beija-flor dançando para uma margarida. Dirigiu-se ao quintal dos fundos, deitou na espreguiçadeira e ficou olhando as hortaliças que cultivava nas horas vagas, o pequeno gazebo de madeira, todo belo de ornamentos, que encomendara ao primo Anastácio, que tinha sumido ganhando a vida na Europa com seus entalhes em madeira. Por que diabos gringo gosta tanto de coisas entalhadas em madeira?

Carros passavam pela rua, escondidos pelo muro de quatro metros, monstruosidade de concreto financiada pelo FGTS para consolidar o lar contra os vizinhos. Margarida não saiu com ele. Ficou lavando a louça e o faqueiro na pia da cozinha. De vez em quando caía uma faca ou uma colher, coisas que acontecem. Por azar quebrou-se um dos pratos de louça também — justo aquele em que tomara a sopa — mas era um dos baratos.

O domingo foi escorrendo pelo céu acima, esquentando a laje de cimento que forrava o caramanchão mal arrumado onde fora o churrasco do casamento de Anastácio com Danila, meses antes. Meses antes de partir-se Maria.

Por fim, quando deu fome, quando o sol chegou até a espreguiçadeira, levantou-se dela suado e salvo. A culpa se partira também. Maria que se fodesse, a vida era mesmo uma merda, melhor limpar do que deixar que fugisse ao controle. Chegou na cozinha e ainda achou Margarida, coitada, esfregando pratos e talheres. Pelo tempo que passara devia ser a décima vez que esfregava a esponja em cada garfo.

— Margarida, tenho pensando num monte de coisas, sabe. E tomei uma decisão muito importante hoje.

— O q…? — ela nem conseguia terminar a pergunta.

Teobaldo imaginou o que aconteceria. Filmou cada cena do futuro não acontecido. Margarida que abdicara de uma carreira para poder criar os dois filhos, vivendo de pensão que ele nem sempre poderia pagar em dia. A casa, herança tão afortunada de uma tia, vendida para pagar as custas do desquite, cada um vivendo em seu apartamento. Pensou na barba grisalha que tinha de manter raspada, nos vincos que atrapalhavam a sorrir, nas varizes que rasgariam mapas rodoviários em suas pernas. Futuros dias de pais e mães condensando culpas e acusações de coisas meio acontecidas. Tudo isso parecia pesadelo. Maria tinha ido embora. Tinha ido tarde, ela que fodesse, a piranha, com todos os frescos estrangeiros que encontrasse, que não voltasse nunca depois de usada e jogada fora, que achasse um que a fodesse bastante para ela não querer mais sair daqueles lugares frios aonde Teobaldo jamais iria. “Chega de anjos”.

— Eu entro para os Alcoólicos Anônimos amanhã.

Margarida desprendeu um suspiro imenso e o abraçou com força, manchando de espuma de detergente o pijama que ele ainda vestia. “Chega de anjos” — pensou Teobaldo. Deixou-a terminando de guardar a louça e foi assistir alguma coisa na televisão. Algum jogo idiota de campeonato estrangeiro (talvez Maria estivesse na arquibancada ao lado de algum afortunado gringo, careca e impotente, exibida como troféu, impunemente). Enquanto olhava a tela, resvalava com o olhar a foto da família, parecendo torta. A semente do diabo, plantada por um curto diálogo, ribombava em sua mente apenas com uma determinação quase demente: “Bentinho era imbecil”.

E nessa repetição a saudade de Maria morria e crescia com força a crença indiscutível, de que merecia e queria Margarida.


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