Em um mundo eternamente provisório, efêmeras letras elétricas nas telas de dispositivos eletrônicos.
16
Mar 13
publicado por José Geraldo, às 11:33link do post | comentar | ver comentários (1)
Este é um texto que eu gostaria que todo mundo copiasse e compartilhasse, com ou sem atribuição de autoria.

O copiador de conteúdo trabalha contra o objetivo maior do novato, que é o de tornar-se conhe­cido. Aquilo que ele semeia, o copiador vem e arranca. Se você é um escritor novo e des­co­nhe­cido, o seu maior inimigo não é o editor vampiro, porque ele não pode invadir o seu bolso a menos que você o convide a entrar. Com alguma dose de bom senso e bons conselhos, você pode até conseguir utilizar em seu proveito os serviços de uma editora ruim. Mas você não pode fugir do copiador de conteúdo, a menos que evite blogar.

Esta é uma solução inaceitável, porém. Como não blogar se justamente o blogue é o meio pelo qual o escritor anônimo pode esperar chegar a um público e ser reconhecido? As gavetas não avaliarão o seu texto e as quatro paredes de seu quarto nunca lhe oferecerão um contrato. Eis, então, a monstruosidade do copiador de conteúdo, e eis porque os estou convidando a entrarem comigo nessa luta.

É legítimo que o jovem autor, ou o autor amador, jovem ou não, crie blogues para compartir os seus textos com o mundo. A internet oferece essa via para aqueles que não têm mídia. Muitos autores começaram blogando, lá fora até mais do que aqui. Quando cria um blogue para compartilhar os seus textos, o que espera é que pessoas venham ler e retornem caso gostem. Você quer que memorizem o seu nome para que adquiram seu livro, se futu­ramente aparecer numa prateleira de livraria, material ou virtual. Acessoriamente você pode esperar ganhar algum dinheiro com anúncios. Cada um desses objetivos é frustrado pelo copiador.

O copiador de conteúdo cria um blogue ou saite, mas o utiliza para republicar textos escritos por outras pessoas, retirados de outros blogues ou saites, em vez de populá-lo com os seus pró­prios textos, ou de autores exclusivos. Isto pode ser feito com o consentimento do autor e con­forme con­di­ções negociadas (podendo ou não envolver valores). Neste caso, não há sacanagem envolvida. Se, por acaso, houver erro nos procedimentos, é caso para se corrigir. No máximo, pedir desculpas. A sacanagem começa quando a transferência ocorre à revelia do autor e/ou desrespeitando as condi­ções propostas.

Idealmente, não deveria haver nenhuma cópia de conteúdo porque, como disse acima, o autor coloca seu texto na internet para se promover. O autor “gosta de aparecer”. Se não gostasse, não criava blogue, não fazia Facebook, não participava de antologia, nada disso. Então, quando tira o texto do blogue e o leva para outro lugar, você está desaparecendo um pouco com a promoção que o autor queria fazer para si. No entanto, se você faz um bom tra­balho de divulgação do seu grande meta-blogue ou saite, o autor não vai se importar com isso porque a visibilidade que ele terá com o seu texto, mesmo entre dezenas, em um saite muito visitado pode ser maior do que a de seu obscuro blogue original. Por isso, esse “idealmente” é muito relativo. E ninguém deve ter vergonha de copiar texto de blogue para pôr no seu saite, pelos motivos acima expostos.

É justamente essa visibilidade que traz a "remuneração" metafórica que o autor busca. Você deve permitir que o autor usufrua do benefício de ter um texto no seu grande meta-blogue ou saite, através do aumento da exposição de seu blogue original e de seu nome. Caso você crie obstáculos para essa visibilidade do autor você está sendo canalha com ele. E esse texto é contra você. Você é parte do que está errado no mundo. Você é um vampiro de conteúdo.

O primeiro passo da vampiragem é não notificar o autor. Esse simples aviso já é uma remu­ne­ração para um autor amador. Dependendo do renome de seu saite, o autor mandará e-mail a muita gente para gabar-se que foi selecionado (o que não deixa de ser publicidade gratuita para você). É um estímulo, também, para que ele continue produzindo.

Em seguida está a não atribuição de um link recíproco (backlink). Esse link direcionará os leitores do texto para o endereço de onde foi retirado. Quem gostar daquele texto procurará ler outros do mesmo autor. Esse aumento de tráfego poderá gerar receita de publicidade para o autor (através de AdSense ou outro serviço) ou pode servir como outro estímulo.

O último nível em que ainda dá para supor a boa fé está na remoção do crédito da autoria. Ainda é possível pensar que foi apenas erro (caso tenha sido um caso isolado) ou um mero desconhecimento da etiqueta (especialmente no caso de traduções). Mas a remoção da autoria já é uma ação perniciosa, que trabalha contra o reconhecimento do trabalho do autor, cer­ta­mente já lhe causando grande frustração. Muitos textos acabam se tornando apócrifos por causa disso, negando crédito a quem realmente os escreveu.

Saindo do terreno dos incautos e caindo firmemente na área da picaretagem amadora, existe gente que se atribui (ou a outrem) a autoria dos textos copiados. Isso nem sempre é aparente, basta uma simples notícia de copyright no rodapé da página (frequentemente adicionada por padrão a todas as páginas do blogue ou saite) para configurar uma reivindicação de autoria. Picare­tas um pouco mais mal-intencionados vão mascarar a autoria original introduzindo pequenas altera­ções no texto (adição ou subtração de palavras, mudança da configuração de parágrafos). Alterações que não resistem segundos a uma análise em um programa de diff. Se o picareta for ainda mais sofisticado, tentará forjar uma prova de anterioridade da autoria, blogando com data retroativa (algo fácil de se fazer na maioria das plataformas de blogue).

Picaretas realmente profissionais tentarão impedir que o autor identifique o roubo de seu texto e suprimirão suas tentativas de protesto caso ele apareça reclamando em grupos do Facebook, comunidades do Orkut/Plus, clãs do Netlog, blogues coletivos, fóruns, etc. Esses são mais perigosos, porque não agem sozinhos: conseguem parceiros para ajudá-los a mode­rar comentários ou até mesmo para hackear o blogue do autor, ou fazer-lhe um ataque DdoS. Com a ajuda desses parceiros, e também de sockpuppets (perfis falsos em redes sociais e fóruns), produzirão uma campanha
de ofuscamento do feito, difamação do autor e obstaculi­za­ção de toda tentativa de esclarecer o que aconteceu.

Caso o ataque continue por bastante tempo e seja efetivo para apagar a vida online do autor (dele­ção de blogue, expulsão de comu­ni­dades/grupos), o copiador poderá impedir defi­ni­ti­va­mente que se reivindique sua pro­priedade original do texto. Porém, como são poucos os auto­res que identi­fi­cam tais abusos e "correm atrás" de seus direi­tos, o esforço dispendido pelos copi­a­dores é pequeno. O objetivo desta campanha é torná-lo maior, para que seja menos lucra­tivo (em termos de remuneração monetária ou subjetiva).

Nem todo copiador de conteúdo tem a intenção de prejudicar o autor do texto original. Todos, porém, pensam em ganhar alguma coisa (dinheiro ou reconhecimento) com o seu projeto. Quando esse ganho não impede que o autor também ganhe alguma coisa por si, temos uma relação justa e até desejável. A coisa só se torna imoral quando o copiador, além de ganhar, impede (intencionalmente ou não) que o autor também ganhe.

Algumas destas práticas descritas são “benignas” (na mesma acepção de “tumor benigno”) porque é pos­sível supor que não houve intenção. Outras são malignas justa­mente por­que a suposição é improvável. Mas algumas são muito malig­nas pois, além da intenção ser evi­dente, ainda fica evidenciado um trabalho persistente de manutenção ou extensão do dano.

Acredito que uma boa prática para saites ou blogues que publicam conteúdo alheio deveria envol­ver os seguintes passos:
  1. Contactar ao autor, informando-lhe que um texto seu foi selecionado para publicação. Mesmo que o contato não seja possível, se o autor tiver publicado sob uma licença que pres­supõe auto­riza­ção de cópia, como a Creative­Commons usada no meu blogue, ainda se poderá fazer a publi­cação, desde que respeitados os passos seguintes, mas sem autorização não se deverá nunca republicar texto algum.
  2. O contato deve sempre perguntar ao autor se ele autoriza a publicação do texto tal como está no blogue ou se deseja fazer alguma revisão.
  3. A publicação sempre deverá incluir atribuição de autoria visível (no cabeçalho, nunca no rodapé) e deverá ser oferecido um link para o endereço de onde o texto foi retirado (preferencialmente vinculado ao nome do autor ou, menos elegantemente, no rodapé).
  4. Para valorizar os autores, especialmente os que tiverem mais de um texto republicado, é boa ideia criar uma página de perfil, com foto, minibiografia e lista de seus textos constantes no local.
Agindo desta forma, os meta-blogues ou saites que reproduzem conteúdo estarão oferecendo aos autores uma compensação justa pelo trabalho que realizam e manterão esses autores moti­vados a continuar escrevendo e compartilhando textos na internet. Agindo de outra forma, será cada vez mais frequentes que os escritores tenham receio de colocar o seu texto na rede (como eu já deixei de fazer), o que reduzirá a longo prazo a quantidade e a qualidade dos textos livremente dispo­níveis para leitura on-line. A menos que esse seja o seu objetivo, acre­dito que você será sensi­bilizado por este manifesto e adequará suas práticas.

20
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 11:21link do post | comentar | ver comentários (1)
Conforme já havia prometido na época em que terminei a tradução desse romance fantástico escrito pelo britânico William Hope Hodgson e publicado em 1907, estou finalmente disponibilizando um e-book oficial com o texto completo. Demorei todo este tempo porque, como não estava enxergando nenhuma reação do público ao meu trabalho, não supus que houvesse demanda por isso. Porém, ao descobrir recentemente que a obra estava ganhando pernas na internet, resolvi cumprir a promessa e ei-lo: o e-book.

ATENÇÃO: Disponibilizada edição impressa do texto corrigido.


Por enquanto está sendo disponibilizado apenas o formato ePUB, mas até o final da próxima semana deverei providenciar o livro também em PDF e MOBI. Tentarei colocá-lo na Amazon e na Barnes & Noble (Kindle e Nook, respectivamente) e certamente o colocarei na Lulu.com, onde tenho uma conta.

Aqueles que baixaram as versões não autorizadas, em lugares como o site ebookbr.com.br, aviso que ainda vale pena deletar e baixar de novo, agora a versão oficial, por várias razões:
  1. Correção segundo a nova ortográfica do português. Mais de 420 erros de digitação (ou de ortografia mesmo) foram corrigidos em todo o texto.
  2. Apresentação melhor. Como eu limpei o código HTML antes de gerar o e-book, o resultado é um visual mais agradável, organizado e limpo.
  3. Correção do título. A obra teve o título corrigido para «A Casa no Limiar», que é mais correto de acordo com o sentido do original («The House on Borderland»). 
  4. Texto Completo. O novo e-book contem um poema de Hodgson a seu pai (incluído na edição original como dedicatória). Alguns parágrafos acidentalmente excluídos também foram recuperados.
  5. Licenciamento correto. Imagem de capa devidamente licenciada do Creative Commons e conteúdo distribuindo respeitando a licença do meu blogue.
  6. Embora muita gente não dê importância a isso, você estará apoiando meu trabalho e me estimulando a contribuir mais traduções. Respeite o esforço de quem compartilha conteúdo livre.
O licenciamento desta tradução é, e sempre será, gratuito. Minha remuneração é a divulgação do trabalho, e deste blogue.

02
Jan 13
publicado por José Geraldo, às 01:09link do post | comentar | ver comentários (1)
Faz alguns dias que eu comecei a analisar o caso de Christopher Schewe, um idiota americano que aparece no YouTube comendo ou bebendo coisas com uma voracidade de avestruz no cio. Passou o fim de ano e eu me detive mais churrasqueando e entupindo os cornos de cidra barata e cerveja do que pensando no que continuar escrevendo sobre o tal babacão. Perdi a onda. Não vou continuar. Pensar em gente imbecil me imbeciliza, me estressa além da conta.

Vocês que já ouviram falar do cara, já devem estar procurando por suas aventuras na internet, inclusive seu famoso vídeo da ingestão de uma garrafa inteira de absinto (que seu fígado descanse em paz, Chris).

Depois de passarem por esse ordálio estúpido e sem razão, sugiro que se perguntem por que motivo esses conteúdos esdrúxulos atraem tanta atenção. Tanto filme bom para se ver, tanto livro legal para se ler, tanto blog como o meu ou melhor, e a audiência da internet vai para vídeos de um americano retardado que enfia uma garrafa de Coca Cola de dois litros pela boca adentro  e vai arrotando pela beirada da boca enquanto se enche daquele lixo tóxico com cor de chorume.

Se você assistiu a todos os vídeos que mencionei (e dos quais eu só ouvi falar através de comentários, depois de ter assistido o da Coca Cola e o do absinto) e alguns outros mais, saiba que você é parte daquilo que está errado no mundo. Sinta-se feliz em ser um semeador do apocalipse.

Mas pelo menos vá rindo enquanto semeia. O mínimo que um idiota merece é todos reconheçam sua idiotice. O suicídio é a eutanásia do imbecil.

27
Dez 12
publicado por José Geraldo, às 00:07link do post | comentar
Você não ouviu falar de Christopher Schewe. Dificilmente terá ouvido falar de “shoenice22” — seu nome de usuário no YouTube. Não perde grande coisa, mas a vida e as apresentações deste assim chamado “comediante” da internet podem servir de base para algumas reflexões interessantes sobre quão doentia é a psique coletiva da humanidade.

Sim, você que é bem informado provavelmente já tivera o primeiro vislumbre do real valor do ser humano ao saber que aproximadamente 55% de todo o tráfego da internet se refere a pornografia. Recentemente tomei conhecimento de informações mais precisas sobre o chamado “lado negro da web“, ou “Deep Web“, que corresponde a mais de 90% do conteúdo da internet, e é o domínio de toda espécie de seres ditos “humanos” (entre aspas) que nem deveriam ter o direito de estar vivos: traficantes de drogas, assassinos de aluguel, pedófilos, estupradores, traficantes de escravos, pervertidos sexuais, canibais etc.

Todas estas coisas existem porque há um público. Só quem pregou no deserto foi João Batista.

Mesmo na internet “normal” existem coisas que não parecem normais, que evocam o lado negro, ou simplesmente a filhadaputice encarcerada dentro de cada cavalheiro ou dama. E não é preciso procurar muito, porque parece que estamos chegando a uma “geléia geral” difusa, sem fronteiras entre o aceitável e o escroto.

Houve um tempo em que o povo não tinha nenhum controle sobre a programação do rádio ou da televisão que assistia.  As pessoas, sensatamente, sabiam que tudo aquilo era uma idealização da realidade — que, muitas vezes, recebiam a informação filtrada por olhos e mentes que haviam visto e pensado primeiro. Como dizia Raul Seixas: “Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz”. Sempre havia um tolo que acreditava na novela, mas era do tipo que a gente ria.

O povo, porém, consumia sem entusiasmo este feno pasteurizado que era produzido pelos meios de comunicação de massa. No fundo, as pessoas ansiavam por ver coisas mais viscerais. Lembro do entusiasmo com que meus coleguinhas de escola falavam dos golpes de “tele-catch” ou de filmes de terror como “Sexta Feira 13”, “A Hora do Espanto” e “Halloween”. Acredito até que foi o sucesso estrondoso deste último filme que impulsionou a popularidade das festinhas promovidas pelos cursinhos de inglês, que, enventualmente, sairam de lá e cairam no gosto do povo, como uma espécie de carnaval gótico fora de época.

No fundo sentíamos saudades dos monstros de circo e dos espetáculos extremos. Em séculos passados era possível ir à feira no domingo e ver uma bruxa sendo queimada ou um criminoso sendo estripado na praça. O populacho adorava estas cenas de sangue, nisso filmes históricos hiperviolentos, como “Coração Valente” não se enganaram.

Esse impulso inspirou Kafka a escrever uma de suas mais brilhantes histórias, “O Artista da Fome”, sobre um pobre diabo que atrai a atenção do público jejuando, possivelmente por dinheiro ou talvez por migalhas de atenção apenas. As pessoas querem vê-lo passar tempos cada vez maiores sem comer, trancado em sua jaula, como um miserável animal.

A Internet já nos brindou com algumas figuras tão melancólicas quanto o Artista da Fome, mas nenhuma tão semelhante a ele quanto “shoenice22”. Ele é o legítimo palhaço triste, em toda sua inglória. Com pouco mais de quarenta anos de idade, divorciado, pai de duas filhas, veterano da Guerra do Golfo, filho de hippies fumadores de maconha e concebido e criado num trailer sujo (suas próprias palavras, em um de seus primeiros vídeos). Seu rosto sempre crispado por uma agonia que pode ser física ou não, Christopher propõe e aceita desafios de seus “fãs” pelo mundo. Desafios que consistem em comer ou beber coisas que não deviam ser comidas ou bebidas, ou então comer ou beber coisas de uma maneira inatural e socialmente inaceitável.

Enquanto o francês Michel Lotito comia coisas (quase sempre de metal) cortadas em pequenos pedaços, ao longo de um grande espaço de tempo (levou dois anos para comer um monomotor Cessna 150), Christopher “ShoeNice” Schewe come coisas que possa cortar com os próprios dentes e engolir de forma rápida, filmadas em vídeos sem interrupção, que posta no YouTube com o subtítulo de “funniest man alive”. Mas não é engraçado.

Schewe já comeu uma barra de desodorante sólido, um rolo de papel higiênico, um cheeseburguer com plástico e tudo. Já bebeu vodca, absinto, álcool líquido e tequila. Já bebeu fluido de isqueiro e água de narguilé.

Eu deveria estar tecendo muitas considerações sobre ele, mas é tarde e meu cérebro já desligou. Continuo na quinta feira, amanhã.

17
Nov 12
publicado por José Geraldo, às 20:37link do post | comentar
Analisando as estatísticas deste blogue descobri que nas últimas semanas um número significativo de pessoas aqui chegou, vindas do Google, pesquisando a expressão «brontops baruq». Fiquei curioso de saber o que raios isso significaria e fiz a pesquisa. Estranhamente meu blogue não apareceu nos resultados, o que só aumentou minha estupefação. Mas descobri a existência de um blogueiro que usa este pseudônimo.

Bem o fato de um blogueiro usar um pseudônimo assim original, em vez de fingir ser gringo e se chamar de Johnny, me fez ter vontade de ler. Descobri que o cara escreve bem, lendo um ótimo comentário seu sobre os mata-borrões. Mas não há lá nenhuma referência ao meu nome ou ao nome do meu blogue.

Persiste então o mistério: como chegaram até mim digitando «brontops baruq» no Google?
assuntos: ,

18
Out 12
publicado por José Geraldo, às 01:17link do post | comentar | ver comentários (1)
Decidi-me a um passo radical nas minhas relações facebookianas. Estou começando a cortar relações com pessoas com quem não tenho conhecimento direto e, simultaneamente, não formam, em minha opinião, um público potencial para a minha literatura. Vou cortando esta turma porque estou cansado de conversas vazias que não vão a lugar nenhum, cansado de gente cheia de certezas, idênticas ou opostas às minhas.

Acredito que esta medida higiência me favorecerá bastante. Ajudará a me manter afastado da internet e mais perto de coisas como árvores, bichos e trabalho. Mesmo que não tenha esse condão, pelo menos me afasto de uns malas.

Esta semana fiquei conhecendo três.

O primeiro mala é aquele cara que posta coisas e depois reclama se você comenta. O segundo é o mala que te adiciona a grupos que ele acha que você quer participar. O terceiro é o mala que só sabe falar em Jesus.

Eu digo que fiquei conhecendo esses malas somente esta semana porque eu nunca tivera a oportunidade de trombar com eles. Mas tenho a certeza de que já os intuía antes: alguns me acompanhavam desde os tempos de Orkut.

Meu contato com o primeiro mala ocorreu quando ele postou um comentário qualquer, de cunho extremamente provocador. Era alguma coisa sobre uma campanha para desacreditar a campanha movida por alguns grupos na internet em favor de que seja também julgado o chamado «mensalão mineiro». Seu comentário foi o de que não há necessidade de julgar nada daquilo, porque é tudo mentira mesmo, já que a justiça até hoje não achou o que julgar, ou algo assim. E que o livro «Privataria Tucana», que acusa os acusadores do atual governo, seria uma «peça de ficção». Quando eu comentei que ele estava agindo movido por fé cega, sem prestar a mínima atenção à coerência, o mala me atacou com uma versão sofisticada daqueles dizeres de auto ajuda barata, algo como «eu nunca fui poluir o seu mural com as minhas opiniões, por que você vem me criticar no meu?» Senti-me atingido porque, de fato, era o mural dele e, de fato também, ele nunca comentara suas opiniões de ultra direitista no meu mural. Mas se eu não tenho o direito de comentar, mesmo acidamente, o que um «amigo» posta em seu mural, então esse não é um «amigo» meu, apenas um sujeito que está adicionado, sabe-se lá por que acaso. A única reação possível, diante da distância ideológica e da necessidade de preservação de seu cercadinho mental, foi a que tomei: desfazer a amizade. No momento em que o fiz, percebi que existem dezenas de outros «amigos» meus que tampouco são amigos: porque não tenho conhecimento pessoal seu, e nem confiança para, em algum momento, comentar livremente o que postam. Amigos que só aceitam comentários laudatórios ou neutros não são amigos. São pessoas que precisam ser ignoradas.

O segundo tipo de mala é mais sutil e, de fato, eu não tenho enfrentado esse problema nas últimas semanas, desde que excluí alguns adicionadores contumazes. Mas foi só nesta semana que eu percebi que essa prática também é um abuso, e um motivo para não somente eu excluir os «amigos», mas a própria conta no Facebook. Aguardarei o lançamento do segundo livro e talvez o faça.

O terceiro tipo de mala tem me atacado menos, e esse era, talvez, o que eu mais tinha noção anterior de sua existência. O que mudou esta semana foi a percepção de que, invariavelmente, a pessoa que toca no assunto Jesus nas primeiras vezes em que você conversa com ela é alguém que tem Deus na cabeça — e mais nada. Existem muitas pessoas que acreditam em Deus e são simpáticas, mas há pessoas que acreditam que a crença é uma desculpa para ser mala permanentemente ou,  pior, que se tornam tão obcecadas que se tornam malas sem querer. Eu não tenho saco para discernir os dois tipos: ignoro ambos.

Há outros tipos de malas bastante incômodos também, como o mala prolífico, aquele que resulta em 76 notificações de atividade, ou o mala científico, que é uma espécie de crente pregador das últimas descobertas científicas. Ambos são de dar dor de dente em galinha. Imagine você abrir suas notificações e ler que «Beltrano de Tal curtiu uma notícia em G1.com», daí você clica e lê que «Mônica Bérgamo (quem?) prepara pizza com Angélica». Ou, no caso do mala científico: «Observatório americano descobre que Plutão tem 0,5% mais merdato de bóstium do que se esperava — descoberta deve revolucionar a teoria das brânquias hipersônicas de Andrômeda». Daí você passa à notificação seguinte e outro «Fulano de Tal» curtiu uma página com «Todos os personagens de 'Malhação' se reúnem para homenagear Zé Ninguém das Couves». Você ignora, mas a notificação seguinte, novamente, do amigo científico, lhe lembra «Asteróide de 0,025 toneladas passou a 0,05 unidades astronômicas da Terra nesta noite». Daí você assusta achando que foi algo grande que passou perto e descobre que foi uma bosta de pedregulho irrelevante de 25kg que nos errou por um vigésimo da distância até o Sol.

Eu estava acostumado a conviver com esses dois malas, e mais o que a cada cinco minutos compartilha um versículo fofoso da Bíblia, ou uma pérola de auto ajuda. Nesta semana percebi o incômodo dos malas políticos que, por uma estranha coincidência, estão inundando o Facebook de calúnias contra o Fernando Haddad, o Lula, o Hugo Chávez e até contra as cerejas de bolo (porque também são vermelhas). Já vi gente dizendo que «Serra é lindo» (tem gosto para tudo, até para vômito) e outro dizendo que «tinha mais é que acabar com essa merda de democracia para afastar esses petralhas do poder». Sei muito bem o que é isso: é uma campanha de astroturfing em plena ação. Esses idiotas aparentes não vão continuar postando isso depois que acabar a eleição: quem está pagando vai deixar de exigir produtividade e eles vão voltar a compartilhar auto ajuda ou notícias irrelevantes, só alguns mais impressionáveis vão continuar bajulando os candidatos. É difícil conviver com isso, não tenho mais tanto tempo. Prefiro cair fora e torcer para eles caírem na real quando precisarem trocar as fraldas, melhor do que caírem na real quando houver tanques nas ruas, e não para lavar roupa suja.

Então, para evitar esse desgaste de meu humor, estou apagando essa gente chata e dedicando meu tempo livre a assistir os filmes do Monty Python e a pesquisar na Internet por discos de violeiros. Isso enquanto O Pecado da Tristeza não sai — e já tá demorando uma meia eternidade.

13
Ago 12
publicado por José Geraldo, às 19:27link do post | comentar
Certo escritor nativo de minha cidade natal tinha o hábito de responder, sempre que lhe perguntavam insistentemente se já havia lido o livro de algum jovem autor revelado recentemente, ou os originais submetidos por algum amador: «Eu ainda não tive tempo para terminar de ler Platão [ou Joyce ou Dostoiévski ou algum outro clássico] e você acha que eu já tive tempo de ler isso aí?» Lem­brei desta frase quando hoje tomei conhecimento da iniciativa Movimento em Prol dos Escritores Brasileiros Desconhecidos, divulgada pela Laura Bacellar (que me é tão desconhecida quanto eu devo ser para ela).


Existe um abismo conceitual e humano entre as duas posições. A primeira revela o pragmatismo de alguém que certamente valoriza a qualidade indis­pu­tá­vel dos trabalhos que sobreviveram ao teste do tempo, a segunda prefere a novi­dade. A primeira desconsidera o escritor enquanto ser humano dotado de emo­ções (que o levam, por exemplo, a pegar o seu original e submetê-lo ao crivo de alguém que tem fama de ser mal educado), a segunda se preocupa com tanta gente que está nas sombras enquanto o sol brilha lá fora. A primeira revela auto­ridade, no caso uma autoridade irrelevante, e a segunda revela empatia. Nenhuma das duas contém em si um juízo de valor sobre o que afirma priorizar, pois quem ainda não leu certo autor não tem base para emitir uma opinião sobre ele e quem prioriza os jovens talentos por serem jovens certamente está, entre os tra­ba­lhos lidos, dando atenção imerecida a alguns que mereciam mesmo a som­bra em que vegetam.

Em um mundo ideal não existiriam pessoas medíocres que humilham as outras através de comparações com o inatingível, especialmente considerando que o pró­prio autor em questão jamais esteve, nem jamais estará, aos pés do mais reles dos clássicos cujos nomes nos foram legados dos séculos anteriores. Mas tam­bém, em um mundo ideal, um trabalho não deveria merecer atenção apenas por ser novo. A verdade é que os livros, como quase todos os produtos culturais, são jul­gados principalmente por fatores extrínsecos: capas, temas da moda, sobre­nome do autor, vinculação a uma obra audiovisual, reputação (boa ou «nega­tiva»). Não acredito que a resistência que os novos enfrentam se deva à novi­dade, ou as pessoas estariam comprando os clássicos às toneladas, em vez de lerem J.K. Rowling e Augusto Cury. A questão é, na verdade, um problema de mar­keting.

Quando digo «marketing» eu não estou, de maneira nenhuma, querendo por qual­quer tipo de culpa no autor. Escritores escrevem, revisores revisam, editores edi­tam. Em um mundo ideal autores não editam, revisores não reescrevem e edi­tores não revisam. Mas não vivemos em um mundo ideal, vivemos em um mundo onde a realidade é o imperialismo cultural mal disfarçado, que faz com que uma composição de adolescente mal escrita adquira um status de best-seller em nosso país, mas as nossas próprias composições são encaradas de nariz tor­cido. Ianques e britânicos têm o direito quase exclusivo de escrever certos gêne­ros, e se você quiser praticá-los deverá, no mínimo, ambientar suas histórias fora do país ou anglicizar os nomes dos personagens. Na melhor das hipóteses, pelo menos fuja de nomes muito acentuados, como Conceição, Sebastião, Estêvão ou João. Esse é o mercado em que precisamos nos inserir: é um mercado pre­con­cei­tuoso, racista (ou, no mínimo, anglocêntrico), unilateral (por objetivar subjugar-nos, em vez de assimilar-nos) e amparado em uma imensa indústria cul­tural a que estamos todos expostos desde a mais tenra infância. Querer cul­par o autor tupiniquim por sua «falha» em atingir esse mercado é uma culpabi­li­zação descarada da vítima.

Portanto, quando a Laura Bacellar fala em valorizarmos o trabalho dos jovens auto­res — comprando-os, lendo-os, recomendando-os, falando deles, doando-os a bibliotecas etc. — ela está propondo uma atitude anticíclica. Considerando quão pequeno é o mercado editorial brasileiro (a ponto de obras se tornarem famo­sas por venderem poucas dezenas de milhares de exemplares) e tendo em vista o crescimento acelerado de nosso mercado consumidor nos últimos dez anos (que, infelizmente, ainda não teve impacto suficiente sobre as vendas de pro­dutos culturais, como livros) o que ela está propondo é capaz de fazer mesmo a diferença. Um número relativamente pequeno de adesões (alguns milhares) pode produzir algumas «marolas» de interesse, que levarão a pequenas mudan­ças de curso. À medida em que alguns resultados começarem a aparecer, talvez as editoras percebam que comprar o original de um autor brasileiro é mais lucra­tivo do que pagar os direitos autorais de uma obra estrangeira famosa e ainda custear tradução e revisão. Nesse dia os nossos autores deixarão de estar em desvantagem tão grande contra os enlatados. Continuarão tendo a pena­li­dade de serem menos conhecidos, mas serão mais baratos. Sendo lucrativos o bas­tante, isso já pode abrir inúmeras portas que hoje estão fechadas.

Agora, sinceramente, eu espero que estas portas venham a ser abertas para gente que escreve bem, o que exclui a maior parte da turminha que anda escre­vendo no Orkut e no Facebook.

05
Jun 12
publicado por José Geraldo, às 22:59link do post | comentar | ver comentários (6)

O Facebook Não Serve Para o que Eu Quero. Cheguei a esta constatação analisando hoje o modo como esta rede social tem se desenvolvido desde que comecei a interagir através dela, há cerca de um ano, egresso do Orkut. Não estou aqui querendo dizer que o Orkut fosse «melhor» (apenas diferente), ou dizendo como eu acho que o Facebook deveria ser. Apenas compreendi que estou perdendo muito tempo aqui para pouco resultado. Ainda continuarei utilizando a rede, mas apenas para finalidade recreativa — e muito menos do que faço hoje — porque as minhas esperanças com ela deixaram de existir.

Os meus objetivos ao interagir em redes sociais são manter contatos profissionais e atrair leitores para o meu blog literário. O problema a que me refiro é que o Facebook não serve para nenhuma destas duas coisas. Então, devo usá-lo para o que serve e desencanar disso para que não serve. Manter contatos profissionais fica bastante difícil se você só pode adicionar pessoas que já conhece ou com quem já interagiu (amigos de amigos, por exemplo). Não posso, por exemplo, encontrar e contatar um tradutor lá do estrangeiro para passar meu livro para a sua língua. Para atrair leitores fica ainda mais difícil, porém.

Ao contrário do Orkut, que era centrado em suas «comunidades», onde as pessoas interagiam, mesmo as desconhecidas, o Facebook é um cercadinho que procure lhe oferecer sempre «mais do mesmo». O Orkut lhe dava a opção de escolher, o Facebook tenta escolher por você e só será possível escapar da oferta limitada e controlada de informação que ele lhe oferece se você se dedicar ativamente a remover os obstáculos. Algo que eu já sei fazer, mas que não tenho o direito de esperar que os meus potenciais leitores façam pelo privilégio de me lerem.

Constato esse problema cada vez que vejo o número de adesões ao meu Google Friend Connect. Quando deixei o Orkut, em julho ou agosto de 2011, eram 83 conexões. Hoje são 81. Além de não ter ganho nenhuma nova conexão em quase dez meses, perdi duas (certamente um fato esperado, devido às contas que caducam ou são eliminadas pelo Google). Evidentemente menos pessoas estão tomando conhecimento da existência de meu blogue — e por isso menos pessoas o estão seguindo.

A explicação para isso é simples: somente têm acesso às minhas publicações (entre elas as atualizações das postagens do blogue, feitas por um aplicativo chamado RSS Graffitti) as pessoas que assinam o meu feed ou que são amigos próximos com quem interajo frequentemente. As demais pessoas nunca saberão do que eu estou falando. Isto quer dizer, em essência, que o Facebook retira das redes sociais justamente o seu maior atrativo, que era a amplificação do discurso individual e a possibilidade de interação em larga escala. Nesse sentido o Orkut era revolucionário e anárquico. O Facebook não tem nada disso.

Por esta razão não estranhem os meus cada vez mais frequentes desaparecimentos da rede social. Estarei procurando outros meios de divulgar o meu trabalho. E vai sobrar menos tempo para ler publicações nos perfis dos amigos.


27
Fev 12
publicado por José Geraldo, às 08:10link do post | comentar

Recebo ocasionalmente mensagens não solicitadas que me oferecem cursos de «escrita criativa». À parte o estranhamento de imaginar como podem ensinar criatividade, estas ofertas não me interessam, nem remotamente. Se me fossem feitas pessoalmente eu responderia, educadamente, que «muito obrigado» e, no caso de uma insistência equivalente à da frequência com que tenho recebido tais mensagens, removeria o «educadamente» e o «muito obrigado» de minha resposta e diria apenas que «não me interessa aprender o que vocês pretendem ensinar».

Várias são as razões que me levam a desinteressar-me definitivamente destas propostas. Algumas destas razões são impublicáveis, pelo menos em seu palavreado original, outras podem ser relevantes somente para mim, outras são óbvias; mas o óbvio é o mais difícil de ser visto pela maioria das pessoas, existem povos inteiros no mundo que não sabem que o céu é azul, segundo certo antropólogo que um dia deu uma palestra que assisti, enquanto, para outros, todas as espécies de plantas rasteiras que crescem nas planícies podem ser resumidas na palavra «pasto». Lutando contra estas dificuldades, semânticas e outras, pretendo explicar porque, em minha opinião, não apenas tais cursos não me interessam como não deveriam interessar a ninguém.

Para começar, gostaria de observar que nenhum divórcio é mais amigável que o do tolo e de seu dinheiro. Existem pessoas que, simplesmente, estão dispostas a pagar por ar engarrafado, sentem-se mais ricas por possuírem tais garrafas, sentem-se superiores. Estas pessoas facilmente se ofendem diante da sugestão de que o conteúdo de suas garrafas é apenas ar ou, pior ainda, que elas poderiam ter de graça aquilo porque pagaram. Não é para estas pessoas que eu estou escrevendo, mas elas provavelmente constituirão a maior parte dos que comentarão este texto, se ele, ao contrário dos demais do blogue, tornar-se comentado.

O que tais cursos pretendem com a ideia de ensinar «escrita criativa»? O que é, de fato, «escrita criativa» ou, como alguns pretendem, «escrita para o mercado» ou «escrita comercial». Com todo respeito aos proponentes de tais ideias, os conceitos são incompatíveis. Escrita criativa não é — e nunca poderá ser — «para o mercado». Livro não é peixe e nem é sabonete para ter um desígnio focado no «mercado». Livro que se foca no mercado se rebaixa a ele. Escrita para o mercado, com um pouco menos de respeito, mas ainda dentro da civilidade, é lista de compras. Escrita comercial é contabilidade.

Começa-se, portanto, com um conceito vago, baseado na palavra mágica que a todos seduz: mercado, esse deus (ou monstro) de muitas mãos e cabeças que, supostamente, regula o valor das coisas e das pessoas (e efetivamente iguala ambas as categorias em uma só, embora as segundas sempre fiquem num patamar ligeiramente secundário, por não serem tão maleáveis e nem tão adaptadas). Acima de tudo, o curso se baseia na ideia de que a escrita tem que ser para o mercado.

Quando se parte de uma quimera como essa, fica difícil chegar a algum lugar. Mas esta dúvida se dissipa quando vemos o que é que se ensina. A simples leitura do currículo de certos cursos deveria ruborizar quem os fez, mais ainda quem compra. Se o rótulo de um remédio tivesse a inscrição «placebo ineficaz e amargo que não vai curar seu fígado» e as pessoas ainda insistissem em consumi-lo, isso seria vergonhoso. As matérias incluídas em tais currículos partem de coisas como «gêneros de escrita», «estruturas de enredo», «escrita descritiva», «protagonista e antagonista», «projetos de publicação», «outlining» etc. Obviamente os cursos de «escrita criativa» não incluem a criatividade no plano de curso, apenas técnicas, «macetes», «dicas», «toques». Como dizia Raul: «Enquanto Freud explica as coisas, o diabo fica dando uns toques…»

Não vou aqui fazer afirmativas peremptórias de que «talento não se ensina». Não tenho tanta certeza disso, apenas de que é impossível ensinar talento com o currículo destes cursos de escritores. Uma certeza limitada é sempre mais segura que uma negativa plana e abrangente. Não pretendo terraplenar o mundo de acordo com os meus conceitos. Apenas acredito que nada tenho a aprender e que, para as pessoas que acham que aprenderão alguma coisa, provavelmente já é tarde demais para aprender.

Tarde demais porque já adquiriram muitos vícios, tarde demais porque não tiveram boa formação de leitura durante a infância, tarde demais porque acreditam que a fórmula do sucesso reside na ingestão de uma fórmula. São pessoas com mente de apertador de botões, que acham que seu cérebro possui os botões certos para serem apertados e produzirem um livro genial. Cada um de nós é o produto da gradual transformação, piora ou aperfeiçoamento daquilo que aprendeu, sentiu e viveu quando era ainda criança. Mas as técnicas pseudocientíficas da auto-ajuda sempre insistirão que «nunca é tarde», que se pode «recuperar o tempo perdido» pagando um supletivo, etc. Não se recupera tempo perdido. Tempo passado é tempo esgotado. Tempo é irremediável.

Imagino, porém, que tais cursos não se destinam aos despossuídos das letras, mas a pessoas que já sabem escrever alguma coisa, que apenas querem evoluir. Nesse caso fico mais inseguro. Obviamente, se o curso for frequentado apenas por pessoas que escrevem desde a infância, existe uma tendência a que os formados exibam qualidades literárias evidentes. O fato de terem aprendido a pontuar melhor as frases, dar uma organizada no conteúdo ou apresentarem sua obra devidamente empacotada e pesada (em número de páginas, palavras e capítulos) faz com que tenham a ilusão de que se tornaram escritores melhores. Mas seria justo atribuir mérito ao curso pelo talento que os autores já tinham antes?

Não creio, porém, que haja em suficiente número pessoas que sabem escrever. Um curso dirigido apenas a tais pessoas teria poucos alunos, tão poucos que não se sustentaria. Maior é o número das pessoas que apenas acham que sabem escrever alguma coisa. Parece-me mais provável que este seja o público alvo. Amestrar tais pessoas na arte de construir frases mais claras, distribuir seus conceito em capítulos e organizar suas ideias em sinopses apenas refinará aquilo que elas não possuem: conteúdo. Da destilação deste vazio poderão apenas sair obras vazias, que ajudarão a submergir na massa de sua insignificância a literatura do mundo.

Não quero, de maneira alguma, parecer arrogante, mas um outro ponto que me preocupa em tais cursos, mais até do que o currículo, é o mestre. Todos sabemos que um professor capacitado pode dar uma grande aula, mesmo com um currículo produzido por um inepto. Portanto, a salvação do curso pode estar no nome de quem seja escolhido para dar as aulas. Não vejo tal nome apregoado como o grande plus desse curso. Certamente o mestre não é alguém significativo, porque se fosse pelo menos alguém dotado de notoriedade, ou de um currículo respeitável, estariam imprimindo seu nome em letras vermelhas, negrito, tamanho 48. Que tenho eu para aprender da boca de um anônimo como eu, utilizando um currículo que não me inspira confiança alguma?

Se o professor, mais que alguém com renome, fosse de reconhecido talento, eu nem ligaria para o currículo. Ouvir um autor competente falar sobre abóboras durante vinte minutos ensina mais do que um ano de curso com um professor de português preocupado com a colocação pronominal e que acha que o brasileiro não sabe falar (para estes curiosos espécimes, o povo seria uma criatura simiesca, que precisa ir à escola aprender uma língua de gente). Um diploma sobre abóboras assinado por Carlos Drummond de Andrade é muito mais currículo, para mim, do que uma pós-graduação em Letras Anglo-Saxônicas por uma dessas faculdades fast-food que pulularam por esse país de trinta anos para cá. Tenho muito a aprender, mesmo que seja só sobre abóboras, com muitos autores que ainda estão vivos. Não tenho nada a aprender sobre «escrita comercial» com um professor de literatura. Escrita comercial eu aprendi no curso noturno de Técnico em Contabilidade, no Colégio Cataguases, turma de 1990.


14
Jan 12
publicado por José Geraldo, às 15:57link do post | comentar

Reconhecidamente autor de obras insuportáveis para quem efetivamente lê, em vez de comprar para enfeitar estante ou para ter «lições de vida», Paulo Coelho se tornou o pivô de uma curiosa briga na internet nas últimas semanas. Eu, como sempre, marido traído em matéria de notícias culturais, fiquei sabendo só agora. Em uma postagem no Twitter, o Mago chamou de insuportável o novo livro de Mário Sabino. Achei a atitude do mago bastante imoral, embora o livro criticado seja mesmo, provavelmente, difícil de suportar. Para que o leitor possa entender as razões de meu julgamento, vou fazer um apanhado da história.

Mário Sabino é um jornalista brasileiro. Como muitos jornalistas, tem uma plataforma gratuita para lançar-se como autor literário (mas provavelmente vociferou contra a derrubada da exigência de diploma para o exercício do jornalismo e não aceitaria que autores literários tentassem a mão no jornalismo). Mário Sabino, ao que parece, nunca se notabilizou como repórter, mas chegou a cargos de mando relevantes em publicações como IstoÉ e, até recentemente, Veja. É um cara de ultra-direita (se for sincero), ou totalmente prostituído para a direita (caso não seja). Não tenho problemas com sua ideologia: apenas discordo antipodamente dela (em qualquer das hipóteses). Não estou aqui para falar de sua postura profissional, e nem sequer de suas qualidades de autor, mas do entrevero Sabino/Coelho. Quem não quiser ler a minha versão, pode procurar no Google, que está bombando com o assunto, ou ler a resenha do Luiz Nassif, um jornalista que, a julgar pelo que escreve, deve ser uma ótima pessoa (não o conheço pessoalmente).

Na qualidade de editor-chefe da revista Veja, Mário Sabino sofreu vários tipos de críticas quanto à sua conduta profissional. Estas críticas não me interessam. O que me interessa é que este período de sua vida coincidiu com o início de sua carreira literária. Tal como eu, Sabino é um late bloomer, ou seja, só começou a publicar tardiamente. A diferença é que eu publico em editora pequena e tenho quase nula repercussão. Sabino, devido ao poder emanado de sua condição de manda-chuva editorial de uma das principais publicações do país, publicou pela Editora Record. Tal como muitas celebridades, vendeu muito, mais pelo nome conhecido e pela divulgação recíproca entre seus pares. Provavelmente teria vendido algumas dezenas de exemplares apenas, se em vez de editor-chefe da veja ele fosse editor-chefe da Folha de Cabrobó ou da Gazeta Leopoldinense. É preciso desconfiar do sucesso que é alimentado pelo poder.

Pelo que pude verificar, Sabino publicou quatro livros durante sua fase na Veja (não sei e não quero saber se publicou algum antes): dois romances e dois volumes de contos, a saber:

O Dia em que Matei Meu Pai
Romance, traduzido para italiano, espanhol (Argentina), francês, holandês, inglês (Austrália e Nova Zelândia), coreano e romeno. Republicado em Publicado em Portugal. Ou seja: deve ser um livro razoável, ou não teria atraído tanta atenção. Se bem que ficou notoriamente fora de países importantes do mundo literário, como Espanha, México, Rússia, Polônia e Alemanha, e certas traduções foram publicadas na periferia (em inglês, na Austrália e Nova Zelândia, em espanhol, na Argentina). De qualquer forma, eu estaria rindo de orelha a orelha se tivesse tido repercussão igual.
O Antinarciso
Coletânea de contos, vencedor do Prêmio Clarice Lispector, da Biblioteca Nacional.
A Boca da Verdade
Coletânea de contos. Ao contrário dos dois livros anteriores, nem foi traduzido no exterior e nem ganhou prêmio.
O Vício do Amor
Romance, publicado recentemente, e pivô da crise com Paulo Coelho.

Na época em que era editor-chefe da Veja, os livros de Sabino foram bastante elogiados na imprensa brasileira. Aliás, os elogios e a vendagem de tais obras foi alvo de uma controvérsia, com suspeita de manipulação da lista dos Mais Vendidos, além de certas relações inadequadas no mercado editorial.

Nada disso importa, porém, se considerarmos que, por medo ou indiferença, os livros de Sabino eram elogiados (ainda que esses elogios fossem ouvidos apenas pelo eco), foram vendidos e foram promovidos na grande imprensa. Paulo Coelho, por exemplo, jamais se manifestara sobre o caso. E tinha direito, visto que ser autor de obras insuportáveis não impede um crítico de detectar a insuportabilidade alheia. Como meu dentista certa vez disse: «mau hálito você só sente o dos outros». Falta de talento é uma espécie de «mau hálito», mas, em nome da higiene universal da arte, não devemos esperar que somente os de boca limpa tenham o direito de se incomodar com o hálito alheio.

Acontece que Mário Sabino foi demitido (ou demitiu-se) da Veja no final do ano, em circunstâncias ainda misteriosas. A ser verdade o que se especula por aí, sua saída, se por demissão, foi em condições tão desfavoráveis que dificilmente ele ainda terá um futuro no ramo. Espero que tenha uma boa poupança. E não demorou para que se manifestassem alguns que permaneceram em silêncio durante todo o tempo em que Sabino detinha o poder fulminatório da Veja em suas mãos. Veículos de imprensa, como o Valor Econômico (que é um jornal de economia, não de literatura) e a Folha de São Paulo não perderam tempo em atacar-lhe justamente no que um autor (bom ou mau) tem de mais sensível: a sua auto-estima de criador. Depois que o inimigo é derrotado, aparecem muitos heróis para ir no campo de batalha cuspir nos cadáveres, dizia um antigo ditado polonês (ou iídiche, não consegui descobrir). Além de perder subitamente seu poder de editor-chefe da maior revista deste país, Sabino ainda foi chamado de vários adjetivos.

E justamente Paulo Coelho, notório autor de livros insuportabilíssimos, tuitou que o último livro de Sabino seria insuportável. A julgar pelas resenhas, deve ser mesmo. Mas por que razão será que Paulo Coelho deixou para falar mal de Sabino apenas depois de ele ter perdido seu emprego na Veja?

Em tempo, se alguém quiser tuitar que meu livro é insuportável, favor deixar o link do blogue e da editora. E se tiver mais artigos interessantes, talvez eu ponha no blogroll.

P. S. — não se trata aqui de ficar implorando por atenção. A questão é que, para um autor, a divulgação de seu livro é sempre interessante, mesmo que seja uma divulgação negativa. A literatura é uma das únicas profissões na qual um renome, mesmo horrível, ajuda a vender. Além do mais, ao contrário de certos autores, eu já desencanei de minha obra, e vejo os comentários, mesmo os mais críticos, com distanciamento. Quem não consegue esse distanciamento (e parece que o Mário Sabino ainda não consegue) acaba desestimulando a crítica, ou fazendo com que ela se torne rancorosa.


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